Ordem jurídica econômica no decorrer das constituicões brasileiras


Porjulianapr- Postado em 19 março 2012

Autores: 
Daiane Acosta Amral

Ordem jurídica econômica no decorrer das constituicões brasileiras

 

O estudo de um ordenamento jurídico deve partir da conceituação de ordem jurídica, daí a ordem jurídica é vislumbrada sob dois aspectos: o formal e o material ou substancial.

Sob o aspecto formal, a ordem jurídica é visualizada com o objetivo de ver se a norma tem validade.

Neste sentido Kelsen (1974, p 57) :

(...) uma norma é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas serem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é uma norma fundamental da qual se retira a validade de todos as normas pertencentes a essa ordem. Uma norma singular é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica gerando a sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem.

Em síntese, a norma estará pertencendo à ordem jurídica se estiver em consonância formal com a norma fundamental, independentemente da consideração do conteúdo.

No entanto, com pensamento diverso Santi Romano (1975, p 19) assevera que:

(...) o direito, antes de ser norma, antes de se relacionar com uma ou várias ordens sociais, é organização, estrutura, atitude da mesma sociedade na qual ele esta em vigor e que por ele se origem em unidade, em um ser existente por si mesmo...O conceito necessário e suficiente, a nossos olhos para traduzir em termos exatos o de direito enquanto ordem jurídica tomada em seu conjunto e em sua unidade é o conceito de instituição e inversamente. Toda ordem jurídica é uma instituição, toda instituição, é uma ordem jurídica: há, entre estes dois conceitos, uma equação necessária e absoluta.

Através destes dois depoimentos percebe-se que o conceito de ordem jurídica importa em ver a coerência formal entre as normas, para que se assegure a própria essência do sistema, mas também é fundamental atentar para o aspecto semântico do conteúdo de ordem jurídica, isto é, para a coerência material existente entre as normas e a sociedade de que pretendem reger.

Ademais a ordem jurídica não se concretiza sempre do mesmo modo através do lapso temporal a qual se sobrevive.

De acordo com a integração no contexto de uma instituição que se conforma com as peculiaridades da sociedade em que estratifica, tem ela características absolutamente próprias, que devem ser distinguidas pelo intérprete.

Vale salientar que um sistema de normas jurídicas é sempre o reflexo de uma determinada visão do mundo, de uma determinada ideologia, justamente porque, a cada momento, é possível defender num sistema uma razão jurídica que lhes é peculiar.

Neste sentido, aduz Arnaud (1981, p22) que:

Todo o direito, enquanto sistema de normas jurídica imposto, é o reflexo de uma visão de mundo, projetada em parte conscientemente e em parte inconscientemente, por intermédio do padre, na vida social e econômica do grupo sob forma de regras atributivas, imperativas ou proibitivas, destinadas a assegurar a realização desta visão.

Deste modo, o estudo da ordem jurídica brasileira sob o enfoque do ordenamento da economia, sob esta dupla abordagem, terá como escopo descobrir a precípua razão jurídica que informou cada momento histórico da revelação discursiva através de um texto constitucional.

1. Constituição de 1984

A Constituição Federal de 1924 emergiu dentro de um contexto preparado pela filosofia política que implementou a idéia do valor do homem decorrente de sua inserção na natureza.

Destarte que pode-se assinalar um conjunto de fontes para o pensamento que veio a impregnar o constitucionalismo do século XIX, influenciando também as duas primeiras constituições brasileiras.

Dentre as fontes políticas destaca-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão votada em 27 de agosto de 1789 pela assembléia Constituinte e incorporada com preâmbulo à Constituição Francesa de 1791 e a Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de junho de 1776. Já entre as fontes filosóficas na doutrina dos direitos naturais e na filosofia das Luzes.

Tais fontes exaltam o valor da pessoa humana como portadora de direitos que lhes foram conferidos pela própria natureza acentuam a concepção de um poder político limitado.

Assim, a lei, como atuação do Estado, deve garantir a liberdade da pessoa humana e deve limitar a atuação do próprio estado, de modo a garantir o desenvolvimento natural do homem em todas as suas atividades

Do ponto de vista econômico, o pensamento de ADAM SMITH enfatiza que o equilíbrio econômico sobreviveria:

(...) numa sociedade onde se permitisse que as coisas seguissem o seu curso natural, onde houvesse liberdade perfeita e onde cada Homem fosse totalmente livre de escolha a ocupação que quisesse e de a mulher sempre que lhe aprouvesse.

A respeito de tal ideologia, vale ressaltar que o liberalismo é o movimento que tomou como objetivo defender a liberdade, quer no plano político quer no econômico.

Assim, o Projeto de Constituição, lido na sessão do dia 1º de setembro de 1983, seguindo esse pensamento ideológico, mencionava:

Art 7 A Constituição garante todos os brasileiros os seguintes direitos individuais...

I – A liberdade pessoal

..............................

IV – A liberdade de indústria

V – A inviolabilidade da propriedade

A transcendência e inviolabilidade dos direitos individuais ou naturais têm como conseqüências a plenitude do direito de propriedade, a liberdade de indústria e comércio, a abolição das corporações de ofício, a garantia do direito de propriedade sobre o inventor, como se infere da leitura do art 179 §§ 22, 24, 25 e 26 do referido texto constitucional.

De modo geral a razão jurídica que impugna a Constituição de 1984, do ponto de vista da Economia, revela que ao Estado cumpria somente garantir o funcionamento natural dessas leis, a sua proteção deveria limitar-se somente a remover os embargos que pudessem entorpecer a marca regular dos princípios elementares da riqueza.

2. Constituição de 1891

A constituição de 1891 trouxe mudanças políticas, todavia permaneceu imutável quanto ao caráter ideológico que reinavam a ordem econômica reinante.

Destarte que as idéias finalistas se manifestaram e se impuseram à consideração e discussão nacionais desde a Assembléia Constituinte de 1824, mantendo-se vivas durante todo o período Imperial.

Tal continuísmo ideológico, do ponto de vista econômico pode ser comprovado a partir da leitura do § 17 do art 72 da CF / 1891: O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação, por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia.

Como mencionam Paulo Bonavides e Paes de Andrade (1989, 251-252):

(...) uma coisa foi a ordem constitucional formalmente estabelecida pela vontade da Assembléia Constituinte, onde se patenteava o primado da ideologia de elite da classe burguesa e outra cousa muito diferente, a realidade e a organização das nações republicanas, proveniente da crise do cativeiro e da derrubada das instituições imperiais.

3. A Constituição de 1934

O período pós Primeira Grande Guerra foi celeiro de transformações sociais. Desse modo, os princípios liberais se esgotam na defesa de uma liberdade abstrata que acabou por sufocar o próprio cidadão que dela era titular.

Assim, a sustentação da liberdade como decorrência da própria natureza, se desvaiu por entre os meandros da relação concreta entre o capitalista, possuidor dos meios de produção, e o operário que lhe prestava seu trabalho, tal relação degenerou em exploração.

Tal fato, se convencionou chama-lo de questão social a partir do século XIV. Como obtempera MARX: A estrutura econômica da sociedade capitalista nasceu da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou elementos para formaào daquela.

Engels (1975, p 155) sobre esse tema analisando que:

Cada novo progresso da circulação é ao mesmo tempo um novo progresso das desigualdades. Todas as instituições que a sociedade cria, nascida da civilização, frustraram seu fim primitivo. Levam uma opressão até ao ponto em que a desigualdade, levada ao extremo, se muda de novo em uma contrária e chega a ser causa de igualdade, perante o déspota todos são iguais; iguais a nada (..)

Corroborando com este dilema em 1897, o Papa Leão XIII publicou sua famosa Encíclia “Rerum Novarum” sobre a questão operária e sobre a economia social. Leão situa a solução dos graves problemas socais dentro dos parâmetros de uma justiça social.

Ressalta que o Estado pode melhorar a sorte da classe operaria, removendo a tempo as causas das quais, como é de se esperar, hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre a salubridade, sobre salário justo.

Diante deste contexto fático, a Constituição Federal de 1934 veio a dar forma jurídica aos anseios sociais, sem cancelar ou negar os princípios já inseridos nos textos constitucionais anteriores, mas colocando-os também no seio da nova ideologia acatada pelo constitucionalismo social.

Destarte que já no Preâmbulo da Constituição a Assembléia Nacional Constituinte fazia constar o sinal de mudança, afirmando a intenção de organizar um regime democrático, que assegurasse à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social econômico, deixando claro a ideologia aplicada na época. Assim, o direito de propriedade individual continua garantido como percebe-se no art 113 § da citada Constituição: É garantido o direito de propriedade que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar (..)

Sendo que a Constituição de 1934 é a primeira a prover em título referente à Ordem Econômica e Social. Ademais o texto constitucional impõe a obrigatoriedade de o Estado, através de leis, direcionar a economia como mencionaram os artigos 116 e 117 no qual aduzem que a lei deverá promover o fomento da economia própria, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito, da mesma forma deverá providenciar a nacionalização das empresas de seguros.

4 .A Constituição de 1937

A Constituição de 1937 restringiu exclusivamente ao campo do nominalismo, se destaca no texto constitucional o primeiro momento de aparecimento da expressão “intervenção no domínio econômico”, no art 135:

Art 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta.

Ademais, permanecem os dispositivos legais determinantes da atuação do estado na esfera das atividade econômica, como nota -se através dos artigos 140, 141 e 144:

Art 140 - A economia da população será organizada em corporações, e estas, como entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a assistência e a proteção do Estado, são órgãos destes e exercem funções delegadas de Poder Público.

Art 141 - A lei fomentará a economia popular, assegurando-lhe garantias especiais. Os crimes contra a economia popular são equiparados aos crimes contra o Estado, devendo a lei cominar-lhes penas graves e prescrever-lhes processos e julgamentos adequados à sua pronta e segura punição.

Art 144 - A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas dágua ou outras fontes de energia assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar da Nação.

5. A Constituição de 1946

O preâmbulo da Constituição de 1946 se refere à Organização de um regime democrático como síntese de três elementos: político, econômico e social.

Nota-se que o alicerce da Constituição é de todo neoliberal. O neoliberalismo vem significar que, aceitos os princípios básicos do liberalismo político e econômico, são eles moldados pelas novas conquistas sociais e informados pela nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.

Na busca de solução para o impasse entre capital e trabalho a Constituição impõe um equilíbrio inspirado nos princípios da justiça social, essencialmente distributiva, entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano.

Vale salientar que enquanto a Constituição Federal de 1937 procurava reprimir os “Crimes contra a economia popular”, a Constituição Federal de 1946 pautou na ideologia calcada na legislação norte-americana antitruste.

Assim dispõe o art 148 da Constituição Federal de 1946:

Art 148 - A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

No que tange a intervenção do domínio econômico, é percebível no texto que se trata de atribuição da União, que poderá também monopolizar determinada indústria ou atividade.

6. A Constituição de 1967-1969

A constituição de 1967-1969 foi preparada a partir de idéias que primavam pela “segurança nacional”. A constituição de 1967 foi voltada sob influencia do Ato Institucional nº 4 de 7 de dezembro de 1966.

A pessoa humana não estava em primeira linha de cogitação, sendo os princípios apontados como base os seguintes: liberdade de iniciativa, valorização do trabalho como condição da dignidade humana, função social da propriedade, harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção e repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitratio dos lucros.

A atribuição do Estado vem na redação do art 163 da Emenda nº 1 coincidente com o da § 8 do artigo 157 do texto de 1967:

São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indisponível por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser devolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

Destarte a discriminação do papel do estado referente á organização e exploração das atividades econômicas, sendo que no artigo 17 do texto de 1969 elenca a competência do setor privado e do setor estatal.

A partir de tais princípios constitucionais o estado assumiu o encargo de promover o desenvolvimento nacional, ou seja, atuando no domínio econômico ou intervindo indiretamente. Ademais, do ponto de vista socioeconômico, o texto trouxe inovação ao criar as regiões metropolitanas, com escopo de promover um desenvolvimento integrado de municípios que façam parte da mesma comunidade socioeconômico.

7. A Constituição de 1988

O rompimento com o período político propiciar a formação de uma idéia marcada pelo embate aos fundamentos informados do constitucionalismo anterior, nos campos econômicos e sociais, o que garante ao texto constitucional vigente o apelido de Constituição Cidadã.

O texto constitucional elenca em seu art. 1º os princípios norteadores do estado democrático de Direito, que devem permear a ordem política e econômica.

No âmbito das relações internacionais, a Constituição de 1988 os princípios basilares da política econômica são: independência nacional, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, prevalência dos direitos humanos e o da autodeterminação dos povos.

Ressalta-se que todos os princípios e objetivos contidos na carta Magna deverão estar presentes na análise de todos os dispositivos constitucionais, pois a Constituição Econômica não se restringe aos artigos contidos no Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – não tem mais expressão e seu conteúdo em diversos outros tópicos da Constituição.

O Título VII – Da Orem Econômica e Financeira compõe- se de quatro capítulos, a saber: I – Princípios Gerais da Atividade Econômica; II – Política Urbana; III – Política Agrícola e Fundiária e ária e Reforma Agrária e IV – Sistema Financeiro Nacional.

8. Conclusão

Diante do exposto abordado em relação às nodificações da ordem econômica no decorrer das constituições brasileiras e dos princípios constitucionais propostos neste estudo, houve a oportunidade de contemplar o Estado, como elemento normatizador e regulador das atividades econômicas, cumprindo seu papel de fiscalizar, incentivar e planejar o direcionamento do sistema econômico nacional em diferentes momentos históricos do país.

Assim sendo, no texto constitucional em vigência enfatiza com grande relevância dois fatores principais, a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, na ordem econômica brasileira com o escopo de garantir a todos os indivíduos uma existência digna, conforme os preceitos da justiça social. Assim, os princípios constitucionais sugerem uma direção para a ordem econômica, porém sem perder de vista o princípio básico da função social.

9. Referência

ENGELS, Frederico. Introdução al estúdio del socialismo. Madrid. Editorial Ayuso, 1975.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

MARX, K. Contribuição à critica da Economia Política. 2º ed. São Paulo. Ed. Martins Fontes. 1985.

MÜLLER, Geraldo. A economia mundial contemporânea: uma introdução. Revista de Economia Politica, São Paulo, v. 4, p. 45-59, 1986.

PETTER, Lafayete Josué. Princípios Constitucionais da Ordem Econômica. São Paulo: RT, 2005.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método,2003.

Data de elaboração: marco/2011

 


Daiane Acosta Amral
Funcionária pública municipal.