Teses do STJ sobre falta grave na execução penal (1ª parte)


PorJefter Gerson- Postado em 24 outubro 2019

Autores: 
Rogério Sanches Cunha

1) Após a vigência da Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007, constitui falta grave a posse de aparelho celular ou de seus componentes, tendo em vista que a ratio essendi da norma é proibir a comunicação entre os presos ou destes com o meio externo.

A introdução de aparelho de comunicação no presídio, antes de março de 2007, não gerava, em regra, qualquer consequência para o preso surpreendido na posse do aparelho, para o agente público que se omitisse diante a obrigação de vigilância ou mesmo para o particular que o introduzisse no sistema penitenciário. Os dois primeiros comportamentos, com o advento da Lei 11.466/07, foram tipificados como falta grave (art. 50, inc. VII, da LEP) e crime (art. 319-A do CP), respectivamente. Posteriormente, a Lei 12.012/09 tipificou também a conduta do particular de ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada do aparelho, sem autorização, em estabelecimento prisional (art. 349-A do CP).

O art. 50, inc. VII, da LEP estabelece que a falta grave consiste em ter, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.

Como se nota, o dispositivo legal faz expressa menção tão somente ao aparelho telefônico, de rádio ou similar, mas não a baterias, carregadores e outros acessórios que possam viabilizar ou facilitar o uso dos aparelhos de comunicação.

A omissão gera controvérsia a respeito das consequências da posse de objetos outros que não os aparelhos. Embora haja orientação no sentido de que neste caso a punição por falta grave ofende o princípio da reserva legal, o STJ orienta-se no sentido contrário: a falta existe tanto se o preso tem sob sua posse o aparelho de comunicação quanto se tem carregadores, baterias ou chips, acessórios essenciais para o funcionamento dos aparelhos e que viabilizam a comunicação:

“1. Há pacífico entendimento jurisprudencial desta Corte Superior no sentido de que, “após o advento da Lei n. 11.466/2007, a posse de aparelho celular bem como de seus componentes essenciais, tais como chip, carregador ou bateria, constitui falta disciplinar de natureza grave.” (HC 300337, Rel. Ministro ERICSON MARANHO, Desembargador convocado do TJ/SP, SEXTA TURMA, DJe 30/06/15). 2. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1.708.448/RJ, j. 07/06/2018)

2) A prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal caracteriza falta grave, independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.

De acordo com o art. 52, primeira parte, da Lei nº 7.210/84, a prática de crime doloso durante a execução penal caracteriza falta grave.

Há quem sustente que a aplicação das penalidades em decorrência da falta grave só pode ocorrer após o trânsito em julgado relativo ao crime praticado, pois, até que se cumpra essa formalidade, não é possível considerar, sem sombra de dúvida, praticado o crime. Outros, no entanto, argumentam que, uma vez constatada a ocorrência do delito, é possível aplicar a sanção disciplinar mesmo sem o trânsito em julgado, até porque há um procedimento administrativo específico, no âmbito da própria execução, que apura se a falta efetivamente ocorreu.

Por meio da súmula nº 526, o STJ firmou o entendimento de que não se exige o trânsito em julgado relativo ao crime cometido durante a execução. Num dos julgamentos que precederam a súmula, destacou o tribunal que “O cometimento, pelo apenado, de crime doloso no curso da execução, caracteriza falta grave, nos termos do disposto no art. 52 da Lei de Execução Penal, independentemente do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória, por se tratar de procedimento administrativo, sendo certo, ademais, que a mencionada legislação não exige, igualmente, o trânsito em julgado de sentença condenatória para a regressão de regime, bastando, para tanto, que o condenado tenha cometido fato definido como crime doloso (art. 118, I, da LEP). Precedentes” (HC 189.899/RS, DJe de 04/12/2012).

3) Diante da inexistência de legislação específica quanto ao prazo prescricional para apuração de falta grave, deve ser adotado o menor lapso prescricional previsto no art. 109 do CP, ou seja, o de 3 anos para fatos ocorridos após a alteração dada pela Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, ou o de 2 anos se a falta tiver ocorrido até essa data.

A prática de falta grave provoca diversas consequências na execução da pena, como a interrupção do prazo para a progressão de regime e o óbice à concessão de benefícios que pressupõem comprometimento e responsabilidade da parte do condenado. Mas essas consequências só podem incidir após apuração por meio de procedimento administrativo que garanta ao preso o exercício da defesa.

Embora a Lei de Execução Penal discipline as formas de falta grave e suas consequências, não há menção a prazo limite para que, uma vez cometida a infração, a direção do estabelecimento prisional instaure o procedimento que pode culminar na imposição de sanções disciplinares. Diante da lacuna, convencionou-se que a falta grave deve se submeter ao prazo prescricional mínimo estabelecido no Código Penal para as infrações penais.

Note-se, no entanto, que esse prazo mínimo sofreu alteração em 2010. Com efeito, até a edição da Lei 12.234/10, o prazo prescricional mínimo era de dois anos (art. 109, VI, do CP). Com a lei, foi reajustado para três.

Temos, portanto, que a falta grave cometida até a entrada em vigor da Lei 12.234/10 fica submetida à prescrição de dois anos; as posteriores prescrevem em três anos:

“2. As Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte firmaram o entendimento de que, em razão da ausência de legislação específica, a prescrição da pretensão de se apurar falta disciplinar, cometida no curso da execução penal, deve ser regulada, por analogia, pelo prazo do art. 109 do Código Penal, com a incidência do menor lapso previsto, atualmente de três anos, conforme dispõe o inciso VI do aludido artigo. 3. In casu, a falta grave foi cometida em 11/3/2012, tendo sido homologada pelo Juízo das Execuções Penais da Comarca do Rio de Janeiro/RJ somente no dia 19/6/2017. 4. A conduta foi praticada após a edição da Lei n. 12.234/2010, cujo menor lapso prescricional é de 3 anos, prazo já implementado na data da homologação da infração disciplinar. Existência, portanto, de constrangimento ilegal.” (HC 426.905/RJ, j. 27/02/2018)

4) Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar, no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado.

Sempre que houver notícia de falta disciplinar, é indispensável que seja instaurado devido procedimento para sua apuração.

Existia discussão a respeito da necessidade de defesa técnica. Havia quem sustentasse que no processo disciplinar essa defesa é dispensável (bastaria a autodefesa), pois, nos termos da súmula vinculante nº 5: “A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Por outro lado, havia quem sustentasse – com razão – que a referida súmula se aplicava aos procedimentos de natureza civil, não ao procedimento para averiguar falta disciplinar na execução penal, onde está em jogo o direito de ir e vir do condenado (nesse sentido, Min. Gilmar Mendes, RE 398.269/RS). A Lei 12.313/10 incumbiu à Defensoria Pública a manifestação no processo executivo e nos incidentes de execução, sendo, portanto, necessária a sua manifestação, sob pena de nulidade (STJ, HC nº 103.450/SC).

Pondo fim à discussão, além da adoção da tese o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 533.

5) A prática de falta grave pode ensejar a regressão cautelar do regime prisional sem a prévia oitiva do condenado, que somente é exigida na regressão definitiva.

Existem situações em que a pena privativa de liberdade fica sujeita à regressão, isto é, à transferência do preso para regime mais severo. Segundo o art. 118 da Lei de Execução Penal, dá-se a regressão quando o condenado pratica fato definido como crime doloso ou falta grave (inciso I), ou sofre condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante a cumprir, torna incabível o regime (inciso II).

No caso do inciso I do art. 118, sem implicar na violação do princípio da presunção de inocência, a regressão não pressupõe sentença condenatória transitada em julgado, bastando a prova de que o preso praticou crime ou fato definido como falta grave. Isto porque a regressão deve ser baseada em procedimento administrativo que garanta ao condenado o exercício do contraditório e da ampla defesa, ocasião em que lhe será possível alegar o que considerar conveniente para evitar a regressão. Além disso, considerando a importância de respostas rápidas a más condutas ocorridas durante o cumprimento da pena, seria inviável, na prática, aguardar o trânsito em julgado de uma sentença condenatória para aplicar sanções disciplinares.

Ocorre que, a depender das circunstâncias, inclusive o aguardo do procedimento administrativo para que se determine a regressão pode contrariar a ordem pública, razão pela qual se admite a regressão cautelar sem que o condenado seja previamente ouvido. É o que se dá, por exemplo, no caso de prisão em flagrante por crimes graves como tráfico de drogas e roubo:

“1. Em se tratando de regressão cautelar, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. Inaplicabilidade do enunciado sumular 533 desta Corte. 2. Nos termos do art. 118 da Lei de Execução Penal, a execução da pena privativa de liberdade está sujeita à forma regressiva, com a transferência para um regime mais rigoroso do que o estabelecido no édito condenatório, o que não configura constrangimento ilegal.” (RHC 92.446/BA, j. 08/02/2018)

Uma vez determinada a regressão cautelar, deve-se instaurar imediatamente o procedimento para apurar a falta e, se o caso, tornar definitiva a medida imposta.

Note-se que há decisões segundo as quais o procedimento é obrigatório apenas para fatos cometidos no interior dos estabelecimentos prisionais, não para condutas criminosas cometidas enquanto o condenado se encontra fora do presídio, em razão das quais a regressão pode ser determinada diretamente. O STJ, no entanto, não aceita a tese. Para o tribunal, inclusive a regressão decorrente de crime cometido fora do estabelecimento deve ser baseada no procedimento administrativo que garanta o exercício da defesa:

“1. A tese da imprescindibilidade da instauração de um Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD para reconhecimento da prática de falta disciplinar amolda-se à jurisprudência desta Corte, consolidada em seu enunciado sumular n.º 533. O entendimento em testilha deve ser aplicado, inclusive, no tocante ao cometimento de falta disciplinar consistente na prática de crime doloso durante a execução da pena. 2. Para fins de regressão cautelar, no entanto, não é necessária a prévia instauração ou conclusão do procedimento administrativo – PAD e a oitiva do sentenciado em juízo, exigíveis apenas no caso de regressão definitiva. 3. In casu, o magistrado a quo determinou a dispensa de procedimento administrativo disciplinar para ambas as hipóteses (regressão cautelar e definitiva), devendo a decisão subsistir apenas no tocante ao aspecto acautelatório, mantida a anulação parcial.” (AgRg no HC 423.979/RS, j. 06/03/2018)

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TESES DO STJ SOBRE A FALTA GRAVE NA EXECUÇÃO PENAL (1ª PARTE). Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/08/15/teses-stj-sobre-falta-grave-na-execucao-penal-1a-parte/>. Acesso em: 24 out. 2019.