Transmutação Inconstitucional


Portiagomodena- Postado em 20 maio 2019

Autores: 
Vinício Martinez

Que formas a exceção pode assumir? Muitas, com certeza. Algumas mais sutis e outras bem embrutecidas – e tem aquelas que embrutecem a cidadania, apesar de soarem sutilezas.

Exemplo da última – e que tem se tornado um modelo adotado na Transmutação Constitucional que se abrigou na Ditadura Inconstitucional, no pós-2016 – é a ação do Judiciário interpretando (melhor dizendo, criando) leis, mas ao arrepio da própria lei.

Neste caso, o Judiciário praticamente se converte em legislador, uma vez que interpreta e aplica uma determinada lei em sentido inverso ao previsto no Espírito da Constituição. Este procedimento é adotado desde o impeachment de 2016.

 Uma dessas atuações reacendeu o priorado de 2016: em discurso de posse no TSE , em 2018, o ministro do STF Luís Fux alegou que há candidaturas “irregistráveis” – independentemente do curso de seus processos e do desfecho encontrado.

Neste caso, as ações de excepcionalidade que marcaram a estrutura do Golpe de 2016 reanimaram a fórmula original: a inexistência de vínculo entre materialidade e autoria no crime de responsabilidade.

Todavia, em consonância com esta interpretação (transmutação), além de não se saber se há vínculo entre materialidade e autoria nos casos pendentes e futuros do TSE – uma vez que há inocência até prova (em juízo) em contrário –, admite-se um suposto vácuo legal. Suposto apenas, porque o preenchimento é político.

Revivida a fórmula adotada em 2016, portanto, não mais se preocupam com a CF/88, com os limites do que se convencionou chamar de Positivismo Constitucional. Ou seja, o juiz – na divisão dos três poderes – deveria apenas aplicar a lei, interpretando-a de acordo com a Constituição. No exemplo concreto, o Judiciário interpreta contra a Constituição Federal de 1988.

Em sua prática judicial – e que não é exatamente jurídica – o Judiciário teoriza sobre a República  e se utiliza de uma contabilidade “Ética” surgida com a “criminalização da Política”, para em seguida, e em desconformidade, decidir contra as mais elementares prescrições constitucionais, como a legalidade e a dignidade.

A ética que embala a Transmutação Constitucional, igualmente, independe do decurso final da aplicação do direito aos casos concretos: a subsunção é tão abstrata que evaporaram o Positivismo Constitucional.

Pois, ainda que a postura monocrática pudesse ser refeita, a mera alegação da possibilidade de se violar a CF/88 já emociona o Direito Ocidental que deu origem e sustenta o Estado de Direito.

Com decisões graves contra a Política e a CF/88 – proibitivas do direito político – sob o condão interpretativo (ao revés da Constituição) de um-só ou que seja de um colegiado de magistrados, e mesmo que sob a vara legal de uma possível eticidade, é fato que irregistrável está a representação política, a democracia participativa e o respeito ao Império da Lei.

Isto tem um nome e se chama exceptio: na forma-Estado da exceção jurídica regressiva e repressiva. Se esta evolução anticonstitucional progredir, legalmente ou ilegitimamente, poder-se-á denominar de Estado de Exceção: quartelada, Estado de Sítio, intervenção militar e outras agremiações do mesmo gênero.

A ação em confronto direto à Constituição, a partir de uma tomada de poder ilegítima e antipopular, em 2016, denomina-se Ditadura Inconstitucional. Conceitualmente, a Ditadura Constitucional está prevista nos artigos 136 e 137 – “Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, ‘devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta” (grifo nosso) – e segue as demais ressalvas e limites assentados nos artigos 138, 139, 140 e 141 da CF/88.

Entretanto, como temos um conjunto de ações institucionais, dos três poderes, sobretudo na violação de preceitos constitucionais fundamentais, configura-se como Transmutação Constitucional; pois, a CF/88 parece não estar em vigência em 2019.

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)

Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

Departamento de Educação- Ded/CECH

Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS