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Alimentos e a transmissibilidade da obrigação aos
ascendentes, descendentes e colaterais no Código Civil de 2002
Ana Paula Soares da Silva de Castro*
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DOS ALIMENTOS; 3. DOS PARENTES OBRIGADOS A FORNECER
ALIMENTOS; 4. DA TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PARENTES; 5.
CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
O homem, ao
contrário das demais espécies animais, necessita, desde o seu nascimento, de
inúmeros cuidados e atenção de seus semelhantes para garantir a sua
sobrevivência. Neste sentido, os alimentos são vitais para garantir a vida,
isto é, a subsistência da espécie. Não obstante, entende-se que a obrigação
alimentar não pode, em nenhuma hipótese, servir para incentivar o ócio,
comodismo ou a vadiagem de quem quer se seja.
Em uma sociedade
civilizada, os deveres dos pais para com os filhos menores englobam diversas
obrigações, dentre as quais podemos citar o fornecimento de alimentação,
vestuário, abrigo, medicamentos e tudo o que for necessário à sobrevivência de
sua prole. Outro dever igualmente importante dos pais é o de manter os filhos
em sua companhia exercendo vigilância sobre eles, não os deixando ao abandono;
proporcionando-lhes educação que abrange o ensino básico ou elementar e outros
níveis de conhecimento de acordo com as condições sócio-econômicas desses pais.
A Constituição
Federal de 1988, em seu art. 229, dá relevância ao dever que têm os pais de
assistir, criar e educar os filhos menores e ao dever que têm os filhos maiores
de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Observamos que
há uma reciprocidade alimentar como um direito à vida em qualquer idade, quer
seja no sentido ascendente, quer seja no sentido descendente na linha reta de
parentesco, uma vez que o parentesco em linha reta, não encontra qualquer
limitação perante a lei.
Um dos temas mais
expressivos do Direito Civil tem sido o que rege os direitos e deveres sobre o
tema alimentos. Este tema, pela sua amplitude e importância para toda a
sociedade, tem provocado inúmeros debates ao longo do tempo, entretanto, a
questão relacionada à transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes
tem sido alvo de maior controvérsia.
É comum o pedido
de alimentos dos filhos em relação aos pais e também, dos pais em relação aos
filhos, esta não tanto comum, neste sentido, nenhuma repercussão mais acentuada
se verifica. Todavia, a situação se reverte e provoca sérios atritos quando os
alimentos são reclamados entre os demais parentes. Por exemplo, quando da
solicitação de alimentos de um irmão para outro, ou de um neto para os avós e
vice-versa.
Isto porque nem
sempre o parente mais remoto se curva ao entendimento prescrito na lei. Porque
se considera que, de acordo com o senso do homo medius, a obrigação alimentar caberia tão somente aos pais
em relação aos filhos.
Não obstante, do
ponto de vista jurídico, a questão envolvendo a transmissibilidade da obrigação
alimentar entre parentes também se encontra em latente debate entre os
doutrinadores e operadores do Direito.
Em relação à
admissibilidade do pedido de complementação da obrigação alimentar a doutrina é
pacífica em admiti-lo, desde que observados os critérios referentes ao binômio
necessidade-possibilidade que é da essência da obrigação alimentar.
Cabe ressaltar que
a obrigação complementar segue também ao infinito em linha reta, isto é, em
relação aos descentes e ascendentes, já os colaterais são limitados até o
segundo grau, ou seja, entre irmãos (unilaterais ou bilaterais). No entanto, a
complementação entre tios sobrinhos e primos causa celeuma entre os operadores
do Direito.
Em relação à
complementação da obrigação, podemos exemplificar, um filho que necessite de
alimentos (incluindo medicação em função de doença crônica) cujo pai contribui
com valores insuficientes, no limite das suas possibilidades, poderia pleitear
alimentos ao seu avô para complementar a obrigação.
O Ordenamento
Jurídico Brasileiro traz no conceito de transmissibilidade a transferência de
coisas, direitos ou obrigações. A transmissibilidade da obrigação alimentar
passa ser regra geral, com seu fundamento legal no art. 1.700 do Código Civil
de 2002, não se aplicando somente aos cônjuges, como antes era o entendimento,
mas também aos parentes e companheiros.
O Código Civil de
2002 em seu art. 1.700 inovou ao disciplinar a obrigação alimentar, pois,
transformou a transmissibilidade da obrigação alimentar em regra geral. Seja em
razão do parentesco, do casamento ou da união estável, o dever de prestar
alimentos será transmitido aos herdeiros do devedor, o que poderá gerar
situações inusitadas.
Pensemos na
seguinte situação colocando como responsáveis perante a lei, os filhos havidos
em um suposto segundo casamento de um alimentante que venha a falecer durante
as segundas núpcias. Podemos perceber que de acordo com o art. 1.700 do Código
Civil, aqueles estarão obrigados a continuar arcando com os alimentos convencionados
pelo pai, agora falecido, aos seus irmãos unilaterais (filhos de um mesmo pai
ou de uma mesma mãe), fruto do primeiro casamento do alimentante.
Não obstante, a
transmissibilidade irrestrita da obrigação alimentar causa conflitos não apenas
pelas situações inusitadas que se verificarão no dia a dia forense, mas também
porque o art. 1.700 do Código Civil silencia quanto ao limite da
transmissibilidade de tal obrigação.
Destarte, é de
fundamental importância, um estudo que se proponha a analisar os limites para o
exercício da transmissibilidade da obrigação alimentar. Tal discussão é
recente, mas, devido sua relevância no Direito de Família, deve ser realizada
visando estabelecer os limites de tal obrigação. Neste sentido, este trabalho
considera como problema estabelecido para a pesquisa: Qual a limitação da
transmissão da obrigação alimentar entre parentes?
Foi estabelecido
como hipótese, amparado no Código Civil de 2002 em seu art. 1.700, que: "a
obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor na forma
do art. 1.694". De conformidade com a "lógica do razoável", a
obrigação alimentar será regida pelo princípio da transmissibilidade de
alimentos já estabelecidos por decisão judicial ou convenção entre as partes.
O trabalho teve
como objetivo demonstrar a transmissibilidade da obrigação alimentar, levando
em conta a análise da relação existente entre a Constituição Federal e o Código
Civil de 2002, quanto à possibilidade de transmissão da obrigação alimentar; a
conceituação e as características básicas dos alimentos; a apresentação dos
sujeitos da obrigação alimentar; a explicação dos pressupostos básicos da
obrigação alimentar; a abrangência de regra da transmissibilidade dos alimentos
já estabelecidos e dos em potencial; os limites da obrigação a ser transmitida;
e a abrangência da obrigação alimentar complementar.
2. DOS ALIMENTOS
2.1. Família, alimentos e a relação com a Constituição Federal e o Código
Civil de 2002.
A família é a
célula mater da sociedade e é a
partir desta instituição que surge uma das modalidades de prestação dos
alimentos, ou seja, a originada no Direito de Família. De outro lado, pretérita
a análise da obrigação alimentar, mister faz-se abordar as origens da família.
De logo se percebe
a importante influência da família para a constituição de uma sociedade. Assim,
destacamos que:
A pessoa humana
nasce inserida no seio familiar, a partir de onde modela as suas potencialidade
para harmonizar a convivência em sociedade e alcançar a sua realização pessoal.
(NERY JUNIOR, 2005 apud FARIAS, 2005, p.32).
Com relação à
origem da instituição familiar, existem ainda divergências entre os
antropólogos e sociólogos acerca das primeiras formas de famílias existentes.
Os pesquisadores ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a gênese da
família, o que temos são teorias que buscam ou tentam esclarecer como se
relacionavam os membros de uma família ao longo da história da evolução humana,
como bem aporta o doutrinador a seguir:
Divergem os
antropólogos e sociólogos acerca das primeiras formas de família existentes na
humanidade. Isto porque se pode somente supor, imaginar, como seriam as
relações familiares anteriores à formação da família existente no Direito
Romano, sendo que os estudos sobre a família originária são bem mais de ordem
sociológica e antropológica, do que jurídica. (KLEIN, 2001 apud WELTER, 2003, p.18).
Por conseqüência
lógica, a conceituação de família também não apresenta uniformidade para sua
efetiva compreensão. Trata-se de um paradoxo, pois não existe identidade entre
os conceitos formados pela Sociologia, Antropologia e o Direito. Devemos
ressaltar que, o Código Civil não traz explícito o conceito de família.
No contexto das
transformações sofridas na família, observa Cristiano Chaves de Farias que:
Enfim, a idéia de
família precisa ser construída a partir de valores vigentes em cada tempo e
espaço, considerando as peculiaridades sociais e culturais, pois concretiza uma
forma de viver os fatos básicos da vida. Com esse espírito, não se pode olvidar
que a família está sempre se reinventando, se reconstruindo. Transforma-se a
cada momento e espaço, naturalmente, renovando-se em face de sua própria
estrutura cultural. (NERY JUNIOR, 2005 apud
FARIAS, 2005, p.32).
No entanto, o
Direito Civil moderno define família como a união de pessoas advindas de uma
relação conjugal ou de parentesco. Em um conceito mais amplo, família é o
conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, ou seja,
unidas pelo vínculo de parentesco, de acordo com o seguinte:
Neste sentido,
compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem,
incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se
denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o
cônjuge que não é considerado parente. Em conceito restrito, família compreende
o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder. (VENOSA, 2004,
p.16).
Sob o ponto de
vista sociológico o conceito de família consiste, na integração de pessoas que
vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular (KLEIN, apud WELTER,
2003).
O Direito Romano é
o marco para o estudo da família. Ele apresentou uma estrutura familiar,
tornando-a uma unidade jurídica, econômica e religiosa fundada na autoridade
soberana de um chefe.
Naquela época, a
sociedade era fundamentalmente patriarcal, a mulher dedicava-se exclusivamente
a realização dos afazeres domésticos, já que o marido era o administrador, ou
seja, o chefe da família. Havia um abismo entre o homem e a mulher, pois a lei
não conferia os mesmos direitos a ambos. Por forte influência religiosa, a
família era a oriunda do vínculo matrimonial.
No Brasil, a
partir do século XX, houve grandes mudanças, foram vencidas várias barreiras e
o ponto culminante foi a Constituição Federal de 1988 que disciplinou as
relações familiares advindas, por exemplo, de união estável, que apesar de
existirem no caso concreto, não eram tuteladas pelo direito.
Como o advento da
Carta Magna deixa de existir a distinção entre os filhos, a preponderância do
varão na sociedade conjugal. Anterior à Constituição, a Lei nº 4121/62,
eliminou a incapacidade relativa da mulher casada, inaugurando assim, a
igualdade entre os cônjuges. Houve a quebra do patriarcalismo, já que não
reside mais no ordenamento jurídico pátrio qualquer desigualdade entre os
filhos e os direitos dos cônjuges ou companheiros equipararam-se. A igualdade
entre os filhos, assim como nas relações entre casais foi elevada à condição de
princípio normativo fundamental no direito de família.
A Constituição
Federal consagrou a proteção à família no art. 226, tanto a família oriunda do
casamento, quanto à oriunda da união de fato, a família natural e a família
adotiva. Neste sentido a doutrina corrobora:
A família é
afirmada como base da sociedade e tem especial proteção do Estado, mediante
assistência na pessoa de cada um dos que a integram e criação de mecanismos
para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não é só pelo casamento que
se constitui a entidade familiar. Entende-se também como tal à comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes e, para efeito de proteção do
Estado, também, a união estável entre homem e mulher, cumprindo à lei facilitar
sua conversão em casamento (cf. lei 9.278 de 10.5.96). Em qualquer desses
casos, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente entre ambos, já consignado no art. 5º, I (art. 226), (SILVA, 2002,
p.822).
Havia um grande
clamor da sociedade para que fosse assegurado o reconhecimento da família,
mesmo sem a existência de um casamento. Assim, reconhece-se a família
constituída pela união estável (art. 226, § 3º, CF) e pela comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes, denominadas família nuclear,
pós-nuclear, monoparental ou socioafetiva (art. 226, §4º, CF).
A Carta Magna de
1988 no seu art. 227 expressa o dever da família de assegurar à criança e ao
adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, ou
seja, propiciar uma vida com dignidade. No art. 229 acrescenta que os pais têm
o dever de assistir, criar e educar os filhos menores e que os filhos deverão
amparar seus pais na velhice. No Código Civil de 2002, o art. 1.694 disciplina
o pedido de alimentos entre os parentes.
A família é uma
comunidade natural composta, em regra, de pais e filhos, aos quais a
Constituição, agora, imputa direitos e deveres recíprocos nos termos do art.
229, pelo qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, havidos ou não da
relação do casamento (art. 227, §6º), ao passo que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na
velhice, carência ou enfermidade. (SILVA, 2002, p.822-823).
Destarte, a
obrigação alimentar incube aos genitores, a cada qual e a ambos conjuntamente,
o dever de sustentar seus filhos, provendo o que for necessário para a
manutenção e sobrevivência dos mesmos. Neste sentido "o pai deve propiciar ao filho não apenas os
alimentos para o corpo, mas tudo o que for necessário" (CAHALI,
2002, p.523).
Segundo o
magistério de Luiz Felipe Brasil Santos (2005), o Código Civil de 2002, a
partir do art. 1.694, disciplina os alimentos devidos entre parentes, cônjuges
e companheiros, com isso, encontra-se ab-rogada toda a legislação anterior que
contém regras de direito material acerca dos alimentos (exceto a Lei nº
5.478/68, por ser lei processual). Logo, revogados estão, o Código Civil de
1916, a Lei nº 6.515/77 (em relação aos alimentos entre os cônjuges na
separação e divórcio) e a Lei nº 278/96 (em relação aos alimentos entre os companheiros,
é sabido que, neste particular, a Lei nº 8.971/94 já fora revogada pela Lei nº
9.278/96).
Destarte, todas as
regras contidas no Subtítulo III (Dos Alimentos) do Código Civil
inequivocamente incidem na obrigação alimentar qualquer que seja a sua origem,
isto é, alimentos originados de relação de parentesco, matrimônio ou união
estável. Assim, a garantia da prestação alimentar encontra-se expressa e
assegurada na Constituição Federal e no Código Civil de 2002.
O instituto da
obrigação alimentar é amplamente assegurado, pois se encontra diretamente
ligado com a subsistência da espécie. A Constituição Pátria no seu art. 5º
assegura a todos o direito à vida. No art. 227 reforça a garantia à vida como
dever da família. Assim, o Estado e a família devem assegurar a prestação da
obrigação alimentar haja vista sua importância vital para a preservação da
vida, sobretudo vida com o mínimo de dignidade.
A relevância da
dignidade da pessoa humana já decorre da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 1948, das Nações Unidas, pela qual Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo (...), bem como da
Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica).
Trata-se a dignidade da pessoa humana de uma referência constitucional
unificadora dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, isto é,
daqueles direitos que servem de fundamento e fim da atividade pública.
Destarte, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana é o valor supremo da
Constituição. Por fim, anota-se que explicitar-se-á em detalhe sobre a
dignidade da pessoa humana, bem como sobre os valores sociais do trabalho e a
livre iniciativa no segundo texto referente a este conteúdo. (ALFLEN, 2005,
p.4).
Sem alimentos não
há vida. O ser humano representa, no reino animal, a espécie mais frágil,
totalmente dependente dos cuidados de seus semelhantes no início de sua vida
para que consiga, logo após o seu nascimento, sobreviver, e em seguida crescer
e desenvolver-se de maneira saudável.
Todos os esforços
dos pais devem ser orientados no sentido de fazer do filho por eles gerado um
ser em condições de viver por si mesmo, de desenvolver-se e sobreviver sem o
auxilio de terceiros, tornando à sua vez capaz de ter filhos, em condições de
criá-los: "C’ est la loi de la perpétuation de l’ espèce".(CAHALI,
2002, p.524).
Diante da
importância do instituto dos alimentos, Cahali (2002) identifica duas ordens de
obrigações alimentares, distintas, dos pais para com os filhos: a) uma
resultante do pátrio poder, consolidada na obrigação de sustento da prole
durante a menoridade; b) e outra, de caráter geral, fora do pátrio poder e
vinculada à relação de parentesco em linha reta.
O termo alimentos,
em Direito, é uma referência explicita as prestações periódicas devidas à
determinada pessoa, em dinheiro ou espécie, em virtude de ato ilícito, da
manifestação de vontade ou em decorrência do Direito de Família, para prover a
subsistência. Por exemplo, o atentado contra a vida de alguém, ensejará o
pagamento de alimentos decorrente de ato ilícito, pois obriga o ofensor a
reparar o dano causado ao ofendido e aos seus dependentes, prestando-lhe os
alimentos que necessitam para sobreviver, conforme os art.s 949, II e 950 do
Código Civil. Já os alimentos decorrentes da manifestação de vontade se
exteriorizam em contratos ou em testamentos, como podemos verificar no legado
de alimentos (art. 1.920, CC). Temos ainda, os alimentos decorrentes do Direito
de Família, que abrange a obrigação alimentar oriunda do parentesco, do
casamento e da união estável.
Cabe ressaltar,
que todas as modalidades de alimentos enumeradas têm na lei a sua fonte
mediata. Sem previsão legal, não há obrigação a ser imposta.
É relevante
apresentar o entendimento de Rodrigues (2004, p.375) que:, "desde o instante em que o legislador deu
ação ao alimentário para exigir o socorro, surgiu para o alimentante uma
obrigação de caráter estritamente jurídico, e não apenas moral".
Entendimento, também corroborado pelo eminente doutrinador Cahali (2002, p.
31):
Na linguagem
romântica de Pelissier, como todos os homens são irmãos, cada um deve, segundo
a lei natural, vir em auxilio do outro na sua miséria; mas esse dever de
solidariedade é muito geral para ser consagrado pelo direito; assim sendo, não
será senão em agrupamentos limitados, claramente definidos, que aquele dever de
solidariedade dá direito a uma obrigação alimentar; o grupo mais restrito,
aquele onde esta solidariedade é mais expressiva, é o agrupamento familiar; os
membros de uma família são unidos por vínculos de afeição e de interesses
particularmente fortes.
Neste estudo, o
nosso interesse é unicamente os alimentos provenientes do Direito de Família,
no entanto, mais especificamente, os alimentos entre os ascendentes,
descendentes e colaterais decorrentes da Codificação Civil de 2002.
Em síntese, quando
tratamos de alimentos, temos de um lado o direito de reclamá-los e por outro a
obrigação de prestá-los. O que torna essencial a definição do referido
instituto, merecendo igual importância, um breve estudo sobre a classificação
doutrinária dos alimentos, como passaremos a abordar no próximo item.
2.2 Conceito e a classificação dos alimentos.
O Código Civil de
2002, no seu capítulo destinado aos alimentos (arts. 1.694 a 1.710), não
definiu o referido instituto. No entanto, no art. 1.920 é possível detectar o
conceito legal dos alimentos quando a lei refere-se ao legado: "O legado de alimentos abrange o sustento, a
cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se
ele for menor".
Logo, o conceito
de alimentos, dentro da norma cogente, salvo melhor juízo, encontra-se não no
Direito de Família, mas sim expresso no capítulo destinado ao Direito
Sucessório, Cahali em seu notável estudo sobre alimentos, esclarece:
O ser humano, por
natureza, é carente desde sua concepção; como tal, segue o seu fadário até o
momento que lhe foi reservado como derradeiro; nessa dilação temporal-mais ou
menos prolongada-, a sua dependência dos alimentos é uma constante, posta como
condição de vida (CAHALI, 2002, p.15).
Assim, no seu
significado simples: "alimentos" é tudo o que for necessário para a conservação da vida do ser humano
(grifo nosso). Por outro lado, na linguagem jurídica, os alimentos possuem um
significado mais amplo do que o sentido comum, pois compreende além da
alimentação, outras necessidades dos seres humanos como a habitação, vestuário,
assistência médica e as despesas com educação.
Neste contexto,
alimentos são prestações periódicas fornecidas a determinada pessoa para suprir
suas necessidades básicas e, como conseqüência, sua subsistência. De acordo com
o magistério de Gomes (2002, p. 427):
Alimentos são
prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las
por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é
estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão-somente, a
alimentação, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras
necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a
posição social da pessoa necessitada. Na primeira dimensão, os alimentos
limitam-se ao necessarium vitae;
na segunda, compreendem o necessarium
personae. Os primeiros chamam-se alimentos naturais, os outros civis ou
côngruos.
Continuando,
ainda, sob o prisma da linguagem jurídica, Cahali (2002, p.16), esclarece que:
Ainda no plano
jurídico, tanto em lei como na doutrina, tem-se atribuído à palavra
"alimentos" uma acepção plúrima, para nela compreender não apenas a
obrigação de prestá-los, como também os componentes da obrigação a ser
prestada.
Verifica-se a
partir da doutrina citada, que atualmente é pacífico que o conceito de
alimentos não se refere apenas aos gêneros alimentícios capazes de proporcionar
a subsistência orgânica da pessoa. Esse entendimento evidencia e destaca uma
conotação muito mais ampla que deve ser dada ao instituto, abrangendo outras
carências e necessidades igualmente relevantes como educação, lazer saúde,
vestuário, transporte, e outras advindas da vida moderna, dependendo sempre da
condição de vida do alimentado, e das possibilidades financeiras do
alimentante, como também referenciado por Porto (2003, p. 39):
Hoje já não mais
existe qualquer divergência quanto à conotação técnico-jurídica do conceito de
alimentos, pois a doutrina de muito firmou o entendimento de que, em tal
acepção, devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento,
mas, também, os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no
contexto social de cada um.
Com o Código Civil
de 2002 em seu art. 1.964, §2º, foi introduzido ao lado dos alimentos
necessários, o conceito de alimentos indispensáveis. Foi uma inovação, pois o
Código de 1916 não apresentava esta distinção, segundo Silva (2003, p.1503):
Este artigo
introduz em nosso direito, no §2º, ao lado dos alimentos necessários, o
conceito de alimentos indispensáveis, devidos mesmo diante de culpa do credor,
que permanece com o direito de ser alimentado. De grande valia é essa regra,
porque, ao mesmo tempo em que atende ao princípio da solidariedade nas relações
de parentesco, casamento e união estável, não deixa de reconhecer que em caso
de culpa devem ser atendidas somente as necessidades básicas do alimentário,
com a prestação do que é indispensável à sua subsistência.
Daí o entendimento
de que, somente, serão devidos os alimentos naturais ao cônjuge ou convivente
culpado; aos inocentes e aos demais parentes, serão devidos os alimentos
naturais e civis. Essa mudança legislativa transfere aos parentes o encargo
alimentar em qualquer situação como relata Diniz (2005, p. 536):
Há uma tendência
moderna de impor ao Estado o dever de socorrer os necessitados, através de sua
política assistencial e previdenciária, mas, com o objetivo de aliviar-se desse
encargo, o Estado o transfere, mediante lei, aos parentes daqueles que precisam
de meios para sobreviver, pois os laços que unem membros de uma mesma família
impõem esse dever moral e jurídico.
Logo, segundo a
doutrina majoritária, os alimentos também são classificados em: a) alimentos
naturais ou necessários, isto é, os necessarium
vitae; e b) alimentos civis ou côngruos, isto é, os necessarium personae, sendo entendido
por Dias (2005, p. 449), como "o
alargamento do conceito de alimentos levou a doutrina a distinguir alimentos
civis e naturais".
Os alimentos
naturais ou necessários são apenas os estritamente necessários para a
subsistência. Há um entendimento doutrinário uníssono sobre o que exatamente
compreende os alimentos naturais, também relatado por Assis (2001, p.99-100)
como:
Os alimentos
naturais compreendem as notas mínimas da obrigação: alimentação, cura,
vestuário e habitação; equivalem a necessidades básicas do ser humano. Eles se
situam, portanto, nos limites do necessarium
vitae.
Já os alimentos
civis ou côngruos contemplam o rol das demais necessidades, como amplamente
demonstrado pela doutrina:
Os alimentos
civis, também chamados côngruos, englobam, além desse conteúdo estrito, o
atendimento a necessidades morais e intelectuais do ser humano, objetivamente
considerando, e por isso se dizem necessarium
personae. Em outras palavras, os alimentos civis se taxam segundo os
haveres do alimentante e a qualidade de situação do alimentado. (ASSIS, 2001,
p. 99-100).
Assim, de acordo
com os ensinamentos de Yussef Said Cahali, os alimentos, quanto à natureza,
dividem-se em naturais e civis. O eminente doutrinador enfatiza que:
Quando se pretende
identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença
da vida de uma pessoa, compreendendo tão-somente a alimentação, a cura, o
vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades,
intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim
o necessarium personae e
fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada,
diz-se que são alimentos civis.
(CAHALI, 2002, p.18).
Na prática, esclarecemos
que a divisão dos alimentos em civis e naturais é amplamente utilizada pela
jurisprudência:
EMENTA: APELAÇÃO
CÍVEL. ALIMENTOS PLEITEADOS POR FILHO MAIOR. Os alimentos serão apenas os
indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de
culpa de quem os pleiteia. Ao que consta dos autos, não foi o apelante culpado
pela causa da sua diminuição da visão, devendo os alimentos fixados abranger
não só os alimentos naturais (subsistência), mas também os alimentos civis
(lazer, cultura, estudos, etc.). Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº
70008851842, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio
Carlos Stangler Pereira, Julgado em 01/07/2004).
EMENTA: ALIMENTOS. FILHA MAIOR, CAPAZ, COM
FORMAÇÃO SUPERIOR E APTA AO TRABALHO. O pai não tem obrigação de prestar
alimentos para a filha maior, capaz, com formação superior e apta ao trabalho
pois os alimentos podem ser convenientes para ela mas não necessários ao sou
sustento. Os alimentos para os filhos maiores são devidos apenas na situação
excepcional de necessidade, que não se confunde com conveniência, acomodação ou
vontade de não trabalhar. Recurso provido. (Embargos Infringentes Nº
70007690514, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 12/03/2004).
EMENTA: PRISÃO
CIVIL - Alimentante - Pena de prisão pelo não pagamento dos alimentos - Casal
que não possui filhos - Hipótese em que os alimentos que são objeto da ação são
civis, não estando em questão maior a sobrevivência da credora rica que exerce
trabalho de destacado status - Ademais, somente os alimentos naturais permitem
a prisão por dívida, eis que ameaçam a permanência íntegra do alimentando -
Ordem concedida. (Relator: Fonseca Tavares - Habeas Corpus 147.842-1 - São
Paulo - 10.04.91)
EMENTA: ALIMENTOS
- Fixação - Valor destinado a exercer as funções dos chamados alimentos
"naturais" e "civis" - Direito da filha a participar do
padrão socioeconômico do pai - Verba bem estimada segundo os recursos e o nível
de vida paternos. Os alimentos não compreendem apenas o mínimo indispensável à
subsistência da vida fisiológica, senão que, quando o permitam os recursos do
obrigado, devem, ultrapassando a taxa mínima, concorrer para a manutenção ou
elevação do padrão de vida sociológica, segundo a clássica distinção entre
alimentos naturais e civis. (Apelação Cível n. 228.389-4/1 - Campinas - 2ª
Câmara de Direito Privado - Relator: Cezar Peluso - 14.05.02 - V.U.).
No caso de culpa
do alimentando, esclarece Dias (2005, p. 450) que:
A diferenciação
entre alimentos civis e naturais foi adotada pelo Código Civil com nítido
caráter punitivo. Parentes, cônjuges e companheiros podem pedir alimentos uns
aos outros para viver de modo compatível com a condição social, inclusive para
atender às necessidades de educação (1.694). Todos os beneficiários - filhos,
pais, parentes, cônjuges e companheiros - têm assegurada a mantença do padrão
de vida que sempre desfrutaram. Merecem alimentos civis, independente da origem
da obrigação. No entanto, limita a lei o valor dos alimentos sempre que é
detectada culpa do alimentando (1.694 §2º e 1.704). Quem, culposamente, dá
origem à obrigação, faz jus a alimentos naturais, isto é, percebe somente o que
basta para manter a própria subsistência. Entretanto, mesmo quando são
limitados os alimentos ao indispensável à sobrevivência, as necessidades
educacionais não podem ser excluídas, assim como um mínimo razoável ao lazer e
ao atendimento das necessidades intelectuais.
Quanto à
modalidade da prestação, segundo Cahali (2002), os alimentos classificam-se em:
a) próprios, quando o cumprimento da obrigação tem como conteúdo o fornecimento
do que é diretamente necessário à manutenção do alimentando, por exemplo, o
fornecimento de gêneros alimentícios, isto é, oferecer arroz, feijão, leite, e
medicamentos, etc.; e b) impróprios quando tem como conteúdo a prestação
financeira e os meios idôneos à aquisição de bens correspondentes ao
atendimento de todas as necessidades do alimentando, em outras palavras, o
fornecimento em dinheiro para a devida aquisição de gêneros alimentícios e para
o pagamentos das demais despesas.
De acordo com a
finalidade, Diniz (2005) apresenta o entendimento de que os alimentos são
classificados em: a) definitivos, que são os de caráter permanente, fixados por
sentença homologatória de acordo ou condenatória com o trânsito em julgado sob
o aspecto formal, devendo ser observado o que preceitua o art. 1.699 do Código
Civil; b) provisórios, são os concedidos a título precário, mediante prova de
parentesco ou da obrigação alimentar do devedor. São concedidos em caráter
imediato, para atender a uma necessidade premente do alimentando; e c)
provisionais, são os previstos no art. 1.706, CC, são os que a parte pede liminarmente
em cautelares para o seu sustento e para os gastos processuais, enquanto durar
a demanda. Cabem nas ações de investigação de paternidade julgadas procedentes
e enquanto não transitarem em julgado, quando se tornarão definitivos.
Segundo ensina
Yussef Said Cahali, os alimentos quanto à finalidade, classificam-se em
provisionais e regulares:
Dizem-se
provisionais, provisórios ou in litem
os alimentos que, precedendo ou concomitantemente à ação de separação judicial,
de divórcio, de nulidade ou anulação de casamento, ou ainda à própria ação de
alimentos, são concedidos para a manutenção do suplicante, ou deste e de sua
prole, na pendência do processo, compreendendo também o necessário para cobrir
as despesas da lide.
Dizem-se
regulares, ou definitivos, aqueles estabelecidos pelo juiz ou mediante acordo
das próprias partes, com prestações periódicas, de caráter permanente, ainda
que sujeitos a eventual revisão. (CAHALI, 2002, p.27).
E finalmente,
consoante o entendimento majoritário da doutrina, os alimentos classificam-se
quanto ao momento da prestação em atuais ou futuros: a) atuais, são os
postulados a partir do ajuizamento da ação. E o pedido já está instruído com
prova pré-constituída do pressuposto de direito (certidão de nascimento) e b)
futuros, os que decorrerão da respectiva sentença. De acordo com a Súmula 277
do STJ, publicada no DJU de 16/06/2003, "Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são
devidos a partir da citação". Sobre os alimentos atuais e futuros,
Monteiro (2004, p. 374) esclarece que:
Os alimentos
objetivam a satisfação de necessidades atuais ou futuras e não as passadas. Têm
eles finalidade prática, a subsistência da pessoa alimentada. Se esta, bem ou
mal, logrou sobreviver sem recorrer ao auxílio do alimentante, não pode
pretender, desde que resolveu a impetrá-lo, se lhe concedam alimentos relativos
ao passado, já definitivamente transposto. A pensão alimentícia, em hipótese
alguma, poderá ser subministrada para período anterior à propositura da ação,
não se atendendo, portanto, às necessidades passadas. Alimentos são devidos ad futurum, não ad praeteritum.
Alimentos atrasados só são devidos se fundados em convenção, testamento ou ato
ilícito, quer dizer, por título estranho ao direito de família. É o que estabelece
o art. 13, §2º, da Lei nº 5.478/68: os alimentos retroagem à data da citação.
Podemos concluir,
que de acordo com o conceito de alimentos, devemos considerar não só os
alimentos necessários para o sustento, mas, também, os demais meios
indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social de cada um.
É importante,
também, levar em conta que, no âmbito das relações no Direito de Família, os
alimentos são devidos em virtude de parentesco e pelo dever de solidariedade. O
referido instituto apresenta classificações segundo diversos critérios.
A característica
fundamental dos alimentos é a de ser um direito personalíssimo, ou seja, sua
titularidade é própria, com isso, não passa a outrem. Por conseguinte, é
justamente em razão dessa característica, que se originam as demais
características, as quais analisaremos com maiores detalhes no item a seguir.
2.3 Características da obrigação alimentar.
O parentesco
consiste no vínculo existente entre uma pessoa e o tronco ancestral em comum.
Observando-se a relação de ascendência e descendência entre os parentes,
teremos o que chamamos de parentesco em linha reta. Sem essa relação, mas
levando em conta a ancestralidade comum, teremos o parentesco de linha
colateral como demonstrado na Figura 1.
Figura 1. Relações de parentesco: os graus partindo do indivíduo [01].
A obrigação
alimentar, possui características próprias, quer seja proveniente do casamento,
união estável ou originada pelo vínculo de parentesco. As características da
obrigação de alimentos, oriundas do parentesco, segundo a doutrina majoritária,
são as seguintes: direito
personalíssimo, irrenunciabillidade, alternatividade, reciprocidade,
impenhorabilidade, irrepetibilidade, imprescritibilidade e transmissibilidade (grifo
nosso). Não obstante, outras
características serem apresentadas pela doutrina, neste estudo nos reportaremos
apenas às já referenciadas, pois a doutrina majoritária [02]
apresenta a seguinte classificação:
a) Direito
Personalíssimo
É a característica
basilar do direito a alimentos, é a partir dela que decorrem todas as demais
características. Como ensina Cahali (2002, p. 49) "a característica fundamental do direito de alimentos é
representada pelo fato de tratar-se de direito personalíssimo".
É direito
personalíssimo, pois visa assegurar a subsistência do ser humano. De acordo com
Gomes (2002, p. 431) :
É direito pessoal
no sentido de que a sua titularidade não passa a outrem por negócio ou por
outro fato jurídico. Consideram-no direito
personalíssimo, como uma das manifestações do direito à vida, vale dizer, um direito que se destina a tutelar
a própria integridade física do indivíduo.
Nesse sentido, merece
destaque os ensinamentos de Maria Berenice Dias, quando esclarece a respeito do
direito personalíssimo na obrigação alimentar:
O direito a
alimentos não pode ser transferido a outrem, na medida em que visa a preservar
a vida e assegurar a existência do indivíduo que necessita de auxílio para
sobreviver. Como decorrência direta de seu caráter personalíssimo, trata-se de
direito que não pode (1.707): a) ser cedido. O credito alimentar não se sujeita
a b) compensação, qualquer que seja a natureza da dívida que venha a lhe ser
oposta. A pensão alimentar é c) impenhorável, uma vez que garante a
subsistência do alimentado. Tratando-se de direito que se destina a prover o
sustento de pessoa que não dispõe, por seus próprios meios, de recursos para
sobreviver, inadmissível que credores privem o alimentado dos recursos de que
necessita. (DIAS, 2005, p.450-451).
O entendimento
doutrinário é pacífico de que a obrigação alimentar caracteriza-se como um
direito personalíssimo.
b)
Irrenunciabillidade
É irrenunciável o
direito aos alimentos decorrentes de parentesco (jus sanguinis). De acordo como o Código Civil no seu art. 1.707
"Pode o credor não exercer, porém
lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito
insuscetível de cessão, compensação ou penhora".
Cabe ressaltar,
que o direito aos alimentos sempre foi irrenunciável entre os parentes, com
fulcro no art. 404 do Código Civil de 1916. Desse modo, segundo o entendimento
de Gomes (2002, p.432):
O que ninguém pode
fazer é renunciar a alimentos futuros, a que faça jus, obrigando-se a não
reclamá-los, mas aos alimentos devidos e não prestados, o alimentando pode
fazê-lo, pois lhe é permitido expressamente deixar de exercer o direito. A
renuncia posterior é, portanto, válida.
O cerne da questão
é que o encargo alimentar é de ordem pública, ou seja, o interesse público
predomina sobre o particular com o escopo de preservar a vida. Assim, é
pertinente observarmos o entendimento de Monteiro (2004, p.372) sobre este
tema:
Consoante lição de
Laurent, o encargo alimentar é de ordem pública, imposto pelo legislador por
motivo de humanidade e piedade. Por isso mesmo, não pode ser renunciado.
Pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos. O
que se pode renunciar é a faculdade de exercício, não a de gozo. Não é válida,
portanto, declaração segundo a qual um filho vem a desistir de pleitear
alimentos contra o pai. Embora necessitado, pode ele deixar de pedir alimentos,
mas não se admite que renuncie a tal direito.
Logo, não há a possibilidade
de renunciar o direito a alimentos. E mesmo que sejam renunciados, os credores
poderão pleiteá-los em outro momento, se houver necessidades deles para a sua
subsistência.
c) Alternatividade
Como regra geral,
os alimentos são fornecidos em dinheiro. Não obstante, serem prestados in natura, com a concessão de
hospedagem e sustento de acordo com o art. 1.701 do Código Civil. Portanto,
trata-se de uma faculdade a maneira de cumprir a prestação de obrigação
alimentar.
No entanto, não é
considerado um direito absoluto do devedor a escolha para o cumprimento da
obrigação, diante do parágrafo único do artigo supra, onde é expresso que o
juiz pode determinar outra forma do cumprimento da prestação, como referenciado
por Monteiro (2004, p.375):
Se existe, por
exemplo, situação de incompatibilidade entre alimentante e alimentado, não pode
o juiz constranger o segundo a coabitar com o primeiro sob o mesmo teto. Tal
convivência contribuiria certamente para recrudescimento da incompatibilidade,
convertendo-se em fonte de novos atritos.
Destarte, a forma
de pagamento da prestação alimentícia poderá ser convencionada pelas partes ou
por decisão judicial, observando-se sempre a razoabilidade da forma de
cumprimento da obrigação.
d) Reciprocidade
De acordo com os
arts. 1.694 e 1.696 do Código Civil o direito à prestação de alimentos é
recíproco entre os parentes, sendo considerados pertinentes os ensinamentos do
eminente doutrinador Luiz Felipe Brasil Santos (2004, p.220):
A obrigação
alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes,
depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais
(art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não
há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais
próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser
chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais
remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e
limita-se a complementar o valor que por estes possa ser prestado.
No entanto, a
reciprocidade não significa que o direito que tem uma das partes seja como
conseqüência lógica, causa do direito da outra parte. Como esclarece Cahali
(2002, p.130), "à evidência,
reciprocidade não significa que duas pessoas devam entre si alimentos ao mesmo
tempo, mas apenas que o devedor alimentar de hoje pode tornar-se credor
alimentar no futuro".
No mesmo sentido
dispõe a Desembargadora Maria Berenice Dias (2005, p.451) que:
O credor alimentar
de hoje pode vir, em momento futuro, a tornar-se devedor, e vice-versa. A
reciprocidade tem fundamento no dever de solidariedade. Com relação aos
alimentos decorrentes do poder familiar, não há que se falar em reciprocidade
(CF 229). No momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder
familiar e surge, entre pais e filhos, a obrigação alimentar recíproca em
decorrência do vínculo de parentesco.
Por conseguinte,
podemos afirmar a existência de reciprocidade da obrigação de prestar alimentos
porque o credor poderá tornar-se devedor, ou seja, a situação poderá ser
invertida se houver necessidade de um ou de outro de acordo com o caso concreto,
é assim, pois no Direito de Família há a possibilidade da reciprocidade do
pedido entre os parentes.
e)
Impenhorabilidade
A
impenhorabilidade é um dos reflexos do direito personalíssimo. A prestação
alimentícia visa manter a subsistência do alimentando que não pode prover suas
necessidades. Assim, seria inadmissível serem penhoradas às referidas
prestações, como considera Gomes (2002, p. 432-433):
A
impenhorabilidade do crédito alimentar decorre do fundamento e da finalidade do
instituto. Seria absurdo admitir que os credores pudessem privar o alimentando
do que é estritamente necessário à sua mantença. Pretende-se que a proteção
legal não se estenda à totalidade do crédito, no pressuposto de que, prestados
alimentos civis, há sempre uma parte que não corresponde ao necessarium vitae, mas a dissolução é
inadmissível. Os alimentos são impenhoráveis no estado de crédito, a
impenhorabilidade não acompanhando os bens que forem convertidos. A penhora
pode recair na soma de alimentos provenientes do recebimento de prestações
atrasadas. Não há regras que disciplinem especificamente tais situações, mas o
juiz deve orientar-se pelo princípio de que a impenhorabilidade é garantia
instituída em função da finalidade do instituto.
Logo, como o
fundamento basilar do instituto visa garantir a subsistência, não há que ser
falar em penhora das prestações alimentícias, com o devido fundamento legal no
art. 1.707 do Código Civil de 2002.
Em outras
palavras, o que se deseja proteger é a vida de uma pessoa, sua alimentação, saúde,
educação, habitação, enfim todas as sua necessidades básicas para viver com
dignidade. Destacamos que, o crédito alimentar é impenhorável, no entanto, a
impenhorabilidade não atinge os frutos.
f)
Irrepetibilidade
A obrigação
alimentar é irrepetível, isto é, uma vez prestados, os alimentos são
irrepetíveis, quer sejam alimentos provisionais ou os definitivos. A natureza
do instituto justifica a inteira impossibilidade de restituição.
Por conseguinte,
observemos o entendimento de Dias, onde destaca o seguinte:
A própria natureza
dos alimentos justifica, por si só, a impossibilidade de serem restituídos. Por
isso, a alteração, para menor, do valor da pensão não dispõe de efeito
retroativo. Passa a vigorar tão-somente com referência aos valores vincendos.
Admite-se a devolução quando houver má-fé ou postura maliciosa do credor. Em
nome da irrepetibilidade, não se pode dar ensejo ao enriquecimento
injustificado. É o que se vem chamando de relatividade da não-restituição. Soa
sobremaneira injusto não restituir alimentos claramente indevidos, em notória
infração ao princípio do não-enriquecimento sem causa. (MADALENO, 1999 apud
DIAS, 2005, p.452).
No mesmo sentido
temos o magistério de Bittencourt que faz as seguintes advertências:
Moura Bittencourt
adverte que a regra da irrestituibilidade deve ser entendida em termos,
"pois o que não se admite é a restituição de prestações fundadas no fato
de vir o alimentando a obter recursos com que possa devolver o que recebeu.
Também não cabe restituição do que foi pago a título provisório, durante a
demanda a final julgada improcedente, mas admite-se que os alimentos
provisionais possam ser computados na partilha em ação de desquite, se a mulher
for vencida, o que é uma forma de restituição (RT 309/281)". (BITTENCOURT, 1979 apud CAHALI, 2002, p.128).
Todavia, Arnoldo
Wald entende ser cabível a restituição dos alimentos no seguinte caso:
Admite-se a
restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente
quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o
alimentando, utilizando-se dos alimentos, não teve nenhum enriquecimento
ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem
forneceu os alimentos, pensando erradamente que os devia, pode exigir a
restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente deveria fornecê-los.
(WALD, 2002, p.47).
Compartilha do
mesmo entendimento Venosa (2004, p.393), o qual pondera que: "nos caso patológicos, com pagamentos feitos
com evidente erro quanto à pessoa, por exemplo, é evidente que o solvens terá
direito à restituição".
Porém, Yussef
Cahali entende ser irrepetível também nos caso referidos:
Mesmo recebidos por erro na forma assim pretendida,
não caberia a restituição pelo alimentário, eis que faltou o pressuposto do
enriquecimento sem causa; e quanto à pretendida sub-rogação do terceiro
prestante em erro, no direito do alimentário contra o obrigado, a tese
apresenta-se discutível. (CAHALI, 2002, p.128).
Também neste
sentido a jurisprudência de nossos tribunais:
EMENTA: AGRAVO DE
INSTRUMENTO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALIMENTOS. FIXAÇÃO DE
PENSIONAMENTO PROVISÓRIO. DESCABIMENTO. É descabida, no momento, a fixação de
alimentos provisórios em favor do investigante. Não há verossimilhança na
alegada paternidade, porquanto tudo que se sabe até agora é que o agravante
manteve relações sexuais com a genitora do investigante, mas em período não
esclarecido. Ademais, considerando a irrepetibilidade dos alimentos, a
inexistência de qualquer elemento concreto acerca das possibilidades
financeiras do investigado e o risco de prejuízo irreparável à sua família e
filhos, o mais adequado é revogar os alimentos provisórios. DERAM PROVIMENTO.
(Agravo de Instrumento nº 70006647747, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça
do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 11/09/2003).
EMENTA: PROCESSUAL
CIVIL. ALIMENTOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. DEPÓSITO JUDICIAL DOS ALIMENTOS
VENCIDOS. SAQUE DA INTEGRALIDADE DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE
CONTRACAUTELA. 1. Em se tratando de execução provisória, não se defere o saque
da integralidade dos valores depositados judicialmente para garantir a
execução, pois os alimentos mensais estão sendo devidamente pagos e não houve
prestação de caução. Ademais, concedendo-se o pedido, eventual decisão da Corte
Superior, afastando o dever alimentar, seria inócua em razão da
irrepetibilidade dos alimentos, o que configuraria a transformação em
definitiva de execução que não o é. 2. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento nº 70004691911, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 11/03/2003).
Embora alguns
doutrinadores defendam, em determinados casos, a restituição dos alimentos, a
doutrina e jurisprudência majoritárias defendem a irrepetibilidade dos
alimentos.
g)
Imprescritibilidade
O direito aos
alimentos é imprescritível, isto é, estando configuradas as condições, o credor
terá legitimidade para pleitear os alimentos a qualquer tempo. No entanto, se
já houver obrigação estabelecida anteriormente e com prestações vencidas, estas
serão suscetíveis de prescrição.
É pacífico que os
alimentos são imprescritíveis, porém se faz necessário determinar o alcance da
imprescritibilidade, conforme ensina Gomes (2002, p. 432):
Há que distinguir
três situações: 1ª) aquela em que ainda não se conjuminaram os pressupostos
objetivos, como, por exemplo, se a pessoa obrigada a prestar os alimentos não
está em condições de ministrá-los; 2ª) aquela em que tais pressupostos existem,
mas o direito não é exercido pela pessoa que faz jus aos alimentos; 3ª) aquela
em que o alimentando interrompe o recebimento das prestações, deixando de
exigir do obrigado à dívida a cujo pagamento está este adstrito. Na primeira situação,
não há cogitar de prescrição, porque o direito ainda não existe. Na segunda,
sim. Consubstanciado pela existência de todos os seus pressupostos, seu
exercício não se tranca pelo decurso do tempo. Diz-se, por isso, que é
imprescritível. Na terceira, admite-se a prescrição, mas não do direito em si,
e sim das prestações vencidas. É compreensível e desejável que o prazo
prescricional seja curto pela presunção de que se o alimentando deixa de
receber por algum tempo as prestações alimentares é porque não estava realmente
necessitado.
Em suma, o direito
a alimentos é imprescritível, pois o alimentando poderá necessitar do seu
recebimento em qualquer momento de sua vida. Mas, uma vez fixados
judicialmente, terá inicio o lapso prescricional. O Código Civil de 2002, no
art. 206, § 2º estabelece que a prescrição é bienal.
h)
Transmissibilidade
A
transmissibilidade da obrigação alimentar apresenta-se como uma das inovações
do Código Civil de 2002, terminado com uma grande controvérsia sobre a
transmissibilidade da obrigação (ALDROVANDI, 2004).
Destarte, a
transmissibilidade da obrigação alimentar passa a ser a regra geral. De acordo
com o art.1.700 que prevê "a
obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma
do art.1.694".
De acordo com Luiz
Felipe Brasil Santos, não restam dúvidas sobre ser transmissível à obrigação
alimentar:
A partir dessa
nova disposição do art. 1.700, dúvida não há no sentido de que a
transmissibilidade passou a ser característica tanto da obrigação oriunda do parentesco
como daquela proveniente do casamento ou da união estável. Isso porque a regra
insere-se agora no Subtítulo III, que cuida dos alimentos entre parentes,
cônjuges ou companheiros. (SANTOS, 2004 p.221).
Assim, tal regra
deverá ser aplicada aos cônjuges, parentes e companheiros. Em capítulo próprio
será analisada a transmissibilidade da obrigação alimentar entre parentes, haja
vista ser um aspecto fundamental deste trabalho. No capítulo seguinte apresentamos
o papel dos parentes nessa discussão e suas responsabilidades ou obrigações no
fornecimento de alimentos.
3. DOS PARENTES OBRIGADOS A FORNECER ALIMENTOS
3.1. Os sujeitos e os pressupostos básicos da obrigação alimentar.
O Código Civil de
2002, nos art.s 1.696, 1.697 e 1.698 elenca os sujeitos da obrigação alimentar,
ou seja, os parentes que se encontram obrigados a prestar os alimentos. A
relação legal é taxativa, assim, somente os sujeitos enumerados na lei têm
legitimidade para prestar ou requerer a obrigação alimentar. De acordo com
Gomes (2002, p.429-430) devemos observar que:
Não são todas as
pessoas ligadas por laços familiares que estão sujeitas, porém, às disposições
legais atinentes aos alimentos, mas somente os ascendentes, os descendentes, os
irmãos, assim germanos como unilaterais, e os cônjuges. Limita-se aos
colaterais de segundo grau de obrigação proveniente de parentesco. Quanto aos
cônjuges, a obrigação pressupõe a dissolução da sociedade conjugal pela
separação judicial, visto que, na constância do matrimônio, o dever do marido
de sustentar a mulher e o desta de concorrer para as despesas do casal são
efeitos jurídicos imediatamente decorrentes do casamento. Do mesmo modo, a
obrigação dos pais diz respeito aos filhos adultos, pois, enquanto menores,
devem-lhes sustento.
Segundo Welter, os
sujeitos obrigados a prestar alimentos, em virtude do parentesco, são os
seguintes: os ascendentes, descendentes e os colaterais.
Os alimentos são
devidos somente nos seguintes casos: a) pelos ascendentes (pais, avós, bisavós,
etc.); b) pelos descendentes (filho, neto, bisneto, etc.); c) pelos irmãos; d)
pelo cônjuge ou convivente. Assim, em face da lei, verifica-se que há quatro
classes de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando uma hierarquia
no parentesco: "1ª) pais e filhos, reciprocamente (art. 229 da CF); 2ª) na
falta destes, os ascendentes, na ordem de sua proximidade com o alimentado; 3ª)
os descendentes, na mesma ordem, excluído o direito de representação; 4ª
finalmente, os irmãos unilaterais ou bilaterais". Isto é, têm direito aos
alimentos somente as pessoas que procedem do mesmo tronco ancestral,
excluindo-se parentes por afinidade, por mais próximo que seja o grau. O
cônjuge ou companheiro "não se encontra nessa ordem sucessiva, porque deve
alimentos em circunstâncias especiais" (WELTER, 2003, p.34-35).
De acordo com o
preceituado no art. 1.696 do CC, na obrigação alimentar decorrente do
parentesco, deverão prestar os alimentos, em primeiro lugar, os parentes em
linha reta, sendo tal obrigação recíproca entre os mesmos, recaindo a obrigação
nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros. Em outras palavras, a
existência de parentes mais próximos opera a exclusão dos mais remotos da
obrigação alimentícia.
Assim, deve-se
pedir alimentos ao pai ou a mãe; na falta destes, aos avós maternos e paternos;
na ausência destes, aos bisavós maternos e paternos e assim por diante. À falta
de parentes em grau mais próximo é equiparada à ausência de possibilidades.
Assim, somente após a demonstração da inexistência ou da impossibilidade de um
dos parentes de determinada classe em prestar alimentos é que se pode exigir
pensão alimentícia de parentes pertencentes às classes mais remotas. O
alimentando não pode, sob pena de subverter toda a sistemática do direito–dever
dos alimentos, eleger, discricionariamente, os ascendentes que devem
socorrê-lo. A prova da impossibilidade, neste caso, deve ser robusta, clara,
pois enquanto "o obrigado mais próximo tiver condições de prestar
alimentos, ele é o devedor e não se convoca o mais afastado". (SILVA,
2003, p.1.505).
O art. 1.697 do CC
expressa que, não havendo parentes em linha reta, serão chamados os colaterais
para prestar os alimentos. Cabe destacar, que em relação à linha reta de
parentesco não há qualquer limitação de grau, contudo, em relação à linha
colateral há limitação ao segundo grau de parentesco.
Inexistindo
ascendentes hábeis à prestação de alimentos, a obrigação recai nos
descendentes, observada a ordem sucessiva e independentemente da origem da
filiação. Na falta de descendentes à obrigação transfere-se aos irmãos, tanto
germanos (filhos do mesmo pai e da mesma mãe) como unilaterais (filhos de um
mesmo pai ou de uma mesma mãe), (SILVA, 2003, p. 1.506).
No sistema
jurídico brasileiro, os parentes por afinidade não têm direito a prestar nem
receber alimentos. Como esclarece Rodrigues (2004, p.380), "no direito brasileiro, ao contrário do
que ocorre no francês e naqueles sistemas que seguiram o Código Napoleônico, os
parentes afins não são obrigados a prestar, nem tem o direito a receber,
alimentos uns dos outros". Como conseqüência, os parentes por
afinidade não figuram no rol dos sujeitos da obrigação alimentar.
No art. 1.698 do
Código Civil de 2002 podemos observar uma repetição dos graus de parentesco na
obrigação alimentar. Também fazendo referência a obrigação alimentar
complementar, destacamos que o referido instituto será analisado em capítulo
próprio.
Como anteriormente
mencionado, nos art.s 1.696, 1.697 e 1.698 do Código Civil, temos o rol dos
sujeitos obrigados a prestar e receber a obrigação alimentar. No entanto,
apesar de grande divergência doutrinária, tem legitimidade também o nascituro.
A propósito, confira-se o magistério de Pereira (2003, p. 47):
É importante
anotar, ainda, que dentre os legitimados a demandar alimentos se encontra, como
já assentou certa corrente doutrinária, a que aderimos, o nascituro.
É que a despeito
do fato da personalidade civil do homem só existir, em havendo o nascimento com
vida, não se pode olvidar que a lei põe, desde logo a salvo os direitos do
nascituro (art. 2º do Código Civil).
Nesse sentido,
confira-se a palavra sempre abalizada de Pontes de Miranda:
"A obrigação
de alimentar também pode começar antes do nascimento e depois da concepção
(Código Civil, arts. 397 e 4º), pois, antes de nascer, existem despesas que
tecnicamente se destinam à proteção do concebido e o direito seria inferior à
vida, se acaso recusasse atendimento a tais relações inter-humanas,
solidariamente fundadas em exigências de pediatria".
Claro é, contudo,
que a subsistência no futuro do direito á percepção dos alimentos está
condicionada ao nascimento do ser concebido com vida.
No mesmo sentindo,
merecem destaque as observações de Porto (2003, p.21):
Importante
destacar que também ao nascituro é assegurado direito a alimentos, haja vista
que o art. 2º do CC assegura desde a concepção seus direitos e, dentre estes,
evidentemente, está o direito à vida, do qual decorre naturalmente o direito a
alimentos, no seu conceito amplo de necessidades à subsistência. Eventual
demanda em favor de nascituro deverá ser proposta por seu representante legal
que tanto poderá ser a mãe ou o pai ou ainda o curador (art. 1.779 do CC).
Como observa
Cahali (2002), a questão não é pacífica entre os doutrinadores, de um lado
temos Moreira Alves, Clóvis Bevilacqua e Arnold Wald que não reconhecem o
nascituro como legítimo titular para pleitear os alimentos, com o argumento de
que o nascituro não tem personalidade jurídica. De outro lado, encontramos João
Claudino de Oliveira e Cruz, Moura Bittencourt e Pontes de Miranda, que
efetivamente, reconhecem o direito do nascituro.
Observemos os
entendimentos jurisprudenciais, no que diz respeito aos alimentos pleiteados
para o nascituro:
EMENTA:
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DO NASCITURO.
POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Não pairando dúvida acerca do
envolvimento sexual entretido pela gestante com o investigado, nem sobre
exclusividade desse relacionamento, e havendo necessidade da gestante,
justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o
investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia
deve ser fixada tendo em vista as necessidades do alimentando, mas dentro da
capacidade econômica do alimentante, isto é, focalizando tanto os seus ganhos
como também os encargos que possui. Recurso provido em parte. (Agravo de
Instrumento nº 70006429096, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/08/2003).
EMENTA: AGRAVO DE
INSTRUMENTO. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NASCITURO. Estando o feito no seu início,
sem que contenha dados seguros acerca tanto da paternidade imputada ao agravado
como a comprovação da alegada união estável entretida entre as partes, inviável
a fixação de alimentos provisórios ao nascituro; mormente porque sequer
angularizada a relação processual. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de
Instrumento nº 70009811027, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 09/11/2004).
Não obstante, a
divergência doutrinária, o entendimento jurisprudencial é pacífico em relação à
concessão dos alimentos ao nascituro, desde que, seja extreme de dúvidas o
vínculo de parentesco entre alimentando e alimentante.
Logo, devemos
considerar as observações de Maria Helena Diniz em seus comentários ao art. 2º
do Código Civil de 2002:
Ante as novas
técnicas de fertilização in vitro
e do congelamento de embriões humanos, houve quem levantasse o problema
relativo ao momento em que se deve considerar juridicamente o nascituro,
entendendo-se que a vida tem início, naturalmente, com a concepção no ventre
materno. Assim sendo, na fecundação de proveta, embora seja a fecundação do
óvulo, pelo espermatozóide, que inicia a vida, é a nidação do zigoto ou ovo que
a garantirá; logo, para alguns autores, o nascituro só será "pessoa"
quando o ovo fecundado for implantado no útero materno, sob a condição do
nascimento com vida. O embrião humano congelado não poderia ser tido como
nascituro, apesar de dever ter proteção jurídica como pessoa virtual, com uma
carga genética própria. Embora a vida se inicie com a fecundação, e a vida
viável com a gravidez, que se dá com a nidação, entendemos que na verdade o
início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da
penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher.(DINIZ,
2005, p.6).
Em suma, as
pessoas obrigadas a prestar alimentos são: pai e mãe (demais ascendentes), os
descendentes e os colaterais de 2º grau (sejam irmãos germanos ou unilaterais).
E também, o nascituro que pode ser considerado sujeito podendo pleitear os
alimentos, tendo assim, reconhecido o seu direito, salvo melhor juízo.
Superada a questão
pertinente a qualificação dos sujeitos obrigados a prestar alimentos, mister se
faz uma análise referente aos pressupostos básicos da obrigação alimentar.
O art. 1.694 § 1º
do Código Civil de 2002 faz referência aos pressupostos essenciais da obrigação
de alimentos, concomitantemente com o que preceitua o art. 1.695 da referida
lei. Assim, teremos, de acordo com Diniz (2005), os seguintes pressupostos:
vínculo de parentesco, a necessidade do alimentando, a possibilidade econômica
do alimentante e a proporcionalidade, na sua fixação, entre as necessidades do
alimentário e os recursos econômico-financeiros do alimentante, ou seja, o
consagrado binômio necessidade-possibilidade.
Em relação ao
vínculo de parentesco, somente sua existência, automaticamente, não torna
exigível a obrigação alimentar. Podemos dizer que, para tornar exigível a
obrigação de alimentos, é imperioso a presença concomitante de todos os seus
pressupostos básicos. Nesse sentido corrobora Gomes (2002, p. 430-431):
Não basta,
todavia, a existência do vínculo de família para que a obrigação se torne
exigível; é preciso que o eventual titular do direito à prestação de alimentos
os necessite de verdade. Necessário, numa palavra, que esteja em estado de
miserabilidade. Por tal deve-se entender a falta de recursos, sejam bens ou
outros meios materiais de subsistência, mas, também, a impossibilidade de
prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.
Ainda, porém, que
faça jus ao recebimento da prestação de alimentos, por estar em condições de reclamá-lo,
o alimentando não pode exercer o seu direito se aquele de quem os exige não
tiver condições de satisfazê-la.
Destacamos, ainda,
que os pressupostos da obrigação alimentar são disciplinados pelos princípios
da proporcionalidade e da condicionalidade, como ensina Pereira (2003, p.
31-33):
Inicialmente,
tem-se que, para a avaliação das necessidades do alimentando à percepção da
pensão, há que se considerar não só o que o credor de alimentos, em princípio,
precisa para sua própria subsistência, como também, o de que necessita para
atender a despesas complementares, a saber, gastos com tratamento de saúde e
educação, quando for o caso.
Por outro lado,
nos limites do razoável, é possível em certos casos, serem os alimentos fixados
ad decorrem, pois não se pode
negar ao alimentando-sempre, naturalmente, que o alimentante esteja em
condições de proporcionar-o direito de conservar o nível de vida que
anteriormente tinha.
Tal proporção visa
a, de um lado, assegurar ao credor necessitado, o suficiente para suprir suas
reais necessidades e de outro, não comprometer o alimentante com o pagamento de
uma pensão superior às forças de sua fortuna, exigindo-lhe um sacrifício
superior àquele que o devedor poderia suportar, sem o comprometimento do
efetivamente necessário à sua própria mantença.
Os princípios
mencionados devem servir como norteadores para a avaliação, de acordo com o
caso concreto, da fixação dos alimentos, isto é, de seus valores, observando-se
sempre o binômio necessidade-possibilidade. No mesmo sentindo, temos os
ensinamentos de Dias (2005, p.469):
Para definir
valores, há que se atentar ao princípio da proporcionalidade. Este é o vetor
para a fixação dos alimentos. Tradicionalmente, invoca-se o binômio
necessidade-possibilidade, ou seja, perquirem-se as necessidades do alimentando
e as possibilidades do alimentante para estabelecer o valor da pensão. No
entanto, esta mensuração é feita para que se respeite o critério maior, da
proporcionalidade. Por isso, se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio:
proporcionalidade-possibilidade-necessidade.
Portanto, não
podemos falar em fixação de alimentos sem que esteja presente o binômio
necessidade-possibilidade, ou como acrescenta Maria Berenice Dias, o trinômio
proporcionalidade-possibilidade-necessidade. A propósito, temos o entendimento
de Porto (2003, p.23):
Não há como fugir
deste binômio necessidade-possibilidade, pois toda verba alimentar fixada ou
pretendida fora da realidade dos envolvidos na relação jurídica alimentar
representará, sem dúvida, um verdadeiro convite ao não cumprimento da
obrigação; convite este, de regra, decorrente da impossibilidade fática do
obrigado.
A jurisprudência
vem sinalizando, em certas hipóteses, que um critério razoável para a fixação
de alimentos seria aquele que atribui um terço dos rendimentos líquidos do
devedor ao credor. Todavia, importante que se registre, nada obsta que os
valores a serem pagos fiquem aquém ou ultrapassem o percentual referido, pois a
lei não quer o perecimento do alimentado, mas também não deseja o sacrifício do
alimentante. Deve, pois, haver uma adequação ao binômio
necessidade-possibilidade.
Em síntese, diante
dos sujeitos obrigados a prestar e a requerer os alimentos, pois de acordo com
a lei o direito á prestação de alimentos é recíproco. Não podemos deixar de
examinar a presença de todos os pressuposto, para a devida fixação dos
alimentos.
No entanto,
devemos diferenciar a obrigação alimentar entre ascendentes e descendentes do
dever de sustento, o que faremos a seguir.
2.2. Do dever de sustento e a obrigação alimentar entre os ascendentes e
descendentes.
Conforme expressa
o art. 229 da Constituição Federal, o dever de assistência existe entre os pais
e os filhos menores; e entre os filhos maiores e os seus respectivos pais.
Assim, encontra-se legitimada a assistência recíproca entre pais e filhos.
Acontece que
existem duas modalidades legais distintas a que estão sujeitos os pais em
relação aos filhos: uma consiste no dever de sustento e outra na obrigação
alimentar.
Destarte, temos
duas ordens de obrigação alimentar como ensina Cahali (2002, p. 525):
A doutrina de
maneira uniforme, inclusive com respaldo na lei, identifica duas ordens de
obrigações alimentares, distintas, dos pais para com os filhos: uma resultante
do pátrio poder, consubstanciada na obrigação de sustento da prole durante a
menoridade; e outra, mais ampla, de caráter geral, fora do pátrio poder e
vinculada à relação de parentesco em linha reta.
É importante
ressaltar que as duas modalidades têm fatores distintivos. A obrigação de
sustento origina-se do pátrio poder. O mencionado instituto destina-se à
proteção dos filhos. Assim, continuemos a observar os ensinamentos de Cahali
(2002, p. 525):
A obrigação de
sustento tem a sua causa no pátrio poder. Para permitir aos pais o desempenho
eficaz de suas funções, a lei prove os genitores do pátrio poder, com
atribuições que não se justificam senão por sua finalidade; são direitos a eles
atribuídos, para lhes permitir o cumprimento de suas obrigações em relação à prole;
não há pátrio poder senão porque deles se exigem obrigações que assim se
expressam: sustento, guarda e educação dos filhos.
No Código Civil de
2002 temos a substituição da nomenclatura pátrio poder por poder familiar, haja
vista a garantia constitucional de igualdade entre o homem e a mulher; e ter o
instituto o escopo de proteger o menor, devendo ser exercido concomitantemente
pelo pai e pela mãe, de acordo com os art.s 5º, I e 226, § 5º da Constituição
Federal. Somente haverá exclusividade a um dos pais, na falta ou impedimento do
outro. Não obstante fazermos referência à opinião de Rodrigues (2004, p.355):
O novo Código
optou por designar esse instituto como poder
familiar, pecando gravemente ao mais se preocupar em retirar da
expressão a palavra "pátrio", por relacioná-la impropriamente ao pai (quando recentemente já lhe fora
atribuído aos pais e não exclusivamente ao genitor), do que cuidar para incluir
na identificação o seu real conteúdo, que antes de poder, como visto,
representa uma obrigação dos pais, e não da família, como sugere o nome
proposto.
Continuando sob o
prisma de Rodrigues (2004, p. 356) convém à apresentação do conceito de poder
familiar:
O poder familiar é
o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos
bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes.
O fato de a lei
impor aos pais, com o fim de proteger os filhos, realça o caráter de munus público do poder familiar. E
torna irrenunciável.
Desta forma,
Regina Silva em seus comentários sobre o art. 1.631 do Código Civil acrescenta
o seguinte:
O poder familiar
deve ser exercido por ambos os pais, conforme ditames constitucional da
absoluta igualdade entre homens e mulheres. Tanto o pai como a mãe devem atuar
na educação e formação dos filhos, não havendo distinção entre um e outro no
exercício desse poder.
Caso haja
desacordo entre os progenitores no exercício desse poder, é assegurado a
quaisquer deles recorre ao Judiciário para a solução da divergência,
excetuando-se somente questões de cunho personalíssimo, sobre as quais descabe
áquele pronunciar-se. (SILVA, 2003, p. 1.443).
Há uma presunção
da necessidade para os filhos menores, obrigando aos pais a prestação do
sustento, pois como preceitua o art. 1.630 do Código Civil, os filhos enquanto
menores, estão submetidos ao poder familiar. De outro lado, a obrigação
decorrente do poder familiar, extingue-se com a maioridade dos mesmos, com
ensina Cahali (2002, p.527), "assim,
o dever de sustento vinculado ao pátrio poder só cessa com a maioridade, ainda
que, pela sua idade, o filho já estivesse apto para o trabalho em face de
legislação específica".
Sob o mesmo ponto
Cahali (2002, p.528) enfatiza que:
O dever de
sustento, assim não é recíproco a benefício dos genitores e cessa com a maioridade
do filho.
Efetivamente, com
a maioridade, pode surgir obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos,
porém de natureza diversa, fundada no art. 1.694 do Código Civil; essa
obrigação diz respeito aos filhos maiores que, por incapacidade ou enfermidade,
não estiverem em condições de prover à sua própria subsistência.
Todavia, devemos
destacar que a jurisprudência vem prorrogando esse prazo, como destaca Dias
(2005, p. 455-456):
Atenta às
dificuldades atuais da sociedade, em que há necessidade cada vez maior de
qualificação para a inserção no mercado de trabalho, a jurisprudência vem
dilatando o período de vigência dos alimentos, contanto que o filho se encontre
estudando.
No mesmo sentido,
Welter (2003), em síntese, elenca as três possibilidades de prorrogação do
prazo para a prestação de alimentos oriundos do poder familiar aos filhos
maiores: a) alimentos ao filho maior e incapaz; b) alimentos dos pais ao filho
maior e capaz que cursa escola profissionalizante ou faculdade; e c) alimentos
dos pais ao filho maior, capaz e indigente. Welter (2003, p.122), acrescenta
que:
Consta no art. 16
da Lei nº 6.515/77 que "as disposições relativas à guarda e à prestação de
alimentos aos filhos menores estendem-se aos filhos maiores inválidos". Os
mesmos termos estão contidos no art. 1.590 do Código Civil de 2002; "as
disposições relativas à guarda e prestação de alimentos aos filhos menores
estendem-se aos filhos maiores incapazes", ou seja, "a maioridade faz
cessar o poder familiar (pátrio poder), mas não extingue a obrigação alimentar
se o alimentando é pessoa doente, incapaz de prover sua subsistência e gerir os
atos da vida civil".
O pode familiar,
de acordo com a lei, poderá ser suspenso, destituído ou extinto, de acordo com
a doutrina de Diniz (2005):
a) suspensão do
poder familiar: as causas de suspensão estão arroladas, genericamente, no art.
1.637 do Código Civil. Consiste na sanção que visa a preservar os interesse do
filho, privando o genitor, temporariamente, do exercício do poder familiar, por
prejudicar um dos filhos ou alguns deles; retorna ao exercício desse poder, uma
vez desaparecida a causa que originou tal suspensão;
b) destituição do
poder familiar: os casos estão elencados no art. 1.638 do Código Civil. É uma
sanção mais grave que a suspensão, imposta, por sentença judicial, ao pai ou
mãe que pratica qualquer um dos atos que a justifiquem, sendo, em regra,
permanente, embora o seu exercício possa restabelecer-se, se provada a
regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que determinou, por ser
medida imperativa abrange toda a prole e não somente um ou alguns filhos.
Assim, será destituído do poder familiar pai ou mãe que: castigar
imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono, praticar atos contrários à
moral e aos bons costumes, incidir reiteradamente nas faltas do art. 1.637;
c) extinção do
poder familiar: os casos estão elencados no art. 1.635 do Código Civil. O poder
familiar é extinto pela morte dos pais ou do filho, pois a morte de um deles
não extingue o poder familiar, visto que o outro o exercerá sozinho; pela
emancipação do filho, ou seja, aquisição da capacidade civil antes da idade
legal nos casos do Código Civil, art. 5º parágrafo único, equiparando-se a
pessoa maior, deixa, então, de submeter-se ao poder familiar; pela maioridade
do filho; pela adoção, que extingue o poder familiar do pai ou mãe carnal,
transferindo-o ao adotante; se falecer o pai adotivo, não se restaura o poder
familiar do pai ou mãe natural, nomeando-se tutor ao menor.
É essencial que se
compreenda as diferenças básicas entre o dever de sustento e a obrigação
alimentar. O que referenciamos de acordo com a doutrina de Cahali (2002):
a) a obrigação
alimentar é recíproca entre pais e filhos; já o dever de sustento não é
recíproco a benefício dos genitores e cessa com a maioridade do filho;
b) a obrigação
alimentar do art. 1.696 do Código Civil é proporcional, segundo o art. 1.694,
§1º da referida lei, à capacidade econômica de quem os deve e as necessidades
de quem os reclamam; trata-se, pois, de uma obrigação de conteúdo variável e
contingente, enquanto o dever de sustento dos filhos menores, imposto aos
genitores, caracteriza-se como sendo absoluto, sem qualquer consideração às
respectivas fortunas.
c) o dever de
sustento se extingue com a maioridade, ou mesmo com a emancipação do filho: ao
romper-se o vínculo do pátrio poder, cessam os efeitos do mesmo, entre os quais
o dever de sustento do filho, e surge como única e autônoma a prestação legal
de alimentos, condicionada, agora, esta, ao estado de necessidade do filho e à
possibilidade do genitor;
d) o dever de
sustento que pesa sobre os pais (art. 1.566, IV), não se estende aos outros
ascendentes, e não é recíproco; a obrigação alimentar (art. 1.696), ao
contrário, é recíproca entre todos os ascendentes e descendentes, qualquer que
seja o grau de parentesco e qualquer que seja a idade do alimentando, mas não
se exime da prova dos pressupostos do art. 1.694, § 1º do Código Civil,
e) tecnicamente, a
obrigação de sustento define-se como uma obrigação de fazer; enquanto a
obrigação alimentar consubstancia uma obrigação de dar.
No entanto, a
maioridade não retira do filho o direito de reivindicar alimentos aos seus
ascendentes. Efetivamente com a maioridade poderá surgir à obrigação alimentar
dos pais em relação aos filhos maiores, só que de natureza fundada no art.
1.694 do Código Civil. Por incapacidade ou enfermidade, caso os filhos maiores
não tenham condições de prover sua própria subsistência.
De acordo Cahali a
diferença existente entre dever de sustento e obrigação alimentar consiste
basicamente no seguinte:
O dever de
sustento se extingue com a maioridade, ou mesmo com a emancipação do filho: ao
romper-se o vínculo do pátrio poder, cessam os efeitos pessoais do mesmo, entre
os quais o dever de sustento do filho, e surge como única e autônoma a
prestação legal de alimentos, condicionada, agora, esta, ao estado de
necessidade do filho e à possibilidade do genitor.
A obrigação
alimentícia que surge com a cessação do dever de sustento que resultou da
maioridade é uma obrigação que pode durar por toda a vida do alimentário:
"Esse direito do filho ao qual corresponde à obrigação dos pais perdura
até a morte".
O dever de
sustento que pesa sobre os pais (art. 1.566, IV, do Código Civil), não se
estende aos outros ascendentes e descendentes, não é recíproco; a obrigação
alimentar do art. 1.696 do Código Civil, ao contrário, é recíproca entre todos
os ascendentes e descendentes, qualquer que seja o grau de parentesco e
qualquer que seja a idade do alimentando, mas não se exime da prova dos
pressupostos do art. 1.694, § 1º, do Código Civil. (2002, p.528-529).
Enfim, podemos
referir que com a cessação do dever de sustento poderá, dependendo do caso
concreto, emergir a obrigação alimentar. Destacamos, ainda, que há a obediência
ao princípio da reciprocidade no âmbito da obrigação alimentar, no entanto, em
relação ao dever de sustento não há que se invocar tal princípio, pelos motivos
já apresentados.
Podemos destacar,
ainda, que a maioridade do filho não implica automaticamente na interrupção do
pagamento dos alimentos, a qual apenas deixa de ter como causa o poder familiar
e passar a ser legitimada com fundamento no princípio da solidariedade entre os
parentes.
Diante dos
esclarecimentos supra, mister se faz uma breve análise sobre a obrigação
alimentar existente entre os colaterais, ou seja, a obrigação dos irmãos. Pois,
efetivamente, o nosso Código Civil reconhece tal obrigação em seu art. 1.694,
cabendo ressaltar que, em linha colateral ou transversal, o parentesco
estende-se até o quarto grau com fulcro no art. 1.592; no entanto, na linha
colateral há limitação ao segundo grau de parentesco na obrigação alimentar como
expressa o art. 1.697; e que como já referimos, o parentesco em linha reta tem
vínculo infinito (Figura 1).
2.3. Da obrigação alimentar entre os colaterais
De acordo com o
estatuto civil pátrio, os irmãos, tanto os germanos como os unilaterais, foram
incluídos no rol de parentes com obrigação legal à prestação de alimentos
limitados ao segundo grau de parentesco, com base legal no art. 1.697 do
referido estatuto.
Em seus
comentários ao art. 1.697 do Código Civil, Silva (2003, p.1506) esclarece que:
Inexistindo
ascendentes hábeis à prestação de alimentos, a obrigação recai nos
descendentes, observada a ordem sucessiva e independentemente da origem da
filiação. Na falta de descendentes à obrigação transfere-se aos irmãos, tanto
germanos como unilaterais. Assim, enquanto na linha reta de parentesco não há
limitação de grau, na linha colateral há limitação ao segundo grau de
parentesco na obrigação de alimentos.
Em conseqüência a
limitação existente na linha colateral, observa Monteiro que há colisão com o
direito sucessório. Haja vista, que o mesmo compreende até o quarto grau de
acordo com o art. 1.839 do Código Civil. Nesse sentido o referido doutrinador
refere o seguinte:
Note-se que,
diante da impossibilidade parcial de um parente mais próximo prestar alimentos,
a responsabilidade a que estão sujeitos os parentes mais distantes é
complementar.
A obrigação
alimentar é de natureza legal, a cargo das pessoas expressamente designadas, de
tal forma que se deve ter sua indicação por taxativa e não enunciativa.
Conseguinte, os
demais parentes não se acham sujeitos ao encargo alimentar. Este, na linha
colateral, não vai além do segundo grau, o que como observa Bonfante, colide
com o direito sucessório, que, em nossa legislação, vai até o quarto grau (at.
1.839). Por conseguinte, no direito pátrio, o onus alimentorum não coincide com o emolumentum successionis. (MONTEIRO, 2004, P. 367).
Como já referimos,
a obrigação legal à prestação de alimentos, na linha colateral é limitada ao
segundo grau de parentesco de acordo com art. 1.697 do Código Civil, e nesse
sentido é pacífica a doutrina e a jurisprudência.
Não obstante, vale
ressaltar o surgimento de teses que admitem legitimidade até o quarto grau,
para que sejam pleiteados os alimentos, como demonstra Dias (2005, p. 460):
Ainda que,
reconhecendo ser mais ampla a ordem de vocação hereditária, de forma maciça, a
doutrina não admite que a responsabilidade alimentar ultrapasse o parentesco de
segundo grau. No entanto, não se pode emprestar tal sentido ao fato de não ter
o legislador reconhecido à necessidade de detalhamento sobre a obrigação dos
parentes de terceiro e quarto graus. Trazer a lei algumas explicitações quanto
à obrigação entre ascendentes e descendentes, bem como detalhar o dever dos
irmãos, não exclui os demais parentes do encargo alimentar. O silêncio não
significa que tenham sido excluídos do dever de pensionar. Os encargos
alimentares seguem os preceitos gerais: na falta dos parentes mais próximos são
chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos
descendentes. Portanto, na falta de pais, avós e irmãos, a obrigação passa aos
tios, tios-avós, depois aos sobrinhos, sobrinhos-neto e, finalmente, aos
primos.
O entendimento
sobre a possibilidade da obrigação de alimentos por tios é bastante divergente
no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de acordo com a notícia abaixo
transcrita:
A 7ª Câmara Cível
do TJRS apreciou anteontem apelação em ação de alimentos, movida contra avô e
quatro tias. A autora da ação, universitária, sustentou necessitar de pensão
alimentícia para poder continuar seus estudos, pois a mãe é aposentada por
invalidez, recebendo em torno de R$ 700,00 por mês do INSS, e o pai encontra-se
doente e desempregado desde 1995.
O pedido foi
rejeitado por unanimidade, pelo fato de a ação não ter sido movida contra o
genitor e, "sem estar comprovada
sua impossibilidade financeira, não poderiam ser demandados os parentes".
No entanto a relatora, desembargadora Maria Berenice Dias, expressou a
convicção de ser possível, em tese, a obrigação de alimentos pelos tios.
Ela explicitou que "a regra diz que parentes devem
prestar alimentos uns aos outros e, se não há ascendentes nem descendentes,
buscam-se alimentos de outros parentes". Aduziu que o art. 1.694 do
Código Civil é absolutamente claro ao reconhecer a obrigação alimentar dos
parentes.
Referiu também que "como os parentes até o quarto grau
têm vantagens legais, podendo herdar bens, claro que também têm o dever de
prestar alimentos". E avançou: "Se têm bônus, também devem arcar com alguns ônus".
Questionou a situação de alguém que, necessitando de alimentos não tem pais,
avós ou irmãos: "Então morre de
fome? E, se morrer de fome quem vai herdar são exatamente os tios ou os
primos...".
O desembargador
José Carlos Teixeira Giorgis elogiou "o pioneirismo do entendimento", mas observou que embora o
Código Civil, em seu artigo 1.694, refira parentes de forma genérica, no art.
1.696 define quem entende por parentes. "O
Código poderia ter estabelecido a obrigação aos demais mas não o fez, o que
considero eloqüente".
A impossibilidade
de prestação de alimentos pelos tios também foi manifestada pelo desembargador
Luiz Felipe Brasil Santos, para quem, "apesar de a tese ser absolutamente inédita, tanto doutrinária quanto
jurisprudencialmente", o Código é claro ao limitar, nos arts. 1696
e 1697, as obrigações alimentares (ESPAÇO VITAL, 2004, p.1).
Destarte, a
possibilidade de existência de obrigação alimentar entre tios, sobrinhos e
primos, ou seja, a existência de obrigação alimentar em linha colateral além do
segundo grau de parentesco, é algo inédito, como bem observou o Desembargador
Luiz Felipe Brasil, até porque não há base legal, nem tampouco doutrinária que
atenda tal pretensão. Nesse sentido, é atual a observação de Chaves (2004,
p.1-2):
Primeiramente,
observo que se trata de entendimento inédito, como bem destacou o eminente
desembargador Luiz Felipe Brasil Santos no voto que lançou em processo onde tal
tema estava sendo questionado, e, ouso afirmar, mais do que inédito é inusitado
e isolado.
Em segundo lugar,
observo que o paralelo traçado pela eminente articulista, entre a obrigação
alimentar e a capacidade sucessória é impertinente, na medida em que são
institutos diversos e de naturezas distintas, ambos tendo em comum apenas e tão
somente o fato de contemplarem parentes numa relação de reciprocidade.
Lembro, ainda, que
não há falar em ônus e bônus, na medida em que a capacidade sucessória dos
parentes colaterais é limitada e eventual, ou seja, eles somente herdam se
ninguém os preceder na ordem de vocação hereditária e, mesmo assim, se o autor
da herança quiser, isto é, se não nomear outra pessoa, já que tios, sobrinhos e
primos são herdeiros facultativos...
Ora, dentro da
relação de parentesco, observo que constitui dever legal próprio dos pais
prestar o sustento e também assegurar a plena educação aos filhos menores,
sendo que a obrigação alimentar, como decorrência do dever de solidariedade
familiar, tem substrato legal na regra do art. 1.694 do Código Civil, o qual
estabelece que podem os parentes pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social. Ou seja, os
alimentos têm em mira sempre a situação de necessidade pessoal do alimentando (art.
1.695 do Código Civil).
E o Código Civil
vigente dispõe, taxativamente, que "o
direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a
todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns na
falta dos outros" (art. 1.696), sendo que "na falta dos ascendentes, cabe a obrigação
aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos,
assim os germanos como unilaterais" (art. 1.697).
Lembro, por
oportuno, que não há qualquer eiva de inconstitucionalidade nessa disposição,
na medida em que apenas refere o âmbito do parentesco colateral. Se os irmãos
são filhos do mesmo pai e da mesma mãe, são bilaterais; se forem filhos do
mesmo pai ou da mesma mãe, são irmãos unilaterais. Isso nada tem de discriminatório
e nada tem a ver com igualdade jurídica entre os filhos. Cuida-se apenas da
relação entre irmãos e da forma como o parentesco entre eles se estabelece.
Esse é, pois, o
universo de pessoas que mantém reciprocamente relação obrigacional alimentar. E
nele não estão contemplados, como se vê, nem os tios, nem os sobrinhos, nem os
primos...Ou seja, não existe encargo alimentar entre tios e sobrinhos, nem
entre primos. A obrigação vai ao infinito na linha reta (pai-filho, avô-neto,
bisavô-bisneto e assim por diante), mas, na linha colateral, não supera o
segundo grau, isto é, não vai além dos irmãos, sejam eles unilaterais ou
bilaterais.
Como colorário, na
falta de ascendentes e descendentes, a obrigação alimentar deverá ser imputada
aos colaterais de segundo grau (Figura 1). Assim, os tios não estarão obrigados
a prestarem alimentos aos sobrinhos, nem mesmos os primos se devem alimentos
entre si; e como conseqüência lógica, excluídos também estão os parentes afins,
pois a lei não prescreve os alimentos entre pessoas ligadas pela afinidade.
Nesse sentido corrobora Cahali (2002, p. 698-699):
A jurisprudência
de nossos tribunais é pacífica no sentido de excluir o direito de alimentos
entre sogro e nora: a afinidade não origina parentesco, mas apenas aliança, que
não é poderosa para criar direito a alimentos; a nora, não sendo vinculada ao
sogro pelo ius sanguini, não é
parente para ver-se como parte alimentária.
Em relação à
afinidade cabe ressaltar que segundo Cahali (2002, p. 700-701) o que segue:
Considerando que,
no caso, existe mera relação de afinidade, parece certo que "o padrasto ou
a madrasta não tem de manter os enteados; mas, se qualquer deles estiver
investido do pátrio poder, a situação se transfigura", é o que ocorre se o
enteado vier a ser adotado pelo padrasto, possibilidade legal que aqui não
comporta ser discutida.
Não obstante, a
realização de breve estudo no plano doutrinário sobre os alimentos entre
colaterais, na prática são raros os casos de litígios entre irmãos.
Seguindo, pois, no
contexto das transformações advindas do Código Civil pátrio, no capítulo três
passaremos aos comentários relacionados com a transmissibilidade da obrigação
alimentar.
4. DA TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR ENTRE PARENTES
4.1 A limitação da transmissão da obrigação alimentar oriunda do
parentesco.
Com fundamento
legal no art. 402 do Código Civil de 1916, verbatim: "a
obrigação de prestar alimentos não se transmite aos herdeiros do devedor".
Com isso, a questão da intransmissibilidade da obrigação alimentar não gerava
nenhum tipo de dificuldade, pois a norma vedava a transmissão da obrigação e
diante do entendimento majoritário da doutrina em afirmar a regra contida no
artigo supra referido.
Contudo, a Lei
6.515/77 passou a questionar a regra da não transmissibilidade dos alimentos:
Todavia, com o
advento da Lei 6.515/77, esta característica sofreu verdadeiro abalo em suas
bases e passou a representar tormentoso problema para os estudiosos da
temática, já que a referida lei, em seu art. 23, assim disciplinou a matéria:
"a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor,
na forma do art. 1.796 do CC / 1916". Conforme se vê, a redação do
dispositivo é diretamente oposta à constante no art. 402 do CC / 1916. Diante
desta situação, observou com talento costumeiro Sérgio Gischkow Pereira:
"O direito brasileiro (...) repousava, tranqüilo e imperturbável, sobre o
axioma da intransmissibilidade. O art. 402 do CC, impávido, esmagava qualquer
tentativa de reação, por mais tímido que fosse seu esboço".
Note-se que o
eminente doutrinador gaúcho diz que o direito repousava; significa que ao tempo
de sua exposição, em razão do conteúdo do art. 23 da nominada lei, já não
passou a repousar com a mesma tranqüilidade.
Como efeito, após
a vigência da chamada Lei do Divórcio, passou a se ter divergência de opiniões
em torno da matéria, como se verá. (PEREIRA, Apud PORTO, 2003, p.38-39).
Assim, instaurada
estava a controvérsia sobre a transmissibilidade da obrigação alimentar, pois
se tornou fonte de conflito tanto doutrinário quanto jurisprudencial a
interpretação dos artigos já mencionados, haja vista a transmissibilidade ser
totalmente incabível com fulcro no art. 402 do CC/ 1916 e se passível de
transmissão segundo o art. 23 da Lei do Divórcio. No entanto esclarece Santos
(2004, p.221):
Doutrina e
jurisprudência majoritárias firmam-se no sentido de que intransmissível é a
obrigação alimentar entre parentes (com fulcro no art. 402), enquanto
transmissível é a obrigação entre os cônjuges(art. 23 da Lei 6.515/77). Isso
porque o parente beneficiário dos alimentos seria também herdeiro do autor da
herança, e, de outro lado, de regra, poderia também postular alimentos
diretamente aos próprios herdeiros, por possuir parentesco com estes (salvo no
caso do irmão alimentado, que possuindo o de cujus filhos, não seria herdeiro e nem poderia pedir
alimentos aos sobrinhos.
No mesmo sentido
temos o posicionamento de Sérgio Gischkow Pereira onde faz a seguinte
referência:
O art. 402 do
Código Civil de 1916 previa a intransmissibilidade da obrigação alimentar.
Sempre defendi que foi totalmente revogado pelo art. 23 da Lei nº 6.515, de 26
de dezembro de 1977. Agora temos o art. 1.700 do Código Civil de 2002, que
insiste no conteúdo do art. 23. (PEREIRA, 2004, p.143).
A desembargadora
Maria Berenice esclarece não haver controvérsia entre os art.s 402 do CC /
1.916 e o 23 da Lei do Divórcio:
A aparente
contradição legislativa era solvida pela jurisprudência, atentando ao fato de
se tratar de encargos diferenciados: a lei civil regulava os alimentos entre
parentes, e a Lei do Divórcio tratava da obrigação entre cônjuges. Predominava
o entendimento de que, diante da existência de dever autônomo entre os parentes
consangüíneos, a transmissão do encargo geraria desequilíbrio na divisão da
herança. Por exemplo, falecido o alimentante, ao transmitir-se aos filhos
maiores a obrigação alimentar em relação ao irmão menor, este perceberia
herança em valor superior aos demais, em flagrante quebra ao princípio da
divisão igualitária dos quinhões. Porém, admite-se a imposição do encargo até
ultimada a partilha dos bens, mediante a devida compensação, para que o
alimentando-herdeiro não receba duplamente. (DIAS, 2005,p.452-453).
Não obstante, o
Código Civil de 2002 inovou ao afirmar expressamente em seu art. 1.700 que a obrigação alimentar
transmite-se aos herdeiros do devedor. Desta forma, tanto a obrigação oriunda
do parentesco como a oriunda do casamento ou mesmo da união estável são
transmissíveis à luz do art. 1.700, isto é, todos os alimentos do direito de
família estão regulados conjuntamente. Continuemos com os ensinamentos de
Santos (2004, p.221):
No entanto, a
partir dessa nova disposição do art. 1.700, dúvida não há no sentido de que a
transmissibilidade passou a ser característica tanto da obrigação oriunda do
parentesco como daquela proveniente do casamento ou da união estável. Isso
porque a regra insere-se agora no Subtítulo III, que cuida dos alimentos entre
parentes, cônjuges ou companheiros.
Com isso, temos
como superada a controvérsia existente em torno de ser ou não transmissível à
obrigação alimentar, ou seja, é pacífica a regra da transmissibilidade da
referida obrigação.
Por outro lado,
surge o questionamento a cerca da limitação da transmissibilidade, a norma
legal expressa a regra de que a obrigação é transmissível, no entanto, silencia
no tocante aos seus limites, o que poderá trazer ao hermeneuta equívocos quanto
à aplicação do artigo, ora em estudo. No entanto, Pereira (2004, p.145) observa
que:
Tudo está em
perceber que a transmissão opera exclusivamente no respeitante ao patrimônio
deixado pelo de cujus, isto é,
não vai além deste, não supera as forças da herança. A obrigação não se
transmite, pura e simples, aos herdeiros, mas somente se transfere incidindo
sobre o patrimônio do falecido, na proporção deste. Inexistindo bens,
desaparecerá a obrigação. Se insuficientes os bens para gerarem o valor
integral da pensão, ver-se-á esta reduzida proporcionalmente. Por isto o art.
23 da lei do Divórcio aludia ao art. 1.796 do Código Civil anterior.
Alguns se
preocupam porque o art, 1.700 do Código Civil de 2002 se reporta ao art. 1.694
e não menciona dispositivo legal pertinente à herança. Ora, isto em nada altera
o fato de que a transmissão só ocorre dentro das forças da herança. Importa é
que o artigo 1.700 é claro ao falar em transmissão aos herdeiros: isto
significa que cabe aplicar as normas de direito hereditário e nestas é
absolutamente pacífico que os débitos do falecido estão limitados pelas forcas
da herança.
Diante de tal
inovação do diploma legal, mister se faz socorremo-nos da melhor doutrina e
jurisprudência. Vejamos os seguintes posicionamentos doutrinários:
É certo que o art.
1.700 não faz qualquer referência a que a transmissibilidade deva ocorrer nos
limites das forcas da herança, o que, em princípio, pode conduzir à
interpretação de que os herdeiros passam a ser pessoalmente responsáveis pela
continuidade do pagamento, independentemente de terem ou não herdado qualquer
patrimônio. Tal interpretação, entretanto, não pode prosperar, pois ofenderia
uma das características fundamentais da obrigação alimentar que é o fato de ser
personalíssima, somente se justificando sua transmissão aos herdeiros na medida
em que vinculada às forças da herança. (SANTOS, 2004, p.221).
Na nossa visão,
porém, a norma do art. 1.700, do novo estatuto civil, a despeito dos termos
aparentemente peremptórios de sua redação, há de ser interpretada cum grano salis, que será possível
transmitir aos herdeiros do alimentante, é o débito que tenha sido por ele
deixado sem quitação, antes de seu falecimento, não propriamente o encargo
alimentar que como obrigação personalíssima deve ser visto, portanto, como
intransmissível. (PEREIRA, 2003, p.13).
A obrigação de
prestar alimentos que se transmite aos herdeiros do devedor sempre deve ficar
limitada aos frutos da herança, não fazendo sentido que os herdeiros do
falecido passem a ter obrigação de prestar alimentos ao credor do falecido
segundo suas próprias possibilidades. (SILVA, 2003, p.1.509).
Em outros termos,
os alimentos transmitem-se aos herdeiros e à sucessão nos limites da herança.
Porém, considerando que o filho deixado pelo devedor é irmão dos herdeiros,
poderá ele ajuizar ação de alimentos contra seus irmãos (filhos do devedor),
não porque é filho do devedor, e sim porque é irmãos dos herdeiros,
aplicando-se, com isso, os arts.1.695 e 1.694, cabeço, ambos do novel Código
Civil. Nesse último caso, os herdeiros, irmãos do alimentado, respondem não só
nos limites da herança, mas também com os seus bens particulares.(WELTER, 2003,
p.42).
Em suma, há o
entendimento majoritário da doutrina no sentido de que a obrigação alimentar é
plenamente transmissível, e que a mesma encontra seus limites no âmbito das
forças da herança.
Todavia, eminente
doutrinador Sérgio Gischkow Pereira apresenta grande preocupação em relação à
interpretação restritiva do art.1.700, pois enfatiza que a transmissão da
obrigação alimentar continua mesmo que já tenha sido realizada a partilha:
Lamento, porém,
que tenha surgido outra fórmula restritiva ao magnífico sentido do art. 23,
hoje 1.700: a transmissão operaria somente até a partilha dos bens do de cujus. Mais perigosa esta
interpretação porque seus argumentos valem para o art. 1.700 do Código Civil de
2002. Neste teor foi deliberação do 4º Grupo Cível do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul. Mais preocupante é que o Superior Tribunal de Justiça
resolveu por igual forma. Mais uma vez se revela a, com toda a vênia,
injustificada resistência aos arts. 23-1.700. Não tenho dúvida de que a
transmissão continua mesmo feita a partilha. Esta exegeses restritiva não pode
ser acatada porque destrói a razão de ser da transmissibilidade e os elevados
objetivos sociais e humanos que ditaram sua aceitação pelo direito brasileiro.
Outra vez se põe a herança acima dos alimentos, e os arts. 23-1.700 ficam
praticamente letra morta. Não importa, inclusive, que o alimentando reúna a
condição de herdeiro; ainda que seja óbvio que se deva fazer uma compensação,
para que o alimentado não receba duas vezes, seria injusto que desaparecessem
os alimentos com a partilha, pois pode simplesmente acontecer que o quinhão
hereditário seja totalmente insuficiente para a manutenção do alimentando!
Neste caso penso devem os quinhões dos demais herdeiros serem atingidos pelos
alimentos. (PEREIRA, 2004, p. 150).
O Desembargador
Luiz Felipe Brasil Santos, participando do julgamento de Apelação Cível destaca
que a transmissão da obrigação atinge além das parcelas vencidas, abrangerá
também as vincendas, acrescenta que os
alimentos subsistirão apenas enquanto não se consumar a partilha (grifo
nosso). Como podemos verificar no seguinte julgado:
EMENTA: ALIMENTOS.
RESPONSABILIDADE DO ESPÓLIO. TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO. Configurados os
pressupostos necessidade-possibilidade, cabível a estipulação dos alimentos.
Isso nos remete ao tema da transmissibilidade da obrigação alimentar, agora
tornada inquestionável pelo artigo 1.700 do Código Civil. E não se diga que a
transmissão se restringe apenas às parcelas eventualmente vencidas, deixando de
abranger as vincendas. É que, em primeiro lugar, esse dispositivo legal
refere-se a obrigação e não a dívidas, o que, por si só, deve bastar. Há mais,
porém. É que interpretá-lo como abrangendo apenas eventuais parcelas
inadimplidas até o ensejo da morte do devedor de alimentos é tornar a regra
inteiramente vazia, pelo simples fato de que o artigo 1.997 do CC já torna o
Espólio responsável pelo pagamento das dívidas do falecido, não havendo,
portanto, necessidade de que a mesma disposição constasse em local diverso. Por
isso, e não podendo entender-se que a lei contém palavras inúteis, é evidente
que o art. 1.700 determina a transmissão da obrigação, abrangendo parcelas que
se vençam inclusive após o óbito do devedor, como no caso. LIMITE DA OBRIGAÇÃO.
É certo que o apelante, como filho que é do autor da herança, é também seu
herdeiro, em igualdade de condições com os demais descendentes. Logo, mais cedo
ou mais tarde lhe serão atribuídos bens na partilha que se realizará no
inventário recém iniciado. Nesse contexto, os alimentos subsistirão apenas
enquanto não se consumar a partilha, pois, a partir desse momento desaparecerá,
sem dúvida, a necessidade do alimentado. PROVERAM. UNÂNIME. (Apelação Cível nº
70007905524, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz
Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/12/2004).
Outra observação
pertinente e de que em uma obrigação temos duas partes: credor e devedor. Os
alimentos no direito de família têm como regra a transmissibilidade da
obrigação alimentícia em relação ao devedor dos alimentos, pois, em relação ao
credor a obrigação é intransmissível, devido os alimentos ter caráter
pessoalíssimo, assim, ensina Pereira (2003, p. 6-7):
O direito aos
alimentos é intransmissível pelo credor a terceiros ou seus sucessores, após a
morte do alimentando.
É evidente,
contudo, que o que desaparece com a morte do alimentando é o próprio direito à
continuidade à prestação dos alimentos, subsistindo, todavia, para seus
herdeiros o indiscutível direito de reclamar, do alimentante, o que deixou de
pagar, em vida, ao credor da pensão, o que se entende perfeitamente porque, com
observa, com absoluta correção, pontes de Miranda, tais alimentos constituem
"direito definitivamente adquirido pelo alimentário: já fazia parte de seu
patrimônio; e como tal é perfeitamente transmissível".
Destarte, tem-se
que, embora, não possam os herdeiros do alimentando, como sucessores deste,
exigir do alimentante a continuidade do cumprimento da obrigação alimentar, o
que se explica pelo fato de se estar diante de um direito personalíssimo, como
tal intransmissível, é certo que podem aqueles demandar o alimentante para o
pagamento das prestações atrasadas, à época própria não satisfeitas, das quais
era, em veda, credor o alimentando.
Nesse caso, e è
Carvalho Santos quem observa, citando o pensamento de Clóvis Bevilacqua:
"estes atrasados não constituem mais pensão alimentar, assumem o caráter
de uma dívida comum que deixou de ser paga".
Por outro lado, em
relação à transmissibilidade passiva, ou seja, em relação ao devedor de
alimentos, Pereira (2003, p.13) enfatiza que:
Na nossa visão,
porém, a norma do art. 1.700, do novo estatuto civil, a despeito dos termos
aparentemente peremptórios de sua redação, há de ser interpretada cum grano salis, de modo a permitir
que se entenda que, na verdade, o encargo que será possível transmitir aos
herdeiros do alimentante, é o débito que tenha sido por ele deixado sem
quitação, antes de seu falecimento, não propriamente o encargo alimentar que
como obrigação personalíssima deve ser visto, portanto, como intransmissível.
Em suma,
destacamos que em relação ao credor temos a intransmissibilidade dos alimentos,
e, em relação ao devedor temos a transmissibilidade. Contudo os ensinamentos de
Pereira (2003) são no sentido de que, a obrigação é intransferível por ser
direito personalíssimo, o que se transmite não é a obrigação de prestar
alimentos, e sim os débitos existentes.
Outro ponto que
merece destaque é que, a transmissão da obrigação alimentar somente se concebe
quando a mesma já estiver sido estabelecida, como ensina Dias (2005,
p.453-454):
Admite a lei a
transmissão da "obrigação" alimentar, isto é, quando o encargo já
havia sido imposto judicialmente por ocasião da morte do alimentante. Não cabe
confundir obrigação com dever alimentar, quando o direito ainda não foi
exigido. A lição de Pontes de Miranda é sempre presente, ao se estabelecer a
distinção entre direito-dever; pretensão-obrigação; ação-execução.
Apesar de a lei
falar em transmissão aos herdeiros, a obrigação ocorre relativamente ao
espólio. O encargo não deve ultrapassar as forças da herança e permanece até a
ultimação da partilha. A partir da divisão dos bens, não cabe falar em
sucessores, os quais não respondem com seu patrimônio particular pelo pagamento
de obrigação alimentar do devedor falecido. Como, via de regra, o credor dos
alimentos é herdeiro, ao receber seu quinhão hereditário passa a prover a
própria subsistência. Se isso não alcança a força de sua herança, surge o
direito de alimentos, mas diretamente frente aos parentes. Mas é obrigação de
outra origem, tendo por fundamento a solidariedade familiar.
Diante da mesma questão,
Pereira (2004, p.152) esclarece com seu magistério o seguinte:
(...) O que se
transmite é a obrigação, e não o dever jurídico. Assim, deve existir obrigação
devidamente preconstituída, mediante sentença, condenatória ou homologatória de
acordo, ou, pelo menos, mediante acordo extrajudicial, admitindo até que este
acordo não seja escrito, mas resulte de costumeiro e regular pagamento de
alimentos. Não concordo é que a ação de alimentos seja proposta contra a
sucessão ou contra os herdeiros, se os alimentos não vinham sendo pagos antes
da morte do alimentante; aí me parece uma demasia, um excesso não confortado
pelo sistema legal.
Diante do
entendimento doutrinário temos como ponto, que a transmissibilidade da
obrigação de alimentos dever ser concebida, desde que a partir da morte do
devedor, o mesmo já esteja obrigado a prestá-la. Assim, é pertinente a análise
da jurisprudência sobre a questão apresentada:
EMENTA: ALIMENTOS.
TRANSMISSÃO. HERDEIROS. ART. 1.700 DO NOVO CÓDIGO CIVIL.
1 - O espólio tem
a obrigação de prestar alimentos àquele a quem o de cujus devia, mesmo vencidos após a sua morte. Enquanto não
encerrado o inventário e pagas as quotas devidas aos sucessores, o autor da
ação de alimentos e presumível herdeiro não pode ficar sem condições de subsistência
no decorrer do processo. Exegese do art. 1.700 do novo Código Civil. 2 -
Recurso Especial conhecido, mas improvido. (STJ - Resp 219.199 / PB - Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar -j. 10/12/2003).
EMENTA:
TRANSMISSIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. ALIMENTOS DEVIDOS PELO ESPÓLIO A
HERDEIRO. CONFUSÃO. INOCORRÊNCIA. VIGÊNCIA DO ARTS. 1700 E 1707 DO CÓDIGO
CIVIL. Em matéria de alimentos devidos pelo espólio a herdeiro não ocorre
confusão. Não obstante o princípio da saisine "segundo o qual ´´aberta a
sucessão a herança transmite-se desde logo aos herdeiros ´´ a efetiva fruição
do quinhão hereditário somente será possível após ultimada a partilha. Até
então, subsiste a necessidade do agravado e a obrigação do espólio, em vigor a
disposição do art. 1.700 do CC. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE
JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70010643922, Sétima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 23/03/2005)
Enfim, em relação
à limitação da transmissibilidade da obrigação alimentar podemos referenciar,
com os fundamentos doutrinários aqui já expostos, as seguintes premissas
basilares: a transmissão opera exclusivamente até os limites das forças da
herança; os alimentos subsistirão apenas enquanto não se consumar a partilha e
a transmissibilidade se opera se a partir da morte do devedor a obrigação já
estava constituída, mediante sentença.
Além disso, é
pertinente a realização de um breve estudo a respeito da obrigação
complementar, pois como sabemos o Código Civil estabeleceu a prestação de
alimentos aos ascendentes. Sendo assim, estudaremos a seguir o pedido de
alimentos contra os avós, onde desde logo, destacamos ser fundamental a prova
da impossibilidade dos pais, para somente assim, serem os avós demandados como devedores
dos alimentos.
3.2. Da obrigação alimentar complementar dos avós
Com o propósito de
estudarmos a obrigação alimentar complementar, mister se faz uma breve análise
sobre a natureza da obrigação alimentar.
Assim, atentemos
para os ensinamentos de Pereira, onde há o entendimento de que a obrigação
alimentar não é de natureza solidária:
Como observa
Pontes de Miranda em seu Tratado de Direito de Família. "A obrigação de
alimentar não é solidária, porque a solidariedade não se presume: resulta da
lei ou da vontade das partes.
Por não ser
solidária tal obrigação, segue-se que, cada uma das pessoas chamadas a prestar
alimentos somente responde pela quota que lhe couber."
Quanto à cota de
contribuição dos co-obrigados, naqueles casos em que mais de um parente é
chamado a prestar alimentos, é certo que não há de ser, sempre, igual, mas
antes proporcional aos recursos de cada um, prevalecendo a regra geral do
artigo 1.694, § 1º do Código Civil, que estabelece o comprometimento do devedor
de alimentos com o cumprimento da obrigação alimentar, guardada a devida
proporção com os limites de seus reais recursos. (PEREIRA, 2003, p.27-28).
É importante
anotar, contudo, que obrigação prestada em conjunto não é solidária, presente
que a solidariedade, como anteriormente já se assinalou, só pode resultar da
lei ou do contrato.
Assim sendo, cada
co-obrigado só é responsável pela cota de pensão que lhe foi atribuída, não
podendo, ausente a solidariedade, ser demandado para o pagamento das cotas dos
demais co-obrigados, porventura inadimplentes.
Com o mesmo
posicionamento, Cahali (2002, p.141) reforça o entendimento de que a obrigação
alimentar não é solidária:
A obrigação
alimentar não é solidária.
Pode acontecer que
haja diversos devedores postos no mesmo plano, como, por exemplo, vários filhos
obrigados à prestação alimentícia em benefício do genitor comum; ou do neto
necessitado perante dois avós em condições de fornecer-lhe alimentos; ou pode
acontecer que os vários obrigados pertençam a categorias ou graus diferentes,
como no caso as esposa diante de seu cônjuge, seu filho ou seu genitor.
Continuando sob o
mesmo prisma Monteiro (2004, p.374-375) destaca o caráter da não solidariedade
na prestação da obrigação alimentar:
Outro aspecto
interessante da obrigação alimentar: na hipótese de coexistirem vários parentes
do mesmo grau, obrigados à prestação, não existe solidariedade.
Exemplificativamente: um indivíduo de idade avançada, pai de vários filhos,
carece de alimentos. Não se tratando de obrigação solidária, em que qualquer
dos co-devedores responde pela dívida toda (Cód. Civil de 2002, art. 275),
cumpre-lhe chamar a juízo, simultaneamente, num só feito, todos os filhos. Não
lhe é lícito dirigir a ação contra um deles somente, ainda que o mais abastado.
Na sentença o juiz rateará entre os litisconsortes a soma arbitrada, de acordo
com as possibilidades econômicas de cada um. Se um deles se achar incapacitado
financeiramente, será por certo exonerado do encargo.
Anote-se ainda que
divisível é a obrigação. Em tais condições, numa ação de alimentos, podem os
outros parentes obrigados ser chamados a integrar a lide, para o devido rateio
da soma fixada em favor do credor de alimentos (Cód. Civil de 2002, art.
1.698).
Todavia, o Código
Civil de 2002, em seu art. 1.698 apresenta a obrigação complementar dos
parentes, ou seja, se o parente mais próximo não estiver em condições de
satisfazer a obrigação os de grau imediato deverão fazê-lo, tendo a obrigação
nesses termos caráter estritamente complementar, e não solidário pelos
fundamentos já anteriormente apresentados.
Em relação ao
artigo supra mencionado, apresentamos os comentários de Aldrovandi e França
(2004, p. 55):
Na situação de
serem vários os parentes do mesmo grau obrigados a prestar os alimentos, a
obrigação será conjunta e divisível, respondendo cada um na proporção dos seus
recursos, conforme entendimento que já vinha sendo adotado. Todavia o Novo
Código Civil trouxe uma substancial inovação ao prever a possibilidade de
ajuizada a ação contra um dos co-obrigados, este poder chamar a integrar a lide
todas as outras pessoas obrigadas.
No mesmo sentido,
Monteiro (2004, p. 367) corrobora: "Note-se
que, diante da impossibilidade parcial de um parente mais próximo prestar
alimentos, a responsabilidade a que estão sujeitos os parentes mais distantes é
complementar".
Com isso, cabe
destacar o posicionamento de Silvio Rodrigues apresentado os seus comentários a
respeito da obrigação alimentar complementar:
O novo Código, por
previsão expressa contida no art. 1.698, autoriza a pensão complementar dos
parentes de grau imediato mais próximo, se o convocado em primeiro lugar não
tiver condições de suportar totalmente o encargo. Entretanto, contrariando a
orientação que se firmava, previu-se a possibilidade de proposta a ação contra
um, serem chamadas a integrar a lide todas as pessoas obrigadas, pertencentes
ao mesmo grau.
Segundo, pode
causar extremada turbulência no processo, a prolongá-lo demasiadamente em
prejuízo do necessitado. Ora, com ou sem o ingresso dos demais obrigados, a
responsabilidade do acionado é sempre quantificada diante de seus recursos, e,
tratando-se de pensão complementar, cabe ao próprio alimentante demonstrar a
limitação de recursos do primeiro obrigado e a pertinência de sua opção, diante
da restrição econômica ou participação direta de outros, sob pena de não
preencher o requisito "necessidade" (pois teria meios diversos para
garantir sua subsistência).
Assim, adequado o
art. 1.698, que autoriza pensão complementar, acolhendo neste particular a
orientação já consolidada na doutrina e jurisprudência, mas desastroso ao
prever a interferência de todos os obrigados no mesmo processo. (RODRIGUES,
2004, p.381).
Logo, a obrigação
de prestar alimentos dos avós tem caráter de obrigação complementar, pois serão
convocados para suportar a obrigação alimentar pelo vínculo de parentesco com o
respectivo credor.
A lei prevê a
obrigação complementar dos avós, no entanto, primeiramente é necessário buscar
a satisfação da obrigação em relação ao parente mais próximo, como bem adverte
Dias (2005, p.458):
É necessário,
primeiro, buscar a obrigação alimentar do parente mais próximo. Nada impede, no
entanto, intentar ação concomitante contra pai e o avô. Constitui-se um
litisconsórcio passivo facultativo sucessivo. Ainda que não disponha o autor de
prova da impossibilidade do pai, o uso da mesma demanda atende ao princípio da
economia processual. Na instrução é que cabe a prova da ausência de condições
do genitor, pois só será reconhecida a responsabilidade dos avós se evidenciar
a impossibilidade de o genitor adimplir a obrigação.
Assim, vejamos o
entendimento firmado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: CIVIL.
AÇÃO DE ALIMENTOS. AVÓS. RESPONSABILIDADE.
A responsabilidade
de os avós pagarem pensão alimentícia aos netos decorre da incapacidade de o
pai cumprir com sua obrigação. Assim, é inviável a ação de alimentos ajuizada
diretamente contra os avós paternos, sem comprovação de que o devedor
originário esteja impossibilitado de cumprir com o seu dever. Por isso, a
constrição imposta aos pacientes, no caso, se mostra ilegal.
II - Ordem de
´´habeas corpus´´ concedida. (HABEAS CORPUS nº 38.314 - MS (2004/0131543-9)
RELATOR : MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO).
Diante do exposto,
merece atenção o voto do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, proferido quando do
julgamento de Habeas Corpus
supra mencionado, pois enfatiza a necessidade da prova de que os genitores não
podem cumprir a obrigação, para que os avós sejam chamados a prestar os
alimentos, ou seja, o pedido para os avós somente seria viável se comprovada a
impossibilidade do genitor de cumprir com suas responsabilidades:
EXMO. SR. MINISTRO
ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO (Relator): Conforme se verifica, o alimentando ajuizou
ação de alimentos contra os avós paternos, pelo que a MM. juíza de direito
determinou fosse emendada a inicial para incluir no pólo passivo da ação o pai
do menor, por entender que "... o avô só está obrigado a prestar alimentos
ao neto se o pai deste não estiver em condições de concedê-lo, estiver
incapacitado ou for falecido; assim, a ação de alimento não poderá contra o ascendente
de um grau sem prova de que o mais próximo não pode satisfazê-la. (Yussef Said
Cahali, Dos Alimentos, 4. ed. RT, 2003, p.
677)" (fls. 25).
Na contestação
alegaram os réus, ora pacientes, impossibilidade jurídica de formulação
simultânea de pedido de alimentos contra o genitor e progenitores, salientando
a ilegitimidade passiva ´´ad causam´´ dos últimos e afirmando ter o pai do
alimentando rendimentos próprios.
Pediram fosse
afastada a obrigação de pagar alimentos provisórios sem a prova de que o
devedor primário não possa fazê-lo, o que foi indeferido (fls.45).
Esta Corte tem
decidido que a responsabilidade alimentar dos avós tem como pressuposto a
"falta" dos pais, a ela equiparada a incapacidade de o pai cumprir
com sua obrigação (RESP 169.746-MG, Rel. Ministro Ruy rosado de Aguiar, DJ de
22/8/99) e que "não é só porque o pai deixa de admitir a obrigação
alimentar devida aos seus filhos que sobre os avós (pais do alimentante
originário) deve recair a responsabilidade pelo cumprimento integral"
(RESP 366.837-RJ, Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 22/9/2003).
No caso dos autos,
não há qualquer decisão judicial no sentido de que o devedor originário esteja
incapacitado para cumprir com a sua obrigação. Aliás, sequer consta do acórdão
proferido pelo Tribunal ´´a quo´´ tenha o alimentando ajuizado ação de
alimentos contra o seu genitor. A ação foi proposta apenas contra os avós
paternos, daí a razão de ter a MM. juíza de direito determinado a emenda da
inicial para incluir no pólo passivo o devedor primário da obrigação alimentar,
no caso, o pai do menor.
A constrição, ´´in
casu´´, imposta aos pacientes, se mostra ilegal, como salientado pelo
Ministério Público Federal, ´´verbis´´:
"In casu,
porém, a representante legal do menor ajuizou a ação de alimentos diretamente
contra os avós paternos, sem ao menos pré-questionar a possibilidade de seu
genitor em fazê-lo. Assim sendo, a constrição suportada pelos pacientes
revela-se manifestamente ilegal".(fls.125)
Ante o exposto,
acolho o parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Henrique
Fagundes, concedo a ordem.
Continuemos a
examinar o entendimento do STJ, a respeito da obrigação complementar dos avós,
referente ao julgamento de Recurso Especial nº 366.837-RJ:
CIVIL. FAMÍLIA.
ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE COMPLEMENTAR DOS AVÓS.
Não é só e só
porque o pai deixa de adimplir a obrigação alimentar devida aos seus filhos que
sobre os avós (pais do alimentante originário) deve recair a responsabilidade
pelo seu cumprimento integral, na mesma quantificação da pensão devida pelo
pai.
Os avós podem ser
instados a pagar alimentos aos netos por obrigação própria, complementar e/ou
sucessiva, mas não solidária.
Na hipótese de
alimentos complementares, tal como no caso, a obrigação de prestá-los se dilui
entre todos os avós, paternos e maternos, associada à responsabilidade primária
dos pais de alimentarem os seus filhos.
Recurso especial
parcialmente conhecido e parcialmente provido, para reduzir a pensão em 50% do
que foi arbitrado pela Corte de origem.
Por conseguinte,
teremos com pressuposto, em relação à obrigação complementar dos avós que a
ação deverá ser proposta inicialmente contra os pais, e, havendo a prova da
impossibilidade dos mesmos, só assim surgirá à responsabilidade que deverá ser
imposta a cargo dos avós, de acordo com Cahali (2002, p.678-677):
Assim, duas
circunstâncias abrem oportunidade para a convocação do ascendente mais remoto à
prestação alimentícia: a falta de ascendente em grau mais próximo ou a falta de
condições econômica deste para fazê-lo; o grau mais próximo exclui aquele mais
remoto, sendo o primeiro lugar na escala dos obrigados ocupado pelos genitores;
apenas se faltam os genitores, ou se estes se encontram impossibilitados
financeiramente de fazê-lo, estende-se a obrigação de alimentos aos ulteriores
ascendentes, respeitada a ordem de proximidade.
Nessa linha,
proclama a jurisprudência que o art. 397 do CC não se limita a designar os
parentes que são obrigados, mas, ao estender a obrigação alimentar a todos os
ascendentes, faz recair a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de
outros; não se afirma, porém, singelamente, que os mais próximos excluem os
mais remotos (tal como acontece na vocação hereditária); mas se estabelece
apenas que os mais remotos só serão obrigados quando inutilmente se recorrer
aos que precederam; desse modo, se admissível a ação de alimentos contra o avô,
ocorre a carência dessa ação se qualquer dos genitores do menor tem patrimônio
hábil para sustentá-lo, pois o avô só está obrigado a prestar alimentos ao neto
se o pai deste não tiver em condições de concedê-lo, estiver incapacitado ou
for falecido; assim, a ação de alimentos não procederá contra o ascendente de
um grau sem prova de que o mais próximo não pode satisfazê-la.
A título de
ilustração, observemos entendimento sobre da obrigação complementar dos avós
apresentado pelo Tribunal de Justiça de Goiás de acordo com as notícias abaixo
transcritas:
O Tribunal de
Justiça de Goiás, por unanimidade da 1ª Câmara Cível, reformou sentença da
Justiça de Goiânia que determinara a um avô paterno o pagamento de quatro
salários mínimos e meio, a título de pensão alimentícia, a uma neta menor. A
decisão foi tomada em apelação cível interposta pelo avô. O relator, juiz
convocado Jeová Sardinha de Morais, votou pela extinção do feito, por entender
que o apelante era parte ilegítima para integrar o pólo passivo da ação.
O relator ponderou
que o art. 397, do atual Código Civil dispõe que o direito à prestação de
alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes,
recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, um em falta de outro e que esta
ordem deve somente ser seguida quando na ausência absoluta dos pais, ou na
falta de condição financeira para tal.
Conforme observou,
a ação foi primeiramente contra o pai da menor, que está fornecendo pensão à
filha, "de forma que o seu
inconformismo quanto à quantia ínfima não lhe autoriza a ajuizar nova ação
contra o avô no sentido de pleitear um aumento, sem que ainda não foram
esgotados os procedimentos necessários ao acionamento de quem é o primeiro
colocado na ordem do cumprimento da obrigação alimentar".
O relator
ressaltou, ainda, que "incumbir
alguém, como o avô, ao cumprimento de uma obrigação, como por exemplo, de pagar
pensão alimentícia, mesmo que seja próximo, quando o pai possui condições
financeiras razoáveis para sustentar a filha e está em local certo e sabido de
onde pode ser encontrado, é injusto e estar-se-ia invertendo a ordem das
obrigações previstas na própria lei. Os avós são responsáveis na ajuda da
criação dos netos desde que ausentes os pais ou, se presentes, estes provem que
são insuficientes financeiramente. Apenas nestes casos, é que se obriga os avós
a pagar pensão a netos". (Proc. nº 75234-0/188 - com informações do TJ-GO).(ESPAÇO VITAL, 2004, p.
1).
"A responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é
apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência
de recursos do genitor". Com este entendimento do desembargador Felipe
Batista Cordeiro, a 3ª Câmara Cível do TJ de Goiás, por unanimidade, manteve
sentença da Justiça de Goiânia que determinara ao pai e à avó de um menor, o
pagamento de três salários a título de pensão alimentícia, ficando o primeiro
responsável por uma salário mínimo e a avó pelo restante.
Os apelantes
alegaram ser exorbitante a quantia fixada, sustentando que não foi levada em
conta a situação financeira do pai, bem como não restaram comprovadas as
necessidades do menor apelado. Pediram para que os alimentos fossem reduzidos
para um salário mínimo mensal, a ser pago unicamente pelo pai do recorrente.
O relator refutou
as preliminares de inépcia por ausência de demonstração da renda do primeiro
apelante e de ilegitimidade passiva da segunda, ponderando que "a responsabilidade alimentar dos avós
não é apenas sucessiva, mas também complementar, posto que serve tanto para
suprir as necessidades do alimentado, como para complementar o que o genitor
não consegue arcar sozinho".
Para o relator,
ficou comprovado que o pai do menor não é capaz de suportar sozinho o ônus da
pensão, mesmo porque ele não contesta isso, mas ao contrário diz que a situação
financeira não permite o pagamento superior a um salário mínimo.
Quanto ao
complemento a ser feito pela avó, observou o relator que se trata de juíza
aposentada que, "de acordo com o
que ela mesmo afirma, e contra-cheque que junta, recebia, em 2001, um salário
líquido de R$ 4.965,54".
A ementa recebeu a
seguinte redação:"A
responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas
sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de
recursos do genitor. Não há que se falar em redução do quantum alimentar fixado
se não demonstrada impossibilidade de seu pagamento. Apelo improvido".
(Proc. nº 79173-4/88 - com informações do TJ-GO). (ESPAÇO VITAL, 2005, p. 1).
Contudo, Cahali
adverte que o encargo que os avós assumem, como devedores de alimentos, tem
caráter excepcional e transitório:
Ajuizada a ação
contra o bisavô, deve ser demonstrado o exaurimento da capacidade econômica dos
precedentes em grau, para o surgimento da obrigação alimentícia daquele, e
assim sucessivamente.
Adverte-se que,
quando ocorre de virem os avós a complementar o necessário à subsistência dos
netos, o encargo que assume é de ser entendido como excepcional e transitório,
a título de mera suplementação, de sorte a que não fique estimulada a inércia
ou acomodação dos pais, primeiros responsáveis. (CAHALI, 2002, p. 682-683).
Finalmente, temos
como inquestionável que os avós são partes legítimas em ação de alimentos, no
entanto, há de ser extreme de dúvidas que os genitores do credor não possuam
condições econômicas de cumprir com a obrigação, pois a obrigação em relação
aos avós tem caráter complementar, isto é, a obrigação nesta hipótese é
divisível, fazendo com que cada parte arque com o pagamento consoante sua
possibilidade.
Cabe ressaltar,
que há o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência a cerca da
admissibilidade do pedido de complementação dos alimentos pelos avós, daí por
que se dizer que é obrigação divisível, segundo o princípio que rege o direito
de família, a solidariedade. Em outros termos, a todos os parentes obrigados a
prestar os alimentos, pois podem pleitear o cumprimento segundo a regra de
busca aos mais remotos, além da possibilidade de requerer de vários parentes,
se não houver possibilidade suficiente dos primeiros obrigados. Finalizando
serão apresentadas as conclusões relativas ao estudo realizado.
CONCLUSÃO
Os temas direitos
e deveres na obrigação alimentar representa, atualmente, um dos pontos mais
expressivos do Direito Civil. É um assunto que, pela sua amplitude e impacto
que causa na sociedade, provoca inúmeros debates sempre que é colocado na pauta
de discussões no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, como
demonstramos neste estudo, a questão relacionada à transmissibilidade da
obrigação alimentar entre parentes tem sido alvo de maior controvérsia.
O estudo
demonstrou que a transmissibilidade da obrigação alimentar está sujeita a um
contexto complexo de leis e direitos que leva em conta relações existentes
entre a Constituição Federal e o Código Civil de 2002, quanto à possibilidade
de transmissão da obrigação alimentar; assim como outros fatores como: a conceituação
e as características básicas dos alimentos; a apresentação dos sujeitos da
obrigação alimentar; a explicação dos pressupostos básicos da obrigação
alimentar; a abrangência de regra da transmissibilidade dos alimentos já
estabelecidos; os limites da obrigação a ser transmitida; e a abrangência da
obrigação alimentar complementar.
Em resposta a
nossa questão de pesquisa, demonstramos que existe um entendimento majoritário
da doutrina e jurisprudência no sentido de que a obrigação alimentar é plenamente
transmissível, e que a mesma encontra seus limites no âmbito das forças da
herança, o que possibilita ao judiciário a tomada de decisões acertáveis em
questões que preservem os direitos, não somente dos alimentandos, mas também,
dos potenciais responsáveis perante a lei, pelo pagamento dos alimentos.
Os conceitos
apresentados sobre a obrigação alimentar, as relações de parentesco e suas
relações com o direito de família, são da maior importância uma vez que
possibilita o entendimento das inter-relações e dos limites das
responsabilidades existentes entre os parentes na linhagem direta e indireta da
obrigação alimentar. É importante ter esses conceitos em mente para uma análise
criteriosa e justa de julgamentos de ações envolvendo diferentes tipos de parentesco
na obrigação alimentar.
Como destacado na
Figura 1, as relações entre os parentes nas linhas ascendentes, descendentes e
linha colateral ou transversal, ajuda no entendimento do grau de complexidade
na composição das linhas de responsabilidade com a obrigação alimentar e a
transmissibilidade dessa obrigação. Ainda, como demonstramos neste estudo,
obrigação complementar segue também ao infinito em linha reta, ou seja, em
relação aos descentes e ascendentes, já os colaterais são limitados até o segundo
grau, ou seja, entre irmãos (unilaterais ou bilaterais). Já a complementação
entre tios sobrinhos e primos causa celeuma entre os operadores do Direito. A
compreensão dessas linhas de parentesco pode auxiliar de forma bastante
significativa, na elaboração de ações de alimentos mais precisas em relação a
causas que demandem a obrigação alimentar.
Outro ponto
importante demonstrado pelo estudo é que o ordenamento jurídico atual,
preconizado pelo Código Civil de 2002, demonstra com clareza as questões inerentes
à obrigação alimentar. E que a transmissibilidade da obrigação alimentar passa
ser regra geral, com seu fundamento legal no art. 1.700 do referido diploma
legal, não se aplicando somente aos parentes, como antes era o entendimento,
mas também ao cônjuge e aos companheiros.
O Código Civil de
2002 em seu art. 1.700 inovou ao disciplinar a obrigação alimentar, pois,
transformou a transmissibilidade da obrigação alimentar em regra geral. Seja em
razão do parentesco, do casamento ou da união estável, o dever de prestar
alimentos será transmitido aos herdeiros do devedor, o que poderá gerar
situações inusitadas.
É importante
ressaltar que a obrigação alimentar não é mais uma imposição da sociedade
exclusivamente ao homem, como antigo supridor da família, característica que
predominou durante muito tempo na sociedade patriarcal. Atualmente, essa
obrigação é compartilhada em igualdade de condições, não somente com as
mulheres que também passaram a arcar com a responsabilidade alimentar na dissolução
da união dos casais, mas também por outras pessoas ligadas por diferentes graus
de parentesco com os potenciais necessitados de alimentos.
O ordenamento
jurídico atual é claro no entendimento de que a obrigação alimentar deve ser
percebida como um instrumento que possibilite a manutenção da vida em condições
dignas de um ser humano, entretanto, um fator crucial na sua aplicação está em
como proteger os direitos da pessoa necessitada e manter os direitos, no limite
da sua responsabilidade, do responsável pela obrigação alimentar, onde dever
vigorar o binômio
necessidade-possibilidade. Julgar as diferentes questões envolvendo as mais
diversas situações que se apresentar no ambiente jurídico é o grande desafio,
neste momento de grandes transformações por que passa a sociedade globalizada.
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Notas
01 Esta figura foi
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afinidade no Novo Código Civil. Porto Alegre, RS. Mar. 2005. Disponível em:
02 Nesse sentido
podemos citar Yussef Cahali, Orlando Gomes, Maria Berenice Dias, dentre outros.
* Bacharela em Direito - Universidade Luterana
do Brasil/RS.Advogada. Pós- Graduanda do Curso de Especialização lato sensu em
Direito Processual- Universidade da Amazônia UNAMA/ Instituto Educar. Pós-Graduanda
do Curso de Especialização Telepresencial em Direito Civil- CPC.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10856&p=4
Acesso em: 14 out.
2008.