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ACTA, a nova ameaça contra a Internet livre
Há algumas semanas, um gigante adormecido despertou, quando a internet – os usuários comuns e as grandes empresas da rede – se uniram em protesto contra duas leis que tramitam no Congresso dos EUA, o SOPA [Stop Online Piracy Act, ou “Lei para Travar a Pirataria Online”] e o PIPA [Protect Intellectual Propoerty Act, ou “Lei para Proteção da Propriedade Intelectual”], que teriam restringido gravemente as liberdades de expressão e privacidade. Mas nem tudo está bem: outra ameaça a uma internet livre e aberta está a ser preparada.
Desta vez, quem a lança não é o Congresso dos EUA – mas um acordo de comércio recentemente firmado por 31 nações, inclusive os Estados Unidos e a União Europeia. Chamado de ACTA [Anti-Counterfeiting Trade Agreement, ou “Acordo Comercial Anti-falsificação”], tem por pretexto enfrentar problemas ligados à garantia da propriedade intelectual e ao tráfico de bens falsificados, através das fronteiras internacionais. Porém, os seus críticos ressaltam que ele padece de alguns dos muitos problemas que marcaram os seus primos, SOPA e PIPA. Por isso, alguns chamaram-no de “gémeo internacional perverso” do SOPA.
O tratado entrará em vigor depois que seis, dos 31 países que o firmaram, o ratificarem formalmente. Apesar da quase certeza de que isso ocorrerá, ainda não se sabe quais serão os seus efeitos. Permanece obscuro para muitos que consequências haverá sobre os direitos civis e de comunicação dos cidadãos em todo o mundo.
Para entender como o ACTA ameaça a liberdade de expressão na rede, em nome da garantia de propriedade intelectual, e para avaliar se ele é de fato tão mau quanto o SOPA, é preciso examiná-lo em meio às tendências mais amplas provocadas pela regulamentação da propriedade intelectual. Neste contexto, torna-se claro que, embora algumas alegações alarmistas sejam imprecisas, o ACTA expressa o perigo sistémico em que a regulamentação da propriedade intelectual se converteu, nas últimas duas décadas.
O panorama jurídico da Propriedade Intelectual
O regime que atualmente regulamenta a propriedade intelectual foi estabelecido principalmente por um conjunto de tratados envolvendo instituições supranacionais, em especial as Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio (OMC). As regras básicas para as leis referentes ao tema foram lançadas em 1994, pela OMC. Constituem o TRIPS, sigla em inglês para “Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados a Comércio” [Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights]. Ele estende ao software e a aparelhos digitais as antigas proteções para trabalhos literários e artísticos, estabelecidas em Berna, em 1886.
Dois anos depois do TRIPS, a Organização Mundial para Propriedade Intelectual (OMPI), uma das dezassete agências da ONU, ampliou esta proteção por meio de dois tratados que baniram a criação, uso e distribuição de tecnologias capazes de contornar os DRMs (dispositivos de Gestão de Direitos Digitais) ou outras medidas de proteção técnica1 [2]. Frequentemente, tais medidas técnicas tornam difícil, para os usuários, exercer as exceções legítimas ao copyright, como o “uso aceitável” ou a cópia não-comercial para uso e armazenamento pessoais. Exceções legítimas incluem práticas como o uso de trechos curtos, de vídeo protegido por direitos autorais, para citação, num documentário; ou uso, em paródias, de personagens “patenteados”.
A Lei de Copyright do Milénio Digital [Digital Millenium Copyright Act – DMCA], nos Estados Unidos, e a Diretiva de Copyright de 2000, da União Europeia, foram imposições dos padrões internacionais estabelecidos pelo TRIPS e OMPI. Além de imporem normas da OMPI que baniam tecnologias anti-DRM, tais leis estabeleceram o que se tornou conhecido como “provisões para portos seguros” [safe harbour provisions]. Essencialmente, os fornecedores de serviços de internet, mecanismos de buscas e sites que abrigam conteúdo gerado pelos usuários, como o YouTube ou a Wikipedia não podem, eles mesmos, ser responsabilizados por conteúdo que abrigam ou tornam acessível. Mas há uma ressalva: eles mantêm esta condição desde que “ajam de forma expedita para remover ou desabilitar o acesso” a conteúdos, ao serem acionados por detentores de propriedade intelectual que reclamem infração de seus direitos.
Nos Estados Unidos, estas provisões assumiram a forma de sistemas de “notificação, retirada e contra-notificação” [notice, takedown and counter-notice]. Nestes, os serviços de hospedagem, quando notificados, tiram do ar o material que supostamente infringe propriedade intelectual. Quem os tornou disponíveis pode enviar uma contra-notificação afirmando que não cometeu infração – e o conteúdo é recolocado online. Estas regras não asseguram todos os direitos relativos à livre circulação de ideias e cultura.
“Chilling Effects” [3], um estudo conjunto desenvolvido pela Fundação da Fronteira Eletrónica [4] e diversas universidades, apontou que este sistema assume que as requisições dos proprietários de direitos de autor são legítimas; e que tende a anular as exceções de uso aceitável. Entretanto, sem estas provisões de porto seguro, que limitam as punições, o cenário seria muito arriscado para sites como o YouTube, cuja existência está diretamente relacionada à hospedagem de conteúdo compartilhado pelos usuários. Como alternativa, países como o Canadá têm um sistema de “notificação e notificação” [notice-and-notice], no qual os fornecedores de serviços de internet, uma vez acionados por supostos detentores de direitos de autor, apresentam o seu requerimento diretamente ao utilizador que compartilhou um determinado conteúdo – e esta pessoa pode decidir atendê-lo ou não. Este sistema protege contra requisições abusivas e protege exceções como o uso aceitável.
O projeto de lei SOPA, há pouco derrotado nos Estados Unidos, procurava, entre outras coisas, remover as provisões de porto seguro. Para fazê-lo, tornava os fornecedores de serviços, e outros, responsáveis por material infringente abrigado nos seus servidores. Isso teria levado estes fornecedores, refratários ao risco, a multiplicar as práticas de autocensura e de policiamento do conteúdo compartilhado pelos utilizadores – provocando a remoção de imensa quantidade de material não-infringente. Cory Doctorow [um jornalista e escritor ligado à defesa do Conhecimento Livre], lembrou que os computadores [e, portanto, os servidores dos serviços de hospedagem] são ferramentas de uso múltiplo que tratam todos os dados da mesma forma. Portanto, a única maneira de adotar medidas preventivas de vigilância permanente contra infrações (ao invés de políticas baseadas em notificação) seria monitorizar todo o tráfego e bloquear as ferramentas de participação dos usuários… De fato, “as tentativas de criar redes imunes a infração de propriedade intelectual sempre levam a medidas de vigilância iguais às usadas pelos regimes repressores”. Como a regulamentação de propriedade intelectual costuma assumir formas invasivas, ela acaba tornando-se um tema relevante de liberdade, e não (ao contrário do que às vezes se pensa) simples estupidez política.
Como ja lido no texto PROPRIEDADE INTELECTUAL E O MUNDO DIGITAL, Com o surgimento da Internet e de tecnologias que facilitam a distribuição de documentos digitais, sejam eles programas, livros, poesias, fotos, música, etc., a propriedade intelectual dessas obras está sendo constantemente atingida. E grandes corporações piratas se utilizam dessa possibilidade de falsificação para de forma ilegal conseguirem lucrar com a venda dessas falsificações, como a noticia mostra os governos de diversos países preocupados com o crescente mercado negro das falsificações e piratarias vem se reunindo e propondo acordos e tratados internacionais visando claro conter esses criminosos cibernéticos.