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Andressa da Costa Matos*
Emellin Layana Santos de Oliveira*
Safira Nila de Araújo Campos*
RESUMO: Este trabalho tem como principal objetivo fazer uma breve
explanação acerca do instituto da adoção no ordenamento jurídico brasileiro,
analisando a evolução histórica de seus efeitos sucessórios e tratando
finalmente da possibilidade de legitimação de filhos adotivos como herdeiros
testamentários na hipótese prevista no art. 1.799, I, do Código Civil em vigor.
PALAVRAS-CHAVES: adoção, sucessão testamentária, isonomia da
filiação.
RESUMEN: Este trabajo tiene como principal objetivo hacer
una breve explanación acerca del instituto de la adopción en el orden jurídico
brasileño, analizando la evolución histórica de sus efectos sucesorios y
tratando finalmente de la posibilidad de legitimación de los hijos adoptivos
como herederos testamentarios en la hipótesis prevista en el art. 1.799, I, del
Código Civil vigente.
PALABRAS
CLAVE: adopción, sucesión testamentaria, isonomía de
la filiación.
INTRODUÇÃO
O Código Civil de 2002, transcrevendo em parte o dispositivo contido no
artigo 1718 do revogado Código Civil de 1916, legitima a suceder na forma
testamentária pessoas que ainda não foram concebidas. É do que trata o art.
1799, I, da lei civil em vigor:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a
suceder:
I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador,
desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
O legislador pátrio facultou ao autor da herança deixar parte de seus
bens, por meio de testamento, a herdeiros que, mesmo ao tempo de sua morte,
ainda não tenham sido gerados. Nesta esteira, levanta-se a seguinte questão: os
filhos a que se refere o supramencionado dispositivo limitam-se aos naturais ou
tal regra também se estenderia aos adotivos?
BREVE HISTÓRICO
O conceito de adoção remonta aos povos orientais, conforme dão notícia
os Códigos de Manu e Hamurabi. "Se um homem adotar uma criança e der seu
nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado
por outrem", diz o art. 185 do Código babilônico. Na Grécia Antiga, esse
instituto foi largamente utilizado, desempenhando relevante papel na vida
social e política das Cidades-Estado. Foi no Direito Romano, porém, que a
adoção se expandiu de maneira mais notória, encontrando disciplina sistemática
e passando também a servir de instrumento de inclusão do adotado em seio
familiar estranho, em oposição à finalidade inicial que se restringia a atender
aos interesses religiosos dos adotantes.
Conforme o brocardo romano adoptio
natura imitatur, a adoção tem como objetivo precípuo estabelecer
vínculos de paternidade e filiação entre pessoas que não os possuem
geneticamente. É o Direito que, através de um ato jurídico bilateral, formaliza
o laço de parentesco artificialmente criado, equiparando-o, em direitos e
obrigações, aos naturalmente constituídos.
No Brasil, o instituto da adoção vem sofrendo sensíveis modificações ao
longo dos anos. Outrora imersa em uma sociedade maculada por idéias
discriminatórias, a adoção, uma vez encarada como simples maneira supletiva de
formar uma família, tinha como objetivo proporcionar aos casais sem filhos a
oportunidade de exercer a paternidade. Apesar desses nobres propósitos, as leis
que dispunham sobre a adoção estabeleciam uma série de diferenças entre os
filhos biológicos e os adotivos, sobretudo no campo dos direitos sucessórios.
Ao filho adotado por uma família da qual adviesse um filho biológico, caberia
apenas uma parte da legítima a que teria direito o irmão, e não o mesmo
quinhão, como se dá nos dias de hoje. Aos filhos adotados por adotantes que já
tivessem filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos não corresponderiam
direitos sucessórios. Nesse caso, a lei pressupunha que a adoção foi apenas uma
maneira de acolher uma criança desprotegida, uma afiliação, e que a intenção
dos adotantes era apenas fazer uma caridade, e não impor aos filhos legítimos
um "irmão" com o qual teriam que dividir sua herança.
A ADOÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
Diz a Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, § 6º, in verbis: "Os filhos, havidos
ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação". Seguiu-se, portanto, uma tendência universal determinando o fim
da diferença estabelecida pela lei anterior entre os filhos. Estes costumavam ser
divididos em pelo menos quatro categorias, os legítimos (nascidos na constância
do casamento), os naturais (nascidos de pessoas não casadas), os legitimados
(nascidos na constância da União Estável) e os escusos (fruto de relações
adulterinas). O Código Civil, seguindo a linha constitucional, proíbe, em seu
art. 1596, qualquer discriminação relativa à filiação, atribuindo os mesmos
direitos e qualificações aos filhos, independente de suas origens.
A ADOÇÃO E O DIREITO DAS SUCESSÕES
O tratamento isonômico dado pela Carta Magna aos filhos adotivos e
naturais implicou na mudança de algumas regras do direito sucessório, como a
revogação do artigo 377 e do § 2º, do artigo 1.605, do Código Civil de 1916, os
quais determinavam, ora a total exclusão do adotado da sucessão aos bens do
adotante, ora a permissão para suceder somente a metade dos bens aos quais
teria direito qualquer filho consangüíneo do adotante.
Dois anos mais tarde, a publicação da Lei nº. 8.069/90, diploma legal
conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 41, § 2º,
ratificou a norma constitucional de isonomia estendendo-a também ao adotante, e
revogando mais um artigo da Lei Adjetiva de 1916, ainda em vigor à época, senão
vejamos:
Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos
direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com
pais e parentes, salvo impedimentos matrimoniais.
(...)
§ 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus
descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º
grau, observada a ordem de vocação hereditária.
O Novo Código Civil de 2002, em consonância com a Lei Maior vigente, pôs
fim a quaisquer diferenças ainda remanescentes entre filhos de origem diversa.
O filho adotivo, pois, concorre na sucessão aberta do pai sem qualquer
restrição. É herdeiro necessário e em partilha receberá o mesmo que os filhos
biológicos." Outrossim, está obrigado, nos termos do art. 229 da
Constituição Federal, a ajudar e amparar os adotantes na velhice, carência ou
enfermidade.
A ADOÇÃO E O ART. 1799, I, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
Polêmica surge quando da análise da regra contida no art. 1799, I, do
Código Civil de 2002, na qual o legislador pátrio permite ao autor da herança
deixar parte de seus bens em testamento para herdeiro ainda não concebido.
De uma leitura inicial do dispositivo em tela, depreende-se que somente
os filhos naturalmente gerados estariam legitimados a suceder nestas
circunstâncias. O vocábulo "concebidos" utilizado na letra da lei
induz a este pensamento, afastando a possibilidade de sucessão por filhos
não-consangüíneos. Esta interpretação predominou durante toda a vigência do
revogado Diploma Civil, o qual trazia em seu bojo regra similar. O contexto
social da época, que dispensava tratamento desigual a filhos adotivos e
naturais, serviu como base para a concepção de que permitir àqueles a
participação na sucessão implicaria em desrespeito à vontade do de cujus, salvaguardando sua anuência
expressa no corpo do testamento. Nesse sentido, no silêncio do autor da
herança, incluir-se-iam apenas os filhos carnais das pessoas por ele apontadas,
pressupondo-se que ao testar não cogitou beneficiar igualmente filhos não
biológicos. Assim, estender tal prerrogativa aos filhos adotivos
consubstanciaria desrespeito à vontade última do testador. Referindo-se a este,
o renomado civilista Washington de Barros Monteiro (2003:44) preleciona:
Este não podia ter tido em vista tais beneficiários, quando elaborou o
ato de última vontade. Seu desejo não poderia, portanto, ser desviado ou
substituído pela vontade arbitrária da pessoa designada. De outra forma, fácil
se tornaria a esta última burlar a disposição testamentária, bastando-lhe
realizar o ato de adoção.
Em que pese a opinião do douto professor, ousamos discordar, com base
nos pressupostos fáticos e jurídicos abaixo elencados.
A Constituição Federal de 1988, ao trazer insculpido em seu texto o
Princípio da Equiparação de Todos os Filhos, proíbe qualquer tratamento
discriminatório relativo à filiação. Ora, não legitimar os adotivos a herdar na
forma do art. 1799, I, seria o mesmo que ignorar os mandamentos da Carta Magna.
Filhos são sempre filhos, independentemente da origem dos laços que os unem aos
seus pais, se biológica ou simplesmente afetiva.
Nos dizeres de Giselda Hironaka (2003:93):
Contemplar os ainda não
concebidos representa, para o testador, contemplar os filhos das pessoas
que indicou, filhos estes que não conheceu nem conhecerá, quer porque não
concebidos, quer ainda porque não adotados antes de sua morte. Em qualquer das
hipóteses, há um único traço condutor do querer do testador: contemplar aqueles
seres que venham a ser filhos das pessoas por ele nomeadas em testamento.
De aplicabilidade imediata, a regra constitucional da isonomia da
filiação obsta a que a norma contida no art. 1799, I, do Código Civil seja
interpretada restritivamente, já que, nas palavras do ilustre Prof. Glauco
Barreira Magalhães Filho (2002:80), "se uma norma infraconstitucional
admite várias interpretações, dar-se-á preferência àquela que reconheça a
constitucionalidade da norma e realize melhor os fins constitucionais". Imperioso, pois, reconhecer a
possibilidade de um filho não biológico figurar como herdeiro na hipótese dada.
Entretanto, faz-se mister tecer algumas observações acerca do prazo
máximo em que a adoção deve ocorrer para que o menor possa efetivamente
tornar-se sucessor do autor da herança. Aplica-se isonomicamente a regra
contida no art. 1800, § 4º, da Lei Adjetiva, que determina o prazo máximo de
dois anos para a concepção do herdeiro esperado, sob pena de transferirem-se os
bens a ele designados ao quinhão dos herdeiros legítimos, se o contrário não
estipular o testador. Tem-se, portanto, que o adotado estará legitimado a
herdar o que a ele coube no testamento do de cujus se, ao cabo de dois anos da abertura da sucessão, o
processo de adoção estiver concretizado ou, ao menos, em andamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso
de direito civil. 35. ed. Atualização de Ana Cristina de Barros Monteiro
França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. v.6.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Comentários ao Código Civil. Coordenação de Antônio Junqueira de
Azevedo. São Paulo: Saraiva, 2003. v.20.
MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira. Hermenêutica
e Unidade Axiológica da Constituição. 2. ed. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito
civil brasileiro, volume VII: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva,
2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil. 16. ed. Revista e atualizada por Tânia da Silva
Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v.5.
BARROS, Felipe Luiz Machado. Uma visão sobre a adoção após a
Constituição de 1988. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 632, 1 abr. 2005. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6552>. Acesso em: 19 mar.
2008.
VALIKO, Fábia Andréa Bevilaqua. Adoção à luz do Estatuto da Criança e do
Adolescente e do Novo Código Civil. www.advogados.adv.br,
2003. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/artigos/2003/fabiaandreabevilaquavaleiko/adocao.htm>.
Acesso em: 19 mar. 2008.
ALBERNAZ JÚNIOR, Victor Hugo. Adoção plena: um parto artificial. Centro de Estudos da Procuradoria Geral do
Estado de São Paulo, São Paulo, 2005. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev5.htm>.
Acesso em: 19 mar. 2008.
* Acadêmica do curso
de Direito pela Universidade Federal do Ceará-UFC
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11400
Acesso em: 23 jun.
2008.