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por
Ações às sociedades limitadas
José
Aderson Cerezoli*
Considerando que no Brasil a grande maioria das sociedades privadas é do
tipo limitada, torna-se relevante o estudo da regência legal dessa espécie de
pessoa jurídica.
No regime anterior ao Código Civil de 2002, a sociedade limitada era
regulamentada genericamente pelo Decreto nº 3.708/19; nas matérias de
constituição ou dissolução, pelo Código Comercial de 1850; no caso de omissão
no contrato social, aplicava-se a Lei das Sociedades por Ações, Lei nº 6.404/76
(LSA). [01]
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, em 11 de janeiro de
2003, o regime das sociedades limitadas passou a ser previsto por este Diploma
Legal, conforme seus artigos de 1.052 a 1.087, sendo que, no caso de omissão,
aplicar-se-ão subsidiariamente as disposições referentes à sociedade simples,
compreendidas entre os artigos 997 a 1.038, do mesmo Código, e supletivamente a
LSA, conforme dispuser o contrato social.
Neste ponto, entretanto, surge uma divergência na doutrina. Segundo
Fábio Ulhoa, [02] tanto podem ser aplicadas subsidiariamente as
normas que regem a sociedade simples, como a Lei das Sociedades por Ações. O
Autor fundamenta sua posição argumentando que o parágrafo único do art. 1.053
[03] do Código Civil faculta aos sócios a opção de estipular como
legislação supletiva a LSA, sobrepujando a regra geral de aplicação das normas
relativas à sociedade simples do caput.
Mas a utilização dessa lei estaria sujeita, além da existência de previsão
expressa de sua aplicação supletiva ao contrato, a duas condições:
"omissão do contrato social e contratualidade da matéria", em outras
palavras, que a omissão da lei civil não tenha sido suprida pelos sócios, mediante
previsão contratual e que a matéria a ser regulada pela Lei 6.404/76 se coadune
com a natureza da sociedade limitada.
Em resumo, vale citar trecho da obra do curso lecionado pelo autor:
A sociedade limitada, quando a matéria não está regulada no capítulo
específico a este tipo societário do Código Civil, fica sujeita à disciplina da
sociedade simples ou, se previsto expressamente no contrato social, à Lei das
Sociedades Anônimas. Esta última se aplica, de forma supletiva, quando a
matéria é negociável entre os sócios, e, de forma analógica, quando os sócios
não podem dispor sobre o assunto. O Código Civil é sempre o diploma aplicável
na constituição e dissolução total da sociedade limitada, mesmo que o contrato
social eleja a lei das sociedades anônimas para a regência supletiva. [04]
De forma diversa, Sérgio Campinho [05] leciona que, uma vez
havendo previsão dispondo ser a sociedade limitada regida supletivamente pela
Lei nº 6.404/76, o que ocorre é que a LSA funcionará como "fonte
subsidiária não apenas do contrato, naquilo em que nele foi insuficientemente
esboçado, mas também da própria lei, ante a sua omissão total acerca do tema a
ser disciplinado". [06] Contudo, lembra o jurista que deve ser
sempre respeitada a natureza da sociedade contratual limitada. Desse modo, o
autor também enumera condições a serem observadas no caso de aplicação
supletiva da Lei nº 6.404/76, nos seguintes termos:
a) omissão no Capítulo pertinente do Código Civil – artigos 1.052 a
1.087; b) omissão no regramento da matéria pelo contrato social; c) existência
de cláusula no contrato determinando expressamente a regência supletiva da
limitada pelas normas da sociedade anônima; d) não contrariar a natureza
contratualista da sociedade limitada. [07]
Ressalte-se que o referido autor oferece, no entanto, exemplos de casos
em que a Lei das Sociedades por Ações, apesar de prevista como norma supletiva,
não pode ser aplicada, dando espaço às previsões relativas às sociedades
simples, como na ocorrência da dissolução e liquidação, conforme o seguinte:
(...) aplicam-se a ela os princípios da liquidação da quota do sócio
falecido (artigo 1.028), do recesso do sócio (artigo 1.029), da apuração dos
haveres (artigo 1.031), da dissolução de pleno direito (artigo 1.033), da
responsabilidade do sócio pela integralização das quotas subscritas em bens ou
créditos (artigo 1.005), da cláusula leonina (artigo 1.008) e da verificação da
mora do sócio (artigo 1.004), por exemplo. [08]
No entanto, de acordo com Tavares Borba, há uma diferença marcante entre
aplicação supletiva e aplicação subsidiária. Destacando o autor que a aplicação
subsidiária "significa a integração da legislação subsidiária na
legislação principal, de modo a preencher os claros desse complexo normativo,
com preceitos imperativos e dispositivos" [09] e que a
aplicação supletiva "destina-se a suprir as omissões do contrato,
incidindo naquelas hipóteses a respeito das quais poderia dispor o
contrato". [10]
Conforme o jurista, isso faz com que, em caso de omissão da lei civil
específica das limitadas, aplique-se subsidiariamente as normas imperativas
relativas às sociedades simples de forma corrente.
Como ressalta José Edwaldo Tavares Borba, [11] essa aplicação
subsidiária das regras da sociedade simples tem caráter impositivo, haja vista
tratar-se o art. 1.053, caput,
[12] de preceito imperativo que se sobrepõe às cláusulas contratuais,
impondo restrição à autonomia da vontade dos sócios.
De tal modo, uma vez adotada a regência supletiva da Lei nº 6.404/76,
esta será aplicada, segundo o autor, quando haja lacuna no contrato social
acerca de normas dispositivas, ou seja, quando ficar a previsão a cargo da
vontade dos sócios, sendo afastados os preceitos meramente dispositivos das
limitadas e das sociedades simples nestes casos.
A despeito das divergências apontadas, no âmbito da Justiça Federal foi
aprovado o Enunciado jurisprudencial nº 223, em sentido diverso:
223 – Art. 1.053: O parágrafo único do art. 1.053 não significa a
aplicação em bloco da Lei n. 6.404/76 ou das disposições sobre a sociedade
simples. O contrato social pode adotar, nas omissões do Código sobre as
sociedades limitadas, tanto as regras das sociedades simples quanto as das
sociedades anônimas. [13]
Nesse correr, considerando a grandeza e a experiência dos ilustres
doutrinadores citados neste estudo, não seria possível acrescentar sequer uma
palavra sobre suas lições. Entretanto, com a devida permissão, pode-se ousar em
fazer-se um pequeno retoque na lição de José Edwaldo Tavares Borba, para que
reste completa.
Observe-se que, segundo o autor, quando prevista a regência supletiva da
Lei 6.404/76 no contrato social, as normas dispositivas referentes às
sociedades limitadas e simples teriam sua incidência afastada, no caso de
omissão na Lei Civil. Contudo, verifique-se que, quando prevista uma norma
dispositiva no Código Civil, não há dizer que houve omissão legislativa, haja
vista que, neste caso, não dispondo de forma diversa o contrato, haverá um
retorno ao disposto na Lei Civil, tornando-se a norma impositiva.
Ressalte-se, a lição de Carlos Maximiliano:
considera-se permissiva, supletiva ou dispositiva a lei quando os seus
preceitos não são impostos de modo absoluto, prevalecendo no caso de silêncio
das partes, isto é, se estas não determinaram, nem convencionaram procedimento
diverso. [14]
Sendo assim, conclui-se que a Lei das Sociedades por Ações somente será
aplicada na regência das sociedades limitadas, uma vez prevista pelo contrato
social, na forma do parágrafo único, do artigo 1.053, do Código Civil, quando for
omisso (não há omissão no caso de normas dispositivas) ou incompleto o Código
Civil (sociedades limitadas e simples) e não esclareça o contrato social,
mantendo-se regra idêntica àquela utilizada antes da entrada em vigor do Código
Civil de 2002, em que a Lei n° 6.404/76 era aplicada somente no caso de omissão
no contrato social.
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Notas
01 COELHO, Fábio
Ulhoa. Curso de Direito Comercial.
11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 2. p. 367.
02 COELHO, op. cit. p. 367.
03 Art. 1.053. A
sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da
sociedade simples.
Parágrafo único. O
contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas
normas da sociedade anônima.
04 COELHO, op. cit. p. 369.
05 CAMPINHO, Sérgio.
Direito de Empresa à Luz do Novo
Código Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 158.
06 Idem Ibidem. p. 158.
07 Idem Ibidem p. 158.
08 Idem Ibidem p. 158.
09 BORBA, op. cit.. p. 121/123.
10 Idem Ibidem p. 123.
11 Idem Ibidem p. 121.
12 Art. 1.053. A
sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da
sociedade simples.
Parágrafo único. O
contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas
normas da sociedade anônima.
13 Enunciados do
Conselho da Justiça Federal. Disponível em: http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IJornada.pdf.
Acesso em 10 jun. 2008.
14 MAXIMILIANO, apud, BORBA, op. cit.. p. 122. (grifou-se)
* Advogado no Rio de
Janeiro (RJ)
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11398
Acesso em: 20 jun.
2008.