Princípio da Boa-Fé no Processo Eletrônico


PorFerdinando Zat- Postado em 20 fevereiro 2012

PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NO PROCESSO ELETRÔNICO

  

Com o presente artigo, procura-se passar o conceito da boa-fé, diferenciado boa-fé objetiva e subjetiva e sua aplicabilidade no processo eletrônico brasileiro.

Embora o campo de atuação da boa-fé seja vasto, é grande a dificuldade em sua conceituação, visto que admite uma série de significados, conforme seja analisada sob os prismas subjetivo ou objetivo, como princípio ou cláusula geral.

No Brasil, pode-se considerar a Constituição Cidadã de 1988 como o primeiro grande passo para o reconhecimento da dualidade de conceitos em nossa legislação, haja vista que se utilizou de princípios como o da dignidade da pessoa humana e promoveu uma reinterpretação de todo o direito civil e processual civil.

Atualmente, a boa-fé é definitivamente encarada sob os seus diversos ângulos, sendo que, como princípio, atua, simultaneamente, como postulado ético inspirador da ordem jurídica e critério de aplicação das normas existentes.

Conforme o entendimento de Flávio Alves Martins (2000), tão grande é a importância deste instituto, que, embora não se possa afirmar que todas as normas jurídicas de um determinado ordenamento sejam derivadas de boa-fé, pode-se dizer que é um dos princípios que mais influencia o sistema, representando o reflexo da ética no fenômeno jurídico.

A expressão "boa-fé" possui origem latina, em "fides", que, nos tempos romanos, significava honestidade, confiança, lealdade e sinceridade e sua existência decorre do primado da pessoa humana.

Uma corrente minoritária entende pela superação da distinção entre boa-fé objetiva e subjetiva, optando pela unidade de conceitos, como é o caso de Antônio Hérnandez Gil. O conceito unitário fundar-se-ia em dois pilares: primeiramente, pelo fato de a boa-fé atuar sempre como pauta de comportamento ditada pela moral social e também porque, tanto a boa-fé subjetiva como a objetiva conteriam uma normatividade, embora em graus distintos.

Entretanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência, hoje, admite a existência de dois prismas da boa-fé: um subjetivo e um objetivo, num entendimento de que a unificação das vertentes acabaria por elevar ainda mais o nível de abstração dos conceitos.

Num primeiro momento, poder-se-ia dispor que a boa-fé subjetiva se refere a dados psicológicos, elementos internos, os quais conduzem o sujeito a uma ignorância do caráter ilícito de suas condutas, relaciona-se com a idéia de crença errônea, enquanto que, a boa-fé objetiva, refere-se a elementos externos, normas de conduta, que determinam a forma de agir de um indivíduo, conforme os padrões de honestidade socialmente reconhecidos.

A boa-fé subjetiva é também denominada de boa-fé crença, isto porque, conforme já fora afirmado, refere-se a elementos psicológicos, internos do sujeito.

Sob este prisma, há a valoração da conduta do agente, uma vez que agiu na crença, analisando-se a convicção na pessoa que se comporta conforme o direito. O manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um ato ou fato jurídico. Há a denotação de ignorância, crença errônea, ainda que escusável.

Nas palavras de Martins-Costa (2000, p. 411):

 

A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

 

Apenas no que se refere à boa-fé subjetiva é que pode se utilizar do consagrado brocado de Stoco (2002, p. 37) de que "a boa-fé constitui atributo natural do ser humano, sendo a má-fé o resultado de um desvio de personalidade".

Já a boa-fé objetiva seria uma regra de conduta imposta, mas não definida em lei, remetendo a princípios e normas sociais. Trata-se, por derradeiro, de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé nem tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade.

Entretanto, apesar de se relacionar com o campo ético-social, a este não se restringe, inserindo-se no jurídico, devendo o juiz tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica.

Consoante a definição de Martins (2000, p. 73):

 

A boa-fé, no sentido objetivo, é um dever das partes, dentro de uma relação jurídica, se comportar tomando por fundamento a confiança que deve existir, de maneira correta e leal; mais especificamente, caracteriza-se como retidão e honradez, dos sujeitos de direito que participam de um relação jurídica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido.

 

A boa-fé objetiva, que se consubstancia em uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia, tendo como base o padrão do homem médio e independentemente de qualquer questionamento subjetivo, não é uma idéia nova, nem tampouco surgiu em nosso Código Civil de 2002 ou mesmo no Código de Defesa do Consumidor, mas, ao contrário, passou por uma lenta e gradativa evolução, desde os tempos romanos, sendo que, pelo legislador constituinte de 1988 foi reconhecida e eregida à condição de princípio, adquirindo o status de fundamento ou qualificação essencial da ordem jurídica.

Isto significa dizer que atua como postulado ético inspirador de toda ordem jurídica e que, por derradeiro, sempre deverá ser aplicada no caso concreto. Nos dias atuais, não há como não se reconhecer a sua incidência em todos os temas de direito civil e direito processual civil.

Pois bem, mas o que a boa-fé tem haver com o processo eletrônico? É essa analise que será abordada a seguir.

Conforme prevê o código de ética e disciplina da OAB, o advogado é indispensável:

Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.

 Parágrafo único. São deveres do advogado:

 II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;

 

Com o advento da Lei 11.419 de 19 de dezembro de 2006, que Dispõe sobre a informatização do processo judicial e alterou a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil e dá outras providências.

Conforme prevê o Art. 1o  “O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.”

Continua a mesma Lei:

 

Art. 11.  Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais.

§ 1o  Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

§ 2o  A argüição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na forma da lei processual em vigor.

§ 3o  Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no § 2o deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória.

 

No processo eletrônico, como pode-se perceber documentos são digitalizados, enviados e assinados eletronicamente. Tudo baseado na confiança e boa-fé, das pastes, advogados e juiz. Os documentos somente serão conferidos caso solicitado pelo juiz ou suscitada falsidade por uma das partes.

Caso contrário nada será material, tudo o que será analisado serão arquivos e documentos que tende a serem cópias fiéis das originais.

Dessa forma o princípio da boa-fé é muito aplicado ao processo eletrônico, e por que não dizer um dos mais importantes princípios aplicáveis ao novo meio de se resolver litígios.

 

Referências Bibliográficas

 

Brasil. Processo Eletrônico: (Lei n. 11.419, de 19.12.2006).

 

 Código de Ética e Disciplina da OAB, VADE MECUM, Editora Rideel, 10ª edição, 2010, São Paulo.

 

MARTINS, Flávio Alves. Boa-fé e sua formalização no direito das obrigações Brasileiro. 2. ed. Lumen Júris, 2000.

 

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: Sistema e tópica no processo obrigacional. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

 

STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual: Aspectos doutrinários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.