Uma nova visão crítica dos aspectos controvertidos do crime de ameaça


Pormathiasfoletto- Postado em 22 abril 2013

Autores: 
MUNIZ, Adriano Sampaio

 

 

A interpretação que se faz acerca do dispositivo previsto no art. 147 irá influir em demasia na sua aplicação. Diante disso, o presente artigo tem por finalidade despertar no leitor uma nova interpretação acerca do objeto em estudo.

1. Introdução

A ameaça, prevista no código Penal em seu art. 147, apesar de ser um crime de menor potencial ofensivo, o que pode ser observado pela pena cominada de um a seis meses, ou multa, requer especial atenção pela relevância e complexidade de seu teor.
A interpretação que se faz acerca da ameaça irá influir em demasia na sua aplicação e nos demais crimes que compõe, por seu caráter subsidiário. Diante disso, faz mister uma análise crítica dos seus diversos aspectos, já que a doutrina não é pacífica, se apresentando bem divergente em diversos pontos fundamentais.
 

2. Definição

O Código Penal no Capítulo VI - Dos crimes contra a liberdade individual, Seção I - Dos Crimes contra a Liberdade Pessoal, art.147, descreve o crime de ameaça como “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar – lhe mal injusto e grave”1. Contudo, o que se percebe é que o Legislador não definiu o que seria ameaça e sim a conduta do agente. Para viabilizar a compreensão do tema em questão, iniciar –se - á análise pelo próprio conceito de ameaça. Na definição de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a ameaça é “Palavra ou gesto intimidativo[...]Promessa de castigo ou malefício[...]Pronúncio ou indício de coisa desagradável ou temível, de desgraça, de doença”² e ainda define ameaçar como “Dirigir ameaça(s) a[...]Procurar intimidar, meter medo em”³. No mesmo sentido, Maria Helena Diniz assevera

Na linguagem comum, designa a perspectiva de um mal, que vem a abolir ou a restringir a livre manifestação da vontade de alguém, atemorizando – o, enunciada por palavra, gesto ou sinal [...] promessa de fazer um mal injusto e grave a outrem, incutindo lhe sério receio 4.

Deocleciano Torrieri Guimarães conceitua ameaça como:

Forma de intimidação delituosa, imposição de receio à vítima de coação, verbal ou por escrito, assinado ou não, por gesto ou por outro meio simbólico e inequívoco para perturbar-lhe a vontade ou viciar-lhe o consentimento 5

A ameaça, portanto, vicia a vontade do sujeito passivo, há uma constrição de sua liberdade de autodeterminação. O temor provocado pela ameaça, causa uma perturbação na liberdade psíquica, razão pela qual foi objeto da tutela penal, justamente no Capítulo VI – Dos Crimes contra a liberdade Individual, Seção I – Dos Crimes Contra a Liberdade Pessoal.
 

3. Aspectos Controvertidos

    3.1 Consumação e Tentativa

A consumação do crime de ameaça, segundo Damásio de Jesus, ocorre quando “o sujeito passivo toma conhecimento do mal pronunciado, independente de sentir-se ameaçado ou não”6. No mesmo Sentido, Rogério Greco afirma que

a ameaça se consuma ainda que, analisada concretamente, a vítima não tenha se intimidado ou mesmo ficado receosa do cumprimento da promessa do mal injusto e grave. Basta para fins de sua concretização, que a ameaça tenha a possibilidade de infundir temor em um homem comum e que tenha chegado ao conhecimento deste, não havendo necessidade, inclusive, da presença da vítima no momento em que as ameaças foram proferidas 7

Em que pese o entendimento dominante, senão total da doutrina, ousamo-nos afastar do entendimento tradicional, ficando com o entendimento isolado, visto que o art. 14, I do Código penal aduz que “consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”8. Exigir apenas a conduta do agente, sem o resultado, temor na vítima, seria interpretar extensivamente o dispositivo legal em prejuízo do réu, seria uma distorção do conceito de ameaça, ferindo o princípio da legalidade, dado que o temor na vítima e o vício na vontade estão presentes no próprio conceito de ameaça, razão pela qual, faz-se necessário levar em consideração o aspecto subjetivo da vítima para efeitos de consumação. Ora, se a subjetividade não fosse levada em consideração, aqueles que não possuem capacidade de discernimento também seriam tutelados como sujeitos passivos. Não se pode falar aqui de mera possibilidade de causar medo ao homem médio, em virtude da localização do crime de ameaça no Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade individual, Seção I – Dos Crimes contra a liberdade Pessoal, assim sendo,a generalidade não foi objeto da tutela penal, mas sim o indivíduo, único, que possui psiquismo próprio, Apesar de opinião divergente a nossa, Cezar Roberto Bitencourt afirma

Medo é um sentimento cuja valoração é extremamente subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa, de situação para situação, por isso se tem dito que a essência é menos importante que a aparência. Mas não se ignora que o temor pode ser de tal nível que cause uma perturbação da mente, impedindo completamente a livre determinação da vontade; pode a ameaça ser de tal forma aterradora e excluir totalmente a vontade, agindo como verdadeira coação irresistível 9

Há divergências na doutrina, quanto à possibilidade da tentativa no crime de ameaça. Nas lições de Nelson Hungria “Ou o crime se consuma ou não há crime”10, no mesmo sentido Cezar Roberto Bitencourt aduz que “não é passível de fracionamento”11, em sentido contrário, Rogério Greco afirma que “a ameaça por carta se configura com uma modalidade de tentativa perfeita”12. Nas Lições de Damásio de Jesus “se o sujeito exerce o direito de representação é porque tomou conhecimento do mal pronunciado. Se isso ocorreu, o crime é consumando e não tentado”13.
Se o agente profere a ameaça e o resultado desejado não ocorre, estamos diante de uma tentativa perfeita. Cezar Roberto Bitencourt assevera

Na tentativa perfeita, o agente realiza todo o necessário para obter o resultado, mas mesmo assim não o atinge. A fase executória realiza – se integralmente, mas o resultado visado não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente 14.

, no mesmo sentido Rogério Greco aduz

Fala – se em tentativa perfeita, acabada, ou crime falho, quando o agente esgota, segundo seu entendimento, todos os meios que tinha a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade15. 

Logo, em oposição à doutrina tradicional, seguindo o raciocínio da consumação, é possível a tentativa perfeita no crime de ameaça, quando esta não causar o temor no sujeito passivo, pois este continuará com sua liberdade psíquica, inalterada, punindo - se o promitente da ameaça na forma tentada, conforme o dispositivo do art. 14, II.

    3.2 Ira, cólera, Embriaguez.

No primeiro momento a doutrina admite o sujeito ativo como qualquer pessoa, mas posteriormente em análise mais detalhada, passa a divergir quanto a possibilidade de excluir a responsabilidade penal de quem pratica ameaça em estado de ira ou cólera e embriaguez.
No entendimento dominante da doutrina, o estado de ira ou cólera não tem o condão de afastar a figura típica descrita no art. 147. Igualmente se aplica à embriaguez, desde que seja idônea, conforme assevera Bitencourt

A afirmação de a ameaça proferida em estado de embriaguez não configura o crime, deve ser recebida com reservas, pois não se pode ignorar os vários estágios que o estado de embriaguez pode apresentar, além dos mais diversificados efeitos que pode produzir nos mais variados indivíduos. Por isso, somente a análise casuística, in concreto, pode apresentar a solução mais adequada, admitindo – se ou excluindo – se a tipificação do comportamento16.

Em sentido contrário CARRARA apud PRADO “a ameaça feita em momento de súbita cólera carece de seriedade e nela encontra - se ausente o propósito de intimidar”17. A primeira afirmativa parece ser a mais acertada, podendo ainda ser completada com o entendimento de Damásio de Jesus “a embriaguez por si só não exclui o dolo”18, conforme o disposto no art. 28, I e II, que encerra a questão.

    3.3 O mal da ameaça

É pacífico o entendimento na doutrina que o mal deve ser injusto e grave, contudo quando se refere a ser iminente ou futuro, começa a discussão.
Nas lições de Cezar Roberto Bitencourt “Só a ameaça de mal futuro, mas de realização próxima, caracterizará o crime e não a que exaure no próprio ato”19, em sentido contrário, Damásio de Jesus afirma que “o prenúncio de mal atual ou iminente configura o crime de ameaça, não exigindo a futuridade”20. Tal afirmativa parece ser a mais acertada, pois, a vítima que tem contra si um revólver apontado para a cabeça, está sob um mal iminente, a morte. Da mesma forma, se o agente anuncia que irá matar a vítima em data futura, pratica o crime de ameaça. Tal diferenciação se torna muito relevante, em virtude da impossibilidade da legítima defesa na ameaça futura, pois como salienta Rogério Greco “o bem somente será passível de legítima defesa se não for possível, socorrer – se do Estado para sua proteção”21, o que só se verifica na ameaça iminente.
 

4. Considerações finais

O crime de ameaça possui implícito no seu conceito, o temor da vítima, causado pela promessa de mal. Razão pela qual deve ser analisado o subjetivismo da vítima, o que importa dizer que se o agente pratica a ameaça e não consegue alcançar o fim desejado, não se consumou a ameaça, tratando – se de uma tentativa perfeita. A mera conduta não tem o condão de consumar o dispositivo previsto no art. 147, em razão da falta de elementos de sua definição legal.
O argumento que sustenta ser a ameaça um crime formal, bastando apenas que a ameaça tenha a possibilidade de infundir medo no homem médio, fica inconsistente no momento da análise do sujeito passivo que não possui discernimento. Ao desconsiderar como sujeito passivo os indivíduos que não possuem discernimento, leva – se em consideração o aspecto subjetivo deste, assim como a impossibilidade da ameaça produzir, nestes indivíduos, qualquer intimidação. Contudo, a doutrina afasta a possibilidade de crime de ameaça pela absoluta impropriedade do objeto. Não há aqui qualquer referência à possibilidade de infundir temor ao homem médio e sim ao aspecto subjetivo do indivíduo. Razão pela qual, não pode se consumar ameaça proferida à pessoa com discernimento que não dá o menor crédito, assim como é perfeitamente admissível ameaça supersticiosa, pois, a tutela penal é da liberdade psíquica da vítima. Logo, o agente que pratica ameaça e não consegue o temor desejado, está diante de uma tentativa perfeita, já que sua ação foi dirigida finalisticamente a um resultado que não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade, independente da consciência do sujeito passivo.

 
 

Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002
BRASIL. Código Penal. 3.ed.São Paulo: Saraiva, 2007
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998
FERREIRA, Aurélio Albuquerque de. Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 7.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
______. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume III. Niterói, RJ: Impetus, 2005
GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 7.ed. São Paulo: Rideel, 2005
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume VI. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 1958
JESUS, Damásio de. Código Penal Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts. 121 a 183.  v. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

Notas

[1] BRASIL. Código Penal.3.ed.São Paulo: Saraiva, 2007.
[2] FERREIRA, Aurélio Albuquerque de. Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 1999, p. 118.
[3] Ibid.,p.118
[4] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, p.188
[5] GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Técnico Jurídico. 7.ed. São Paulo: Rideel, 2005 p.74.
[6] JESUS, Damásio de. Código Penal Anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 473
[7] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume III. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 592
[8] BRASIL. Op.cit.
[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 585
[10] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Volume VI. 4. ed. Rio de janeiro: Forense, 1958, p. 188
[11] BITENCOURT, op. cit., p. 589
[12] GRECO, op. cit., p. 593
[13] JESUS, op. cit., p. 474
[14] BITENCOURT, op. cit., p. 44
[15] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 7.ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 272
[16] BITENCOUR, op. cit., p. 587
[17] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte especial: arts. 121 a 183.  v. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 284
[18] JESUS,  op. cit. p. 474
[19] BITENCOURT, op. cit., p. 586
[20] JESUS, op. cit, p. 472
[21] GRECO, op. cit, p. 598

 

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