A representação eleitoral prevista no art. 30-A da Lei das Eleições


Pormarina.cordeiro- Postado em 18 maio 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Francisco Márcio de

O texto aborda a minirreforma eleitoral quanto à arrecadação e aplicação de recursos de campanha, sendo apresentada a processualística própria da representação, abordando natureza jurídica, legitimidade ativa e passiva, objeto, procedimento e efeitos.

RESUMO. Aborda os aspectos principais da minirreforma eleitoral introduzida pela Lei n° 11.300/2006 no que concerne à arrecadação e aplicação de recursos de campanha, detendo-se de forma específica na representação eleitoral instituída pelo novo art. 30-A da Lei n° 9.504/97, sendo apresentada a processualística própria da representação, abordando-se aspectos tais como natureza jurídica, legitimidade ativa e passiva, objeto, procedimento e efeitos. Produz-se, ao final, discussão acerca da constitucionalidade de tal dispositivo em confronto com o disposto no art. 14, §9º, da Constituição Federal, tendo-se como fundamento a teoria das inelegibilidades de Adriano Soares da Costa.

PALAVRAS-CHAVE. Direito Eleitoral. Eleições. Contas eleitorais. Minirreforma política.

ABSTRACT. It covers the main aspects of reform politic introduced by Law nº 11.300/2006 regarding the collection and application campaign resources, was detained in a specific way in the representation election up by new art. 30-A of Electoral Law, being presented to process own representation, is addressing issues such as legal, legitimacy active and passive, object, procedure and effects. It developed at the end, discussion about the constitutionality of the article, confrontation with the art. 14, §9º, of the Federal Constitution. Our study is based in the Adriano Soares da Costa theory.

KEYWORDS. Electoral law. Elections. Politic reform.


1 MINIRREFORMA ELEITORAL E A NOVEL REPRESENTAÇÃO PELO ART. 30-A DA LEI ELEITORAL

No centro do furacão causado pelas denúncias levantadas contra o Partido dos Trabalhadores e seus aliados no ano de 2004, e como forma de ofertar respostas às cobranças da sociedade, o Congresso Nacional aprovou, em 10 de maio de 2006, a Lei nº 11.300, conhecida como minirreforma política, que alterou diversos dispositivos da Lei das Eleições, dentre eles, aqueles que tratam da arrecadação e aplicação de recursos de campanha.

Sobre a referida Lei, afirma Vagner Bispo da Cunha (2008) que a reforma eleitoral idealizada pela Lei n.º 11.300/2006 buscou atingir vários aspectos convergentes para os propósitos acima citados, quais sejam, eliminar ou reduzir a corrupção, o abuso de poder econômico e todas as formas de desvio dos recursos financeiros eleitorais.

Logo de início a polêmica foi generalizada, pelo fato de que, tendo sido editada no mês de maio de um ano eleitoral, feria, em tese, o Princípio da Anualidade da Lei Eleitoral, previsto no art. 16, da Constituição Federal.

O Tribunal Superior Eleitoral manifestou-se com celeridade invejável sobre quais dispositivos eram ou não aplicáveis ao pleito de 2006, julgando quais deles afrontavam ou não o Princípio da Anualidade. Afirmou o Excelso Tribunal que alguns dos dispositivos da mencionada lei poderiam ser aplicadas àquelas eleições, pois não "afetavam o processo eleitoral", não ferindo, dessa forma, o texto constitucional.

Fato é que alguns dispositivos foram aplicados já para as Eleições Gerais de 2006 e outros somente vieram ter aplicabilidade nas Eleições Municipais de 2008.

1.2 Mudanças Provocadas pela Minirreforma Eleitoral

As mudanças mais significativas trazidas pela Lei n° 11.300/2006 no que se refere à arrecadação e aplicação de recursos de campanha foram as seguintes:

a) a possibilidade de definição dos limites de gastos por lei, que deve ser editada no ano eleitoral até o dia 11 de junho, o que foi implementado através da inclusão do art. 17-A da Lei Eleitoral, valendo, nesse caso, o limite para todos os candidatos, independentemente de partido ou coligação;

b) a inclusão do administrador financeiro como responsável solidariamente com o candidato pelas informações da prestação de contas (alteração promovida no caput, do art. 22, da n° Lei 9.504/97);

c) a determinação de irregularidade insanável, culminando com a desaprovação direta das contas, no caso de utilização de recursos que não provenham da conta bancária específica (inclusão do §3º, do art. 22, da Lei n° 9.504/97);

d) possibilidade de cancelamento do registro ou cassação do diploma no próprio processo de prestação de contas, no caso de comprovado abuso do poder econômico (ainda no §3º, do art. 22, da Lei n° 9.504/97);

e) vedação expressa de qualquer doação em dinheiro, troféus, prêmios, ajudas de qualquer espécie feitas por candidato entre o registro e a eleição (inclusão do §5º, do art. 23, da Lei n° 9.504/97);

f) inclusão de novas fontes vedadas de recursos (inclusão dos incisos VIII a XI, do art. 24, da Lei Eleitoral);

g) obrigatoriedade de prestação de contas parciais em 6 de agosto e 6 de setembro, que deverão ser divulgadas pela internet em site da Justiça Eleitoral (inclusão do §4°, do art. 28, da Lei 9.504/97);

h) inclusão do art. 30-A, que prevê a possibilidade de representação para averiguar condutas em desacordo com as normas de arrecadação e gastos de recursos de campanha, que pode culminar com a negação do diploma ao candidato ou a sua cassação, se já outorgado.

1.3 O Art. 30-A da Lei Eleitoral

Decerto que a principal mudança implementada pela minirreforma eleitoral no que se refere à arrecadação e aplicação de recursos de campanha e prestação de contas, foi a instituição da representação eleitoral com base na captação e gastos ilícitos de recursos, constante do art. 30-A incluído na Lei Eleitoral pela Lei 11.300/2006, que se transcreve abaixo:

Art. 30-A Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma, ou cassado, se já tiver sido outorgado.

Observe-se que no mesmo dispositivo o legislador criou o meio processual, os fundamentos da representação e a finalidade, além de determinar o procedimento a ser utilizado e os efeitos da condenação, no caso de comprovação de captação ou gastos ilícitos de campanha, como bem salienta Adriano Soares da Costa (2006)

o art.30-A foi, sem dúvida, a principal inovação trazida pela Lei nº 11.300/2006, equiparável à introdução do art.41-A no ordenamento jurídico brasileiro. O seu §2º criou um novo ato jurídico ilícito (captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais) cominando-lhe a sanção de negação ou cassação do diploma do candidato eleito.

Importante trazer, em contraposição, as palavras do renomado eleitoralista Joel José Cândido (2006, p.470/471), que argumenta ter sido a inclusão do art. 30-A uma

[...] tarefa legislativa que nos parece inútil e que, a par disso, não trouxe nenhuma vantagem maior ao ordenamento jurídico [...].

Em conclusão, pode-se dizer, com ênfase e com certeza, que em matéria de combate às ilegalidades das campanhas eleitorais no geral, e às ilegalidades pertinentes à arrecadação, gasto e prestação de contas no particular, nenhuma vantagem ou melhora específica nos trouxe esta "minirreforma política" de que já não dispuséssemos em nosso ordenamento jurídico.

A opinião divergente entre os dois doutrinadores revela com bastante propriedade a polêmica acerca do novel art. 30-A da Lei Eleitoral, motivo que destaca mais ainda a importância de seu estudo, o que será feito em detalhes adiante.

1.3.1 Natureza Jurídica da Representação do Art. 30-A

Apesar de utilizar como procedimento processual o art. 22, da LC 64/90, que é o rito previsto para a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, a representação pelo art. 30-A não deve ser confundido com mera investigação administrativa com vistas a apurar fatos, mas sim verdadeira ação de direito material, uma vez que ataca diretamente o direito substantivo do representado, qual seja, o mandato eletivo obtido pelo voto nas urnas.

Insisto, por ser importante: a representação do art.30-A não é um pedido de investigação administrativa para que o Corregedor Eleitoral abra um inquérito para a apuração de fatos. Trata-se de ação de direito material processada, no que couber (prescreve a lei), pelo rito da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE). Ou seja, utilizar-se-á o rito da AIJE com a exclusão dos incisos XIV e seguintes do art.22 da LC 64/90, dando à sentença que a julgar efeitos imediatos, sem que incida o art.15 da LC 64/90 (é dizer, independentemente do trânsito em julgado da sentença de procedência). (COSTA, 2006)

O próprio TSE assim tem entendido, consoante se depreende de trechos do aresto transcrito a seguir, da lavra do Ministro Francisco Cesar Asfor Rocha:

1. A Representação Judicial Eleitoral, cogitada no art. 22 da LC nº 64/90, configura-se como ação cognitiva com potencialidade desconstitutiva e declaratória (art. 30-A, § 2º, da Lei nº 9.504/97), mas o seu procedimento segue as normas da referida norma legal, mitigados os poderes instrutórios do juiz (art. 130 do CPC), no que concerne à iniciativa de produção de prova testemunhal (art. 22, V, da LC nº 64/90) (grifo nosso)

(RP 1176 – Brasília-DF – Rel. Min. César Asfor Rocha – DJ 26.06.07)

É de se concluir, com segurança, que a representação pelo art. 30-A, da Lei 9.504/97, tem feição de ação própria, com requisitos bem determinados pela norma, não devendo, por conseguinte, ser confundida com a investigação judicial eleitoral prevista na LC 64/90, a despeito de utilizar-se de seu rito processual.

1.3.2 Legitimidade Ativa

Observa-se que o texto legal atribui a legitimidade ativa para a proposição da representação fundada no art. 30-A da Lei Eleitoral somente aos partidos ou coligações, não incluindo de forma expressa o Ministério Público Eleitoral.

Seria absurdo, no entanto, crer que não é legítima a representação quando intentada pelo Ministério Público, posto que o art. 127, da Constituição Federal, atribui a essa instituição o caráter de permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, sendo de sua competência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Dessa forma somente resta concluir que o Ministério Público Eleitoral é também legitimado a promover a representação fundada no art. 30-A, da Lei das Eleições.

A esse respeito, são ilustrativas as palavras de Emerson Garcia (2006, p.168):

Quanto à legitimidade ativa, apesar da ausência de referências ao Ministério Público, pode-se afirmar que não cabe à legislação infraconstitucional restringir o acesso da Instituição aos mecanismos de proteção ao regime democrático. É de todo descabida, assim, a tese de que o art. 30-A da Lei n° 9.504/97 contemplou um verdadeiro "silêncio eloquente", somente autorizando a iniciativa dos partidos e das coligações.

Não há, no entanto, legitimidade ativa do candidato para representar com base no art. 320-A, por ausência de previsão legal para tanto. Registre-se posição em contrário manifestada pelo professor Thales Tácito Cerqueira (2008, p. 861) ao defender que "Candidato também pode representar pelo art. 30-A, porque como o art. 30-A é espécie do abuso de poder político e econômico e neste, o candidato tem legitimidade, se pode o mais, o candidato pode o menos".

Assim sendo, tem-se que são legitimados a propor a representação prevista no art. 30-A da Lei Eleitoral, os partidos políticos, as coligações e o Ministério Público Eleitoral.

1.3.3 Legitimidade Passiva

Sendo consideradas somente as penalidades previstas no §2º, do art. 30-A, fica esclarecido que somente os candidatos seriam passíveis de integrar o pólo passivo de tal representação. Não se pode, entretanto, crer cabível no ordenamento jurídico brasileiro, a exclusão de envolvidos em ilicitude grave como é o abuso de poder nas eleições, devendo sim, estarem sujeitos a outras penalidades previstas na própria Lei 9.504/97, tal como a multa, para pessoas físicas e proibição de contratar com o poder público para pessoas jurídicas.

Inobstante tais considerações, não há como figurar no pólo passivo da representação em tela outras pessoas que não o próprio candidato, posto que o dispositivo somente prevê como penalidade a cassação do registro ou do diploma, penalidade esta que somente pode ser suportada por candidato.

Ressalte-se, no entanto, que é possível outros envolvidos terem contra si movidas outras ações eleitorais, sendo mais própria a Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE, que visa coibir o abuso de poder econômico.

1.3.4 Termo inicial e Final da Representação pelo Art. 30-A

Não havendo na Lei previsão do prazo inicial para a propositura da representação baseada no art. 30-A, coube ao TSE definir que termo é esse, tendo fixado o pedido de registro de candidatura como sendo o marco inicial a possibilitar a representação. É controversa tal decisão uma vez que é possível ao infrator cometer irregularidades de caráter eleitoral muito antes de ter seu pedido de registro protocolado.

É o que ocorre geralmente quando o candidato decide que irá pleitear junto ao seu partido o direito de concorrer aos mandatos eletivos em oferta, que desde já inicia seus gastos, para que assim possa "conquistar seus eleitores".

Seria, portanto, mais razoável que se estabelecesse o entendimento de que a propositura da representação pelo art. 30-A somente poderia ser feito após o pedido de registro, mas que poderia abordar fatos pretéritos, baseado em provas já obtidas ou em condições de serem obtidas ao longo da instrução processual.

O termo final para a propositura da representação baseada no art. 30-A é a diplomação do candidato eleito, como já decidiu o TSE. Defendem alguns doutrinadores que deveria ser, ao menos, o prazo para a interposição da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), que é de quinze dias após a diplomação.

1.3.5 Objeto

O objeto da representação pelo art. 30-A é a constatação de condutas praticadas por candidato e/ou partidos políticos em desacordo com as normas de arrecadação e aplicação de recursos de campanha eleitoral, previstas na Lei 9.504/97, devendo o representante na própria petição inicial relatar os fatos e indicar provas, constituídas ou a constituir, que venham a comprovar as irregularidades alegadas.

1.3.6 Procedimento

O procedimento a ser adotado no processamento das representações pelo art. 30-A é aquele previsto no art. 22 da LC n° 64/90, tendo início com a representação relatando fatos e indicando provas da existência de irregularidades concernentes à arrecadação e gasto de recursos na campanha eleitoral.

Recebida a representação será notificado o representado para manifestar-se em cinco dias, podendo oferecer ampla defesa, juntar documentos e requerer oitiva de testemunhas, se for cabível.

Encerrado o prazo para a apresentação de defesa será aberto prazo de cinco dias para a inquirição de testemunhas, que comparecerão independentemente de intimação e serão ouvidas em uma só assentada.

As diligências necessárias ou requeridas pelas partes serão realizadas nos três dias subseqüentes, podendo ser ouvidos terceiros ou testemunhas, ou ainda, requisitadas cópias ou o depósito de documentos em posse de terceiros.

Encerrada a dilação probatória passa a correr prazo de dois dias para alegações finais pelas partes, correndo o prazo comum e em cartório. Concluída a instrução probatória serão os autos conclusos para emissão de relatório e parecer, se perante a Corregedoria, com abertura de prazo de dois dias ao Ministério Público para manifestação acerca do relatório, sendo incluído em pauta na primeira sessão seguinte.

Se perante o juízo eleitoral, após a instrução probatória, será aberta vistas ao Ministério Público Eleitoral para manifestação, com conclusão para julgamento logo após.

1.3.7 Efeitos

O efeito da condenação pela representação com base no art. 30-A já está bem delimitado no seu §2º, na afirmação de que "comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma, ou cassado, se já tiver sido outorgado".

Assim assevera Emerson Garcia (2006, p.167):

Pela sistemática atual, a prática de qualquer conduta vedada pela legislação eleitoral, desde que associada à arrecadação ou à aplicação de recursos, qualquer que seja o seu valor (v. g.: confeccionar e distribuir chaveiros e bonés, violando o art. 39, §6º da Lei nº 9.504/97), permitirá seja negado o diploma do candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Importante observar que, a condenação com base no art. 30-A não enseja a aplicação de inelegibilidade posterior, mas tão somente a negação ou cassação do diploma daquela eleição à qual foi cometido o abuso. Destarte essa constatação será bem valiosa quando discutida a constitucionalidade do dispositivo.

Em que pese a ausência de disposição expressa, há vozes na doutrina pátria que defendem a extensão das sanções mesmo àqueles que não sejam candidatos, tal como o administrador da campanha e/ou o dirigente partidário, sob pena de não se ter o efeito desejado pelo legislador em relação às infrações referido dispositivo, como já abordado anteriormente no tópico acerca da legitimidade passiva.

Não havendo um aprimoramento da legislação neste ponto ficará a cargo dos tribunais eleitorais, através de sua jurisprudência, a decisão se serão ou não fixadas penalidades diversas para os não candidatos, bem como a extensão de tais sanções.

Discute-se ainda sobre a possibilidade de aferição da potencialidade do dano para a caracterização e aplicação da penalidade do art. §2º, do art. 30-A.

Ao julgar a Representação 4759/2006, que tinha como base o art. 30-A da Lei nº 9.504/97, em decisão que culminou com a cassação do diploma conferido ao Deputado Federal Juvenil Alves nas Eleições Gerais de 2006, o TRE-MG assim se pronunciou:

Mérito.

Arrecadação irregular de receitas e gastos ilícitos. Existência de "Caixa 2". Receitas não contabilizadas. Abuso de poder econômico na arrecadação e gastos irregulares de campanha eleitoral. Doações recebidas e pagamentos efetuados em desacordo com o declarado pelo candidato na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. Valores declarados inferiores ao efetivamente gasto. Comprovação. Uso de recursos financeiros não transitados pela conta bancária específica. Arrecadação anterior ao período de campanha eleitoral. Despesas de campanha iniciadas antes do período oficial e estendidas até após as eleições.

[...]

Subsunção dos fatos à norma do art. 30-A da Lei n. 9.504/97. Desnecessidade da aferição da potencialidade lesiva para a configuração do ilícito descrito no referido artigo. Caracterização de abuso de poder econômico com força para influenciar ilicitamente o resultado das eleições, comprometendo a normalidade da disputa e sua legitimidade.

Representação julgada parcialmente procedente para cassar o diploma conferido ao representado. Impossibilidade de aplicação da pena de multa. Falta de previsão legal. Execução imediata da decisão. Determinação. (Destaque Nosso)

(RP 4759/2006 – TRE-MG – Rel. Tiago Pinto – DJ-MG 19/04/2008)

O TRE-GO, por sua vez, tem decidido pela posição inversa, entendendo que deve haver potencialidade danosa nas irregularidades observadas para ensejar a procedência da representação pelo art. 30-A da Lei Eleitoral. Vide acórdão abaixo:

REPRESENTAÇÃO ELEITORAL FUNDAMENTADA NO ART. 30-A DA LEI 9.504/97 (COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.300/2006). FALTA DE REGISTRO NA PRESTAÇÃO DE CONTAS DE DESPESAS COM MATERIAIS DE CONSUMO E PUBLICIDADE DE PROPAGANDA ELEITORAL EM JORNAL. REALIZAÇÃO DE SAQUES NA BOCA DO CAIXA PARA PAGAMENTO DE DESPESAS DIVERSAS. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. POTENCIALIDADE DAS IRREGULARIDADES PARA CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃOPROCEDÊNCIA EM PARTE DOS PEDIDOS. CASSAÇÃO DO DIPLOMA.

1) Falta de comprovação da infração em relação às despesas com automóveis a serviço do comitê eleitoral no município de Minaçu e a alegada irregularidade relativa à arrecadação de recursos em data anterior à emissão dos recibos eleitorais, esta última porque não há prova suficiente de que a arrecadação foi anterior à emissão dos recibos eleitorais, houve a comprovação da origem dos recursos, o registro dos valores nos Demonstrativos da Prestação de Contas do candidato e o trânsito deste valor na conta bancária específica da campanha eleitoral.

2) Comprovação da infração eleitoral prevista no art. 30-A da Lei 9.504/97, com a redação dada pela Lei 11.300/2006, relativamente à realização de saques na boca do caixa e a utilização de cartão magnético para o pagamento de despesas diversas, e quanto à falta de demonstração da origem do recurso e o trânsito em conta bancária de despesas com materiais de consumo para comitê eleitoral e publicidade de propaganda eleitoral.

3) No presente caso concreto houve potencialidade suficiente para configurar a infração eleitoral e não era aplicável o princípio da proporcionalidade.

4) Pedidos formulados na Representação julgados procedentes, em parte, para cassar o diploma do Representado, por arrecadação e gasto ilícito de recursos em campanha eleitoral. (destaques nossos)

(Representação 1424 – TRE-GO – Rel. Euler de Almeida Silva Junior – DJ-GO 15.07.2008)

O TSE, também em decisão recente, optou pelo entendimento de que não basta a ocorrência de irregularidade perante a legislação, mas tem-se que analisar, no caso concreto, utilizando-se dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, consoante aresto transcrito abaixo, da lavra do Ministro Caputo Bastos:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DECISÃO REGIONAL. DESAPROVAÇÃO. IRREGULARIDADE. NÃO-COMPROMETIMENTO DAS CONTAS. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO. PRECEDENTES.

1. A rejeição das contas de campanha do candidato ocorreu em face de uma arrecadação estimável em dinheiro, consistente em prestação de serviço por empresa de publicidade, que não foi inicialmente declarada mediante recibo eleitoral ou documento hábil.

2. Esclareceu-se no processo de prestação de contas, por documento apresentado pelo candidato, que esse serviço foi objeto de doação.

3. No julgamento do Agravo de Instrumento nº 4.593, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, o Tribunal entendeu que o preenchimento de recibos após a entrega da prestação de contas não enseja rejeição de contas, mas aprovação com ressalvas, em caso que igualmente versava sobre despesa com publicidade inicialmente não declarada.

4. Considerado o pequeno montante do serviço inicialmente não declarado, que constituiu a única irregularidade averiguada, e não se vislumbrando a má-fé do candidato, dada a posterior justificativa apresentada, é de se aprovar, com ressalvas, a prestação de contas, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes.

Recurso provido. (destaque nosso)

(Recurso em Mandado de Segurança 551/PA – Rel. Min. Caputo Bastos – DJ 24.06.2008)

As divergências jurisprudenciais levam a crer que somente com o tempo será pacificada a aplicabilidade ou não da potencialidade do dano e/o dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade nesse caso.

Não é de todo descabido o entendimento de que deve restar configurada a potencialidade de interferir no pleito como decorrência das irregularidades identificadas na prestação de contas, e mesmo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade devem ser observados pelo Judiciário ao julgar representações pelo art. 30-A, uma vez que a penalidade a ser aplicada é de tamanha gravidade, pois afeta direito fundamental do indivíduo, qual seja, o de ocupar cargo eletivo obtido através do voto do povo, além de afetar o direito subjetivo daqueles que nele votaram de vê-lo ocupando o cargo público.

Assim, é opinião deste autor que devem ser observados tais princípios, além de ser comprovada a potencialidade da irregularidade para causar o desequilíbrio entre os candidatos.

Posição contrária é defendida por Thales Tácito Cerqueira (2008, p. 839), ao afirmar que a incidência do art. 30-A "não exige potencialidade do dano, pois o art. 30-A, não protege a eleição primariamente e sim a campanha eleitoral, logo, basta um único fato, ainda que tentado".

Em relação à polêmica que sempre surge em relação ao executivo quando se trata de negação ou cassação de diploma de candidato eleito, discute-se ainda se quem deve assumir o mandato seja o segundo colocado nas eleições ou se há necessidade de realização de novo pleito.

Adriano Soares da Costa (2006) manifesta entendimento de "que se deva aplicar ao art.30-A a mesma jurisprudência formada para o art.41-A: havendo nulidade de mais de 50% dos votos válidos, novas eleições; em caso contrário, assumiria o segundo colocado".

Parece ser esta a opinião mais acertada, vez que o julgamento da representação pelo art. 30-A após as eleições deve gerar nulidade dos votos conferidos ao candidato infrator, o que gera a aplicação do art. 224 do Código Eleitoral, que assim prevê:

Art. 224 Se a nulidade atingir mais da metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições Municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

Dessa forma, é de se concluir que haverá a diplomação do segundo colocado quando a nulidade dos votos não atingirem mais de 50% dos votos válidos, devendo haver eleições suplementares no caso contrário.

 

2 SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 30-A DA LEI ELEITORAL

As reformas promovidas pela Lei 11.300/2006 foram polêmicas desde a sua edição, iniciando o debate acerca da possibilidade de sua aplicação já para o pleito eleitoral daquele ano, tendo em vista o teor do art. 16 da Constituição Federal, conhecido como Princípio da Anualidade da Lei Eleitoral, que assim dispõe:

Art. 16 A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua aplicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

Ora, se a lei foi editada em maio de 2006, ano no qual se realizaram as Eleições Gerais, não poderia, em hipótese alguma, ter sido aplicada para aquele pleito.

No mesmo esteio transcrevem-se as palavras de Adriano Soares da Costa (2006), in verbis:

A Lei nº 11.300/2006 foi editada no ano das eleições, razão pela qual não poderia ter eficácia para o pleito de 2006, por expressa determinação constitucional. [...]

Ora, essas normas disciplinam o processo eleitoral, não podendo ter a sua aplicação realizada no pleito de 2006, por evidente imposição constitucional. Lamentavelmente, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, às vezes por maioria e outras à unanimidade, quais desses dispositivos editados seriam aplicáveis já nas eleições de outubro próximo, obviando a vedação constitucional, o que fará muitas ações desbordarem no Supremo Tribunal Federal, justamente sob a alegação de vacatio legis. A lei ingressa em vigor na data de sua publicação, mas não incide por determinação constitucional: seus efeitos ficam postergados por norma de sobredireito.

O TSE não tomou conhecimento do clamor constitucional, decidindo, através da Resolução 22.205/2006, quais dispositivos daquela Lei teriam aplicabilidade ao pleito de 2006, por considerar que estes não alterariam o processo eleitoral, mas apenas gerariam disciplina extra aos concorrentes.

 

Interessante observar que o art. 2º, da Lei 11.300/2006 já previu, desde logo, que caberia ao TSE regulamentar a aplicação das reformas ao pleito de 2006, o que se faz manifestamente em contradição ao princípio da anualidade previsto no art. 16 da Constituição Federal.

Considerando-se em especial a proximidade do pleito aliada à insegurança que poderia trazer novas alterações no processo eleitoral, nenhuma ação direta de inconstitucionalidade foi intentada, como assim relembra Fábio Luis Guimarães (2006):

Embora regulamentado o art. 2º da Lei nº 11.300/2006 pelo TSE, nenhum dos legitimados do art. 103 da Constituição Federal de 1988 animou-se a discutir a legitimidade constitucional desta regra. Em parte, pela insegurança que uma decisão agora traria ao processo eleitoral. Por outro lado, a deliberação altera parcialmente o processo eleitoral, para buscar uma igualação das forças econômicas que venham a atuar em prol de cada candidatura, cujo empreendimento parece receber "simpatia" popular suficiente para ser mantida.

Fato é que, nenhum dos legitimados perseguiram a inconstitucionalidade da Resolução 21.205/2006 do TSE, transformando a polêmica em fato consumado, em parte, pelos benefícios que as novas alterações idealizavam trazer ao processo eleitoral, em parte pelo apoio popular que teve a minirreforma política de 2006.

Em meio à polêmica discussão acerca da constitucionalidade da aplicação dos dispositivos da Lei 11.300/2006 às Eleições Gerais daquele ano, surgiu também a divergência a sobre a constitucionalidade do art. 30-A, que inovou ao criar nova possibilidade de perda de mandato eletivo, o que é discutido com maiores detalhes nos tópicos que seguem.

2.1 A Constitucionalidade do Art. 30-A da Lei Eleitoral

A discussão acerca da constitucionalidade do art. 30-A da Lei Eleitoral surge em decorrência do disposto no art. 14, §9° da Constituição Federal, que prevê:

Art. 14 omissis

[...]

§9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Sendo a prescrição de casos de inelegibilidade concedidos somente à própria Constituição Federal ou à Lei Complementar, nos termos do supracitado dispositivo constitucional, resta discutir se a negação ou a cassação do diploma de que trata o §2º, do art. 30-A da Lei 9.504/97 é ou não caso de inelegibilidade, e, se não o for, qual a natureza jurídica de tal sanção.

Discussão semelhante foi suscitada em relação ao art. 41-A da Lei 9.504/97, incluída pela Lei 9.840/99, que instituiu a cassação do registro ou do diploma de candidato por captação ilícita de sufrágio, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido pela constitucionalidade do art. 41-A, sob a alegação de que não se vê a aplicação da cassação do registro ou do diploma como forma de inelegibilidade, mas sim, mera sanção administrativa-eleitoral, sem aplicação de qualquer impedimento pretérito ou futuro para se concorrer a mandatos eletivos.

Desde os primeiros pleitos que se realizaram após a vigência do art. 41-A que o Tribunal Superior Eleitoral manteve o entendimento de que não havia no art. 41-A consubstanciada previsão de inelegibilidade, como se demonstra dos diversos arestos transcritos abaixo, em ordem cronológica:

(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 3.042/MS – Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Sessão 19.03.02)

CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO (L. 9504/97, ART. 41-A) – REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE APÓS A ELEIÇÃO – VALIDADE DA CASSAÇÃO IMEDIATA DO DIPLOMA: INAPLICÁVEL O ART. 22, XV, DA LC 64/90, POR NÃO IMPLICAR DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE

(RESPE 21.248/SC – Rel. Min. Fernando Neves – Sessão 03.06.03)

Recurso especial - Investigação judicial - Prefeito - Abuso do poder - Art. 22 da Lei Complementar nº 64/90

Não-caracterização - Doação de telhas e pregos a eleitor - Captação vedada de sufrágio - Art. 41-A da Lei nº 9.504/97 - Configuração - Constitucionalidade - Cassação de diploma - Possibilidade.

Gravações clandestinas - Prova ilícita - Provas dela decorrentes - Contaminação.

Ausência de ofensa aos arts. 22 e 23 da Lei Complementar nº 64/90 e aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da proporcionalidade e da não-admissão das provas ilícitas. Art. 5º, incisos LIV, LV e LVI, da Carta Magna.

[...]

6. A jurisprudência deste Tribunal Superior está consolidada quanto à constitucionalidade do art. 41-A da Lei das Eleições, que não estabelece hipótese de inelegibilidade e possibilita a imediata cassação de registro ou de diploma (Acórdãos nos 19.644 e 3.042).

(RCED 612/Distrito Federal – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 16.09.05)

ELEITORAL. ELEIÇÕES 2002. GOVERNADOR. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA (ART. 262, IV, C.C. OS ARTS. 222 E 237 DO CÓDIGO ELEITORAL). ABUSO DO PODER ECONÔMICO: INDÍCIOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA COM RECURSOS PÚBLICOS. PRELIMINARES. PRECEDENTES.

[...]

III - A jurisprudência da Corte está consolidada quanto à constitucionalidade do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que não estabelece hipótese de inelegibilidade e possibilita a imediata cassação de registro ou diploma (Precedentes/TSE).

(RESPE 25215/RN – Rel. Min Caputo Bastos – DJ 09.09.05)

Art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Constitucionalidade. Captação de sufrágio. Hipótese. Inelegibilidade. Não-configuração. Princípio da não-culpabilidade. Violação. Improcedência. Art. 22, VII, da Lei Complementar nº 64/90. Produção. Outras provas. Faculdade. Julgador. Condenação. Instâncias ordinárias. Reexame. Fatos e provas. Impossibilidade.

1. O entendimento consolidado nesta Casa é no sentido da constitucionalidade do art. 41-A da Lei nº 9.504/97, entendendo-se que a cassação do registro ou do diploma prevista nessa disposição não implica declaração de inelegibilidade, na medida em que o escopo do legislador é o de afastar imediatamente da disputa aquele que, no curso da campanha eleitoral, praticou a captação de sufrágio vedada pela legislação eleitoral.

O Supremo Tribunal Federal pôs fim à controvérsia acerca da constitucionalidade do art. 41-A ao julgar ADI nº 3592-4, promovida pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro no ano de 2006. Naquele julgamento, o STF decidiu, à unanimidade, que as sanções previstas no art. 41-A não se constituem em novas hipóteses de inelegibilidades. O acórdão é transcrito abaixo:

(ADI 2662-2/DF – Min. Gilmar Mendes – Plenário 26.10.2006)

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 41-A da Lei n° 9.504/97. Captação de sufrágio. 2. As sanções de cassação do registro ou do diploma previstas pelo art. 41-A da Lei nº 9.504/97 não constituem novas hipóteses de inelegibilidade. 3. A captação ilícita de sufrágio é apurada por meio de representação processada de acordo com o art. 22, incisos I a XIII da Lei Complementar n° 64/90, que não se confunde com a investigação judicial eleitoral, nem com a ação de impugnação de mandato eletivo, pois não implica a declaração de inelegibilidade, mas apenas a cassação do registro ou do diploma. [...] 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Neste ponto faz-se necessária uma breve parada para que se justifique porque se analisar a constitucionalidade do art. 30-A a partir da declaração de constitucionalidade do art. 41-A da Lei Eleitoral. Os dispositivos são de todo semelhantes, conquanto culminam ao infrator penalidade de cassação do registro ou do diploma, se já outorgado, ambos foram instituídos através de lei ordinária, o que implica que ao art. 30-A será aplicada a mesma interpretação jurisprudencial atribuída ao art. 41-A, ou seja, que ele é constitucional, à medida em que não gera inelegibilidade, posto que somente tem como previsão a cassação do registro ou do diploma, mera sanção eleitoral, no entendimento do TSE e do STF.

Assim sendo, a partir da análise da jurisprudência do STF e do TSE em relação ao art. 41-A, por semelhança de situações, conclui-se pela constitucionalidade do art. 30-A.

2.2 A Inconstitucionalidade do Art. 30-A da Lei Eleitoral

Mas a discussão não deve parar nesse ponto. Tendo-se como base a teoria da inelegibilidade formulada por Adriano Soares da Costa, é de se afirmar, com todas as palavras, haver no dispositivo em tela, declaração de inelegibilidade, como se discutirá adiante, o que implica em inconstitucionalidade do art. 30-A (e mesmo do art. 41-A), por infringir o art. 14, §9º da Lei Magna.

De início é preciso que se façam breves considerações acerca do conceito de inelegibilidade.

Adriano Soares da Costa (2006) define inelegibilidade a partir de diversos ângulos. Em uma acepção preliminar aborda a inelegibilidade pelo seu caráter negativo, caracterizando-a como sendo o "estado jurídico de ausência ou perda de elegibilidade" (COSTA, 2006, p.217). Para ele as inelegibilidades podem ser classificadas em dois tipos distintos, quais sejam, inelegibilidade inata e inelegibilidade cominada. Esta última, por sua vez, pode ser dividida em cominada simples (para essa eleição) ou potenciada (para eleição futura).

Inelegibilidade inata, na conceituação de Marcos Ramayana (2005, p.137), "é aquela que advém da ausência de uma ou mais condições de elegibilidade". Em continuação afirma que "a classificação é muito criticada, porque equipara a condição de elegibilidade às inelegibilidades". Prossegue o doutrinador distinguindo a inelegibilidade cominada como sendo "uma restrição sancionatória aplicada em determinada eleição, em virtude da prática de fato com revestimento de ilicitude eleitoral".

Em relação às inelegibilidades cominadas pode-se dizer que a simples é aquela na qual se aplica um impedimento de participar do pleito atual, não se estendendo para as eleições futuras. Já a cominada potenciada prevê uma aplicação de inelegibilidade com extensão no tempo, podendo haver, em uma única situação, o acúmulo de casos de inelegibilidade cominada simples e potenciada.

Analisando por este prisma, tem-se que a inelegibilidade vem a ser qualquer impedimento que o nacional, alistável perante a Justiça Eleitoral, possua, que o impeça de concorrer a mandato eletivo, seja de caráter transitório, para aquela eleição, seja de caráter futurista, para eleições subsequentes.

Opera-se, a partir deste ponto, a constatação da inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 9.504/97, dentre eles o art. 30-A, e de qualquer outra lei ordinária, que tenha como efeito a cassação do registro ou do diploma de candidato, posto que em desacordo com o contido no art. 14, §9º, da Constituição Federal, tendo como base fundamental a teoria das inelegibilidades construída por Adriano Soares da Costa(2006).

As palavras do próprio Adriano Soares (2006, p.222) ilustram as constatações feitas acima:

As espécies de inelegibilidade cominada, por sua veze (sic), combinam-se entre si, saturando a operatividade dêontica de sua construção legislativa. De fato, há a possibilidade de ser cominada a inelegibilidade para a eleição em que o fato ilícito se deu ("essa" eleição), sem percussão futura, como ocorre nas hipóteses de cassação do registro de candidatura na captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n° 9.504/97) ou nos casos de condutas vedadas aos agentes públicos (art. 73 da Lei n° 9.504/97).

Abordando especificamente a penalidade prevista no art. 30-A, Adriano Soares da Costa (2006) reafirma seu entendimento de que este é inconstitucional posto ser

inegável, portanto, que a sanção de cassação de diploma dos eleitos, ou o impedimento a que seja emitido em seu favor, é espécie de inelegibilidade cominada simples, razão pela qual o art. 30-A padece da mesma inconstitucionalidade do art. 41-A e do art. 73 da Lei n° 9.504/97.

Joel José Cândido (2006, p.499) corrobora as mesmas opiniões, quando, ao analisar o art. 41-A e a sua inclusão no ordenamento jurídico afirma que

em relação à eventual cassação de registro ou do diploma, a Lei n° 9.840/1999 em nada melhorou o que já constava da lei anterior. Ao contrário, trouxe inconstitucionalidade que naquela não havia, à medida que a cassação do diploma erege-se em inelegibilidade, sanção política absolutamente incompatível com a lei ordinária.

Especificamente ao tratar do art. 30-A manifesta-se o renomado eleitoralista que o dispositivo foi instituído com o intuito de conferir vantagem maior ao ordenamento jurídico, mas, "ao contrário, trouxe problemas, pois, como se sabe, a sanção de inelegibilidade, mesmo que só para uma eleição, não pode jamais estar prevista em lei ordinária (CF, art. 14, §9º). Pois este inconveniente veio ocorrer aqui." (CANDIDO, 2006, p.470).

Thales Tácito Cerqueira (2008, p.782) assim se manifesta:

As inelegibilidades devem ser previstas no próprio texto constitucional ou em lei complementar, pois versam sobre restrições aos direitos políticos.

Não resta dúvida de que a cassação de registro ou diploma prevista na Lei n° 9.840/99 (arts. 41-A e 73 da Lei n° 9.504/97) são causas de inelegibilidades cominadas simples (para essa eleição).

Mais adiante, porém, o festejado doutrinador, inexplicavelmente se enverga a aceitar a constitucionalidade do art. 30-A, conforme se depreende do trecho transcrito abaixo:

Para evitar dúvida de constitucionalidade, entendemos que o §2º deve ser combinado com o §° do art. 30-A, ou seja, ser feito por representação (art. 96 da Lei n° 9.504/97 no tocante aos requisitos) mas com o rito da AIJE (art. 22 da LC n° 64/90) [...]

Com essas considerações, concordamos com a constitucionalidade do art. 30-A. (CERQUEIRA, 2008, p.837)

2.3 Análise do autor

Aparentemente não haverá trégua na discussão em curto prazo, até mesmo porque se observa uma construção sólida na teoria das inelegibilidades de Adriano Soares da Costa, em contraposição a uma jurisprudência eleitoral que, questionada, muitas vezes, reverte-se a cada eleição, em virtude da rotatividade dos membros dos órgãos dessa Justiça especializada.

Nas notas à 6ª edição de seu livro intitulado Instituições de Direito Eleitoral, Adriano Soares da Costa manifesta, de forma brilhante, acerca do atual status quo que se observa, ante a inércia do Legislativo Federal e a ânsia de atuação da Justiça Eleitoral.

[...] a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral iniciou a pôr em prática um projeto claro, objetivo e tenaz de suplantar esse estado de coisas, buscando dotar o ordenamento jurídico eleitoral de uma efetividade que ele não possuía, sobretudo, a partir do advento do inicialmente inofensivo art. 41-A da Lei n° 9.504/97, que foi transformado numa poderosa arma na busca de resultados concretos. A pedra de toque dessa mudança de rumos foi justamente a separação conceitual entre a sanção de inelegibilidade, prevista no regime da Lei Complementar 64/90, e a sanção de cassação de registro de candidatura, prevista na Lei das Eleições.

Esse divórcio conceitual foi a mais espetacular construção da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, em que pese a ausência de justificativa teórica sólida que a ensejasse. A diferença foi firmada com base numa tomada de posição autoritativa, ad hoc e dogmática, sem possibilidade de discussão ou argumentos em contrário. (COSTA, 2006)

Em que pese reconhecer a importância das decisões do TSE em sede de representações pelos arts. 41-A, 73 e outros, e, em breve, pelo art. 30-A, da Lei das Eleições, prefere optar este autor, pelo resguardo da ordem constitucional, que confere a cada poder sua autonomia e independência, devendo cada um deles exercer suas atribuições com eficácia e celeridade, para que outro não venha, a pretexto de suprir lacunas de competências alheias, ferir o princípio da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal.

Sem embargo, acredita este autor que se está diante de mais uma inconstitucionalidade criada pelo legislador, por ferir a previsão contida no art. 14, §9º, da Constituição Federal.

 

3 CONCLUSÃO

Como foi visto, as mudanças da Lei Eleitoral promovidas pela minirreforma política de 2006 foram significativas, impondo àqueles que se envolvem diretamente nos processos eleitorais, a obrigatoriedade de adquirir conhecimentos, por parcos que sejam, de administração financeira, sob pena de vir a prejudicar o candidato ao cargo eletivo, no caso de cometimento de irregularidade ante os dispositivos de arrecadação e aplicação de recursos de campanha.

Em que pese o descrédito de toda a sociedade em relação à ineficiência dos meios de fiscalização dos recursos aplicados nas campanhas eleitorais, percebe-se que há algo novo no processo eleitoral, tendo, a partir das eleições de 2006, a possibilidade de ser cassado registro, negado ou cassado diploma àqueles que vierem a infringir os dispositivos da Lei Eleitoral.

As mudanças que são esperadas com as alterações de 2006, devem ser compatíveis com aquelas que ocorreram com a inclusão do art. 41-A na Lei Eleitoral, que iniciou com imenso descrédito, e alcançou efetividade ao longo dos anos, tendo papel destacado no atual ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda acerca do art. 30-A da Lei Eleitoral, o que se estende também ao estudo do art. 41-A, é de se concluir que os dois dispositivos não estão em conformidade com a ordem constitucional, uma vez que afrontam a previsão contida no art. 14, §9º, da Lei das Eleições, por terem implementado declaração de inelegibilidade por intermédio de lei ordinária, quando somente é permitido através de lei complementar. Mas a polêmica parece já estar consolidada em sede jurisprudencial, o que deverá ser mantido por algum tempo, até que fatos novos sejam acrescentados à discussão.

Conclui-se, portanto, pela inconstitucionalidade do dispositivo criado, alertando-se ainda nesse momento, a arriscada intervenção que o TSE tem promovido no ordenamento jurídico, o que pode ferir o princípio da separação dos poderes, de que trata o art. 2º da Constituição Federal.


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