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José Cerezoli*
A ocorrência de morte do sócio de uma sociedade simples ou limitada
encontra regulamentação específica, como uma hipótese ensejadora da resolução
da sociedade em relação a um sócio, conforme o art. 1.028 do Código Civil, nos
seguintes termos:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
I - se o contrato dispuser diferentemente;
II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do
sócio falecido.
Ressalte-se que a referida norma, apesar de prevista no Capítulo
atinente às sociedades simples, é aplicada de forma subsidiária às sociedades
limitadas, conforme dito acima.
Em exame ao citado dispositivo legal, observe-se que se trata de norma
dispositiva, [01] haja vista que a lei deixa, primeiro, a cargo dos
sócios e herdeiros disporem contratualmente, por deliberação ou por acordo,
sobre o destino da sociedade quando sobrevier o falecimento de um de seus
sócios, para somente posteriormente impor a resolução parcial da sociedade.
Nesse sentido, leciona a professora Mônica Gusmão que: "Não havendo
previsão contratual expressa, opção dos demais sócios pela terminação da
sociedade ou, por acordo de herdeiros, substituição do morto, resolve-se a
sociedade em relação ao sócio falecido e liqüida-se a sua quota".
[02]
Desse modo, cabe, de início, avaliar até que limite os sócios podem
dispor sobre a morte do sócio no contrato social da limitada, segundo autoriza
o art. 1.028, I, do Código Civil.
Observe-se que os sócios, neste caso, não possuem considerável liberdade
para estabelecer suas próprias regras, haja vista que não é possível se
desvencilhar das demais regras sobre a sucessão referentes às quotas sociais,
consideradas como sendo bens móveis incorpóreos, conforme o art. 83, II, do
Código Civil, [03] componente do espólio deixado pelo sócio
falecido, e, tampouco, prever outra forma de liquidação das referidas quotas que
não aquela prevista no o art. 1.031 do Código Civil, já que uma vez prevista
contratualmente a resolução parcial, impõe-se a liquidação da quota, de acordo
com o disposto no art. 1.028, caput,
c/c o art. 1.031, ambos do Código Civil.
Com efeito, o contrato social poderia prever, segundo o art. 1.028, I,
do Código Civil, que a sociedade, por exemplo, permaneceria, mediante a
representação do espólio do sócio falecido, na forma da lei, ou seja, por seu
inventariante, conforme o art. 991, I, do Código de Processo Civil, até a
partilha, com a posterior resolução parcial da sociedade, na forma do art.
1.031 do Código Civil, ou a substituição do sócio falecido por seus herdeiros,
legatários e meeiros. [04]
Ressalte-se que os herdeiros vão passar a fazer parte da sociedade,
mesmo que prevista essa substituição contratualmente, somente se concordarem,
já que ninguém pode ser obrigado a associar-se ou manter-se associado. Não
tendo interesse em ser sócios, farão jus ao recebimento de seus haveres,
mediante liquidação das quotas recebidas.
Uma vez não havendo qualquer disposição contratual sobre o assunto,
passa-se à segunda opção legal, prevista no inciso II, do art. 1.208, do Código
Civil, que se refere à possibilidade de os sócios remanescentes aprovarem a
dissolução da sociedade.
A aprovação da dissolução da sociedade pelos sócios remanescentes se
realizará mediante o consenso da totalidade destes, não sendo aplicadas as
normas previstas nos incisos II e III do art. 1.033, do Código Civil,
aplicáveis por força do art. 1.087, pelos quais a dissolução da sociedade se
dará por deliberação da unanimidade dos sócios na sociedade por prazo
determinado (art. 1.033, II, do Código Civil) e da maioria absoluta, na
sociedade por prazo indeterminado (art. 1.033, III, do Código Civil), tendo em
vista se tratar de regra específica para o caso de ocorrência da morte de
sócio.
Prosseguindo, de acordo com o citado inciso III, do art. 1.028 do Código
Civil, em não havendo disposição contratual sobre a morte de sócio, podem os
sócios em acordo com os herdeiros estabelecer a substituição do sócio falecido.
Destaque-se que tal acordo somente poderá se realizar depois que os
herdeiros e receptores puderem dispor das quotas sociais, mediante a
comprovação de justo título, ou seja, apenas depois de ultimada a partilha das
quotas da sociedade, comprovada mediante o formal de partilha, ou escritura
pública elaborada por Tabelião, ou testamento.
Vencidas as opções demonstradas acima, impõem-se a liquidação da quota
do sócio falecido, segundo a regra geral prevista no caput do art. 1.028, do Código Civil.
Conforme já aventado, essa regra contida no caput do art. 1.028, do Código Civil é dispositiva, aplicável
somente no caso de não ter ocorrido uma das hipóteses descritas nos incisos do
referido artigo, privilegiando a manutenção da sociedade, em consonância com o
princípio da preservação da empresa.
Hipótese interessante ocorre quando da morte de todos os sócios, seria
possível a permanência da sociedade?
A resposta só pode ser uma: aplicam-se normalmente as regras do art.
1.028, do Código Civil, com exceção, por óbvio, do disposto no inciso II, pois
que não mais haverá sócio na sociedade.
Essa resposta se coaduna perfeitamente com o intuito de preservação da
empresa, tendo já o Superior Tribunal de Justiça se pronunciado nesse sentido,
ao julgar caso que abordava a questão sob a égide do Código Comercial revogado
pelo Código Civil de 2003:
Ementa
RECURSO ESPECIAL. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DEMANDA PROPOSTA POR PESSOA JURÍDICA REPRESENTADA PELOS HERDEIROS
DO SÓCIO FALECIDO. POSSIBILIDADE.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA SOCIEDADE. ARTIGO 335, N. 4, DO
CÓDIGO COMERCIAL.
Não há no acórdão recorrido qualquer omissão, contradição ou
obscuridade, pois o egrégio Tribunal de origem apreciou toda a matéria recursal
devolvida e expôs seu posicionamento, fundamentadamente.
A questão discutida nos autos se insere no contexto daquelas que podem
ser apreciadas a qualquer momento processual pelo juiz da causa.
Aqui se não cuidou da hipótese de substituição processual, visto que a
empresa demandou o seu direito em nome próprio. Na verdade, o que se está a
impugnar é a regularidade da representação da empresa pelos sucessores dos
sócios pré-mortos.
De acordo com os elementos de convicção reunidos nos autos – cujo
reexame é inadmissível em recurso especial -, concluiu o douto colegiado
"a quo" estar provada a condição de herdeiros.
Não se pode desprestigiar o princípio da
preservação da empresa, uma vez que, in
casu, exsurge cristalina a intenção dos herdeiros de prosseguir com os
negócios do sócio falecido, pois ao invés de promoverem a dissolução da
sociedade, de comum acordo partilharam as cotas, tudo com a aprovação do
espólio do outro sócio, que passou mesmo a integrar o pólo ativo da demanda.
Recurso especial não conhecido.
Acordão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr.
Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Paulo Medina, Francisco
Peçanha Martins e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator. (grifou-se) [05]
No caso de haver necessidade de liquidação da quota do sócio falecido,
tal operação se dará conforme o disposto no art. 1.031 do Código Civil. Essa
liquidação se realizará com apuração de seus haveres, na data da abertura da
sucessão, mediante balanço levantado especialmente para a hipótese.
Os haveres serão pagos aos herdeiros, se não previsto contratualmente ou
acordado pelos envolvidos de forma diversa (art. 1.031, § 2), em dinheiro, no
prazo de 90 (noventa) dias a contar da efetiva liquidação.
São esclarecedoras as palavras do professor José Edwaldo Tavares Borba:
A apuração de haveres destina-se a calcular qual a parcela do patrimônio
da sociedade que corresponde às quotas do ex-sócio.
(...)
Na ausência de convenção, deve-se levantar um balanço especial, a fim de
bem aferir o valor efetivo do patrimônio líquido da sociedade. Esse
levantamento se procederá de forma amigável, salvo no caso de divergência
insuperável, quando então se recorrerá às vias judiciais. [06]
Ressalte-se que, em não estando encerrada a partilha das quotas sociais,
os haveres devem permanecer em nome da sociedade à disposição dos herdeiros,
haja vista que ainda no correr do inventário não se conhece quem detém o poder
de receber tais valores, segundo se denota da sistemática do Código, conforme a
previsão contida em seu art. 1.032, ao prever que "a retirada, exclusão ou
morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros,
da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, (...)".
Note-se que a Lei Civil permite que os recursos necessários para o
pagamento dos haveres sejam supridos pelos demais sócios ou pela sociedade,
mediante a redução do capital social, conforme expressamente dispõe o § 1º do
art.1.031 do Código Civil.
Neste caso, sendo as quotas pagas pelos sócios, observado o direito de
preferência em relação aos outros sócios, quem supriu o valor terá o direito de
adquirir a participação.
Não havendo interesse dos sócios em adquirirem as quotas liquidadas, o
valor será suprido pela própria sociedade, impondo-se o cancelamento das quotas
representativas da participação social do falecido, com a redução proporcional
do capital social da sociedade.
Sendo assim, confirmada a redução do capital da sociedade, para o
arquivamento de seus atos na Junta Comercial, se empresária, ou no Registro
Civil de Pessoas Jurídicas, se simples, deverá a pessoa jurídica apresentar as
certidões de regularidade fiscal: Certificado de Regularidade do FGTS emitido
pela Caixa Econômica Federal; Certidão Negativa de Débito junto ao INSS emitida
pela Receita Federal do Brasil; Certidão Negativa de Débito de Tributos e
Contribuições para com a Fazenda Nacional emitida pela Receita Federal do
Brasil; Certidão Negativa de Inscrição de Dívida Ativa da União emitida pela
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, salvo se for uma micro ou pequena
empresa. [07]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Disponível em: http://www.dnrc.gov.br/. Acesso em: 10 mar. 2008.
BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito
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Janeiro: Forense, 1992.
LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. 6. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar 2005.
Notas
01 "considera-se permissiva, supletiva ou dispositiva a lei quando os
seus preceitos não são impostos de modo absoluto, prevalecendo no caso de
silêncio das partes, isto é, se estas não determinaram, nem convencionaram
procedimento diverso". (MAXIMILIANO, apud, BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 10. ed. rev. aum. E atual. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 122)
02 GUSMÃO, Mônica. Direito
Empresarial. Rio de Janeiro: Impetus,
2003. p. 74.
03 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito
Societário. 10. ed. rev. aum. E atual. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 45.
04 CAMPINHO, Sérgio. Direito de
Empresa à Luz do Novo Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 125/126.
05 Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 237772/SP, publicado
no DJ de 19.05.2003. p. 153. Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Julgado em
08/10/2002. (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/.
Acesso em: 10 mar. 2008.
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&livre=falecido+e+s%F3cio+e+sociedade+e+extin%E7%E3o&b=ACOR).
06 BORBA, op.
cit. p. 82. (grifou-se)
07 (art. 1º, incisos V e VI, do Decreto-lei n° 1.715, de 22 de novembro
1979; nº art. 47, inciso I, alínea "d", da Lei nº 8.212, de 24 de
julho de 1991, alterada pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997; no art.
27, alínea "e", da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; no art. 62,
do Decreto-lei nº 147, de 03 de fevereiro de 1967; no art. 1º do Decreto nº
5.586, de 19 de novembro de 2005 e Lei nº
11.457, de 16 de março de 2007; da Lei Complementar nº 123, de 14 de
dezembro de 2006; IN n° 105/DNRC, 16 de maio de 2007).
* Advogado.
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11451
Acesso em: 04 jul.
2008.