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Maria Berenice Dias*
As mudanças
Agora, para a cobrança de condenação imposta judicialmente, o credor não
precisa passar pelas agruras do processo de execução. Recentes reformas no
processo de execução aboliram o processo de execução dos títulos executivos
judiciais (Lei 11.232/05). O cumprimento da sentença não mais depende de
processo autônomo e transformou-se
em um incidente processual. Trata-se de mera fase do processo de conhecimento,
e não de nova demanda a angularizar-se pelo ato citatório.
O silêncio do legislador no que diz com a execução dos alimentos tem
semeado discórdia em sede doutrinária, sendo questionado se a simplificação dos
atos de cumprimento da sentença alcança os encargos de natureza alimentícia.
Como era
A execução dos alimentos está prevista tanto no Código de Processo Civil
(arts. 732 a 735) como na Lei de Alimentos (Lei 5.478/68, arts. 16 a 19). Os
alimentos provisórios, provisionais ou definitivos; fixados em sede liminar ou
incidental; por sentença sujeita a recurso ou transitada em julgado; ou ainda
estabelecidos por acordo dispõem dos mesmos meios executórios: desconto, expropriação
ou coação pessoal.
Não havendo possibilidade de desconto da prestação alimentícia do
salário, de aluguéis ou outras rendas (CPC, art. 734 e LA, art. 17), abre-se ao
credor duas possibilidades executórias: a expropriação e a prisão do devedor.
Os arts. 732 e 735 do CPC e o art. 18 da Lei de Alimentos fazem expressa
remissão à via da execução por quantia certa contra devedor solvente. A outra
possibilidade de obter o pagamento – e de modo mais célere – é a que admite a
prisão do devedor, prevista no art. 733 do CPC.
Entre esses dois procedimentos não existe preferência legal. A
identificação do meio de cobrança a ser utilizado pelo credor acabou sendo
feita pela jurisprudência. A execução pelo rito que pode levar à prisão ficou
reservada às prestações mais recentes. É o que dispõe a Súmula 309 do STJ:
"O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é a que
compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se
vencerem no curso do processo."
Débitos mais antigos somente comportavam execução por meio da penhora,
sob o fundamento de terem perdido o caráter urgente para garantir a
sobrevivência do credor. Antes das últimas reformas introduzidas no estatuto
processual, o devedor era citado para, no prazo de vinte e quatro horas, pagar
ou nomear bens à penhora, sob pena de lhe serem arrestados tantos bens quantos
fossem necessários para garantir a execução. Seguro o juízo, o devedor podia,
no prazo de 10 dias, oferecer embargos que, apensados ao processo de execução,
tinham efeito suspensivo (CPC, art. 739, § 1º). Apesar de o recurso da decisão
que rejeitasse liminarmente ou desacolhesse os embargos dispusesse do só efeito
devolutivo (CPC, art. 520, IV e LA, art. 14), como os autos da execução eram
encaminhados ao Tribunal, na prática, a execução restava suspensa até o retorno
dos autos à origem, depois do julgamento da apelação.
Quando a dívida alcançava prestações recentes e antigas, era necessário
o uso simultâneo de dois processos executórios: um pelo rito da coação pessoal
para cobrar as três últimas parcelas vencidas; e outro, para a cobrança das
prestações anteriores, pela via expropriatória do art. 732 do CPC.
As polêmicas
A partir da vigência da Lei 11.232/05 não mais existe o processo de
execução de título executivo judicial. Somente os títulos executivos
extrajudiciais dispõem de procedimento autônomo, e isso com as alterações
trazidas pela Lei 11.382/06. Para o cumprimento da sentença condenatória por
quantia certa basta o credor peticionar nos autos do processo de conhecimento.
O devedor não é citado, até porque não se está em sede de nova demanda.
Pela dicção da lei parece não haver dúvida de que a mora constitui-se
independentemente da intimação do devedor. Ante sua inércia pelo período de
quinze dias, a contar da sentença que desafia recurso no só efeito devolutivo
ou do seu trânsito em julgado, o montante do débito já resta acrescido do valor
da multa, que tem incidência automática, não havendo necessidade de ser imposta
pelo juiz (CPC, art. 475-J). Frente a omissão do executado, o credor só
precisaria requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação.
Aqui já começam as divergências. Questiona-se sobre a necessidade de dar
ciência ao devedor para cumprir a sentença no prazo de 15 dias, sob pena de imposição
da multa de 10%. Enquanto uns entendem que o devedor não precisa ser intimado
outros sustentam que é indispensável sua intimação pessoal. Já outra corrente
diz que basta a intimação do procurador do devedor pela imprensa oficial.
Porém, não é possível dispensar a intimação do réu. Precisa ser intimado
pessoalmente para ser constituído em mora. Só então começará a fluir o prazo
para o cumprimento da sentença, ainda que eventualmente haja o risco de se
estar perpetuando o velho sistema que o legislador fez tanta questão de banir.
A intimação serve também para dar ciência ao devedor da incidência da multa,
caso não proceder ao pagamento no prazo de quinze dias. Não basta a intimação
de seu procurador. Descabido impor-lhe o ônus de procurar seu cliente para que
ele faça o pagamento. Certamente resistirão os advogados, pois, quando a
intimação é de ser feita na pessoa do procurador, expressamente a lei faz tal
ressalva, como ocorre com o auto de penhora e de avaliação (CPC, art. 475-J, §
1º).
Não há como pretender que o réu, no prazo de quinze dias contados da
intimação da sentença, compareça espontaneamente em juízo e deposite o valor
que entender devido para não ficar sujeito à multa. A intimação da sentença não
pode servir de marco temporal para o adimplemento voluntário, pois o recurso
geralmente dispõe de efeito suspensivo. Ao comparecer a juízo para o depósito
corre o risco de os autos não estarem em cartório, pois remetidos ao Tribunal.
Porém, a intimação pessoal deve ser feita pelo correio (CPC, 238) e não por
meio de oficial de justiça. O art. 611 do CPC, que determinava a citação
pessoal do devedor, foi expressamente revogado.
De forma singela prevê a lei que o montante da condenação será acrescido
de multa no percentual de dez por cento, caso o devedor não efetue o pagamento
no prazo de quinze dias (CPC, art. 475-J). Também no que diz com o marco
inicial de incidência da multa existem posições antagônicas. Para uns o prazo é
contado a partir da exigibilidade da dívida quer por a sentença ter transitado
em julgado, quer porque interposto recurso sem efeito suspensivo. Para outros a
multa torna-se exigível mediante a intimação do procurador do devedor.
Há quem entenda que a intimação deve ser determinada, de ofício, Porém,
não há previsão legal autorizando ao juiz que tome a iniciativa de cientificar
o devedor. Ao contrário, não sendo requerida a execução no prazo de seis meses,
o juiz mandará arquivar os autos (CPC, art. 475-J, § 5º). Com mais coerência,
outros dizem que a intimação deve ser pessoal, pelo correio, mas dependente de
provocação do credor. Em face das ações que tem por objeto a entrega de coisa
(CPC, art. 461) já se manifestou o STJ pela necessidade de intimação pessoal,
uma vez que se trata de ato a ser praticado pela parte e não por seu advogado.
É necessário distinguir os atos processuais que exigem capacidade
postulatória dos atos materiais de cumprimento da obrigação. O advogado é
intimado para os atos a serem por ele praticados. Porém, para a prática de atos
que dizem com o cumprimento da obrigação objeto do litígio, a parte deve ser
intimada pessoalmente. Como o cumprimento da sentença condenatória é ato da
parte, esta é que deve ser intimada.
Apesar da boa intenção do legislador de emprestar celeridade ao
cumprimento da sentença condenatória para o pagamento de quantia em dinheiro,
somente mediante solicitação do credor é que o juiz irá determinar a intimação
do devedor, pelo correio, para proceder ao pagamento em quinze dias, sob pena
de incidência da multa. Não há como reconhecer a exigibilidade da multa sem
prévia intimação do devedor. Tal é ir um pouco além da própria finalidade de
sua cominação, que visa a estimular o adimplemento, livrando o credor de
prosseguir com a cobrança judicial.
A execução dos alimentos
Não houve expressa revogação e nem qualquer alteração no Capítulo V do
Titulo II do Livro II, do CPC que trata "Da Execução de Prestação
Alimentícia". Também não há nenhuma referência à obrigação alimentar nas
novas regras de cumprimento de sentença, inseridas nos Capítulos IX e X do
Título VIII do Livro I: "Do Processo de Conhecimento" (CPC, arts.
475-A a 475-R).
Em face disso, boa parte da doutrina sustenta que à execução de
alimentos não tem aplicação a nova lei. Um punhado de justificativas impõe que
se reconheça como inadequada esta postura. A cobrança de quantia certa fundada
em sentença não mais desafia processo de execução específico. O credor só
necessita ajuizar execução autônoma quando dispuser apenas de um título
executivo extrajudicial.
Há um fundamento que põe por terra qualquer tentativa de emprestar
sobrevida à execução por quantia certa de título executivo judicial relativo a
alimentos. O Capítulo II do Título III do Livro II, do CPC, que se intitulava:
"Dos Embargos à Execução Fundada em Sentença", agora se denomina:
"Dos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública". Ou seja, não
existem mais no estatuto processual pátrio embargos à execução de título
judicial. Esse meio impugnativo só pode ser oposto na execução contra a Fazenda
Pública. A vingar o entendimento que empresta interpretação literal ao art. 732
do CPC, chegar-se-ia à esdrúxula conclusão de que o devedor de alimentos não
dispõe de meio impugnativo, pois não tem como fazer uso dos embargos à
execução.
Os alimentos podem e devem ser cobrados pelo meio mais ágil. O fato de a
lei ter silenciado sobre a execução de alimentos não pode conduzir à idéia de
que a falta de modificação dos arts. 732 e 735 do CPC impede o cumprimento da
sentença. A omissão não encontra explicação plausível e não deve ser interpretada
como intenção de afastar o procedimento mais célere e eficaz logo da obrigação
alimentar, cujo bem tutelado é exatamente a vida.
Finalmente, cabe lembrar que a nova sistemática não traz prejuízo algum
ao devedor de alimentos, pois a defesa pode ser deduzida, com amplitude, por
meio da impugnação (CPC, art. 475-L), que corresponde aos embargos que existiam
na legislação revogada (CPC, art. 741). A impugnação pressupõe a penhora e
avaliação de bens, ou seja, é necessária a segurança do juízo (CPC, art. 475-J,
§ 1º). Ademais, como não dispõe de efeito suspensivo (CPC, art. 475-M), a
impugnação não vai poder ser usada com finalidade exclusivamente protelatória,
como ocorria com os embargos à execução. De qualquer modo, às claras,
continuará sendo aceitas as famosas exceções de pré-executividade, criação
pretoriana que entrava ainda mais a satisfação do credor.
A sentença que impõe o pagamento de alimentos dispõe de carga eficacial
condenatória, ou seja, reconhece a existência de obrigação de pagar quantia
certa (CPC, art. 475-J). O inadimplemento não pode desafiar execução por
quantia certa contra devedor solvente, uma vez que essa forma de cobrança não
mais existe, sendo possível somente ser buscado o cumprimento da sentença nos
mesmos autos da ação em que os alimentos foram fixados (CPC, art. 475-J).
Portanto, o crédito alimentar está sob a égide da Lei 11.232/05. Houve mero
descuido do legislador ao não retificar a parte final dos arts. 732 e 735 do
CPC e fazer remissão ao Capítulo X, do Título VII: "Do Processo de
Conhecimento". A omissão, mero cochilo ou puro esquecimento não pode levar
a nefastos resultados.
O rito da coação pessoal
A Constituição Federal excepciona o dever alimentar da vedação de prisão
por dívida (CF, art. 5º, LXVII). O meio de dar efetividade a esse permissivo
constitucional encontra previsão no art. 19 da Lei de Alimentos e no art. 733
do CPC, que estão em plena vigência. As alterações introduzidas no CPC não
revogaram o meio executório da coação pessoal.
Quando se trata de alimentos estabelecidos em sentença definitiva, o
pagamento pode ser buscado nos mesmos autos. Sujeita a sentença a recurso que
não dispõe de efeito suspensivo (CPC, art. 520, II), o cumprimento depende de
procedimento autônomo, nos moldes da execução provisória (CPC, art. 475-O). Em
ambas as hipóteses possui o credor a faculdade de optar: pedir a intimação do
devedor para pagar em quinze dias para evitar a incidência da multa (CPC, art.
457-J) ou requerer sua citação para pagar em três dias sob pena de prisão (CPC,
art. 733). Caso o devedor proceda ao pagamento nos respectivos prazos, não há
incidência da multa.
A escolha por uma ou outra modalidade de cobrança está condicionada ao
período do débito, se vencido ou não há mais de três meses. No que diz com a
dívida pretérita, a forma de cobrar é por meio do cumprimento da sentença:
intimação do devedor para que pague em quinze dias. Não realizado o pagamento,
incide a multa, e o credor deve requerer a expedição de mandado de penhora e
avaliação (CPC, art. 475-J). Rejeitada a impugnação (CPC, art. 475-L),
igualmente, incide a multa. Penhorado dinheiro é possível mensalmente o
levantamento do valor da prestação (CPC, art. 732, parágrafo único). Como se
trata de crédito alimentar, descabe a imposição de caução, a não ser que o
valor da dívida seja superior a sessenta salários mínimos e não tenha
demonstrado o credor situação de necessidade (CPC, art. 475-O, § 2º, II).
Com relação às parcelas recentes, ou seja, se o débito for inferior a
três meses, o credor pode fazer uso do rito do art. 733 do CPC. Ainda que o
pedido possa ser formulado nos mesmos autos, mister a citação pessoal do
devedor para que proceda ao pagamento, no prazo de três dias. Não paga a dívida
ou rejeitada a justificação apresentada, expedir-se-á mandado de prisão. Sobre
o valor do débito não se incorpora a multa. Embora a lei diga que o montante da
condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (CPC, art. 475-J), tal
encargo não integra a obrigação alimentar quando o pagamento é exigido sob pena
de prisão. Descabe dupla sanção. No entanto, cumprida a prisão e não feito o
pagamento, como a execução prossegue pelo rito do cumprimento da sentença (CPC,
art. 475-J), a multa incide sobre a totalidade do débito.
A cobrança dos alimentos definitivos pode ser levada a efeito nos mesmos
autos, seja por meio do cumprimento da sentença ou da execução por coação
pessoal. Pretendendo o credor fazer uso de ambos os procedimentos, isto é,
quando quiser cobrar tanto as parcelas vencidas há mais de três meses como a
dívida recente, mister que o pedido de execução sob a modalidade de prisão seja
veiculado em apartado. Nos mesmos autos será buscado o cumprimento da sentença.
A diversidade de rito entre as duas formas de cobrança certamente retardaria o
adimplemento da obrigação se processadas em conjunto.
Quanto aos alimentos provisórios ou provisionais fixados liminar ou
incidentalmente, também é possível o uso de qualquer das modalidades executórias.
Nada obsta que busque o credor a cobrança por meio de procedimentos distintos,
um para a cobrança das parcelas vencidas há mais de três meses e outro para a
dívida mais recente. No entanto, a cobrança não pode ser processada nos mesmos
autos, para não obstaculizar o andamento da ação. O pedido será levado a efeito
em outro procedimento, nos moldes da execução provisória (CPC, art. 475-O).
Da mesma forma é cabível a execução da sentença sujeita a recurso (CPC,
art. 475-I, § 1º). Como a apelação que condena à prestação de alimentos dispõe
do só efeito devolutivo (CPC, art. 520, II e LA, art. 14), pode haver a busca
do pagamento antes de os alimentos tornarem-se definitivos. A cobrança deverá
ser feita tal qual a execução provisória (CPC, art. 475-O).
Também aqui a escolha do rito vai depender do prazo do inadimplemento.
Intimado o devedor e não feito o pagamento em 15 dias, passa a incidir a multa
de 10%. Ao credor cabe requerer a expedição de mandado de penhora e avaliação,
já indicando bens para garantir a segurança do juízo (CPC, art. 475-J). No
entanto, se preferir o credor o rito da coação pessoal, mister que o réu seja
citado para pagar em três dias, provar que pagou ou justificar a
impossibilidade de fazê-lo (CPC, art. 733).
Sobre alimentos provisórios ou provisionais, incide a multa de 10%.
Ainda que a lei faça referência à "condenação" (CPC, 475-J), não se
pode retirar o caráter condenatório dos alimentos fixados em sede liminar.
Basta lembrar que se trata de obrigação pré-constituída e que os alimentos são
irrepetíveis. O pagamento precisa ser feito mesmo que os alimentos não sejam
definitivos. Ainda que o valor do encargo venha a ser diminuído ou afastado,
tal não livra o devedor da obrigação de proceder ao pagamento das parcelas que
se venceram neste ínterim. Não admitir a incidência da multa pelo fato de os
alimentos não serem definitivos só estimularia o inadimplemento e a eternização
da demanda.
Pela natureza da dívida não é possível concluir que a omissão do
legislador, em atualizar os dispositivos que regulam a execução dos alimentos,
desautoriza o uso da forma simplificada e célere que as reformas visaram
implementar.
O resultado seria dos mais perversos.
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* Desembargadora do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, vice-presidente nacional do Instituto
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Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9383
Acesso em: 04 nov.
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