A Recuperação de áreas de preservação permanente enquanto requisito da Função Social das propriedades coletivas de reforma agrária no Estado da Bahia


Porwilliammoura- Postado em 27 março 2012

Autores: 
FERREIRA, Fábio Félix
FERREIRA, Marcos César Félix
A Recuperação de áreas de preservação permanente enquanto requisito da Função Social das propriedades coletivas de reforma agrária no Estado da Bahia

Fábio Félix Ferreira e Marcos César Félix Ferreira

Bacharel em Direito -  Bacharel em Biologia


 

 

SUMÁRIO: 1- Aspectos do desenvolvimento agrícola brasileiro. 2- Movimentos sociais rurais: possibilidades de resistência e construção de uma nova ordem no campo. 3- Assentamentos rurais: alternativa agrícola sustentável. 4- Da função social da propriedade. 5- Exigências legais de preservação de áreas de preservação permanente. 6- Incentivos à recuperação de áreas de preservação permanente. 7- Condição de consolidação das áreas de assentamentos rurais. 8- Considerações finais. 9- Referências Bibliográficas.


RESUMO: Numa resistência à ordem de concentração fundiária e intensa expropriação, diversas formas de organização e luta no campo tem surgido no aparecer histórico, unindo, organizando, participando, lutando e, também, propondo novas relações produtivas e a democratização das relações sociais cotidianas. Algumas experiências, a exemplo da agricultura coletiva e/ou familiar, indicam um caminho a ser percorrido rumo a um modelo de produção e organização rural sustentável, social e ecologicamente, capaz de assegurar a plena cidadania no campo. No entanto, somente à luz da função social da propriedade tais experiências poderão contribuir para a consolidação dessa ordem rural sustentável. Este texto procura explorar os caminhos dessa perspectiva.


 

I- Aspectos do desenvolvimento agrícola brasileiro.

        Fundado num modelo de concentração fundiária, regime extensivo de produção e numa estratégia "modernizante", o desenvolvimento agrícola brasileiro caracteriza-se, pela crescente degradação ambiental, resultante da expansão das fronteiras, do uso indiscriminado dos recursos naturais e de insumos químicos, e pelas desigualdades sociais no campo.

        A estruturação das relações sócio-políticas nos atuais moldes resultaram em fragmentar o campo brasileiro em pólos distintos, quais sejam: o latifúndio, produtivo ou improdutivo e as empresas agro-industriais, situadas no pólo que define o modo de produção, bem como as relações produtivas, e uma imensa maioria de trabalhadores, pequenos agricultores e demais atores sociais rurais que, quando não expropriados, resistem a esse modelo essencialmente agroexportador, mesmo que em condições precárias.

        A inserção da agricultura brasileira aos mercados internacionais agravou a situação sócio-ambiental rural, pois essa inserção teve como contrapartida a implementação de um modelo altamente industrializado, com uso de máquinas "pesadas" e insumos químicos, na maioria das vezes, incompatível com contextos sócio-ambientais característicos dos trópicos úmidos.

        Assim, a indiscriminada utilização das tecnologias "modernizantes" - máquinas, fertilizantes inorgânicos, agrotóxicos, aliada à expansão das monoculturas voltadas à satisfação do mercado externo, resultou em índices alarmantes de exclusão social no campo, expropriação, degeneração do tecido social, perda significativa do solo por processos erosivos, danos à qualidade dos mananciais hídricos, perda da cobertura vegetal, contaminação de alimentos, danos à saúde de trabalhadores rurais.

 

II- Movimentos sociais rurais: possibilidades de resistência e construção de uma nova ordem no campo.

        A concentração da terra, requisito para o modelo de monoculturas industrializadas, resultou num processo de expropriação que expôs os trabalhadores e pequenos proprietários rurais a todas as formas de violência. Perseguição e morte no campo, infelizmente, integram as estatísticas do campo.

        Numa resistência à expropriação surgem diversas formas de organização e luta no campo, que segundo GRZYBOWSKI (1987) enquanto espaços de socialização política, esses movimentos permitem aos trabalhadores, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração de uma identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente, a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais.

        Através dessa organização dos trabalhadores e pequenos produtores rurais é que vão se constituindo novos atores sociais e políticos, resultando na formulação de projetos de desenvolvimento agrícola alternativos ao oficial.

        A crítica e resistência desses novos atores sociais à estruturação fundiária excludente, na sua essência, demonstram certo grau de exercício da cidadania, questionando o binômio legalidade/legitimidade do atual modelo agrícola.

        Nos movimentos sociais rurais essa crítica/resistência tem se dado em duas vertentes, a saber: a redistribuição fundiária seguida de novos projetos para o setor agrícola, em especial para a agricultura familiar e a construção de um novo modelo de sociedade, pautado na participação política, na reinserção de segmentos sociais, na justiça social e no pleno exercício da cidadania.

        Assim, busca-se, além da redistribuição fundiária, um modelo que desenvolva a agricultura familiar e/ou coletiva, voltada para as necessidades nacionais e, fundamentalmente, discutida e planejada, livre e democraticamente, pelos movimentos sociais rurais, numa consolidação da cidadania.

        Enfim, uma agricultura sustentável, social e ecologicamente, que considere as potencialidades e limites dos diferenciados ecossistemas.

 

III- Assentamentos rurais: alternativa agrícola sustentável.

        Essa proposta de agricultura sustentável, apresentada pelos movimentos sociais rurais, fundamenta-se no fortalecimento das associações de cooperação agrícola, na ampliação e consolidação de assentamentos rurais, na democratização das relações no campo, na preservação das culturas locais associada à uma educação formal e informal que preserve as características originárias dessas comunidades, na (re)conciliação entre produção agrícola, condições de vida digna e conservação dos recursos ambientais, pois fundamentais para a preservação do modo de vida rural (SCHERER-WARREN, 1996).

        Algumas experiências já demonstram possibilidades, teóricas e práticas, de consolidação desse novo modelo de desenvolvimento agrícola. Assim, o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais – MSTR, através dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais – STR’s, associações de pequenos agricultores, Organizações Não Governamentais – ONG’s, Secretarias Municipais de Agricultura e Meio Ambiente, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, dentre inúmeros outros atores sociais, desenvolvem projetos voltados para a recuperação econômica, social e ambiental em diversas regiões do país, a exemplo das regiões Nordeste e Centro-Oeste do Paraná, do Estado de Santa Catarina e, em escala diferenciada, algumas regiões do Estado da Bahia, onde o Movimento de Organização Comunitária – MOC, em parceria com outros atores sociais, desenvolvem projetos de desenvolvimento agrícola sustentável. Também, no Sudeste da Bahia, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, tem implementado projetos de assentamentos rurais, buscando resgatar a cidadania de trabalhadores e trabalhadoras rurais.

        Paralelamente ao desenvolvimento agrícola sustentável, esses atores sociais buscam, ainda que no plano teórico, modificar a cultura rural, em particular, idealizando novas formas de discussão, decisão e participação, num caminhar rumo a democracia "radical".

        Como desafio aos movimentos sociais rurais, o atual contexto de crise origina situações propícias de enfrentamento, com possibilidades de avanço na democratização das relações produtivas vigentes, mas, por outro lado, impõe as dificuldades impostas por um momento histórico marcadamente individualista, passivo, de desmobilização de amplos setores sociais.

        Diante dessa crise mutifacetária quais as condições de consolidação das ações e projetos implementados pelos movimentos sociais rurais? Quais as possibilidades dessas propriedades coletivas de Reforma Agrária cumprirem a função social da propriedade, contribuindo para um desenvolvimento rural sustentável? Aqui, pretende-se, em linhas gerais, apresentar para análise e discussão, algumas condições que podem (re)orientar as ações desses atores rumo ao cumprimento da função social da propriedade.

 

IV- Da função social da propriedade (1) .

        Fundada na compreensão de que os recursos naturais são passíveis de apropriação, uso e gozo ilimitado, a primeira geração do direito, com ênfase na regulamentação das relações privadas, conceitua e estrutura o direito de propriedade enquanto instituto jurídico eminentemente individual, caracterizando-o como direito absoluto e inviolável de apropriação dos recursos naturais - objeto de estudo do direito de propriedade.

        Em contraposição, transformações na ordem econômica e sócio-política orientaram a evolução da concepção clássica do direito de propriedade para a atual concepção de que o fim desse direito deve satisfazer a interesses comuns. Assim, os novos direitos sociais, coletivos e difusos - segunda e terceira gerações do direito respectivamente, passam a disciplinar e limitar o direito de propriedade.

        A disciplina e limitações impostas alteraram consideravelmente o conceito de propriedade, sujeitando-o a um novo sistema de aquisição, uso e gozo que, muitas vezes, relaciona-se, axiologicamente, com a política de prevenção de danos ambientais.

        Nessa esteira, a propriedade passa a atender a interesses e funções sociais, dentre as quais a qualidade ambiental e a prevenção de danos ambientais merecem destaque.

        Assim, os textos constitucionais de 1934 e 1946 estabeleceram a possibilidade de desapropriação da propriedade em casos de: utilidade ou necessidade pública - (C.F./34) e interesse social - (C.F./46). Desde então, o ordenamento jurídico constitucional reitera os princípios do interesse social e da função social da propriedade.

        Adiante, a Lei nº 4.504, de 30.11.64 - Estatuto da Terra, satisfazendo novas relações jurídicas, sociais e econômicas, disciplina e limita o direito de propriedade rural à exigência da função social. Inova o Estatuto da Terra ao relacionar a conservação dos recursos naturais (art. 2º, § 1º) enquanto condição que satisfaz a função social.

        Ainda, no art. 18 o Estatuto da Terra estabelece limitações ao direito de propriedade com repercussões positivas na políticas ambiental, ao estabelecer que a desapropriação por interesse social tem por finalidade condicionar o uso da terra à sua função social, obrigar a exploração racional da terra, efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais e facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais.

        Com a atual Constituição o direito de propriedade fica condicionado ao bem-estar da coletividade, admitindo-se disciplina e limitações em benefício comum.

        Dentre essas limitações cabe ressaltar a desapropriação, a requisição, a função social e a defesa do meio ambiente, conforme prescreve os arts. 5º, XXIII, XXIV e XXV; 22, III e 170, III e VI, todos do texto constitucional vigente.

        De acordo com MACHADO (1991), o direito de propriedade assegurado pela Constituição Brasileira estabelece uma relação de propriedade com a sociedade - art. 5º, XXIII e art. 170, III e VI, C.F./88. A propriedade não fica constando simplesmente como um direito e uma garantia individual. inexiste, pois, juridicamente, apoio para a propriedade que agrida a sociedade, que fira os direitos dos outros cidadãos.

        A nível constitucional consolida-se a função social da propriedade - arts. 182 e 186, I e II, C.F./88, com nítida repercussão nas políticas conservacionistas, pois sujeita a aquisição, uso e gozo da propriedade às prescrições ambientais, resultando em possibilidades, teóricas e práticas, de conservação dos recursos naturais.

        Se, por um lado, os movimentos sociais rurais reivindicam a edificação de uma ordem campesina pautada na redistribuição fundiária, na democratização das relações de produção rural, na preservação das culturas rurais e em um desenvolvimento rural, social e ecologicamente, sustentável, por outro, compete a esses atores sociais fazer cumprir a função social da propriedade coletivizada, buscando sempre a sustentabilidade sócio-ambiental, justificando, assim, a expansão do processo de Reforma Agrária.

        Num primeiro momento, a preservação de áreas de florestas e de vegetação natural permanente, porventura existentes nas áreas coletivizadas, apresenta-se como uma das alternativas de melhoramento das condições sócio-ambientais da propriedade rural coletivizada, contribuindo para melhor cumprimento da função social, conforme entendimento legal. Senão vejamos:

 

V- Exigências legais de preservação de áreas de florestas e de vegetação natural permanente.

        A Constituição Federal vigente atribui competência comum à União, aos Estados, Distrito Federal, Municípios e à Coletividade para preservarem as florestas, a fauna e a flora - (art. 23, VII c/c art. 225).

        Já a Constituição do Estado da Bahia, além de estabelecer a obrigação de Estado e Municípios preservarem a diversidade e a integridade do patrimônio biológico e genético, bem como definirem espaços territoriais e seus componentes a serem protegidos, considera como áreas de preservação permanente as nascentes e margens de rios, as matas ciliares e áreas que abriguem exemplares raros da fauna, da flora e de espécies ameaçadas de extinção - (art. 214, V e VI c/c art. 215, VI, VII e VIII).

        Adiante, a Constituição Estadual dispõe que as florestas nativas no Estado da Bahia são consideradas indispensáveis ao processo de desenvolvimento equilibrado e à sadia qualidade de vida de seus habitantes não poderão ter suas áreas reduzidas.

        No e ntanto, preservação de florestas e vegetação natural situadas em espaços territoriais legalmente protegidos, ou então assim declarados por ato do Poder Público, não se constitui inovação dos textos constitucionais vigentes, pois foi sistematizada, no Brasil, a partir da Lei nº 4.771, de 15.9.66 - Código Florestal, ao considerar de preservação permanente a cobertura vegetal situada nos seguintes espaços: às margens dos rios ou de qualquer curso d'água em toda a sua extensão, às margens de lagoas, lagos ou reservatórios, naturais ou artificiais, ao redor das nascentes e "olhos d'água", no topo de morros, montes, montanhas e serras, nas encostas, em altitude superior a 1.800 m. e em áreas declaradas por atos do Poder Público como sendo de preservação permanente - (arts. 2º e 3º).

        Além desses espaços territoriais legalmente protegidos, o Código Florestal limita o direito de uso e gozo das florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, estabelecendo limite mínimo de 20% da área de cada propriedade onde não é permitido o corte raso. Trata-se do instituto jurídico denominado de Reserva Legal.

        Também, a Lei º 7.754, de 14.4.89, no art. 2º, estabelece medidas de proteção das florestas existentes nas nascentes dos rios ao prescrever a constituição de uma área em forma de paralelograma, denominada Paralelograma de Cobertura Florestal, onde são vedadas qualquer exploração madeireira

        Considerando que a função social da propriedade somente é cumprida quando a propriedade rural satisfaz, dentre outros, aos requisitos do aproveitamento racional e adequado e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente - (art. 186, I e II, da C.F./88), compete aos movimentos sociais rurais zelar pela preservação dos recursos naturais disponíveis nas áreas de assentamentos, no intuito de consolidar a sustentabilidade local.

        Invariavelmente as áreas onde são implementados os projetos de Reforma Agrária acham-se em estado de improdutividade e, na maioria das vezes, em adiantado estado de perda dos recursos naturais. Quais as ações a serem desenvolvidas pelos movimentos sociais rurais nesses casos? Como recuperar a função social da propriedade? Como alcançar a sustentabilidade? Qual o respaldo e/ou incentivo jurídico-político existente? Com o limitado acesso a cidadania, quais as possibilidades e instrumentos disponíveis para que os movimentos sociais rurais cumpram com a função social da propriedade, após o processo de desapropriação, assentamento e imissão de posse? Se, num primeiro momento, a preservação das áreas de preservação permanente apresenta-se como alternativa para o cumprimento da função social dessas propriedades, num segundo momento tentar-se-á apresentar instrumentos jurídico-políticos capazes de instrumentalizar o processo de recuperação de áreas degradadas.

 

VI- Incentivos à recuperação de áreas de preservação permanente.

        Mediante a parceria Estado-Coletividade, firmada para formulação, implementação e gestão de políticas públicas ambientais, instituída pelo art. 225, "caput", da Constituição Federal vigente, compete aos movimentos sociais rurais buscar, formal e informalmente, em parceria com o Poder Público, Organizações Não - Governamentais, Universidades, Sindicatos, dentre outras instituições, alternativas para a recuperação de áreas degradadas.

        Assim, o art. 18, da Lei nº 4.504, de 30.11.64 - Estatuto da Terra, dispõe que um dos fins da desapropriação e implementação do projeto de Reforma Agrária é a renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais disponíveis na área, sujeitando o Poder Público, em especial o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, e os movimentos sociais rurais a zelarem pela conservação e/ou recuperação dos recursos naturais.

        Também, dentre essas alternativas destaca-se o instituto da Reserva Legal em Condomínio - (art. 17, da Lei nº 4.771/65) que permite a complementação do limite de 20% numa porção em condomínio entre os assentados.

        A mesma norma dispõe que o Poder Público poderá recuperar áreas de preservação permanente, mesmo em propriedade privada, sem desapropriá-la, toda vez que o proprietário assim não proceder - (art. 18, da Lei nº 4.771/65).

        Vê-se, assim, que encontram-se disponíveis aos movimentos sociais rurais dois importantes institutos jurídicos capazes de, seja em condomínio - parceria entre os assentados, seja em parceria com o Poder Público, viabilizar a recuperação de áreas degradadas.

        Ademais, a Lei nº 8.171, de 17.1.91 - Lei de Política Agrícola, estabelece diretrizes orientadoras das ações do Poder Público e dos produtores agrícolas, cabendo ressaltar as seguintes:

- Art. 3º - São objetivos da política agrícola:

IV- proteger o meio ambiente, garantir o seu uso racional e estimular a recuperação dos recursos naturais;

- Art. 4º - As ações e instrumentos de política agrícola referem-se a:

IV- proteção do meio ambiente, conservação e recuperação dos recursos naturais;

- Art. 19 - O Poder Público deverá:

IV- promover e/ou estimular a recuperação das áreas em processo de desertificação;

VII- coordenar programas de estímulo e incentivo à preservação das nascentes dos cursos d'água e do meio ambiente;

- Art. 22 - A prestação de serviços e aplicações de recursos pelo Poder Público em atividades agrícolas devem ter por premissa básica o uso tecnicamente indicado, o manejo racional dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente.

       

        Vejam que o Estatuto da Terra, o Código Florestal e a Lei de Política Agrícola disponibilizam instrumentos que, manuseados pelo Poder Público e pela Coletividade, podem contribuir para a proteção e/ou recuperação de áreas degradadas.

        Cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e aos movimentos sociais rurais, em parceria com os diversos órgão que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA e com a sociedade civil organizada implementar as diversas ações disponibilizadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, visando alcançar um desenvolvimento rural sustentável capaz de oferecer melhores condições de vida aos assentados, bem como assegurar a conservação dos recursos naturais para as gerações futuras.

        Cumpre ressaltar importante avanço da legislação e da política florestal baiana - Lei nº 6.569, de 17.1.94, que tem por objetivo, dentre outros, promover a recuperação de áreas degradadas, por meio de fomento. Além disto, a legislação florestal baiana obriga, a partir de 10.1.94, os proprietários rurais recomporem, em sua propriedade, a reserva legal, mediante plantio ou regeneração em cada ano de, ao menos, 1/30 da área da reserva - (art. 10, § 2º).

        No intuito de incentivar a recuperação de áreas degradadas o Estado da Bahia instituiu o Programa de Fomento Florestal para o Estado da Bahia - Florestas para o Futuro, mediante a Lei nº 7.396, de 4.8.98.

        Conforme o disposto no art. 10, dessa norma, qualquer produtor rural interessado deverá inscrever-se no Programa Florestas para o Futuro, sendo beneficiado com o reflorestamento de até 50 ha e de até 500 ha de manejo florestal. Pequenos e médios proprietários são prioritariamente beneficiários do Programa.

        Por meio desse Programa de Fomento Florestal torna possível aos movimentos sociais rurais, aqui representados pelo recorte específico dos assentamentos de trabalhadores rurais, implementar ações de recuperação de áreas degradadas, seja utilizando espécies nativas, seja utilizando espécies ecologicamente adaptadas, visando uma melhoria nas condições sócio-econômicas e ambientais das áreas de assentamentos.

        Nessas ações necessário que assegure-se ampla participação da comunidade local e da sociedade que civil organizada, atendendo ao princípio da participação popular, previsto no direito e na legislação ambiental, a exemplo do art. 225, da C.F./88. Somente com envolvimento, democratização das relações e efetiva participação pode-se manuseiar com eficácia os instrumentos jurídico-políticos disponíveis para a recuperação de áreas de preservação degradadas, edificando uma ordem de justiça social no campo.

 

VII- Condições de consolidação dos assentamentos de trabalhadores rurais.

        A necessidade de consolidar áreas de assentamentos rurais, seja enquanto projeto alternativo de desenvolvimento agrícola, seja enquanto espaço sócio-ambiental equilibrado, capazes de romper com as concepções impostas pela Revolução Verde, que concebe o meio ambiente como fonte inesgotável de extração de mercadorias/produtos lucrativos, e estimular uma ordem cidadã no campo, requer a implementação de processo político- pedagógico, formal e informal, que (re)oriente as ações sócio-políticas, conduzindo à consolidação e desenvolvimento sustentável das áreas de assentamento rurais no Sudeste da Bahia. Nesse processo de "educação popular", educação para a cidadania, os movimentos sociais rurais são chamados à participação, devendo, no entanto, considerar condições de consolidação dos assentamentos de trabalhadores rurais, aqui tomados enquanto um dos mediadores dos movimentos sociais rurais, a saber:

 

  1. Condições internas - contínuo aperfeiçoamento da democracia direta nas áreas de assentamento; capacitação, teórica e prática, dos atores sociais, seja para o exercício da cidadania, seja para a construção do modelo de agricultura sustentável; contínuo planejamento das ações.
  2. Condições externas – identificação de objetivos comuns a outros movimentos sociais; aproximação com movimentos sociais diversos; parceria com entidades representativas de outros segmentos sociais; difusão dos resultados alcançados e perspectiva dos movimentos sociais rurais, em especial das áreas de assentamento.

        As primeiras condições consideram essencial a expansão e consolidação da cidadania participativa nas áreas, com significativa democratização das relações sócio-políticas cotidianas, fundada numa orientação comunitária. Ademais, considera a necessidade de (re)orientar o processo produtivo, rompendo com concepções da Revolução Verde, que concebe o meio ambiente/recursos naturais como bens, meramente, industrializáveis e consumíveis. A sustentabilidade sócio-ambiental requer contínuo processo de "ecologização" das atividades agrícolas.

        Já as segundas condições exigem contínua (re)articulação com diversos seguimentos sociais, no intuito de superar limites impostos seja pelo aparelho estatal, inapto ao lidar com os movimentos sociais, seja pela desenfreada economia de mercado. Somente consolidando (inter)relações será possível interferir na formulação das políticas públicas, (re)orientando-as no sentido de atender de forma equânime as demandas sociais.

 

VIII- Considerações Finais.

        A consolidação dos movimentos sociais rurais, aqui representados pelos assentamentos de trabalhadores rurais, reside, por um lado, no resgate e afirmação da identidade do ator social rural, capaz de "radicalizar" a busca incessante de sua condição de sujeito de direito, com conseqüente democratização das relações produtivas e das relação sociais cotidianas, e por outro nas (inter)relações estabelecidas com diversos movimento, capazes de mobilizar a sociedade civil rumo à uma ordem cidadã, ordem de direitos instituídos, mas, principalmente, de direitos instituintes, que sejam formulados e reformulados considerando a diversidade e dinâmica social, tudo a desaguar numa (re)construção do tecido social rural, sempre pautado no princípio ético da valorização da dignidade humana.

 

IX- Referências Bibliográficas.

BONIN, Anamaria A. et alli. Movimentos sociais no campo. Curitiba, CRIAR, 1987.

BOSCHI, Renato S. (org.). Movimentos coletivos no Brasil urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

GRZYBOWSKY, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. Petrópolis: Vozes 1987.

MACHADO, Paulo A. L., Direito Ambiental Brasileiro. 3ª ed., Rio de Janeiro: RT, 1991.

MARTINS, J. de Souza. Os Camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1981.

PAIVA, Vanilda (org.).Igreja e questão agrária. São Paulo: Loyola, 1985.

SCHERER – WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1996.

 

(1) FERREIRA, F. Félix. Limites ao direito de propriedade. Revista Jurídica Dataveni@. Campina Grande: UEPB, jul./1999.


Fábio Félix Ferreira

Prof’. Aux. do Bacharelado em Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Mestrando em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente – UESC/PRODEMA.

Marcos César Félix Ferreira

Profº. Aux. do Bacharelado em Biologia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Mestrando em Desenvolvimento Sustentável - UnB/UESB. Membro do Conselho Estadual de Proteção ao Meio Ambiente.