REEXAMINANDO ALGUNS ASPECTOS DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

REEXAMINANDO ALGUNS ASPECTOS DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

De 1964 até os tempos atuais, tem-se praticamente estabelecido uma quase sinonímia entre política econômica e política monetária. Com efeito, tanto nos sucessivos Governos militares, de 1964 a 1985, como nos civis, de 1985 a 2006, pouco importando o partido que tivesse levado ao Poder o Chefe do Executivo, o vetor da política econômica passou a ser, praticamente, a oscilação do poder aquisitivo da moeda, como observa Washington Peluso Albino de Souza (Primeiras linhas de Direito Econômico. 6ª ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 515). Daí por que se mostra interessante retomar alguns conceitos concernentes ao Sistema Financeiro Nacional.

Por sistema financeiro entende-se o conjunto das instituições diretamente envolvidas com a política monetária e creditícia. Constitui-se do Conselho Monetário Nacional, do Banco Central do Brasil, do Banco do Brasil S/A, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e das instituições financeiras públicas e privadas. Parte expressiva da doutrina sustenta que, diante da importância do sistema financeiro para o efeito de vitalizar o próprio sistema capitalista pela viabilização da alocação de recursos, bem como pela criação da moeda escritural, não haveria interesse público maior, em se tratando de política econômica, que a tutela da saúde das instituições financeiras, pondo-se a estabilidade monetária como um fim em si mesmo (Waisberg, Ivo. Taxa de juros. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo, v. 7, n. 25, p. 311, jul/set 2004). Um tal entendimento se explica pelo fato de que, na concepção liberal, é valorada positivamente a especulação, porque, ao possibilitar que os bens tenham os seus preços elevados pelo escasseamento, pela compra para revenda em momento que se entenda mais apropriado, a atividade econômica se vê estimulada pela maior rentabilidade (Adiers, Leandro Bittencourt. Valores mobiliários, especulação e conseqüências jurídicas. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 3, n. 9, p. 68, jul/set 2000; Parente, Norma Jonssen. Governança corporativa. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 5, n. 15, p. 89-90, jan/mar 2002; Wald, Arnoldo. A função social do crédito e a parceria entre o Governo e o empresariado. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 7, n. 24, p. 35, abr/jun 2004). Cabe observar, entretanto, que nem sempre do aumento da especulação decorre o estímulo à exploração da atividade produtiva, podendo, antes, verificar-se precisamente a situação oposta, isto é, o desvio dos recursos da atividade produtiva para a especulativa (Carvalhosa, Modesto. Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 345; Lima, Vinicius Moreira de. O Governo Lula e o PPA 2004/2007. In: < http://www.fbde.org.br/governo.html>, acessado em 15 nov 2004).

Instituições financeiras são entidades públicas ou privadas cuja atividade, principal ou acessória, seja a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira e custódia de valor de propriedade de terceiros, de acordo com aLei 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Para efeitos criminais, a Lei 7.492, de 1986, considera instituição financeira a pessoa jurídica de direito público ou privado que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários. O fato de o Poder Público eventualmente emitir títulos da dívida pública não o equipara a instituição financeira, como observou René Ariel Dotti (Títulos mobiliários e dívida pública – temas de direito e processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 48, p. 375-376, maio/jun 2004). O Supremo Tribunal Federal adotou este entendimento no Inquérito 1.690/PE, relator Min. Carlos Velloso.

Banco é instituição financeira que, obrigatoriamente, assume a forma de sociedade anônima, destinada a servir como intermediária das operações financeiras que se travam na realidade econômica, tanto na condição de depositária de numerário quanto na de ofertante de créditos e prestadora de serviços destinados a assegurar a rentabilidade do capital a ela confiado (Guimarães, Carlos da Rocha. Bancos. In: Plures. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s/d, v. 5, p. 315). Por desempenharem estas funções de captação e administração de recursos, orientação de investidores e repasse de créditos, Arnoldo Wald considera os bancos os catalisadores do desenvolvimento nacional (A função social do crédito e a nova parceria entre o Governo e o empresariado. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 7, n. 24, p. 37, abr/jun 2004). É, outrossim, pelo fato de gerirem e captarem recursos de terceiros que, para Oswaldo Opitz & Sílvia Carlinda Barbosa Opitz, que se justificaria o tratamento especial ofertado aos créditos bancários (Alienação fiduciária em garantia. Porto Alegre: Síntese, 1978, p. 150). Recorda Max Weber que, durante a Antiguidade e a Idade Média, os templos foram os intermediadores de negócios e casas de depósito e poupança mais confiáveis, tendo em vista o temor generalizado à vingança dos deuses em relação às profanações (Economia y sociedad. Trad. José Ferrater Mora. México: Fondo de Cultura Econômica, 1944, v. 4, p. 323-324).

Caixa econômica é a entidade constituída pelo Poder Público, voltadas à prestação de assistência à pequena economia privada. Dentre as Caixas Econômicas mantidas pelos Estados, uma das primeiras foi a de Minas Gerais, conhecida como Minascaixa, que operou dede sua criação, ocorrida em 1890, até a sua liquidação extrajudicial, determinada em 1991. Com a inauguração do denominado “ciclo neoliberal” iniciado em 1990 na Presidência de Fernando Collor de Melo, foram sendo extintas paulatinamente as Caixas Econômicas Estaduais então existentes. Uma das últimas a serem extintas foi a do Rio Grande do Sul, em fins de 1998. Permanece, atualmente, em atividade somente a Caixa Econômica Federal.

Moeda é o bem preferido para a realização das trocas, como meio de aceitação universal, portador de poder liberatório em relação às obrigações. A atribuição da característica de moeda a determinado bem traduz ato de autoridade, mesmo nos países que tenham adotado o regime econômico mais próximo do liberalismo. Durante o feudalismo, uma das características principais da autoridade do senhor feudal era o direito de cunhagem, que, gradativamente, passou ao soberano.

Poder liberatório é o que a autoridade competente atribui a determinado bem para que o torne apto a satisfazer a qualquer obrigação. Para garantir o poder liberatório do papel-moeda brasileiro, foi decretado, em 1933, o respectivo curso forçado, mediante o Decreto 23.501, de 27 de novembro, pelo qual se nulificaram as estipulações em cláusula ouro ou qualquer outra espécie de moeda que tivesse o efeito de restringir ou recusar, em seus efeitos, o aludido curso. O Decreto-lei 236, de 2 de fevereiro de 1938, vetou que se desse cumprimento a Cartas Rogatórias em caso de execução ou falência promovidos no estrangeiro contra banco ou empresa brasileira, quando a dívida fosse fundada em cláusula-ouro. O artigo 43 da Lei de Contravenções Penais tipificou como tal a recusa da moeda nacional. O Decreto-lei 238, de 28 de fevereiro de 1967, dentro do clima favorável aos capitais estrangeiros no regime castrense instalado em 1964, revogou o Decreto 23.501, de 1933, no seu artigo 6º. O Decreto-lei 316, de 13 de março de 1967, restringiu, contudo, o âmbito da revogação do Decreto 23.501 pelo Decreto-lei 238 do mesmo ano. O Decreto-lei 857, de 11 de setembro de 1969, adotou, em princípio, a proibição posta no Decreto 23.501, por ele integralmente revogado, mas estabeleceu exceções especialmente para contratos internacionais (Xavier, Alberto Pinheiro. Direito Tributário e Empresarial – pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 416-418).

Emissão de moeda é o ato de criar e introduzir moeda na circulação. De acordo com Aliomar Baleeiro, a emissão de cédulas do Tesouro recebe o caráter autoritário de título de quitação de dívidas (Uma introdução à ciência das finanças. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 487). Aliás, é justamente por conta deste caráter autoritário de título de quitação de dívida, deste poder liberatório, é que se pune severamente a emissão de moeda por quem seja desprovido de competência para o fazer (Hungria, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 9, p. 203-204). Magalhães Drummond considerava que as exigências a cercarem tal atividade decorreria de ser ela atributo da soberania e, por outro lado, por implicar alterações significativas nas relações jurídicas travadas no meio social (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1944, v. 9, p. 210). O rigor com que se cerca a emissão de moeda foi determinante, entre nós, para a extinção paulatina dos Bancos de Emissão (Guimarães, Carlos da Rocha. Bancos. In: Plures. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s/d, v. 5, p. 319). Mesmo a autoridade dotada da competência para a emissão de moeda está jungida a fortes limites para tanto, sendo que uma das hipóteses em que a Lei 4.717, de 1965, estabeleceu como de presumida lesividade ao patrimônio público foi a desobediência às prescrições legais concernentes a tal atividade – artigo 4º, IX -. Não se conhecem precedentes acerca do manuseio da ação popular acerca desta matéria.

A emissão de moeda como atributo da soberania constitui, também, um dos motivos para que se faça necessária a disciplina das operações de câmbio. Câmbio é a operação de compra e venda de moedas estrangeiras ou de papéis que as representem (Coelho, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 345; Abrão, Nelson. Curso de Direito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 127; Mendonça, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito Comercial brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, v. 1, l. 1, p. 475). Fábio Konder Comparato recorda, com lastro no artigo 23 da Lei 4.131, de 1962, que o remetente ou recipiente de divisas estrangeiras não pode enviá-los ou recebê-los diretamente, sendo antes obrigado a contratar o câmbio com instituições devidamente autorizadas pelo Poder Público (Contrato de câmbio. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 72, n. 575, p. 56, set 1983). Há de corresponder a uma operação efetivamente existente entre o remetente das divisas e o recipiente (Barreira, Wagner. Restituição falimentar em contrato de câmbio. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 63, n. 470, p. 13, dez 1974). Para fins tributários, a operação de câmbio se verifica: a) pela entrega da moeda ou do documento que a represente; b) colocação da moeda ou do documento à disposição do beneficiário (Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 273). O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, ao julgar o recurso 3.283 – acórdão CRSFN 3.242/01, relator o Conselheiro Waldemir Messias de Araújo, considerou que, tendo em vista que a veracidade de declaração em contrato de câmbio diz respeito principalmente à higidez do controle cambial, a penalidade pela declaração falsa se impõe à empresa independentemente da pessoa física que a tenha feito. Pelo artigo 76 do Decreto 14.728, de 12 de março de 1921, foi cometida ao Banco do Brasil a competência de evitar o jogo sobre o câmbio, protegendo o comércio e a moeda. O Decreto-lei 97, de 23 de novembro de 1937 revigorou o privilégio, convertendo-o, entretanto, em direito subjetivo, já que permitiu ao Banco do Brasil que a ele renunciasse. O Decreto-lei 1.201, de 8 de abril de 1939, estabeleceu a liberdade para as operações de câmbio, obrigando, contudo, as empresas bancárias que adquirissem as letras de exportação a vender para o Banco do Brasil 30% de cada cambial adquirida, por uma taxa fixada pelo Banco do Brasil mesmo e em moeda de curso internacional. O Decreto-lei 9025, de 27 de fevereiro de 1946, por seu artigo 5º reafirma o papel da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil na fiscalização do câmbio (Guimarães, Carlos Rocha. Banco do Brasil. In: Plures. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s/d, v. 5, p. 300). Nas relações econômicas internacionais, muitas vezes a maior previsibilidade depende da estabilidade cambial, situação em que a relação da moeda de um país com a de outro se mantém sem variação, o que não implica, necessariamente paridade (Adiers, Leandro Bittencourt. op. cit., p. 75). Claro que o conceito de estabilidade cambial se mostra antagônico ao de desenvolvimento, uma vez que este implica a ruptura do equilíbrio das relações entre os países, traduzindo "desequilíbrio positivo, isto é, em termos da 'prosperidade' e 'elevação dos níveis de vida'" (Souza, Washington Peluso Albino de, op. cit., p. 400). De acordo com Shigeo Horie, o sistema do Fundo Monetário Internacional permitiria modificações nas paridades entre as moedas sempre que presente um desequilíbrio fundamental. Os países com excedentes de exportação transfeririam fundos para os que estivessem com excedentes de importação, para salvar um déficit temporário (El Fondo Monetário Internacional. Trad. Alfredo Pastor Bodmer & Antonio Bosch Domenech. Barcelona: Bosch, 1966, p. 141-142).

O Fundo Monetário Internacional, mais comumente referido pela sigla FMI, é organização internacional criada, com lastro no artigo 57 da Carta da ONU, na Conferência Monetária e Financeira da Nações Unidas em Bretton Woods, New Hampshire, EUA,em 1944, mediante Convenção Constitutiva firmada pelos países ali presentes, aprovada pelo Brasil mediante a expedição do Decreto-lei 8.479, de 27 dez 1945, e promulgada pelo Decreto 21.177, de 27 de maio de 1946. Sua sede é em Washington, D. C., tendo as seguintes finalidades institucionais: a) promover a cooperação monetária internacional; b) a expansão e desenvolvimento equilibrado do comércio internacional; c)promoção da estabilidade cambial, mantendo a disciplina do câmbio entre seus membros e evitando depreciações competitivas; d) auxiliar na formação de um sistema multilateral de pagamentos de transações correntes entre seus membros, assim como na eliminação das restrições cambiais que dificultem o desenvolvimento do comércio mundial; e) colocar recursos à disposição de seus membros a fim de lhes possibilitar corrigir desajustes no balanço de pagamentos, sem comprometimento de sua prosperidade nacional ou internacional; f) reduzir o grau de desequilíbrio nos balanços internacionais de pagamentos de seus membros. Valério de Oliveira Mazzuoli observa que o sistema do Fundo foi criado para atalhar a concorrência cambial predatória entre os países conhecida como beggar thy neighbour posta em prática entre 1929 e 1933 (Os acordos stand-by com o FMI e a competência internacional do Ministério da Fazenda. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 99, n. 370, p. 198, nov/dez 2003). Possui membros fundadores – participantes da Conferência de Bretton Woods - e membros eleitos – que ingressaram posteriormente, respeitadas as condições estabelecidas pelo próprio Fundo -, cabendo salientar que para cada membro é designada uma cota. A direção superior do FMI compete à junta de governadores ou junta governativa, composta de um governador e um suplente, nomeados pelos membros por um período de cinco anos, cabendo recondução. Os diretores executivos, nomeados pelos membros, em número não inferior a doze, responsáveis pelo funcionamento do Fundo e exercendo, para este fim, todos os poderes que a Junta lhes delegar. De acordo com Aderbal Meira Mattos, como dentre os doze diretores executivos do Fundo, cinco são nomeados pelos membros com maiores cotas, há desequilíbrio pela afirmação da hegemonia das grandes potências (Fundo Monetário Internacional. In: PLURES. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1979, v. 39, p. 218). Os diretores executivos, dentre pessoas que não sejam nem governador nem diretor executivo, escolhem o diretor-gerente, que é o presidente da diretoria-executiva, com direito a voto somente para fins de desempate e, por outro lado, é o chefe do quadro de funcionários do Fundo, cabendo-lhe ainda conduzir, sob a orientação dos diretores executivos, os negócios rotineiros da organização. Em 28 de junho de 1959, o Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, anunciou o rompimento com o FMI, tendo em vista que o programa de estabilização pretendido pela instituição, que tinha como meta o estabelecimento de uma inflação de 6%, mais a adoção de uma taxa única de câmbio, restrição de salários e a abolição de incentivos aos agricultores, implicaria o retardamento do desenvolvimento dos planos governamentais, especialmente a construção de Brasília. Os laços foram reatados em maio de 1960. Embora tecnicamente as Cartas de Intenções não tenham outro objetivo que declararem ao Fundo os Estados as políticas a serem adotadas, com o que seriam desprovidas de caráter coercitivo, o fato é que o desatendimento ao que nelas se contém implica suspensão da liberação dos recursos, salvo anuência caso a caso pelo Fundo (Mazzuoli, Valério de Oliveira. Op. cit., p. 208). Mas o que seria a Carta de Intenções, que amiúde comparece na mídia? Responde-se: instrumento consistente em memorando assinado, entre nós, pelo Presidente do Banco Central do Brasil e pelo Ministro da Fazenda, pelo qual o Estado, ao solicitar financiamento junto ao Fundo Monetário Internacional, explicita a política financeira, monetária e fiscal a ser adotada, bem como políticas ligadas a inflação, déficit público, taxa de emissão de moeda, projeções de crescimento econômico, regulação e proteção de investimentos estrangeiros, conversibilidade de valores, retirada de entraves à livre circulação de bens, serviços e pagamentos estrangeiros, criação de regras de concorrência e organização de mercados em moldes liberal-democratas (id. ibid., p. 204). Antônio Augusto Cançado Trindade chama a atenção para os pronunciamentos do FMI com relação ao aparente conflito entre os programas de ajustamento estrutural e os direitos econômicos, sociais e culturais (Tratado do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1997, v. 1, p. 251-253).

Banco de emissão é aquele que goza do privilégio de emitir notas ou bilhetes, com a promessa de pagamento à vista ao portador, em moeda metálica, da soma declarada. João Barbalho considerava a emissão bancária verdadeira moeda, com o que se justificava a atribuição da União para autorizar a criação de bancos de emissão (Constituição Federal brasileira – comentários. Rio de Janeiro: Typographia da Companhia Litho-Typographica, 1902, p.31) O Banco do Brasil foi criado em 1808 como banco emissor, mantendo tal condição até sua liquidação em 1829. Ao ressurgir em 1851, por iniciativa de Irineu Evangelista de Souza, também conhecido como Barão de Mauá, logo se fundiu com o antigo Banco Comercial, ressurgindo a capacidade emissora, que manteve até 1866. Tal capacidade só foi recuperada pelo Banco do Brasil em 1889, quando instaurado o regime de poliemissão. Quando da criação da Superintendência da Moeda e do Crédito, deixou ele de desempenhar as funções de banco de emissão, embora podendo solicitar à União que fizesse tal operação para o fim de financiar o redesconto de títulos (Guimarães, Carlos da Rocha. Banco do Brasil. cit., p. 299-301). Desde 31 de dezembro de 1964, compete ao Banco Central, exclusivamente, o desempenho destas atribuições. João Barbalho considerava que a segurança dos negócios imporia, mesmo, a unidade da moeda, ante o tumulto que seria gerado para a circulação dos bens e o próprio financiamento do Governo, referindo a experiência da Suíça em 1848 (op. cit., p. 108). Nos EUA, a poliemissão de moeda foi considerada responsável pela falência de inúmeros bancos, razão por que se criou o Sistema Federal de Reserva. Este é o conjunto de Bancos Federais de Reserva detentores, nas respectivas bases territoriais, de competência para emitir papel, redescontar títulos dos bancos comerciais do Distrito e centralizar as reservas impostas aos bancos membros. Bancos Federais de Reserva são sociedades anônimas ou “corporations”, tendo por exclusivos acionistas os bancos comerciais dos respectivos distritos, mantido pela contribuição de 6% (seis por cento) dos capitais e reservas dos bancos membros. Além das competências para emissão de papéis, operar com os bancos comerciais, com os demais Bancos de Reserva e o Governo, bem como para centralizar as reservas mínimas impostas aos bancos membros, foi-lhes reconhecida a possibilidade de, diretamente, em caráter emergencial, emprestarem diretamente à indústria, por prazo não superior a cinco anos (Baleeiro, Aliomar. Banco Central. In: Plures. Repertório enciclopédico do Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, s/d, v. 5, p. 306).

O Conselho Monetário Nacional é o órgão colegiado de cúpula da vida monetária do país (Souza, Washington Peluso Albino de. op. cit., p. 516, Moreira, Egon Bockmann. Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários: considerações acerca de sua natureza jurídica, em face das chamadas “agências administrativas”. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 25, p. 190, 1999). Desempenha, no Brasil, as funções que nos EUA são afetas ao Sistema Federal de Reserva. Cumpre-lhe adaptar o volume dos meios de pagamento às necessidades reais da economia do país, regulando o valor da moeda, no aspecto interno, para prevenir ou corrigir surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, e, no aspecto externo, buscando o equilíbrio no balanço de pagamentos. Cabe-lhe, ainda, orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, propiciando sua melhoria no sentido de tornar mais eficiente o sistema de pagamentos e mobilização de recursos, velando pela sua solvência, coordenando as políticas monetária, creditícia, orçamentária e de dívida pública. Incumbe-lhe também autorizar a emissão de papel-moeda, aprovação de orçamentos monetários, fixação de diretrizes da política cambial, disciplina do crédito em todas as suas modaldiades e das operações creditícias em todas as suas formas, regulamentação da constituição e atividades das instituições financeiras, a política de juros, descontos, comissões e todas as formas de remuneração de operações e serviços bancários. É também sua atribuição a fixação de taxas de juros privilegiadas para financiamentos vinculados a determinadas atividades consideradas de interesse vital para a economia do país, a determinação da percentagem máxima de recursos passíveis de serem emprestados pelas instituições a um mesmo cliente, regulamentação das operações de redesconto, determinação do recolhimento de parte dos depósitos bancários ao Banco Central, expedição de normas gerais de contabilidade e estatística, disciplina das Bolsas de Valores e regulação das operações de câmbio, inclusive swaps. Para os efeitos do câmbio, foram disciplinados os swaps somente a partir da Resolução 2.102, de 1993, do Conselho Monetário Nacional e da Circular 2.348, de 30 de julho de 1993. Swapé a operação consistente na troca de resultados financeiros que decorram da aplicação de taxas ou índices sobre ativos ou passivos que sejam escolhidos pelas partes como referenciais – Resoluções 2.042, de 1994 e 2.138, de 1995, do Conselho Monetário Nacional. De acordo com Ari Cordeiro Filho, a preocupação surge no momento em que, na década de 50, empresas multinacionais depositavam dólares no Banco do Brasil, que nos registros oficiais eram trocados pelos débitos concernentes a mercadorias exportadas pelo País, compensando-se com fórmulas variáveis (Swaps – aspectos jurídicos. Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 4, n. 11, p. 69, jan/mar 2001). De acordo com o Tribunal Regional Federal da 2ª Região “o contrato de swap gera disponibilidade financeira ao agente que com ele opera e, tendo como finalidade o seguro da operação financeira, o segurador há de suportar os riscos e não o Estado e sim pelo segurador ou pela empresa a ele vinculada que se beneficia do seguro” – agravo de instrumento 200202010401512/RJ. Relator: Des. Fed. Julieta Lídia Lunz. Assim também se pronunciou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região “a operação ‘swap’ de moedas é apta a gerar renda, na medida em que a pessoa jurídica que, por assim dizer, aceita na troca, passará a ter uma responsabilidade de renda oriunda dessa operação” – Apelação Cível 199971000147679/RS. Relator: Des. Fed. Vilson Darós. É, ainda, competência do Conselho Monetário Nacional decidir os recursos interpostos contra decisões do Banco Central, colaborar com o Senado na instrução dos empréstimos externos e aprovar os programas de recursos e aplicações das instituições financeiras públicas (Wald, Arnoldo. Banco. In: Plures. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1978, v. 10, p. 176-177; Cordeiro Filho, Ari. op. cit., p. 71). Das atribuições do Conselho Monetário Nacional, extraiu o Supremo Tribunal Federal o entendimento segundo o qual as instituições financeiras não mais se sujeitariam aos limites da Lei de Usura, vindo tal entendimento a cristalizar-se na Súmula 596 (Abrão, Nelson. Curso de Direito Bancário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 66-67).

Banco Central é a autarquia, no Brasil, criada pela Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, em substituição à Superintendência da Moeda e do Crédito, e que desempenha o papel de normatizar, executar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e das resoluções do Conselho Monetário Nacional, no que tange ao funcionamento tanto do sistema financeiro como do mercado de capitais, tanto na área privada como na área pública (Moreira, Egon Bockmann. op. cit., p. 190-191; Wald, Arnoldo. Banco. cit., p. 177; Abrão, Nelson. op. cit., p. 41). De acordo com Aliomar Baleeiro, a criação dos bancos centrais mundo afora teria sido recomendação da Conferência Financeira Internacional, que se reunira em Bruxelas em 1920 (Banco Central. cit., p. 302). Veda-se-lhe o exercício de atividade bancária em relação ao atendimento ao público. Compete-lhe a emissão de moeda, o controle do crédito, o controle de capitais estrangeiros, realização de operações de redesconto, operações de compra e venda de títulos da dívida pública federal, fiscalização de instituições financeiras, bem como das operações que visem a propiciar incorporações, fusões e cisões no setor, autorizar a prática de operações de câmbio, crédito real, venda habitual de títulos públicos, ações, debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito, prorrogar os prazos de funcionamento e alteração dos estatutos das instituições financeiras, estabelecer as condições para a posse e exercício de quaisquer cargos de administração no seio das instituições financeiras privadas,exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre empresas que atuem direta ou indiretamente em tais mercados (Abrão, Nelson. op. cit. p. 41-42). Foi-lhe reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal competência para disciplinar a contratação e a duração da realização de auditorias independentes nas instituições financeiras, não se confundindo tal disciplina com o estabelecimento de requisitos para o exercício de tal profissão nem o cerceio da atividade econômica privada, ao ser julgada a medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade 2.317, relatada pelo Min. Ilmar Galvão. Tem a atribuição de registro de a) sociedades e firmas individuais que exerçam atividades de intermediação de títulos ou valores mobiliários e efetuem a captação da poupança popular no País, qualquer que seja o propósito, b) títulos e valores mobiliários, para efeito de sua negociação em Bolsa de Valores, c) emissão de títulos e valores mobiliários a serem distribuídos nos mercados de capitais, d) contratos de consórcio organizados pelas instituições financeiras autorizadas a operar nos mercados financeiro e de capitais, que tenham como fim especial a colocação de títulos ou valores mobiliários no mercado, e) pessoas jurídicas de direito privado, para fins de negociação dos seus títulos em Bolsa de Valores, f) auditores independentes, g) emissões de ações e debêntures conversíveis em ações, nos termos do Decreto-lei 157, de 10 de fevereiro de 1967. Cabe-lhe também autorizar instituições financeiras não bancárias, a funcionarem no país, instalarem ou transferirem suas sedes ou dependências, inclusive no exterior, praticarem operações de venda, em caráter de habitualidade, de títulos da dívida pública nacional, estadual ou municipal, ações, debêntures, letras hipotecárias e outros títulos de crédito, terem prorrogados os prazos concedidos para seu funcionamento, alterarem os respectivos estatutos, bem como praticarem operações de transformação, fusão, incorporação em outras entidades (Wald, Arnoldo. Banco, cit. p. 178; Comparato, Fábio Konder. Aspectos jurídicos da macroempresa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 67). Cumpre também ao Banco Central autorizar a) a posse e exercício de quaisquer cargos de administração de instituições financeiras privadas não bancárias, b) o exercício de funções em órgãos consultivos, fiscais e semelhantes destas mesmas entidades, de acordo com normas postas pelo Conselho Monetário Nacional, c) a constituição das Bolsas de Valores, d) funcionamento de sociedades corretoras e de sociedades de investimentos, e) funcionamento de instituições financeiras, sociedades ou firmas individuais cujo objeto seja a subscrição para revenda e distribuição de títulos e valores mobiliários, f) a subscrição ou colocação de debêntures com cláusula de correção monetária pelas instituições financeiras, g) a constituição de bancos de investimento, de acordo com as normas do CMN, h) a transformação de instituições financeiras que pratiquem operações que se relacionem com a concessão de crédito a médio e longo prazos, por conta própria ou de terceiros, a subscrição para revenda e a distribuição, no mercado, de títulos e valores mobiliários, em bancos de investimento, i) a emissão, pelos bancos de investimento, nas condições estabelecidas pelo CMN, dos certificados de depósito em garantia, referentes a ações preferenciais, obrigações ou títulos cambiais emitidos por entidades interessadas em negociá-los em mercados externos ou no país (Wald, Arnoldo. Banco. cit., p. 178-179; Abrão, Nelson. op. cit., p. 30). No âmbito da função de fiscalização, além do já referido exercício permanente do controle nos mercados financeiro e de capitais sobre as empresas que, direta ou indiretamente, neles intervenham, a atuação do Banco Central recai sobre a) as Bolsas de Valores, b) as atividades das sociedades corretoras membros das Bolsas de Valores e das sociedades de investimentos, c) as operações das instituições financeiras, sociedades ou firmas individuais que tenham por objeto a subscrição para revenda e a distribuição de títulos ou valores mobiliários, d) operações de sociedades e firmas individuais exercentes das atividades de intermediação na distribuição de títulos ou valores mobiliários e que efetuem, com qualquer propósito, a captação da poupança popular, e) a observância, pelas sociedades emissoras de títulos ou valores mobiliários negociados nas Bolsas, das disposições legais referentes à publicidade da situação econômica e financeira da sociedade, sua administração e aplicação dos resultados e à proteção dos interesses dos portadores de títulos ou valores mobiliários colocados no mercado de capitais; f) a observância de normas legais e regulamentares concernentes à emissão, subscrição e distribuição de títulos ou valores mobiliários colocados no mercado de capitais, g) a utilização de informações não divulgadas ao público em benefício próprio ou de terceiros, por acionistas ou pessoas que, em razão dos cargos exercidos, a elas tenham acesso, h) as sociedades de investimento e os fundos por elas administrados, de acordo com as normas do CMN. Complementa as funções de fiscalização o exame de a) livros e documentos das instituições financeiras, sociedades, empresas e pessoas jurídicas e físicas que interfiram, de alguma forma, no mercado financeiro e de capitais, b) os casos em que se poderá suspender ou proibir a distribuição de títulos e valores mobiliários. Por outro lado, as finalidades do exercício das funções fiscalizadoras estão normativamente definidas como facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos e valores mobiliários distribuídos no mercado, bem como sobre a sociedades que os emitem, a proteção dos investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos e valores mobiliários, evitar modalidades de fraude e manipulação voltadas à criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de títulos ou valores mobiliários no mercado, assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas por quantos exerçam, profissionalmente, funções de intermediação, na distribuição ou negociação de títulos ou valores mobiliários e regular o exercício de atividade corretora de títulos mobiliários (Wald, Arnoldo. Bancos,. cit., p. 179-180; Abrão, Nelson. op. cit., p. ). Incumbe, ainda, ao Banco Central do Brasil a prestação de informações a) ao Poder Legislativo como um todo ou às suas Comissões Parlamentares de Inquérito, b) ordenadas pelo Poder Judiciário para a reconstituição dos fatos que sejam pertinentes às suas atribuições de órgão executivo, normatizador e fiscalizador. Cumpre-lhe, também, receber e processar os dados estatísticos que sejam apurados a) pelas Bolsas, b) pelas sociedades que se dedicam ao exercício de atividades de subscrição para revenda, distribuição ou intermediação na colocação, no mercado, de títulos e valores mobiliários. Está na sua esfera de competência, outrossim, manter e divulgar as estatísticas relativas ao mercado de capitais, em coordenação com o sistema estatístico nacional. É atribuição do Banco Central aplicar aos infratores da legislação concernente ao mercado de capitais as penalidades previstas na Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, no que tange às instituições financeiras não bancárias. Fazem parte, ainda, do rol de atribuições do Banco Central a) oficiar o Ministério Público, quando, no exercício de suas atribuições, tomar conhecimento de crime definido como de ação pública, b) intimar e, se necessário, requisitar força policial para forçar a imediata cessação das atividades de sociedades que insistam em colocar títulos ou valores mobiliários no mercado em desacordo com as condições postas na legislação em vigor, c) efetuar, quando presentes os pressupostos legais, a intervenção e a liquidação extrajudicial das instituições financeiras públicas não federais e privadas (Wald, Arnoldo. Banco,. cit., p. 180-181).

Tem ganho força no Brasil, principalmente, a busca da chamada autonomia do Banco Central, embora se possa verificar a observação de Aliomar Baleeiro quanto a se inviabilizar o papel de prestamista de última instância para os bancos – órgão voltado a assegurar o redesconto dos títulos e efeitos descontados pela rede de bancos, indispensável a bloquear a derrocada financeira nos momentos de crise e pânico – e de emissor de moeda se a autarquia não estivesse intimamente ligada ao Governo (Banco Central, cit. p. 303). Há, ainda, uma importante questão teórica que se coloca, quanto à propalada "autonomização" do Banco Central, como indispensável à sua despolitização - como se fosse possível falar em política monetária (ou qualquer outra política) despolitizada -, que é a de ele vir a converter-se em um poder a mais dentre os tradicionalmente reconhecidos na doutrina constitucional.

Diante da simples descrição dos atributos de vários dentre os componentes do Sistema Financeiro Nacional, percebe-se que o seu tratamento não pode - isto seria dito pelo Conselheiro Acácio - deixar de ser considerado, eminentemente, uma questão de política econômica pública, em que longe de se verificar o funcionamento espontâneo das forças de mercado, o que se tem é justamente o estabelecimento de posições de poder econômico, a serem devidamente disciplinadas, a fim de não degenerarem em despotismo.