Soberania e Tratados Internacionais


Porrayanesantos- Postado em 02 maio 2013

Autores: 
NETO, Francisco José Vilas Bôas

 

INTRODUÇÃO

Pretende-se no presente trabalho analisar alguns pontos em relação ao dilema da soberania em face dos tratados internacionais, sob a ótica de compreensão dos princípios que os regem, observando a possibilidade da coexistência da soberania com o Direito Internacional, verificando ainda, eventuais deficiências normativas para a sustentação das normas de tratados internacionais.

Verifica-se desta forma, a mudança na configuração global de poder, assim também, como a posição ocupada pelos vários Estados nas camadas econômicas e políticas, sendo necessário então, que a natureza das relações entre os Estados sofra uma atualização na definição de regras e normas práticas que caracterizem a nova ordem mundial surgida.

Considerando, assim, o papel fundamental dos tratados na história das relações internacionais, mister se faz, reconhecer a importância destes, como fonte do Direito, como também, “meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, quaisquer que sejam os regimes constitucionais e sociais”. (Marota Rangel, 2000, pág. 297).

Com efeito, é de sublime importância compreender que os tratados internacionais se alicerçam na sociedade internacional e, por conseguinte, na necessidade que todo Estado possui de manter relações com os demais.

Um Estado precisa manter relações com os demais, situando dessa forma, pontos de entrelaçamento e concordância recíproca.

O cenário internacional foi ampliado e, como conseqüência, complicou-se de forma extraordinária, sendo que,“como acontece em períodos históricos de grandes mudanças, irrompe no cenário mundial fatores de integração e desagregação, o novo e o antigo despertam a primazia na ordenação do sistema mundial”, (Nohmi, 2003, pág. 10).

O Estado sente dessa forma, a sua capacidade de tomar decisões restringida, uma vez que no circo internacional, este abre mão de algumas das prerrogativas da soberania para poder integrar-se a entidades político-econômicas mais complexas.

Hoje, verifica-se que a ampliação de fronteiras é vista como um meio de se obter maior grau de desenvolvimento e como forma de criação de novos espaços de integração.

Configura-se assim, como objetivo precípuo deste trabalho, a análise da estrutura da soberania, observando o seu “aspecto” no cenário internacional, tomando por base e alicerce os tratados internacionais e a relativização do conceito de soberania.

O leitor que nos honrar com a apreciação deste trabalho, perceberá que o presente e despretensioso texto não tem por objetivo abordagens estatísticas, ou o estudo detalhado de blocos econômicos, do mercado mundial ou da falha na estruturação das entidades supra-estatais; tampouco realizar um estudo comparado entre normas de diferentes Estados ou entre as normas dos tratados e a as normas internas, mas simplesmente, fazer uma breve análise do instituto da soberania em face dos tratados internacionais.

CAPÍTULO I: SOBERANIA – EVOLUÇÃO E CONCEITO

1. 1 - Evolução histórica

Nas sociedades antigas o conceito de soberania não era atribuído ao Estado, pois de acordo com Vignali (1995), no pensamento aristotélico, o conceito referia-se à autarquia como capacidade inerente aos centros de poder independentes.

Na Grécia antiga, como também na antiga Roma, era desconhecido esse poder soberano, tendo em vista a própria “inexistência da idéia de Estado”. (Guerra, 2004, pág. 04).

Por volta dos séculos XIII a XV o termo soberania era entendido como forma de poder entre a classe dominante e seus súditos. (Guerra, 2004, pág. 05).

Jean Bodin, na obra “Os Seis Livros da República”, teria sido o primeiro a apresentar o conceito de soberania, como sendo um “poder absoluto e perpétuo”. (Nohmi, 2003, pág. 10).

Jean Bodin teria conceituado soberania como sendo um poder absoluto e perpétuo da republica ou do reino, não admitindo a existência de uma comunidade de Direito Internacional Público.

De grande importância também para a evolução do conceito de soberania foi Thomas Hobbes.

Hobbes institui o caráter de utopia à politicidade, indo até a alienação que constitui a “soberania dos soberanos”, ou, a “civilidade”. (Guerra, 2004, pág. 35).

Segundo Hobbes, o homem tem que menosprezar o seu “instinto egoísta” em prol da civilidade, pois, caso contrário, seria a guerra de todos contra todos, ou a anarquia.

O Leviatã representa bem essa idéia: “um grande homem composto por vários homenzinhos. Na mão direita uma espada representando a força; na mão esquerda um pastoral, representando a proteção da cidade”. (Guerra, 2004, pág. 36)

Extrai-se da obra de Hobbes que o Leviatã seria o símbolo máximo e pleno da soberania, ou do poder soberano.

Somente no século XVIII, a idéia de soberania, embasada nos princípios da liberdade e da igualdade foi “apresentada” por Vatel ao Direito Internacional Público.

Destarte, segundo Nohmi, Vatel ensina que:

“a soberania nacional pertence ao povo, podendo outorga-la a um governo ou dirigente, retomando-a quando houver abuso em tal delegação”. No âmbito do Direito Internacional Público, a soberania era percebida pela analogia: “homens livres - Estados livres”. (Nohmi, 2003, pág. 10).

O conceito de soberania pressupõe, no presente caso, a existência dos Direitos dos Estados e, de um Direito entre os Estados, sendo este, o Direito Internacional Público.

Nota-se, dessa forma, a necessidade e a urgência do nascimento de dois novos princípios: o da igualdade soberana entre os Estados e o do equilíbrio do poder.

“No âmbito externo, dispor do atributo da soberania significa outra coisa. Quando a soberania se refere ao Direito Internacional, confere aos Estados um poder independente, que não admiti subordinação a nenhum outro poder, mas que é compartido por muitos entes iguais, todos os quais dispõe do atributo da soberania; no campo internacional coexistem muitos soberanos, os quais, ao ter que se relacionar, criam um sistema de coordenação, desenvolvido a partir das idéias de compromissos mútuos e obrigação de cumpri-los de boa fé”. (Vignali, 1995, pág. 20).

Muitos foram os estudiosos que trabalharam a idéia de soberania, podendo citar como exemplo, Hegel, defensor da idéia de soberania absoluta, como também Kelsen, que não visualisava fronteiras entre o ordenamento jurídico interno e o ordenamento jurídico internacional.

Ainda, segundo Kelsen, os conflitos e a necessidade de resolvê-los fazem parte da normalidade dos acontecimentos. Se há uma previsão de conflito, o conflito faz parte da “normalidade da norma” e não uma desordem normativa.

O fato é que não se pode reduzir o ordenamento jurídico às normas, pois a ordem jurídica não é composta apenas por leis, mas também pelos princípios que as regem.

Mas, no último século, após a Primeira Guerra Mundial e devido ao novo contexto surgido ali, a ilimitada liberdade de ação dos Estados foi posta em xeque.

Fazia-se necessário uma profunda reavaliação e uma urgente revitalização da ordem jurídica internacional, sendo que esta ordem jurídica emergente deveria pautar-se no modelo de coordenação, não podendo estes Direitos produzidos com o fim de mútua coordenação e cooperação entre Estados, afetar diretamente as soberanias internas.

Percebe-se então, o surgimento de mais dois novos princípios do Direito Internacional:

- A limitação do uso da força;

- O reconhecimento de normas imperativas deste Direito.

“A solução deve residir no controle efetivo do uso da força por parte da Organização das Nações Unidas. Significa a prevalência do Direito na Comunidade Internacional. O uso da força, tal como é percebido, significa a atuação do paradigma da dominação nas relações internacionais”. (Diniz, 1995, pág. 85).

Princípios estes que podem ser traduzidos no que chamamos hoje de ”Princípios da Coordenação”.

 No século XX, o conceito de soberania relativa passou a ganhar força, devendo-se tal fato à introdução da idéia de que o Direito Internacional não se funda apenas nas relações entre os Estados, mas também, nas relações privadas entre vários povos.

Um movimento de transferência da soberania disseminou-se no século XX. Instituições intergovernamentais de natureza jurídica, política e comercial passaram a ganhar espaço nas relações internacionais, tanto na forma de coordenação, quanto na forma de subordinação aos Estados.

“Nos últimos tempos, incrementaram-se estes processos de transferência de faculdades de Estado, do âmbito de sua jurisdição doméstica e sua decisão discricionária para o campo das atividades reguladas pelo Direito Internacional Público e, em alguns casos, da decisão conjunta ou majoritária.

Em alguns sistemas de integração, foi-se mais além. Por exemplo, no esquema das Comunidades Européias, em alguns aspectos não apenas cedeu-se à capacidade de decidir automaticamente, substituindo-a, pelo compromisso de fazê-lo em comum. Além disso, avançou-se para criação de órgãos supra nacionais, em alguns casos sustentados por autoridades e funcionários internacionais, cujas decisões são autônomas nas instituições políticas dos governos, porém que se impõe a estes e são executáveis diretamente no território de seus Estados-Membros. Transitou-se assim, do sistema do Direito Internacional Público a um sistema diferente: o do Direito Comunitário. Ainda nesses casos, mantém-se a soberania internacional dos Estados, que regulam suas ações pelo Direito Comunitário; entretanto, s continuar aprofundando-se este tipo de aproximação, chega-se a que os Estados, que compõe o grupo, por uma decisão soberana de cada um e de todos eles, resolvam submeter-se a autoridades comuns, renunciando a sua soberania individual, e constituindo-se em um novo Estado Soberano que os reúna; neste suposto é que aqueles perderão a soberania como atributo jurídico, no campo internacional, desaparecendo com ela os distintos Estados Independentes para que surja um novo que assumirá a qualidade de novo sujeito do Direito Internacional”. (Vignali, 1995, pág. 52/54).

1. 2 – Autonomia e Soberania

Soberania não se confunde com autonomia.

Podem ser chamadas autônomas as unidades agregadas à bandeira do Estado Federal, como por exemplos, os Estados-Membros.

As entidades autônomas têm capacidade administrativa, jurídica e legislativa, mas possuem determinado grau de dependência com relação ao Estado/Nação.

Isto se verifica pelo fato d os Estados-Membros não serem sub-soberanos, mas sim, componentes autônomos de uma soberania única, de uma só personalidade internacional.

Desta forma, verifica-se que não existe duplo grau de soberania, tampouco que soberania e autonomia sejam a mesma coisa.

A soberania no âmbito interno pode ser traduzida como caráter supremo de poder, enquanto que a autonomia pode ser entendida como poder de autodeterminação.

1.3 - Conceito

O termo soberania teria advindo do latim super omnia ou de superanus ou ainda supremitas, o que coloquialmente pode ser entendido como o poder incontestável do Estado.

Muito embora não se possa precisar a origem etimológica da palavra, supõe-se que venha de superanus, que por sua vez teria originado o termo suserano, que seria o nome do senhor feudal, detentor de outros feudos que lhe rendiam vassalagem ou lhe pagavam tributo.

Nota-se com tudo isso que devido as grandes transformações e evoluções do Direito, principalmente da nova complexidade do Direito Internacional, o conceito de soberania deve ser um objeto de estudo e reflexão.

“Soberania é uma concepção política que não pode ser limitada por nenhum outro poder. É una, integral e universal, não podendo sofrer restrições de qualquer tipo, salvo as decorrentes dos imperativos de convivência pacífica entre as nações soberanas no âmbito do Direito Internacional”(Maluf, 1999, pág. 29/30).

“A soberania é uma concepção política, que somente mais tarde condensou-se numa índole jurídica. Não se descobriu este conceito no gabinete de sábios estranhos ao mundo. Sua existência se deve a forças muito profundas, cujas lutas constituem o conteúdo de séculos inteiros”(Jellineck, 1954, pág. 74).

“As marcas definidoras da soberania segundo Bodin relacionava: Direito de Legislar; Direito sobre a paz e a guerra; Direito de escolher as altas autoridades; Direito supremo de justiça; Direito à finalidade e obediência; Direito de graça; Direito de cunhar as moedas; Direito de arrecadar impostos”(Verdú, 1983, pág. 124).

O conceito de soberania a princípio parece de fácil determinação, mas tal conceito não é estático, pois como demonstrado, o conceito de soberania é um dos mais obscuros e controvertidos.

“Soberania é tanto a força ou o sistema de forças que dá nascimento ao Estado Moderno e preside o seu desenvolvimento, quanto à expressão jurídica dessa força no Estado constituído segundo os imperativos éticos, econômicos, religiosos etc., da comunidade nacional, mas não é nenhum desses elementos separadamente: a soberania é sempre sócio – político – jurídica, ou não é soberania. É esta necessidade que nos permite considerar concomitantemente os elementos da soberania que nos permite distingui-la como uma forma de poder peculiar ao estado Moderno.” (Reale, 2000, pág. 139).

Como bem ensina Rosemiro Pereira Leal, a soberania como poder emerge da ordenação jurídica positiva que regula o ente estatal.

“A ordenação é que diz o que é soberania e o jurista é que vai dizer se os princípios configuradores da soberania na ordenação legislada são compatíveis com os conceitos históricos que representam o elenco das conquistas e aspirações sociais, políticas e jurídicas da humanidade no campo dos Direitos fundamentais: Direito à vida, à dignidade, ao livre pensar, ao sufrágio universal, à privacidade, à imagem, à liberdade, à cidadania, ao contraditório, ao due process of law e tantos outros”.  (Leal, 1996, pág. 35).

A Constituição da República contempla a soberania como fundamento do Estado Democrático de Direito, mas há a necessidade de averiguação se a soberania ainda é vista apenas, como qualidade exclusiva e intrínseca do Estado, muito embora  este se legitima através dela.

A soberania pressupõe, hoje, uma pluralidade de princípios, normas e institutos jurídicos que constituem Direitos fundamentais da pessoa humana.

Se o poder conferido ao Estado foi dado pelo povo, nota-se então que a soberania não pode ser entendida apenas como exclusividade do Estado, mas também, como garantia para o seu povo.

A soberania, dessa forma, não pode ser estabelecida a qualquer ente de personalidade internacional, pois se o poder estatal advém do povo, sua soberania somente poderá ser exercida por delegação direta da vontade popular.

“A personalidade jurídica internacional do Estado por reconhecimento de outros Estados não lhe transmite, de modo automático, o atributo da soberania entendida nos moldes de sua enunciação e conceituação moderna, porque o fato de um Estado ser sujeito de Direito internacional, por si só, não legitima juridicamente a sua soberania, se esta não for exercida por delegação direta da vontade popular. Pode-se dizer que um Estado autocrático não é um Estado Soberano, porque a soberania, como vimos, pressupõe Direitos fundamentais concretizados na Ordem Jurídica Nacional.” (Leal, 1996, pág. 37).

“Não é por ser soberano que um Estado se torna sujeito do Direito Internacional, pelo contrário, é por ser sujeito do Direito Internacional que o Estado se torna soberano.” (Mazuolli, 2003, pág. 21).

Percebe-se desta forma que a soberania é um dos princípios estruturais do Estado.

A constituição da República diz:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – (...)”.

Como dito anteriormente, verifica-se pelo primeiro inciso do artigo primeiro da Constituição da República afirma que a soberania está na estrutura do Estado.

Assim, podemos entender que sendo um “atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores”. (Rezek, 2002, pág. 15).

A soberania é um atributo da ordem jurídica, do sistema de autoridade, do governo e do povo.

A soberania é e será sócio/jurídico/política, não podendo ser apenas um desses elementos separadamente, ou então, não será soberania.

CAPÍTULO II: TRATADOS – CONCEITO E EXEMPLOS

2. 1 - Conceito

Tratado, na concepção de J.F. Rezek (2002), “é todo acordo formal concluído entre sujeitos de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeitos jurídicos, sendo em si mesmo, um simples instrumento”.

Por este conceito, percebe-se que o tratado possui efeito compromissivo e efeito cogente, dando cobertura legal à sua própria substância.

Sendo um acordo formal, o tratado se exprime com precisão em determinado momento histórico, tendo em seu teor, contornos bem definidos.

Por essa óptica, verifica-se que a formalidade consiste em materialidade, ou ainda, na forma escrita ou instrumentalidade.

É notável então, a diferença entre tratados e costumes, sendo este último também resultante do acordo entre sujeitos de Direito.

Desta forma, o conceito proposto por Rezek, pressupõe um acordo concluído.

2. 2 - As Partes nos Tratados

Em todos os tratados, as partes são necessariamente pessoas jurídicas de Direito internacional público.

Dessa forma, vislumbra-se que somente os “Estados Soberanos” são capazes então – assim como a Santa Sé e as organizações internacionais - de realizarem tratados.

A pessoa jurídica privada, muito embora a sua dimensão econômica ou a sua eventual multinacionalidade, carece de capacidade para celebrar tratados, pois falta-lhe o requisito “soberania”.

2. 3 - Classificação dos Tratados

Em “Direito Internacional Público”, ensina J.F. Rezek (2002) que os tratados se classificam de acordo com a proposição da matéria, pelo número das partes, pelo procedimento, pela natureza das normas e pela execução no tempo.

Essa classificação se faz necessária para observar qual a natureza jurídica do tratado e para demonstrar de qual forma esse tratado seria visto pelas partes.

2. 3 . 1 – Quanto a Proposição da Matéria

Essa classificação cuida em certa medida, do entendimento de aspectos da gênese, da vigência ou da extinção dos tratados internacionais, verificando a natureza das normas expressas no tratado, bem como a sua execução.

2. 3. 2 – Quanto ao Número de Partes

Em relação ao número das partes, assim como na maioria dos ramos do Direito, aqui basta salientar a singeleza do conceito, pois são bilaterais os tratados realizados entre apenas duas partes e multilaterais os tratados realizados entre mais de duas partes.

2. 3. 3 – Quanto ao Procedimento

 

Com relação ao procedimento, o tratado pode ter uma ou duas fases, sendo que, no primeiro caso, criadas as condições para vigência do tratado, este vigorará a partir da sua assinatura. Lado outro, sendo bifásico o procedimento, em um dado momento terem-se a assinatura do tratado e posteriormente, assim como é feito no Brasil, a sua ratificação.

2 . 3. 4 – Quanto à natureza das normas

Com relação à natureza das normas, é preciso distinguir os tratados contratuais dos tratados normativos.

Os tratados contratuais podem ser entendidos como aqueles celebrados para a realização de uma operação jurídica, ou ainda, os acordos de comércio ou de cessão territorial.

Já os chamados tratados normativos são aqueles que preconizam e editam uma norma de Direito objetivamente válida, como por exemplo, as convenções de Haia ou de Genebra.

2. 3. 5 – Quanto à sua Execução no Tempo

Essa classificação refere-se aos chamados tratados de situação jurídica estática ou, aos tratados de relação jurídica obrigacional dinâmica.

Os tratados de situação jurídica estática são aqueles com objetividade definitiva, como por exemplo, quando dois Estados acertam acerca da linha divisória de seus territórios.

Os tratados de relação jurídica dinâmica, como o próprio nome sugere, são aqueles que vinculam as partes por um lapso temporal restrito, podendo ser certo ou indeterminado.

2. 4 – Expressão do Consentimento do Tratado

Como dito anteriormente, o tratado é um instrumento formal, necessitando para a sua realização e adoção interna pelo Estado, sejam obedecidas algumas especificidades.

No Brasil, o Congresso Nacional detém a competência legislativa exclusiva para resolver sobre tratados (art. 49, I, da CR/88).

A norma legal que incorpora o tratado no ordenamento pátrio é o decreto legislativo (inciso VI do art. 59 da CR/88); sendo três as fases para a incorporação do tratado em nosso ordenamento interno:

Na primeira fase, o Presidente da República celebra o tratado (art. 84, inciso VIII, da CR/88); Uma das especificidades é a assinatura, que pode ser entendida, “como a firma que põe termo à negociação, fixando e autenticando o texto do compromisso, mas, precipuamente, exteriorizando o consentimento das partes”.  (Rezek, 2002, pág. 47).

Na segunda etapa, a norma internacional é enviada ao Congresso Nacional para ser aprovada ou rejeitada. Caso aprovada, o Congresso edita o decreto legislativo, ou seja, ratifica o tratado.

A ratificação pode ser entendida como a confirmação, ou ainda, como o consentimento por parte do Estado em obrigar-se pelo pacto.

Ratificação seria então um ato estatal, unilateral, de validação do tratado celebrado, cujo sujeito internacional signatário de um tratado demonstra a sua vontade em obrigar-se.

A terceira e última fase é um novo decreto, desta vez presidencial, que dá vida ao tratado.

2. 5 – O Novo Status dos tratados:

Até a Emenda Constitucional n. 45/2004, os tratados tinham o status de Lei Ordinária ou Lei Complementar.

Com o advindo da sobredita emenda, os tratados ganharam um novo status, o de Emenda Constitucional.

Percebe-se então, que nos tratados com natureza jurídica de Emenda Constitucional, o presidente da república somente poderá denunciar o tratado, se a constituição federal for novamente emendada, retirando o tratado ou parte dele do ordenamento jurídico brasileiro.

2. 6 - Exemplos de tratados

Neste tópico, o objetivo não é trazer textos completos ou cópias de parte dos tratados, mas simplesmente exemplificar, citando alguns tratados de relevância, com o objetivo único de demonstrar a sua importância para o mundo contemporâneo e globalizado.

Um exemplo de importante relevância que pode ser citado é a “Carta das Nações Unidas”.

Carta das Nações Unidas foi assinada na cidade de São Francisco a 26 de Junho de 1945, concluindo a Conferência das Nações Unidas sobre a Organização Internacional. Entrou em vigor no dia 24 de Outubro de 1945, tendo como parte integrante do seu texto, o Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

É incontestável a importância da carta para a humanidade.

Não é simplesmente um texto formal, mas sim, a preocupação de todos com a preservação mundial.

Assim começa o texto da carta:

“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;a reafirmar a nossa fé nos Direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de Direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do Direito internacional;a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;” (ONU, “Carta das Nações Unidas, 2006).

Outro tratado importante que também pode servir de exemplo, é o Tratado de Assunção.

O Tratado de Assunção, que na sua gênese foi celebrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tinha o objetivo de constituir um mercado comum entre estes Estados.  Este mercado comum ficou conhecido posteriormente como MERCOSUL.

Muitos são os tratados e muitos seriam os exemplos que aqui poderiam ser citados, mas o que se busca efetivamente com tudo isso, é demonstrar a importância dos tratados para os Estados e como esses tratados influenciam e estão presentes no cotidiano do homem contemporâneo.

CAPÍTULO III: SOBERANIA EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

Como dito anteriormente, a soberania é um atributo fundamental do Estado, atributo este limitado, uma vez ser o Estado sujeito do Direito Internacional.

“todo processo de integração tem, como fundamento básico, a transferência cadenciada da soberania estatal para órgão e instituições supranacionais. Tal assertiva, não é condição indispensável à formação desses espaços, mas mecanismo catalizador para uma rápida e eficiente realização dos objetivos definidos pelos tratados instituidores das áreas de integração.” (Nohmi, 2003, pág. 19).

De acordo com o conceito de Nohmi, o Estado transfere de forma cadenciada parte da sua soberania a um órgão ou instituição supranacional.

Mas como pode o Estado transferir parte da sua soberania se esta é um dos seus atributos fundamentais?

Essa pergunta não é de fácil resposta, uma vez que o conceito de soberania é inerente à idéia de Estado.

Procurando desta forma, analisar a relação existente entre o Direito Interno dos Estados e o Direito Internacional, podemos apontar as teorias monista e dualista.

A teoria monista, que se assemelha muito à teoria defendida pelo jurista Hans Kelsen, vislumbrava a existência de uma única ordem jurídica que compreendia as normas de Direito Interno e as normas de Direito Internacional.

Pressupõe-se dessa forma, que todas as normas pertenceriam a um único sistema jurídico precedidas de uma mesma norma fundamental.

“Uma norma superior pode determinar em detalhe o processo segundo o qual as normas inferiores deverão se criadas, ou então conferir a uma autoridade o poder de criar normas inferiores de acordo como o seu arbítrio. Desta última maneira, o Direito Internacional forma a base da ordem jurídica nacional. Ao estipular que um indivíduo ou grupo de indivíduos capazes de obter obediência permanente à ordem coercitiva por eles estabelecida devem ser considerados autoridades jurídicas e legítimas, o Direito Internacional “delega” poder às ordens jurídica nacionais cujas esferas de validade ele, desse modo, determina.” (Kelsen, 1998, pág. 357).

A teoria dualista prevê, entretanto, a existência de dois ordenamentos jurídicos distintos, sendo um interno e um internacional.

Estes dois ordenamentos jurídicos teriam surgido de fontes jurídicas diferentes e se destinariam à sujeitos de Direito diferentes, sendo que as normas de Direito Internacional poderiam ser recepcionadas pelas normas do Direito Interno, cabendo a cada Estado, na conformidade das suas leis internas, resolver os eventuais conflitos entre essas normas.

Mas ao ratificar as normas de um tratado, perderia este Estado a sua soberania, ou pelo menos, parte dela?

A questão é controversa, principalmente se for considerado os primitivos conceitos de soberania.

A soberania é um instituto que no início vinculava-se à idéia de poder, de supremacia.

A soberania seria estabelecida através de uma ordem estatal, que não poderia ser submetida à outra ordem de nenhuma espécie, inadmitindo-se a interferência de outros Estados soberanos.

A soberania, a superioridade ou a predominância do Estado não admitia a subordinação a outro ente.

Se algum ente era soberano, ele era supremo, não existindo nada acima, nenhum poder maior. Por isso, o ser soberano poderia tudo e não devia satisfação a ninguém.

Mas com o surgimento do conceito contemporâneo de Estado, o conceito de soberania também precisa ser revisto, pois como poderiam coexistir dois ou vários entes soberanos, se o ente soberano pode tudo?

Assim, poderia-se verificar uma nova abordagem da teoria Hobbesiana.

Vários Estados Soberanos, com o objetivo de chegar à civilidade, celebrariam tratados para não se destruírem. Surgiria assim, um Leviatã supra-nacional.

Não é tão simples quanto parece.

Os Estados não abrem mão da sua soberania quando realizam tratados, muito pelo contrário.

Não há o surgimento de um Leviatã supra-nacional.

Um tratado não é a gênese de um novo Leviatã ou a decadência do Estado soberano.

O tratado é sim, a representação de povos diversos, vivenciando fins/objetivos comuns.

Sabe-se que o destinatário maior de uma norma interna é o homem, sendo o mesmo, destinatário das normas de um tratado internacional.

Assim, a soberania é “o poder que tem uma nação de organizar-se livremente e de fazer valer, dentro do seu território, a universalidade de suas decisões, para a realização do bem comum”. (Reale, 2000, pág. 139).

Com o advento do Direito Internacional, a soberania dos Estados sofre limitações cada vez maiores, mas o Estado não a perde.

Talvez fosse aconselhável mudar o termo de Estado Soberano para Estado Livre, mas desta forma, o conceito de soberania seria reduzido quase que ao conceito de autonomia.

“Assim sendo, a existência do Direito Internacional é mais um elemento para tornar sempre mais relativa a soberania do Estado. Não há que se questionar que os Estados passaram, assim, por exigências da paz, da civilização e do bem comum internacional, a imprimir novo modo de ser à sua própria legislação constitucional, devendo a soberania do Estado entender-se em forma adequada à necessidade suprema da paz, da ordem e da justiça entre os Estados. Adequar-se, mas, não desaparecer.” (Abagge de Paula, 2000, pág. 121).

Visualizando as várias exigências do mundo contemporâneo, percebe-se a necessidade dos povos em se reagruparem, criando desta forma organismos internacionais cada vez mais presentes, em virtude dos quais, o Estado deve, sem abdicar da sua soberania, sacrificar certos interesses. 

No cenário internacional, as diversas formas de relações entre os Estados não podem ser em diferentes níveis, pois não há um poder maior que se sobreponha a todos.  A relação é entre um Estado soberano e outro Estado soberano.

O que não pode ser permitido é que um Estado se submeta a outro, pois desta forma, estaria descaracterizada a sua soberania.

Com tudo isso, a conceituação tradicional utilizada pela doutrina para caracterizar a soberania deve ser revista.

A soberania não pode ser entendida apenas como o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas ou da autodeterminação estatal.

A própria atribuição à soberania como poder uno, indivisível e inalienável deve ser remodelada, tendo em vista o novo paradigma inerente aos trados internacionais.

Este processo de integração dos Estados, que se dá através dos tratados internacionais pode ser entendido como Direito Comunitário ou, Direito Extra-Nacional de relativização da soberania estatal em favor de um objetivo comum.

Este Direito Comunitário deve ser entendido como Extra-Nacional e não Supra-Nacional, pois se desta forma fosse, surgiria um ente maior e por isto, soberano em relação aos Estados.

A soberania deve ser vista então como uma plenitude de competência, expressando e tendo reconhecido o seu poder no cenário internacional.

O que se busca é revitalizar o conceito de soberania, pois a mesma não está posta no texto constitucional, mas sobreposta.

CONCLUSÃO

O presente trabalho acadêmico teve como principal objetivo, realizar uma breve analise sobre o instituto da soberania e a sua nova percepção na nova ordem internacional, tendo como base os tratados internacionais.

Para tanto, foram trazidos ao trabalho noções importantes para a compreensão do tema, tais como a evolução histórica do conceito de soberania, o conceito e exemplos de tratados internacionais, como também, as regras necessárias para ratificá-los ou “nacionalizá-los”.

Através do estudo do tema, verificou-se a não possibilidade de ater-se ao conceito primitivo de soberania, tendo em vista a nova ordem mundial.

As aspirações vividas de um modo geral, de certa forma, ultrapassam os limites dos convencionais modelos constitucionais existentes. Desta forma, busca-se elevar o grau de desenvolvimento do Estado na sociedade contemporânea.

Quanto ao instituto da soberania, verifica-se a necessidade prévia da discussão do seu conceito entre os Estados, já que a estrutura e a dimensão dos novos espaços internacionais dependem de uma imediata e inevitável transferência de competências estatais em favor dos órgãos internacionais.

Quanto maior a complexidade e limitação imposta pelos tratados, maior será a transferência de poder.

É de fácil compreensão que os tratados tem como pressuposto básico a criação de estruturas fundadas no DireitoExtra-Nacional.

Deve-se lembrar que o termo Direito Extra-Nacional deve ser preferível ao termo Direito Supra-Nacional, uma vez que este último pressupõe algo maior ou soberano em face do Estado.

Quando a análise paira sobre os tratados internacionais, verifica-se a necessidade de verificar o papel do Estado em face do cenário internacional, uma vez que o mesmo estaria cedendo parte da sua soberania em prol da nova ordem mundial.

Entretanto, como dito anteriormente neste trabalho acadêmico, somente o Estado soberano é capaz de celebrar tratados.

Dessa forma, outro ente, por mais poderoso econômica ou militarmente que seja, não pode celebrar tratados, sendo certo que carece do requisito fundamental, a soberania.

O cenário atual das relações internacionais impõe de certa forma aos Estados, a necessidade quase que imperiosa de celebrar e submeter-se à tratados, sob pena de ficar e permanecer à margem da política internacional nos diversos níveis: econômico, social e cultural.

Dentro deste contexto, deve-se então libertar-se do conceito primitivo de soberania em favor da nova ordem mundial.

A soberania não pode mais ser entendida como poder supremo e ilimitado do Estado.

A soberania deve ser entendida como fundamento do Estado Democrático de Direito, sendo um atributo da ordem jurídica/política, considerando o sistema de autoridade e autodeterminação do governo e do povo.

Desta forma, verifica-se que ao celebrar tratados, inserindo-se na nova ordem mundial, o Estado não perde a sua soberania, mas sim, ele a reafirma.

 

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