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Bruno Henrique de
Freitas*
Ab initio, importa
dizer que com o advento do Novo Código Civil a chamada Lei do Divórcio
praticamente chegou ao fim, já que a parte material desta foi totalmente
revista e regulamentada por aquele. Pois bem, dessa forma, como prediz o art.
2.043 do Estatuto Civil, cumpriria à Lei 6.515/77 tão somente regulamentar a
parte processual das ações de divórcio e de conversão da separação em divórcio.
Entretanto, como
sugere Maria Berenice Dias [01] bastaria inserir os seis artigos da lex especialis no seu local correto,
ou seja, no Código de Processo Civil, o qual já traz nos artigos 1.120 a 1.124
o processo de separação consensual, passando a nominar o capítulo da seguinte
forma: "Da separação e do divórcio".
Conforme art.
1.571 do Novo Código Civil, in verbis:
Art. 1.571. A sociedade
conjugal termina:
I – pela morte de um dos
cônjuges;
II – pela nulidade ou
anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio. (grifamos)
Para a realização
da separação judicial por mútuo consentimento, necessário se faz que os
cônjuges estejam casados há mais de um ano (art. 1574, caput, NCC). A Constituição de 1988 (art. 226, § 6º) já previa e
a nova lei civil (art. 1.580, caput)
ratificou que após um ano de transitada em julgado a separação judicial ou
concedida a medida cautelar de separação de corpos, poder-se-á requerer a conversão
em divórcio, o qual também poderá ser solicitado por qualquer dos cônjuges após
dois anos de comprovada separação de fato (art. 1.580, § 2º, NCC).
Alguns
doutrinadores, a exemplo de Dias [02] entendem que há um verdadeiro
"pleonasmo jurídico" na subsistência de dois institutos extremamente
semelhantes para pôr termo ao casamento – a separação e o divórcio. Segundo a
renomada civilista tal fato se deve ao conservadorismo da nossa sociedade,
influenciada pela igreja, que na elaboração da Lei do Divórcio encontrou na
separação judicial uma forma de "dispensar
os cônjuges dos deveres do casamento sem romper nem dissolver os sagrados laços
do matrimônio".
Concordamos com a
autora supracitada no sentido da desnecessidade e dos inúmeros prejuízos
causados pela duplicidade de procedimentos, tendo em vista que raríssimos são
os pedidos de restabelecimento da sociedade conjugal após a separação como
permite o art. 1.577 da Lei 10.406/02. Além disso, já há um desgaste emocional
intenso na separação, o que é agravado ainda mais quando se tem que convertê-la
em divórcio, somando-se também às despesas advocatícias.
Todavia, pensamos
ser necessário no mínimo um ano
de separação de fato para a homologação da dissolução em definitivo, com vistas
a evitar arrependimentos posteriores, pois, se se pudesse a qualquer momento
pôr fim ao matrimônio, ocorrendo "mudança de idéia", ter-se-iam que
passar os noivos novamente pelo burocrático processo de habilitação, sem falar
no ônus financeiro.
É preciso analisar
qual é a real vontade dos divorciandos, pois, muitas vezes uma simples
discussão (algo extremamente normal em uma relação) pode motivar o(s)
cônjuge(s) a cogitar a dissolução e, conforme bem coloca Rogério Lauria Tucci
[03], "a simples
possibilidade do divórcio gera o divórcio". Exemplo freqüente disso
é observado nos Núcleos de Atendimento da Justiça Gratuita, bem como nos
escritórios espalhados pelo Brasil, principalmente nas segundas-feiras, já que
são nos finais de semana que as famílias geralmente estão reunidas, ocorrendo
também as discussões e, conseqüentemente o desejo da separação já no dia
seguinte.
Contudo, essas são
apenas sugestões e, como não somos legisladores, cabe a nós analisar os efeitos
gerados pela separação e pelo divórcio na lei em vigor.
Percebe-se pela
leitura do NCC que a separação
judicial põe fim aos deveres recíprocos do casamento de coabitação e de
fidelidade (art. 1.566, I e II), bem como ao direito sucessório e ao regime
matrimonial de bens (art. 1575).
De forma diversa,
a ASSISTÊNCIA MATERIAL (obrigação alimentícia) subsiste tanto quanto aos filhos
como ao cônjuge necessitado [04], independentemente de culpa, já que mesmo aquele considerado
responsável pela dissolução tem direito aos alimentos, numa enorme demonstração
de que ao culpado não mais está proscrito o direito à vida, conforme os arts.
1694, § 2º e 1704, parágrafo único, NCC, que ressaltam porém, que são apenas os
indispensáveis para a subsistência de quem os pleiteia (só no caso do cônjuge)
e ainda se este não tiver aptidão para o trabalho e nem parentes em condições
de prestá-los.
Importante
observação ainda deve ser feita no tocante aos alimentos, já que o credor
(filho ou ex-cônjuge) pode não exercer o direito a eles, ou seja, pode dispensá-los, porém, jamais poderá renunciá-los (art. 1.707, NCC), o que
geraria um efeito permanente. Além disso, a obrigação de prestar alimentos
transmite-se aos herdeiros do devedor (art. 1.700, NCC).
Com relação à
GUARDA dos filhos, o novo código inovou para melhor, disciplinando que, não
havendo acordo entre os cônjuges, a guarda será concedida àquele que tiver
melhores condições (econômicas, morais, tempo disponível, etc), ou a uma
terceira pessoa se houver algum impedimento ou prejuízo por parte dos pais.
Nota-se, portanto, que tal atribuição também independe de culpa.
No caso do divórcio, há uma tendência em se
manter o que ficou decidido na sentença de separação (parágrafo supra), devendo
haver um acordo caso alguma alteração seja pretendida. Conforme preleciona
Yussef Said Cahali [05], a omissão legal do novo código deve ser
suprida pelos princípios que regem as obrigações entre os cônjuges e ainda com
base em alguns modelos do ordenamento anterior que puderam ser aproveitados.
Interessante
observar que, o fato de a Constituição Federal de 1988 não impor qualquer
restrição à decretação do divórcio, com exceção do decurso do prazo de dois
anos da separação de fato ou de um ano da separação judicial, o que foi
"copiado" pela nova lei civil, juízes de todo o país passaram a
considerar derrogadas as condições suspensivas dos arts. 31 e 36 da Lei
6.515/77 e, em conseqüência disso, entendem hoje que o descumprimento das
obrigações assumidas na separação deixou de ser impedimento para a conversão da
separação em divórcio.
Também referente à
conversão, merece ser lembrado
que a vedação à referência da causa da separação na sentença que opera sua
conversão em divórcio ainda persiste.
Afora isso, a
sentença de divórcio (após o seu registro em cartório – art. 32 da Lei
6.515/77) gera os seguintes efeitos: dissolve a sociedade conjugal (art. 1.571,
IV, e § 2º, NCC), possibilitando um novo casamento aos divorciados, com a
ressalva do art. 1.523, III, NCC; impossibilidade de reconciliação ou
inexistência da "cláusula de arrependimento" (art. 33 da Lei 6.515/77);
possibilidade de pedido de divórcio sem limitação numérica (art. 3º da Lei
7.841/89).
No âmbito dos
ALIMENTOS, a nova lei diz que o cônjuge que teve a iniciativa da ação por
ruptura de vida em comum por mais de um ano e por grave doença mental permanece
com o dever de assistência (art. 1.527, § 2º, NCC); a obrigação alimentícia ao
cônjuge necessitado subsiste nos moldes da separação, entretanto, cessará se
houver novo casamento do ex-consorte credor (Lei 6.515/77, art. 29).
No que tange ao
NOME, o cônjuge considerado culpado
que adotou o apelido do outro perde esse direito, voltando a usar o nome que
tinha anteriormente ao casamento, desde que não haja expressa discordância do
cônjuge inocente e caso isso esteja consignado na sentença de separação (art.
1.571, § 2º, NCC), a não ser que ocorra evidente prejuízo para a sua
identificação ou manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos
havidos da união dissolvida, ou ainda dano grave reconhecido na decisão
judicial.
Aliás, nesse
último caso, nota-se que houve um abrandamento
do novo código, já que a Lei do Divórcio dispunha a perda do nome sem qualquer
exceção e independentemente da vontade das partes, caso a mulher fosse vencida
na ação de separação, demonstrando assim um total desrespeito ao Direito de
Personalidade, atribuído a cada indivíduo e ao Princípio Constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana e, na hipótese de conversão da separação em
divórcio, a exclusão se dava ex
officio, desde que não houvesse justificativa para a permanência.
Para a jurista
Silmara Juny de Chinelato de Almeida [06], "o nome é um bem jurídico que tutela a intimidade, atributo ínsito
da personalidade humana, não podendo ser utilizado como forma de punir quem
deixou de amar", cumprindo observar ainda que feria piamente o
Princípio da Isonomia (art. 5º, I, CF).
Além dos efeitos
arrolados na parte de Direito de Família do Código Civil, há ainda a
possibilidade de efeitos serem produzidos na parte do Direito das Obrigações,
mais precisamente no campo da Responsabilidade Civil, ou seja, o dano moral decorrente da dissolução da
sociedade conjugal.
O assunto ainda é
divergente. Tanto na doutrina quanto na jurisprudência observa-se que não há
consenso, pois os que são contra a indenização alegam que não se pode
"emprestar" regras de outros campos do Direito Civil para solucionar
problemas específicos do Direito de Família. Por outro lado, os simpatizantes
argumentam que a humilhação, a angústia, a dor martirizante e o profundo mal
estar causados pelos atos delituosos do cônjuge culpado, ofensivo à integridade
psíquica do consorte inocente, são mais do que suficiente para se pleitear uma
reparação.
Particularmente,
entendemos que, sem sombra de dúvidas deve haver a reparação do dano, tendo em
vista que esta possui fundamento diverso, por exemplo, da pensão alimentícia,
pois nenhum acontecimento posterior fará desaparecer o prejuízo.
No entanto,
contrariamente do que têm entendido os Tribunais e a doutrina majoritária,
dentre eles, Humberto Theodoro Júnior, Yussef Said Cahali e Washington Monteiro
de Barros, pensamos que a indenização NÃO É DEVIDA APENAS ÀQUELE CÔNJUGE
CONSIDERADO INOCENTE. Acreditamos que um dos maiores prejuízos decorrentes de
ser tido como culpado pela dissolução do matrimônio é o moral, sofrido por
este, ou seja, o dano causado à sua imagem social, motivo pelo qual também lhe
daria direito a uma indenização, mas que seria evitável se não houvesse a
imputação de culpa a somente um dos cônjuges quando da dissolução, assim como
prevê o nosso Estatuto Civil.
Por fim, mister se
faz refletir sobre o mais grave efeito do rompimento matrimonial e que, por não
possuir texto expresso em lei, na grande maioria das vezes é desprezado pelos
operadores do direito, os quais consideramos serem os responsáveis por alertar
aos casais que a eles se achegam diariamente com as almas arrasadas, a saber, o
efeito PSICOLÓGICO.
Para o Presidente
Nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família, Dr. Rodrigo da Cunha Pereira [07], a
Separação, "muito antes de um
processo judicial, é um processo psíquico, interno. É preciso separar as
questões da objetividade das questões da subjetividade".
É lamentável
observar que os advogados que militam na área de família, numa imensa maioria
não possuem a perspicácia de entender a gravidade do problema que se faz
presente "bem debaixo de seus narizes". Preocupam-se tão somente em
saber o montante dos bens do casal para projetar o valor de seus honorários.
Raramente tem-se notícia de casais que estavam em dúvidas sobre a conveniência
ou não da separação e que foram consultar a opinião de um advogado tenham
voltado para os seus lares reconciliados.
A indiferença dos
magistrados não fica atrás. A rotina e a praticidade descabida das audiências
nas varas de família é tamanha que mais parece que o art. 3º, § 2º da Lei
6.515/77 não existe nos códigos dos "homens da lei", sendo o seguinte
o seu conteúdo in verbis:
Art. 3º (...)
§ 2º - O juiz deverá
promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo
pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua
presença, se assim considerar necessário. (grifamos)
Portanto, quando o
divórcio realmente se concretiza, é preciso também fazer uma avaliação
emocional e espiritual, entretanto, não são raros os cônjuges que recusam esse
tipo de ajuda, entrando quase sempre em profunda depressão, o que ainda
interfere direta e consideravelmente nos filhos, os quais, prejudicados também
pela ausência do pai ou da mãe, crescem desequilibrados, inseguros e com
extrema carência afetiva, o que dificultará, no futuro, que eles formem novas
famílias e indo de encontro à proteção constitucional-familiar prevista no art.
226 da Lei Maior.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Silmara
Juny de Chinelato e. Do nome da mulher
casada. São Paulo: Forense Universitária, 2001.
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e
separação. 10ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
DIAS, Maria
Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito
de família e o novo código civil. 3ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
DINIZ, Maria Helena.
Código civil anotado. São Paulo:
Saraiva, 2003.
PEREIRA, Rodrigo
da Cunha. A sexualidade vista pelos
tribunais. Belo Horizonte: Del Rey,
2001.
TUCCI, Rogério
Lauria. Da ação de divórcio. São
Paulo: Saraiva, 1978.
NOTAS
01 Direito de família e o novo código civil,
p. 99.
02 Op cit, p. 73 a 78.
03 Rogério Lauria
Tucci, Da ação de divórcio, p.
37.
04 Ou o já separado,
que não exerceu seu direito na época da separação e estiver desprovido quando
da conversão em divórcio, desde que não esteja vivendo em União Estável nem em
Concubinato com terceira pessoa e não tenha tido procedimento indigno com o
devedor.
05 Divórcio e separação, p. 1234 e segs.
06 Do nome da mulher casada, p. 66.
07 A sexualidade vista pelos tribunais,
p.36 e 37.
* Advogado em Araguari (MG)
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7853
Acesso em: 20 jun.
2008.