Processo eletrônico: é preciso virtualizar o virtual. Elementos para uma teoria geral doprocesso eletrônico.


Porjulianapr- Postado em 25 abril 2012

 

Processo eletrônico: é preciso virtualizar o virtual. Elementos para uma teoria geral doprocesso eletrônico.

 

Autor: S. Tavares Teixeira

Resumido por: Juliana Pereira Rodrigues

 

O que o autor começa questionando é: “O CPC vai nascer velho ou vai abrir-se para a realidade de um processo eletrônico inovador, baseado na virtualização?”.

Vive-se, ainda, o processo tradicional (papel) e, parcialmente, o processo eletrônico digital, desenhado pela lei 11.419/2006. O novo CPC deveria abrir caminho para um novo processo, re-concebido segundo as possibilidades da virtualização. Esse passo adiante pode ser dado sem macular princípios jurídicos, processuais ou materiais.

1.      Virtualização e digitalização: as categorias e os conceitos operacionais que norteiam esta exposição.

O repasse de informações do papel, do físico, para o computador, o digital, é a digitalização. Por isso, a digitalização é parte indispensável do processo eletrônico, prevista na Lei 11.419/2006.

O neurocientista Michael Gazzaniga denomina “intérprete” um módulo processual da rede cerebral, situado no hemisfério esquerdo do cérebro, que recebe as informações de inumeráveis módulos cerebrais especializados, dedicados e que atuam em paralelo e independentemente. O intérprete recebe essas informações e as consolida numa “história” que faz sentido para a consciência.

Michael Gazzaniga  diz, Assim, talvez, para o nosso processo de interpretação, a realidade é virtual. Depende dos indícios sensoriais que estão aqui e agora.

A virtualização envolve o humano, numa ponta do processo, como o destinatário. Enquanto a digitalização é feita para a máquina, a virtualização é feita para o homem.

Advogados, juízes, assistentes estão sobrecarregados com operações que o sistema processual pode executar com mais rapidez, segurança e confiabilidade. Pode-se aliviar, tirar a sobrecarga, do intérprete.

Vê-se que, falar de virtualização envolve falar de “processo”, de inteligência, de conhecimento, de consciência. O sistema eletrônico de processamento de ação judicial – SEPAJ - precisa dar esse passo adiante e absorver, após o processo de virtualização primária, outros processos de virtualização que, na atualidade, ocorrem apenas nos cérebros de advogados, procuradores, assistentes e juízes.

2.      O juiz e a virtualização: máquinas triviais e não triviais

O autor considera que mesmo com a virtualização do processo, não há possibilidade de um processo sem juiz.

Como ferramenta tecnológica para tramitar a ação, um sistema eletrônico de processamento de ação judicial (SEPAJ) é tido como uma máquina trivial, completamente previsível dentro de suas limitadas variáveis, enquanto que os humanos (advogados, assistentes, juízes, testemunhas, peritos, partes) são os responsáveis pela introdução da não trivialidade. A cargo deles se encontra a avaliação autorreferencial, ou seja, em momentos muito especiais, a eles incumbe fazer a medição das condições internas efetivas para fazer o próximo giro do sistema

Quanto mais o SEPAJ absorver as operações triviais (automatizar-se), mais eficiente se tornará no auxílio aos operadores que têm o ônus de promover os giros não triviais.

3.      A lei 11.419, a ênfase para a digitalização e o esmaecimento da virtualização

A lei 11.419/2006 – a lei do processo eletrônico – não contém o termo virtual e um total de 22 ocorrências de palavra com raiz “digital”.

A ênfase legal para o fenômeno da digitalização escamoteou a importância de se ir além e de se prestigiar a introdução, no sistema processual, das possibilidades que somente a virtualização pode trazer. Na verdade, conscientemente ou inconscientemente, fez-se um movimento de fuga da complexidade, o que compromete inteiramente o futuro do processo eletrônico.

Há um dispositivo na lei 11.419/2006, na verdade um comando expresso, que tem sido esquecido pela maioria dos SEPAJs atuais. A impossibilidade de dar cumprimento a esse comando legal é, talvez, a expressão mais contundente da impotência do processo eletrônico digital existente no Brasil hoje.

Diz o parágrafo único do artigo 14 da lei 11.419/2006: “Os sistemas devem buscar identificar os casos de ocorrência de prevenção, litispendência e coisa julgada.”

4.      O sistema processual eletrônico atual, suas peças digitais e suas limitações. Revisando e exemplificando.

5.      Tamanho de uma peça processual: função de muitas variáveis

Tome-se uma petição inicial ideal, elaborada com um editor de texto comum. Considerá-la contextualmente e desmontá-la lógico-cartesianamente demonstra que: a) uma imensidão de variáveis está em jogo e contribui para um tamanho maior e b) a tecnologia pode ajudar, atuando sobre muitas dessas variáveis, para, entre outras coisas, “reduzir o tamanho”.

Algumas variáveis interessam para a virtualização. Outras não. Veja-se: o estilo pessoal do redator, a facilidade do famoso copia-cola trazido pelo computador, a facilidade de remendar a peça até o último momento (quem lembra do tempo do carbono? Os recémformados, ao ouvirem carbono, pensam no efeito estufa! Os antigos ainda lembram do efeito “apaga em cascata, folha a folha!”), a facilidade de acesso e consulta à doutrina e à jurisprudência, a qualidade do cliente e suas exigências, o “faturamento” (puxa, você cobrou isso para escrever uma folhinha?), a quantidade de pedidos, a quantidade de teses a serem expostas ou analisadas na peça, a quantidade de partes e testemunhas, a qualidade da tese – pacificada ou inovadora – o nível em que a peça está chegando ao processo, e por aí vai.

Em vários dos exemplos, a virtualização poderá postar-se ao lado do produtor da peça para o auxiliar: melhoria da qualidade sem perda de produtividade, atendimento facilitado das formas etc.

A tecnologia abriu caminhos para a geração do caos em termos de peça processual. Viu-se, acima, que há muita coisa trabalhando na direção da maior quantidade dos litígios. Nos processos daí oriundos, há uma vastíssima cesta de razões, de todas as origens, para pedir e para contestar.

Nada é demais. Nem suficiente. Sempre cabe mais um argumento. À mão ou à máquina de escrever, ficar-se-ia nas primeiras páginas, após um esforço seletivo do que pudesse constituir o melhor argumento. Com internet, mecanismos de busca, decisões à vontade para consultar, conhecer e prever possíveis caminhos do processo (juízes, composições de turma etc), a abundância jamais é alcançada. Não há ponto de saturação.

Somente com tecnologia bem usada, com ampla “virtualização” do processo (com ênfase para as peças), pode-se responder a essa exacerbação das possibilidades do jogo processual promovida pela tecnologia. Tecnologia contra tecnologia.

6.      Manejando as variáveis de uma peça processual: o editor de peça processual virtual

Tendo-se em conta a proposta de virtualização efetiva das peças processuais – e do processo como um todo – torna-se evidente que a produção dessas peças pode e deve ser efetuada por editores próprios, preparados para a geração de tal documento virtual, não meramente digital. A edição especializada passa a ser, sem dúvida, parte indispensável de um sistema processual.

Daí falar-se em avançar da ideia de edição de texto para a edição de peça processual. O PJe-JT, recentemente implantado na vara do trabalho da cidade de Navegantes, em Santa Catarina, já incorpora um editor de textos para a produção das peças processuais no âmbito do próprio sistema. Esse editor ainda trabalha muito próximo da noção de uma edição de texto comum. Mas ele abre a porta para evoluir e chegar à concepção de edição especializada de peça processual. Os tecnólogos, entendendo a essência da atividade processual, poderão avançar essa ferramenta para torná-la um facilitador do trabalho dos operadores jurídicos na produção de efetivas peças virtuais.

Um editor de peça virtual vai garantir ao advogado, com grande liberdade e simplicidade, manter a aparência da edição comum, com a produção efetiva de uma peça virtual apta a permitir que o sistema processual deixe de ser um mero estoquista de imagens para postar-se como efetivo auxiliar dos operadores. Sob a aparência da continuidade, promove-se consistente mudança.

7.      Bases confiáveis: não volatilidade e persistência.

A existência de bases confiáveis, não voláteis e persistentes, acessáveis por linkamento e outras tecnologias, é um corolário da virtualização. O exame dos elementos das peçasprocessuais demonstra isso. E a pretensão de virtualizar o processo em termos mais amplosreforça essa necessidade. O legislador deve contemplá-las para autorizar sua formação e seuuso.

Base confiável de informação, não volátil e persistente, é aquela fonte que, virtualmente, apenas virtualmente, passará a fazer parte do processo. Os requisitos da não volatilidade e da persistência parecem ser evidentes, uma vez que se quer que os conteúdos dessas bases de dados, na exata forma em que entraram na consideração dos agentes processuais e instrumentalizaram operações no caminho processual – determinaram a evolução estrutural-autopoiética do processo -, se perpetuem no tempo e na forma. A ideia de não volatilidade acentua a necessidade de imutabilidade da informação. Ao juntar-se a ideia de persistência, realça-se o aspecto temporal.

Inúmeras dessas bases confiáveis já existem. Outras podem ser rapidamente transformadas nelas. Todas as bases jurisprudenciais, os diários eletrônicos, as bases legislativas, os bancos de dados de convenções coletivas, dados de cartórios eletrônicos, base da previdência social, bases bancárias, da receita federal, e assim por diante. Inúmeras delas são estabelecidas, legalmente, como não voláteis e persistentes. Os próprios autos processuais mantidos pelos tribunais são, ou podem ser, bases confiáveis.

A confiabilidade de bases não voláteis e persistentes alivia o processo da necessidade de internalizar fisicamente a informação. O âmbito do processo, virtualmente construído, espraia-se pelos limites do “utilizado”, o que garante a autonomia processual apesar da virtualidade da internalização do dado. A persistência permite que se considere a alimentação virtual como válida para considerar os trechos de informação de outras bases como integrantes da própria base do sistema processual.

8.      Bases confiáveis, não voláteis e persistentes, e a teoriasistêmica de Niklas Luhmann

Considerações finais

O novo CPC não pode nascer velho. E deve assumir o papel de grande sistematizador do processo virtual no Brasil.

O processo digital vem prestando imensos benefícios para o avanço tecnológico no âmbito judicial. Suas limitações também começam a se tornar evidentes.

O processo digital exibirá, cada vez mais, sua incapacidade para produzir os resultados esperados de aceleração dos prazos e de otimização da qualidade da prestação jurisdicional.

O novo CPC pode e deve ao menos:

(i) Determinar que se caminhe na direção da virtualidade e se abandone a mera digitalização; os desdobramentos desse comando são incontáveis, chegando até à facilitação e aceleração do ato decisório (auxiliando efetivamente o juiz);

(ii) Estabelecer a padronização sistêmica, em níveis que só a virtualização pode permitir – o que não significa sistemas iguais, os técnicos sabem disso;

(iii) Exigir e autorizar a integração sistêmica plena do ou dos SEPAJs com os demais sistemas do mundo (extraoperabilidade);

(iv) Determinar e autorizar o estabelecimento e a utilização de bases de dados confiáveis; com isso, entre outras coisas, abrindo espaço para o uso amplo, mas seguro e controlado, do linkamento e outras tecnologias, nos sistemas processuais, nos níveis de informação e operação;

(v) Zelar pelo acionamento da publicidade somente até os limites necessários para a garantia da fidedignidade do processo (evitar os julgamentos secretos); a virtualização facilitará enormemente esse ajuste;

(vi) Determinar a submissão da tecnologia ao jurídico e não o inverso (princípio da dupla instrumentalidade ou da subinstrumentalidade da tecnologia);

(vii) Determinar que a alimentação do sistema processual se faça em consonância com os ditames da virtualidade e de modo que abram caminhos para a otimização do sistema processual (datificação pertinente);

(viii) Determinar a adoção de peças processuais virtuais e abrir caminho para investimentos públicos no desenvolvimento de ferramenta de edição especializada de peças processuais (editor de peça processual virtual), de propriedade do Estado e de distribuição gratuita, para uso acoplado aos sistemas processuais ou não; a determinação deverá ser feita no nível de generalidade e abstração compatível com o teor da lei, mas com redação que abranja o que já agora se mostra adequado para o processo e

(ix) Determinar que o sistema processual, independentemente das ferramentas tecnológicas adotadas, seja de propriedade do Estado brasileiro – que dele poderá dispor da maneira que os interesses nacionais exigirem - e não esteja sujeito a licenças de quaisquer ordens, formatadas por terceiros.