TRABALHO ESCRAVO: TRAÇOS CRÍTICOS NA CONTEMPORANEIDADE


PorCaio Muniz- Postado em 01 abril 2019

Autores: 
Laiane Aparecida Dantas de Oliveira
Letícia da Silva Almeida

Resumo O presente artigo tem por finalidade demonstrar que o trabalho escravo ainda é uma realidade, ainda que expressamente proibido entre os países democráticos. Traz à tona uma discussão sobre o que é a escravidão contemporânea, como age e se descaracteriza e ainda sobre a omissão de países, como exemplo, o Brasil, em casos emblemáticos. Utilizado o método dedutivo, por meio da pesquisa bibliográfica. O marco teórico está na dignidade da pessoa humana como preceito fundamental do Estado Democrático de Direito, na obra de Ricardo Rezende Figueira.
 
Palavras-chave: Trabalho escravo, Exploração, Brasil e Espanha, Corte Interamericana de Diretos Humanos, Dignidade Humana.
 
Abstract/Resumen/Résumé  The purpose of this article is to demonstrate that slave labor is still a reality, even though it is expressly prohibited among democratic countries. It brings up a discussion about what contemporary slavery is, how it acts and is discharacterized, and also about the omission of countries as emissions, as an example, Brazil, in emblematic cases. Used the deductive method, through bibliographic research. The theoretical framework lies in the dignity of the human person as a fundamental precept of the Democratic State of Law, in the work of Ricardo Rezende Figueira.
 
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Slavery, Exploration, Brazil, Spain, Inter-American Court of Human Rights, Human dignity.
 
 
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1. Introdução
 
O trabalho e seu desempenho em boas condições, ou seja, o trabalho digno, é direito basilar na Constituição da República Federativa do Brasil (CR/88), e como todas as outras normas Constitucionais, deve ser interpretado a luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Trata-se de um direito-dever como é tratado na Constituição Espanhola de 1978, em seu art. 35, que enquanto Estado Democrático de Direito, assegurou igualdade e condições e salários independente do sexo. O trabalho degradante em condição análoga a de escravo, tem origem antiga e marcou presença nas sociedades em diferentes épocas. Embora distintas discussões em diversos segmentos filosóficos, científicos, culturais e sociais é um tema pouco difundido no meio acadêmico jurídico. No século XXI, falar sobre trabalho escravo é um estigma. Isso porque, parece aos olhos da sociedade não existir. No entanto, esse tipo de trabalho é uma realidade negativa no cenário atual. Tal situação afronta a Dignidade Humana estampada na CR/88 e os Direitos de proteção ao trabalhador. Foi utilizado o método dedutivo, por meio da pesquisa bibliográfica. O marco teórico está na dignidade da pessoa humana como preceito fundamental do Estado Democrático de Direito, na obra de Ricardo Rezende Figueira.
 
2. Cronologia histórica do trabalho escravo no brasil x espanha: do passado ao presente
 
Antes de iniciar propriamente a temática do trabalho escravo contemporâneo, faz-se necessário a breve abordagem histórica do referido tema como forma de esclarecer seu surgimento, para que haja um entendimento de seus reflexos1 até os dias atuais. A Organização Internacional do Trabalho define como trabalho decente “aquele trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”. (ORGANIZAÇÃO, 2011). Por outro lado, considera-se trabalho escravo, nas palavras de Jairo Lins de Albuquerque Sento-Sé:
                                                          
 1 Um dos maiores reflexos do modelo de escravidão antigo é sua herança atual. Um modelo tão antigo e preconceituoso de uma época onde não se falava em Dignidade da Pessoa Humana, Direitos Humanos e seus tratados Internacionais, consegue perpetuar até a presente geração onde não se discute mais a existência do ser humano como sujeito de direitos.
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[...] trabalho escravo é aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degradantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar sua atividade laboral, submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral que vai desde a deformação do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição imposta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador (SENTO-SÉ, 2001, p. 27).
 
O Trabalho escravo permeia a sociedade desde tempos remotos, ou seja, sua origem galga a existência humana em sociedade, nunca foi abolido, nada mudou, embora, a forma de sua caracterização sim. Nas palavras de Antônio Almeida, “[...] a humanidade e a escravidão têm sua trajetória ligada, portanto, se torna difícil precisar onde se originou e o que causou no princípio.” (FIGUEIRA, 2008, p.15).  Ainda neste sentido, de acordo com Suely Robles Reis Queiroz:
 
[...] A escravidão é instituição tão antiga quanto o gênero humano e de amplitude universal, pois, legitimada pelo direito do mais forte, ocorreu em todos os tempos e em todas as sociedades. Basta a leitura da Bíblia ou de outros livros que também tratem de épocas remotas para se ter uma idéia de sua antiguidade. No Egito, por exemplo, foram os escravos que ergueram as pirâmides destinadas a perpetuar a glória dos faraós. Da Babilônia de Hamurabi à Fenícia, da Grécia clássica à Roma também clássica, a grande maioria dos povos antigos conheceu a escravidão [...]. (QUEIRÓZ,1993, p. 5-6).
 
No Brasil, não foi diferente. Sua origem escravista começa com a exploração dos índios2, através do escambo3, porteriormente escraviza-se os africanos, que chegaram as  terras brasileiras em São Vicente4.  Nas palavras de Milton Metzer:  [...] quem tinha escravo tinha poder, poderia exibi-los em locais públicos, dar de presente aos amigos, e com o passar dos anos os escravos acabaram se tornando uma maneira de favorecer os poderosos, acrescentar números aos exércitos e assegurar que os serviços públicos fossem feitos. (MELTZER, 2004, p. 38).
                                                          
 2 Alguns autores, a exemplo, Milton Metzer e Agostinho Malheiro, afirmam que o trabalho indígena foi proibido a partir de um decreto feito em 1757 por Marques de Pombal, devido a forte pressão dos Jesuítas. 3 Em troca de trabalhos, os índios recebiam mercadorias (espelho, roupas e outros). 4 A Capitania de São Vicente foi uma das capitanias hereditárias originais, de 1534. (MALHEIRO, 1850, p.102).
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O trabalho escravo nunca deixou de ser uma realidade brasileira, mesmo tendo sido proibido quando da abolição da escravatura5 (abolido pela Lei Áurea6 em 13 de maio de 1888 - Lei Imperial n.º 3.353):
 
A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o senhor Dom Pedro II faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e Ela sancionou a Lei seguinte: Art I - É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. (BRASIL, 1888).
 
Realidade não muito distinta do Brasil, a Espanha no século XVI, possuía como bem mais precioso local, a mão de obra das comunidades indígenas, assim foi instituída a primeira forma de trabalho. A extração de minério, as primeiras construções de prédios e pontes por exemplo, foram atividades executadas em sua maior parte pelo trabalho forçado da comunidade indígena. Agostinho Marques Perdigão Malheiro7, afirmava que:
 
A escravidão é um dos maiores males que ora pesa sobre Vós. Cumpre examinar de perto as questões que ela sugere, e atacá-la com prudência, mas francamente e com energia, para que cessem as ilusões, e não durmam os Brasileiros o sono da indiferença, e da confiança infantil, sobre o vulcão e o abismo, criados pelo elemento servil da nossa sociedade. (MALHEIRO, 1850, p.92).
 
Mas a escravidão não é somente realidade da sociedade brasileira, em países Europeus, aqui em foco a Espanha, também tem ocorrido tais situações:
 
Dos cerca de 3,5 milhões de imigrantes ilegais que estão na Europa, 250 mil trabalham sob condições de semelhantes a de escravidão na Espanha, segundo relatório apresentando pela organização não-governamental Cecra (Coalizão Espanhola contra o Racismo, a Xenofobia e a Discriminação).
 
De acordo com o estudo, a maioria dos imigrantes ilegais é latino-americana e trabalha com serviços domésticos, na prostituição, na agricultura ou na indústria têxtil. Na maioria dos casos, os patrões são pessoas em boa situação econômica e também cultural. (FOLHA ONLINE, 2002).
 
                                                          
 5 A partir desta data a escravidão torna-se ilegal, entretanto, não houve uma mudança na mentalidade escravocrata. 6 Lei Imperial n.º 3.353, sancionada em 13 de maio de 1888, foi o diploma legal que extinguiu a escravidão no Brasil. (BRASIL, 1888). 7 Jurista na época do império, que não concordava com a escravidão. (MALHEIRO, 1850, p.92).
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Nesse sentido, cabe trazer a redação da norma penal brasileira em seu art. 149 do Código Penal que define como crime:
 
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão dívida contraída com o empregador ou preposto:
 
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
 
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
 
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
 
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
 
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
 
I – contra criança ou adolescente;  
 
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (BRASIL, 1940).
 
A norma expressa no ordenamento jurídico brasileiro sobre do trabalho em condições degradantes garante mais uma vez a proteção a Dignidade da Pessoa Humana. Apesar da clareza da norma penal, o texto ainda provoca interpretações diversas. Nesse sentido, importante Mário Sérgio Beltrão Pamplona explica:
 
Apesar da existência de norma penal aplicável àquele que se assenhoreia do trabalho degradante em estado similar ao de escravo, alguns interpretes podem entender que existem lacunas a serem preenchidas, ao argumento, por exemplo, de que o conceito de trabalho degradante é relativo, com o que não se concorda, pois o Direito interpretado pelo ir e vir hermenêutico suprailustrado, não dá margem para as ilusórias lacunas. Sob o pálio da argumentação de que a norma penal é clara, mas é injusta para com o empregador por prever o cerceamento de sua liberdade, por graves infrações trabalhistas cometidas, que, a um juízo restritivo, nao revelam a existência de trabalho degradante em conjuntura correlata à de escravo, a eficácia da norma resta comprometida e reforça a sensação de impunidade. (PAMPLONA, 2016, p. 126).
 
O tipo penal citado é amplo e abrangente visando abolir todo e qualquer tipo de situação não condizente com as necessidades do ser humano, não se limitando apenas a falta de liberdade para que se configure o trabalho escravo.
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Além da utilização do tipo penal, também se tem utilizado a norma Trabalhista e a invocação de Tratados Internacionais da OIT nas decisões judiciais brasileiras. Na Espanha, a luta contra a exploração do trabalho e o tráfico de pessoas para esta finalidade, enfrenta lacunas na legislação. De acordo com reportagem do jornal El País de Madri, as vítimas podem ser homens ou mulheres, geralmente de origem rural e são destinados a trabalhos em oficinas têxteis, bares, restaurantes, dentre outros. “Só nestes dois anos foram presas 534 pessoas”. “[...] A Lei precisa de uma reforma profunda que esclareça conceitos, porque é muito difícil determinar o que é exploração trabalhista pura e o que são condições abaixo das normas” (VILLANUEVA, 2016).  Em outra notícia, agora do jornal RTP Notícias de Portugal:  
 
A Polícia Judiciária do Porto resgatou dezenas de portugueses, que prestavam trabalho escravo em Espanha. Foram detidas sete pessoas em Portugal, que já foram presentes ao juiz e estão indiciadas por associação criminosa, sequestro e tráfico de pessoas. Em Espanha foram detidas outras 19 pessoas, suspeitas de integrarem a mesma organização criminosa angariadora de mão-de-obra ilegal. Estes detidos devem ser entregues às autoridades portuguesas após cumpridos os preceitos legais. [...] A alegada organização criminosa tentava levar cidadãos nacionais em situação vulnerável: residentes perto da fronteira, com dificuldades económicas, psicologicamente debilitadas e algumas com problemas de alcoolismo e toxicodependência. Aqueles que cediam ao aliciamento eram transportados para Espanha, onde ficavam submetidos a um regime de cativeiro semelhante à escravidão. Os trabalhadores estariam sujeitos a agressões físicas e sexuais. Operários agrícolas e das vindimas, que viviam nas províncias de La Rioja, Alava e Navarra e que recebiam entre 10 a 15 euros por semana, ou mesmo sem remuneração, também foram vítimas desta rede. A investigação, que começou em 2002, apurou que a rede terá escravizado pessoas durante oito anos. (RTP notícias, 2008).
 
Assim, é obvio que ainda no seculo XXI a ofensa a dignidade da pessoa humana é real, em razão de praticas como as supracitadas, que ocorrem não só no Brasil como na Espanha e em tantos outros países.
 
3. Trabalho escravo na contemporâneidade
 
Muito se sabe sobre a escravidão antiga, pouco se quer ver sobre a escravidão nova. O trabalho escravo como já dito, nunca deixou de exirtir, só se usou de roupagens diferentes. O que antes se media pela cor, hoje se mede pela classe social. Quem são os escravos hoje? Pessoas de baixa ou nenhuma renda. Que se “vendem” por não terem outras oportunidades.
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Pessoas que se sujeitam as condições análogas a de escravo, são aliciadas para aceitarem a proposta de “trabalho”. Buscam melhores condições financeiras na esperança de sustentarem suas famílias e acabam vítimas de uma fraude. As promessas são inúmeras, embora a realidade seja: péssimas condições de vida, falta de higiene no local de trabalho, falta de dormitório, proibição de sair do local onde estejam, não há alimentação suficientes, servidão por dívidas8, dentre outras condições degradantes. José Cláudio Monteiro de Brito Filho afirma que se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança e com riscos à sua saúde, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garantir-lhe descanso e o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes. Se o trabalhador não recebe o devido respeito que merece como ser humano, sendo, por exemplo, assediado moral ou sexualmente, existe trabalho em condições degradantes (BRITO FILHO, 2014, p. 13-14). As condições são sujeição de humilhações. Os trabalhadores não possuem qualquer direito trabalhista. A grande maioria dos trabalhadores são encontrados na zona rural, embora com os números de estrangeiros no país, esta constante começa a ganhar grande visibilidade nos centros urbanos. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), inúmeros trabalhadores já foram resgatados. Há uma força-tarefa para tal combate, através de diversos mecanismos criados pelo Governo Federal, além de ONGs, o que ainda não tem como resultado o combate efetivo desta forma de condição degradante de trabalho.
 
4. Casos emblemáticos
 
O Brasil é signatário de diversas convenções, dentre elas, Convenções da OIT n.º 29 (Decreto n.º 41.721/1957) e 105 (Decreto n.º 58.822/1966), a Convenção sobre Escravatura de
                                                          
 8 Vale ressaltar é tal prática é proibida: Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo; § 4º - Observado o disposto neste Capítulo, é vedado às empresas limitar, por qualquer forma, a liberdade dos empregados de dispor do seu salário. (BRASIL, 1943).
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1926 (Decreto n.º 58.563/1966) bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica – Decreto n.º 678/1992), todas recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Somos Estado Parte da Convenção Americana desde 25 de setembro de 1992 e reconhecemos a competência contenciosa da Corte em 10 de dezembro de 1998. A Espanha também aderiu ao movimento global de combate ao trabalho escravo, tendo sido o 13 º país da Europa a ratificar o Protocolo sobre Trabalho Forçado da OIT, o País reforçou o interesse na colaboração dando novo ímpeto a luta contra o trabalho forçado em todas as suas formas. Desta forma, como um agente estatal, preocupado com as nuances dos direitos humanos, através de tratados já firmados, como dito acima, não deveria ter em sua história, traços de violações a tais direitos, no entanto não é o que ocorre na realidade, como o que ocorreu no Brasil nos dois casos que serão analisados abaixo. O Caso “Zé Pereira” como ficou conhecido, diz respeito, ao menino José Pereira Ferreira, encontrado em situação de sujeição e degradação, a época com 17 anos, vítima de trabalho escravo na Fazenda Espirito Santo no Pará desde 1987, a partir de então, o Estado brasileiro passou a admitir a existência da escravidão. Ao chegar ao local, se deparou com uma realidade não esperada. Foi maltratado, recebia ameaças de mortes continuamente, trabalhava de madrugada até o fim do dia. Diante de tal situação, resolveu fugir com um amigo que conheceu na fazenda denominado “Paraná”. Durante a fuga, foram surpreendidos, atiraram em ambos com o intuito de matá-los. Nesta ocasião, Paraná perdeu a vida e Zé Pereira perde a visão de um olho e uma de suas mãos. As condições degradantes eram nítidas e o sofrimento que passavam suas vítimas podem ser refletidas pelas palavras das próprias vítimas, como nas palavras do Sr. José Pereira Ferreira:
 
Me chamo José Pereira Ferreira, eu seria apenas mais um dos brasileiros vítimas de trabalho escravo se não fosse o fato de meu caso ter sido denunciado em organismos internacionais e ajudado a combater este crime no Brasil. Por isso, vou contar uma parte da minha história. Tinha 17 anos quando fui trabalhar em uma fazenda no pará. A gente trabalhava do amanhecer até a noite, mas não ganhava nada. Tudo era para pagar alimentação e hospedagem, dizia o gato. A comida era só arroz e feijão. Carne, só quando um boi era atropelado. De noite, a gente era trancado em um barracão de lona e vigiado por capangas armados. Aquilo era insuportável. Então decidi sugir. O Paraná que conheci lá na fazenda me acompanhou. Aproveitamos a distração dos capangas do patrão e ganhamos o mato. A gente sabia que eles viriam atrás da gente, e vieram. Vieram para matar. Atiraram. O paraná caiu morto na hora. Mandaram eu
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andar e atiraram pelas costas. Uma das balas saiu. Saio no olho direito. Me fingi de morto. Nos enrolaram em numa lona. Eu e o corpo do Paraná. E desovaram na beira de uma estrada. Consegui socorro e fui parar em um hospital em Belém.  Recuperado voltei com a Polícia Federal a fazenda [...]. Eu perdi a visão do meu olho. Mas me libertei. E ajudei a libertar meus companheiros da desgraça. Mas o Paraná não. Ele não teve indenização, nem liberdade. Só uma cova rasa. Queria mesmo que ele tivesse aqui comigo (FERREIRA, 2016). O que se vale como reflexão é que, as vítimas (Sr. José e Sr. Paraná), tiveram seus corpos jogados em fazenda vizinha denominada Fazenda Brasil Verde (que vamos abordar adiante como também uma propriedade que praticava o trabalho escravo). Diante de tal situação, em 1994 a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Center for Justice and International Law (CEJIL - Centro pela Justiça e o Direito Internacional) e Human Rights Watch apresentaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), relatando o caso e o desinteresse a ineficácia do Brasil nas investigações. Segundo Patrícia Trindade Maranhão Costa:
 
Isso evidenciou a cumplicidade do Estado, por permitir a persistência de situações de trabalho semelhantes às vivenciadas por José Pereira, além da impunidade, por nenhum funcionário ou proprietário de fazendas ter sido condenado, apesar da violência extrema que caracteriza tais violações e do aumento das denúncias referentes a essas práticas de trabalho[...]. (COSTA, 2008).
 
Frente a todos os fatos, o Brasil resolve por se fazer uma solução amistosa, o que por sua vez, foi aceito pelas peticionárias, e assinado em 2003. Neste acordo, foram adotadas algumas medidas em que o Brasil deveria assumir, dentre elas: O reconhecimento público da responsabilidade acerca da violação dos direitos constatada no caso de José Pereira; medidas financeiras de reparação dos danos sofridos pela vítima; compromisso de julgamento e punição dos responsáveis individuais e  medidas de prevenção que abarcam modificações legislativas, medidas de fiscalização e repressão do trabalho escravo no Brasil, bem como medidas de sensibilização e informação da sociedade acerca do problema. Outro caso que merece destaque é o  Fazenda Brasil Verde9, que foi durante muitos anos um campo de disseminação de trabalho escravo, onde foram aliciados homens e mulheres
                                                          
 9 Fazenda localizada no Pará, nos municípios de Sapucaia. A área total da Fazenda é de 1.780 alqueires (8.544 hectares), onde se criam cabeças de gado. O proprietário da Fazenda Brasil Verde no momento dos fatos era João Luis Quagliato Neto. (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2015).
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de idades de 15 ( quinze) a 45 ( quarenta e cinco) anos com promessas de melhores condições de vida e promessas de moradia e  salários dignos10 o que nunca ocorria.  As condições de trabalho eram degradantes, aonde, não se respeitada nenhum direito e princípios constitucionais. Os trabalhadores eram submetidos a jornadas excessivas de trabalho, a servidão por dívidas, a falta de moradia, dormitório e alimentação inadequada. As condições humilhantes ao qual se submetiam começava com o trajeto até a FBV, onde viajavam cerca de 3 (três) dias de ônibus, trem e caminhão. Nas viagens de trem eram colocados em vagões de transporte de animais, sem qualquer higiene e assento. Ao chegarem a fazenda, suas carteiras de trabalho eram recolhidas, e obrigatoriamente assinavam documentos em branco. Dormiam em alojamentos sem energia elétrica, sem cama. O teto era de lona. Não havia banheiros, apenas um chuveiro fora do “dormitório”, sem parede. Por vezes, se limpavam nas represas e suas necessidades eram feitas nas vegetações. Sobre a alimentação, os relatos são de que eram de péssima qualidade e insuficiente, feitas ao ar livre, se alimentavam no mesmo local onde trabalhavam e tomavam água contaminada. A jornada de trabalho se iniciava as 3 (três) horas da manhã e durava aproximadamente (doze) horas por dia, as doenças contraídas com as más condições de trabalho eram inúmeras, inclusive fungos, o que não poderia ser empecilho para realizar o trabalho. Não havia médicos na propriedade, e pela compra de remédios era cobrado valores exorbitantes.11 Havia proibição em sair do local de trabalho, e ameaças de morte caso isto acontecesse. Os trabalhadores viviam com medo e aflições diárias, onde percebe-se claramente inclusive, no testemunho das pessoas que foram resgatadas naquela fazenda:
 
Na fazenda a gente passa muita fome, e os peões vivem muito humilhados. Tantas vezes eu vi [o gerente] prometendo tiros aos peões. E a situação continua. se querem sair em paz, precisam fugir. Estes dias saíram sete, fugidos sem [receber] dinheiro Chegou um rapaz do Pará prometendo boas condições de trabalho para a gente. Chegou lá e não era o que ele prometeu. Somos jogados no galpão, tinha que trabalhar doente, com febre, tinha jeito não. Passamos fome, muita fome. “Só quem passou sabe o que aconteceu [...]é desumano que que fizeram com a gente. Não é humano [...] desse tempo para cá não viajo mais, fiquei com medo. [...]Todo mundo pensou que não voltava de lá. E aí a gente voltou e quando cheguei foi uma alegria estar na minha terra e na minha casa.  [...] A gente foi para debaixo de um barraco de lona. (FERREIRA, 2016).
                                                          
 10 O salário que receberiam seria de 10 reais por “alqueire de juquira roçada” (FERREIRA, 2016). 11 Segundo eles, um antibiótico chegava a custar cerca de R$ 3.000,00 (Três mil reais) (Ferreira, 2016).
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O percorrer da história se dá cronologicamente da seguinte forma: Em Dezembro de 1988, a Comissão Pastoral da terra (CPT), apresentaram uma denúncia12 perante a Polícia Federal pelo desaparecimento de duas pessoas na fazenda bem como pela prática de trabalho escravo. As denúncias foram inúmeras, dentre elas, merece destaque o do Sr. Adailton Martins dos Reis, que trabalhava na Fazenda, segundo ele:
 
Trabalhei na fazenda 30 dias, aqui o [gato] me garantiu muitas coisas e eu levei todos os mantimentos para o trabalho e chegando lá ele me jogou numa lama, roçando juquira, morando num barraco cheio de água, minha esposa operada, minhas crianças adoeceram, era o maior sofrimento. Precisei comprar dois vidros de remédios e me cobraram Cz$ 3.000,00. Quando fui sair da fazenda, fui acertar a conta, ainda fiquei devendo Cz$ 21.500 e aí precisei vender 1 rede, 1 colcha, 2 machados, 2 panelas, pratos, 2 colheres [...] e ainda fiquei devendo Cz$ 16.800 e saí devendo. [...] Durante todo este tempo não peguei nada de dinheiro. […] Quando queria vir embora, ele não me ofereceu condição pra sair, eu fiquei a manhã inteira levando chuva, pois o gerente Nelson nos deixou na beira da estrada na chuva, com [minha] mulher e filhos doentes. Na fazenda a gente passa muita fome e os peões vivem muito humilhado[s], tantas vezes eu o vi prometendo tiros para os peões. E a situação continua, os peões só querem sair em paz, precisam fugir, estes dias saíram 7 fugidos sem dinheiro. (REIS, 2008).
 
Em 27 de Dezembro de 1988, a CPT, enviou uma carta a Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) requerendo que fosse reforçada a fiscalização da Fazenda Brasil Verde, afirmando que já havia sido oferecido a denúncia. Em 20 de Fevereiro de 1989 houve uma visita da Polícia Federal na respectiva fazenda que em seu relatório afirmou não haver vestígios suficientes para configuração de trabalho escravo. Posteriormente em 1992, a CTP novamente tenta solucionar a questão e encaminha a PGR um ofício relatando a denúncia feita a PF e em dezembro de 1988 e perante o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em janeiro de 1989. A denúncia foi protocolizada em 22 de abril de 1992 e a PGR instaurou um processo administrativo.  Em 4 de junho de 1992 e 22 de setembro de 1992 requereu ao Departamento de Polícia Federal informação sobre p caso. Assim em 7 de dezembro de 1992, o Coordenador Central do Departamento de Polícia Federal informou sobre as diligências realizadas na Fazenda Brasil
                                                          
 12 A CPT estava acompanhada de José Teodoro da Silva e Miguel Ferreira da Cruz, respectivamente, pai e irmão de lron Canuto da Silva, de 17 anos, e de Luis Ferreira da Cruz, de 16 anos. Segundo eles, os jovens ao tentarem deixar a fazenda foram coagidos a retornarem e posteriormente desapareceram. (FERREIRA, 2016).
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Verde em 1989, afirmando que não havia sido constatada a presença de trabalho escravo. Em agosto de 1993, a Delegacia Regional do Trabalho DRT após realizar visita a fazenda, confirma a mesma informação da PF.  Em abril de 1994, a PGR afirma que as investigações da Polícia Federal não foram suficientes, uma vez que, sequer registaram por escrito as declarações dos trabalhadores, bem como outras inconsistências, como: lista com nome dos trabalhadores, qualificação, se havia armas na propriedade dentre outros. Em março 1996, o Ministério do Trabalho, realizando uma vista na fazenda, descobre irregularidades. Em 1997, dois trabalhadores da fazenda, prestaram declaração a PF relatando as condições e que viviam na FBV, como as investidas ameaças de morte caso abandonasse a fazenda. Desta forma, neste mesmo ano houve uma nova visita no local pelo Ministério do Trabalho, que:
 
i) os trabalhadores se encontravam alojados em barracões cobertos de plástico e palha nos quais havia uma “total falta de higiene”; ii) vários trabalhadores eram portadores de doenças de pele, não recebiam atenção médica e a água que ingeriam não era apta para o consumo humano; iii) todos os trabalhadores haviam sofrido ameaças, inclusive com armas de fogo, e iv) declararam não poder sair da Fazenda. Além disso, comprovou a prática de esconder trabalhadores quando se realizam as fiscalizações. No momento da fiscalização foram encontradas 81 pessoas. “Aproximadamente 45” dessas 81 pessoas não possuíam carteiras de trabalho (CTPS) e tiveram esse documento emitido naquele momento. (Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2017).
 
Ato contínuo, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público Federal, ofereceram denúncia contra os donos da fazenda. Na denúncia, o Ministério Público faz os seguintes relatos:
 
A “Fazenda Brasil Verde” costuma contratar trabalhadores rurais, “peões”, para o corte da juquira mediante o aliciamento dos mesmos, como os 32 (trinta e dois) trabalhadores convidados [...] no município de Xinguara, por [...] um empreiteiro, in casu, o denunciado Raimundo Alves da Rocha, entre 24 de março e 14 de abril do presente ano [...] para trabalharem em outra localidade em troca de salário. Parte deste é adiantado antes de chegarem ao local de trabalho [...] Ao chegarem na fazenda, os trabalhadores são alojados em barracões cobertos de plástico e palha, sem proteção lateral [...] a água ingerida [...] não é própria para consumo humano, pois serve de local de banho e bebedouro para os animais da Fazenda [...] a alimentação, como a carne exposta aos insetos e intempéries, é fornecida [por um dos] denunciado[s] [...] sob o sistema de barracão e [...] intermediado pela Fazenda através do gerente [...] Antônio Alves Vieira. Vários trabalhadores [...] declararam que estarem proibidos de saírem da Fazenda enquanto houver débito sob pena de ameaça de morte [...] ao
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adquirirem os alimentos a preços exorbitantes [...] e por já iniciarem o trabalho com o débito proveniente do hotel [...] o irrisório salário que receberiam nunca seria suficiente para pagar suas dívidas. Enquanto isso, o proprietário da Fazenda lucra ao dispor de trabalhadores que não recebem qualquer salário pelo serviço prestado [...] [...] o único caminho de saída da Fazenda é limítrofe dos prédios do escritório e da casa do gerente, que não permite a saída dos trabalhadores [...] Relatório da visita à Fazenda Brasil Verde, Grupo Móvel de Trabalho, 23, 28 e 29 de abril de 1997 (expediente de prova, folhas 4629 a 4638). 132 Relatório da visita à Fazenda Brasil Verde, Grupo Móvel de Trabalho, 23, 28 e 29 de abril de 1997 (expediente de prova, folhas 4629 e 4630). 133 Relatório da visita à Fazenda Brasil Verde, Grupo Móvel de Trabalho, 23, 28 e 29 de abril de 1997 (expediente de prova, folha 4637). 134 Relatório da visita à Fazenda Brasil Verde, Grupo Móvel de Trabalho, 23, 28 e 29 de abril de 1997 (expediente de prova, folha 4637).  Denúncia do Ministério Público Federal de 30 de junho de 1997 (expediente de prova, folhas 4623 e 4625 a 4628).  Acrescente-se aos fatos, a apreensão pela fiscalização, de um pedido aviso prévio assinado por um trabalhador [...] e [foram encontradas] diversas notas promissórias em branco, apenas com as assinaturas dos trabalhadores. [...] em dezembro de 1996, foram constatadas as mesmas irregularidades pela fiscalização, assim como, em 1989, já havia notícias de crimes contra a organização do trabalho e redução à condição análoga à de escravo. Pela não apuração desse fato na época própria e a prescrição dos demais crimes, quando os fatos chegaram ao conhecimento do Ministério Público Federal, tornou-se impossível a proposição da ação penal [...] o proprietário da fazenda, terceiro denunciado, tinha plena consciência de que, no mínimo, estaria cometendo um delito de frustração de direitos trabalhistas, mediante fraude. (COMISSÃO, 2015).
 
Posteriormente tem-se várias tratativas. Em 1997 nova denúncia afirmando que a fazenda continua nas mesmas atitudes, em 1999 o dono da fazenda cumpriu a pena de doar sextas básicas.  Até 2001 o problema13 não havia sido solucionado. Assim em 4 de março de 2015 a Comissão Interamericana de Direitos humanos, ofereceu denúncia a Corte sobre o caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde contra a República Federativa do Brasil.  Apenas em 2016,  a CIDH condenou o Estado Brasileiro por não ter adotado medidas efetivas para impedir a submissão de seres humanos a esse tipo de prática, determinando a reabertura das investigações14 para processar e punir os responsáveis, além da indenização15 de todas as vítimas.
                                                          
 13 Como ainda não havia sido consolidada a competência federal para investigar o crime de trabalho escravo, a Justiça Federal de Marabá que atuava no caso remeteu o processo à Justiça Estadual em Xinguara, no Pará. Depois disso, o inquérito desapareceu e não foi mais reinstaurado. (COMISSÃO, 2015). 14 Inquérito policial 2001.39.01.000270-0. Foram 72 das cerca de 80 vítimas, atualmente residentes em 11 Estados (Piauí, Pará, São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso, Maranhão, Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Santa Catarina). (COMISSÃO, 2015). 15 As indenizações permearam 5 (cinco) milhões de dólares. (COMISSÃO, 2015).
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Veja-se, as manchas do problema se inicia em 198816 e apenas em 2016 houve uma resposta efetiva ao caso, ou seja, 28 (vinte e oito) anos depois. Vale dizer que essa efetividade se deu através da sentença da CIDH, e não pelo Brasil. Importante empresa espanhola também é flagrada com trabalho escravo. Nesse sentido é a reportagem do Portal Carta Maior:
 
Em operações realizadas em maio e junho por fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), três oficinas de costura que fabricavam peças de roupas para a Zara foram flagradas mantendo trabalhadores em situação análoga à escravidão. Ao todo, 67 trabalhadores foram liberados, entre eles ao menos 14 bolivianos e um peruano. Os fiscais flagraram irregularidades no registro em carteira e nos pagamentos, falta de condições de higiene e segurança nas oficinas, jornadas de até 14 horas e até cerceamento de liberdade. O caso chegou a derrubar as ações da empresa na Bolsa de Madri. Em sua defesa, a companhia espanhola tem alegado que não sabia do problema, o qual só teria ocorrido porque um de seus fornecedores diretos – a AHA Ind. Com. Roupas – realizou “terceirização não autorizada” ao contratar as oficinas flagradas com trabalhadores escravos. [...] (CARTA, 2011).
 
Assim, conclui-se diante dos casos expostos, que tanto no Brasil como na Espanha, há situação de pessoas que sofrem com a violação de seus direitos através do trabalho escravo.
 
5. Conclusão
 
Consoante afirmado o ordenamento jurídico tem sua base no Princípio da Dignidade da pessoa humana. O Direito do trabalho, enquanto direito social fundamental para o acesso a capacidade de prover suas necessidades e de sua família, é então a maneira de se atender direitos e necessidades decorrentes desse atributo, que é inerente ao ser humano: a Dignidade. O inicio da escravidão atual começa pelas decisões arbitrarias de um poder estatal fraco que não dirimi os conflitos internos de seu povo, que afirma lutar pelos direitos humanos através de políticas públicas ou de conscientização, mas que retira do próprio povo a sua integridade de viver em um ambiente que respeite seus direitos deliberados constitucionalmente17. Embora a lei proíba expressamente o trabalho escravo, ele ainda existe, entretanto, descaracterizado, tem forma de legal, mas muitos não sabem o eco da dor que causa. Pessoas iludidas por melhores condições de vida são aliciadas, algumas tem a vida ceifada, seja pelo                                                           
 16 Não se sabe o quanto tempo esta propriedade praticou a modalidade de trabalho escravo. Em 1988 foram as primeiras aparições de vestígios. 17 Nota-se de forma clara a preocupação da CR/88 em seu texto constitucional, no que tange os Direitos Humanos.  
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esgotamento físico ou emocional. São tratadas como “objetos”, sim! Se tornam objetos dos seus senhores. É real, mas se disfarça. O sofrimento é disfarçado por grandes senhores de terra ou por grandes empresas, a fome é disfarçada por lavagem de comida, o sono se disfarça por dormir ao relento, mas a vergonha e o medo em nada se disfarçam, muito menos a responsabilidade por lutar pelo menos ouvidos.  A escravidão contemporânea se diferencia da escravidão de tempos passados pois não decorre de guerra ou sequestro, mas camuflada por oportunidade e esperança. É inaceitável a aquiescência do trabalho em condições análogas a de escravo, seja por cerceamento da liberdade, situação degradante ou por qualquer motivo que não respeite as condições e necessidades mínimas da pessoa, atingindo os Direitos e Dignidade do ser humano. A submissão da pessoa a trabalho escravo importa na destituição de sua dignidade enquanto ser humano e não, tao somente o cerceamente de seus direitos trabalhistas De acordo com este entendimento, conclui-se que o trabalho em situação análoga a de escravo fere a dignidade da pessoa humana. Em que pese tamanha dificuldade de enfrentamento ao combate de trabalho escravo, vários são os Órgãos que podem ser úteis à sua repressão, a saber: O Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE), o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, o Programa Lista Suja no Brasil, dentre outros. Merece destaque ainda algumas ONGs, quais sejam: ONG repórter Brasil, Comissão pastora da Terra e entidades sindicais. No meio acadêmico, há a Clínica de Trabalho Escravo da Universidade Federal de Minas Gerais.  Nesta seara, necessário a ampliação de políticas públicas para controle e aplicação real da Lei. O combate ao trabalho escravo é de responsabilidade da sociedade e do Poder Público. Somente assim, será vencida a luta contra a escravidão.  
 
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