O termo inicial da contagem do prazo prescricional em sede de processo administrativo disciplinar


Porrayanesantos- Postado em 28 junho 2013

Autores: 
MARTINS, Antonio Carlos Soares

   Ponto relevante no estudo do processo administrativo disciplinar que sempre causou inquietação diz respeito ao termo a quo da contagem do prazo prescricional no âmbito do processo administrativo disciplinar.

 

            Inicialmente, deve-se ressaltar que, no âmbito da Administração Federal, é a Lei n.º 8.112, de 1990, o diploma legal em que se encontra disposto o processo disciplinar, mais precisamente em seus artigos 143 a 182. Contudo, relativamente ao objeto de estudo, é no art. 142 do mencionado Estatuto que encontramos o disciplinamento acerca da prescrição da ação disciplinar, senão vejamos:

 

  “Art. 142.  A ação disciplinar prescreverá:

 

        I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;

 

        II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;

 

        III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.

 

        § 1o  O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.

 

        § 2o  Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.

 

        § 3o  A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.

 

        § 4o  Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.” – grifei.

 

            Por não ter havido uma precisão nos termos do § 1º do art. 142, quanto à pessoa para a qual se dirige o comando legal, ainda encontra-se dificuldade para identificá-la e, por conseguinte, determinar a data do termo inicial do prazo prescricional da ação disciplinar.

 

            No início de 1995, com a publicação do Parecer do Advogado-Geral da União GQ – 55, aprovado pelo Presidente da República, a Administração Federal passou a ter um norte relativamente ao trato desse assunto, pois, no bojo do parecer, há uma passagem que esclarece que o prazo prescricional teria início a partir do momento em que a autoridade competente para instaurar o processo disciplinar tivesse conhecimento do fato, vejamos:

 

 “...

 

Nesta razão, determinada a prescrição pela negligência ou pela inércia a respeito da ação protetora de um direito, no prazo assinalado por lei, é princípio assente que não prevalece a omissão ou a falta relativamente à pessoa que não possa agir ou esteja impossibilitada de agir: "Non valentemagere non curritpraescriptio."

 

 

 

Aquele que não pode agir ou está impossilitado de agir, não se mostra, em verdade, negligente ou omisso acerca de seu direito". (Vocabulário Jurídico - De Plácido e Silva).

 

19. A inércia da Administração somente é suscetível de se configurar em tendo conhecimento da falta disciplinar a autoridade administrativa competente para instaurar o processo.Considerar-se a data da prática da infração como de início do curso do lapso temporal, independentemente do seu conhecimento pela Administração, sob a alegação de que a aplicação dos recursos públicos são objeto de auditagens permanentes, beneficiaria o servidor faltoso, que se cerca de cuidados para manter recôndita sua atuação anti-social, viabilizando a mantença do proveito ilícito e a impunidade, bem assim não guardaria conformidade com a assertiva de que a prescrição viria inibir o Estado no exercício do poder-dever de restabelecer a ordem social, porque omisso no apuratório e apenação.”(PARECER: GQ - 55
NOTA: A respeito deste Parecer, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República exarou o seguinte despacho: "Aprovo". Em 30.1.95. Publicado na íntegra no DO de 2/2/95,P. 1398.) – grifei. 

 

         Considerando-se o que dispõe o art. 143[1] da Lei 8.112, de 1990, o entendimento se mostra bastante razoável, em que pese o § 1º do art. 142 não ter feito está referência.

 

            De todo modo, a orientação a que se viu vinculada toda a Administração Federal[2] nem sempre anda par e passo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ, cuja oscilação bem pode ser demonstrada com as transcrições que se farão a seguir.

 

            Em dado momento, como se observa do teor do Acórdão exarado nos autos do Mandado de Segurança n.º 14.159 – DF, havia entendimento pacificado contrário àquele presente no Parecer GQ – 55, no sentido de que não haveria necessidade de ser a autoridade específica competente para a instauração do PAD, bastando que o fato tivesse sido conhecido pela Administração. Vejamos o teor da Ementa do referido acórdão:

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSOADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TERMOINICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONHECIMENTO DOS FATOS PELAADMINISTRAÇÃO, MAS NÃO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAR AINFRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONALPREVISTO NO CPB, POR INEXISTÊNCIA DE AÇÃO PENAL E CONDENAÇÃO EMDESFAVOR DO IMPETRANTE. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO NALEGISLAÇÃO ADMINISTRATIVA (ART. 142 DA LEI 8.112/90). INSTAURAÇÃO DEPAD. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. REINÍCIO APÓS 140 DIAS.TRANSCURSO DE MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.ORDEM CONCEDIDA, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.

 

1.   O excepcional poder-dever de a Administração aplicar sançãopunitiva a seus Funcionários não se desenvolve ou efetiva de modoabsoluto, de sorte que encontra limite temporal no princípio dasegurança jurídica, de hierarquia constitucional, uma vez que ossubordinados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da potestade disciplinar do Estado, além deque o acentuado lapso temporal transcorrido entre o cometimento dainfração e a aplicação da respectiva sanção esvazia a razão de serda responsabilização do Servidor supostamente transgressor.

 

2.   O art. 142, I da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos ServidoresPúblicos da União) funda-se na importância da segurança jurídica nodomínio do Direito Público, instituindo o princípio da inevitávelprescritibilidade das sanções disciplinares, prevendo o prazo de 5anos para o Poder Público exercer o jus puniendi na searaadministrativa, quanto à sanção de demissão.

 

3.   A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que otermo inicial do prazo prescricional da Ação Disciplinar é a data emque o fato se tornou conhecido da Administração, mas nãonecessariamente por aquela autoridade específica competente para ainstauração do Processo Administrativo Disciplinar (art. 142, § 1º da Lei 8.112/90). Precedentes.

 

4.   Qualquer autoridade administrativa que tiver ciência daocorrência de infração no Serviço Público tem o dever de proceder àapuração do ilícito ou comunicar imediatamente à autoridadecompetente para promovê-la, sob pena de incidir no delito decondescendência criminosa (art. 143 da Lei 8.112/90); considera-seautoridade, para os efeitos dessa orientação, somente quem estiverinvestido de poder decisório na estrutura administrativa, ou seja, ointegrante da hierarquia superior da Administração Pública. Ressalvado ponto de vista do relator quanto à essa exigência.

 

5.   Ainda que a falta administrativa configure ilícito penal, na

 

ausência de denúncia em relação ao impetrante, aplica-se o prazoprescricional previsto na lei para o exercício da competênciapunitiva administrativa; a mera presença de indícios de crime, sem adevida apuração em Ação Criminal, afasta a aplicação da norma penalpara o cômputo da prescrição (RMS 20.337/PR, Rel. Min. LAURITA VAZ,DJU 07.12.2009), o mesmo ocorrendo em caso de o Servidor ser

 

absolvido na eventual Ação Penal (MS 12.090/DF, Rel. Min. ARNALDOESTEVES LIMA, DJU 21.05.2007); não seria razoável aplicar-se àprescrição da punibilidade administrativa o prazo prescricional dasanção penal, quando sequer se deflagrou a iniciativa criminal.

 

6.   Neste caso, entre o conhecimento dos fatos pela Administração ea instauração do primeiro PAD transcorreu pouco menos de 1 ano, nãohavendo falar em prescrição retroativa. Contudo, o primeiro PADválido teve início em 26 de agosto de 2002, pelo que a prescriçãovoltou a correr em 25 de dezembro de 2002, data em que findou oprazo de 140 dias para a sua conclusão. Desde essa data, passaram-semais de 5 anos até a edição da Portaria Conjunta AGU/MPS/PGR no. 18,de 25 de agosto de 2008, que designou nova Comissão de ProcessoAdministrativo Disciplinar para apurar irregularidades referentes aoobjeto do alegado ilícito.

 

7.   A prescrição tem o condão de eliminar qualquer possibilidade depunição do Servidor pelos fatos apurados, inclusive as anotaçõesfuncionais em seus assentamentos, já que, extinta a punibilidade,não há como subsistir os seus efeitos reflexos.

 

8.   Ordem concedida, em conformidade com o parecer ministerial.” – grifei. (MS 14159 / DF – Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO – 3ª Seção – Data. Julgtº. 24/08/2011 – Data Publ. DJe10/02/2012) 

 

            Referido entendimento privilegiava claramente o princípio da segurança jurídica, fixando o marco temporal do termo a quo do conhecimento do fato pela Administração, restringindo, contudo, a qualidade do servidor conhecedor do fato, ou seja, apontandosomente ointegrante da hierarquia superior da Administração Pública como a pessoal a ser considerada para o fim de se considerar conhecido o fato infracional pela Administração.

 

            Recentemente, porém, o entendimento da Corte Superior foi modificado, passando a acompanhar o Parecer GQ – 55 e vindo a reconhecer a pessoa da autoridade competente para a instauração do PAD como sendo àquela que tendo conhecimento do ato infracional, nesse momento, iniciar-se-ia o prazo prescricional. O Mandado de Segurança n.º 17.456 – DF bem ilustra a modificação do entendimento, que pode ser observado, também nos Mandados de Segurança n.º 12.085 – DF, 13.926 – DF, 14.336 – DF e no AgRg no Recurso Especial n.º 647.416 – AL. Eis o teor da Ementa do MS n.º 17.456 – DF:

 

“ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇAO. TERMOA QUO . DATA DE CONHECIMENTO DA CONDUTA IRREGULAR PELA AUTORIDADE COATORA. PENALIDADE DE SUSPENSAO. PRAZO BIENAL.  

 

À luz da legislação que rege a matéria - Lei 8.112/90, o termo inicial da prescrição é a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o Processo Administrativo Disciplinar - PAD (art. 142, 1º). A prescrição é interrompida desde a publicação do primeiro ato instauratório válido, seja a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar, até a decisão final proferida pela autoridade competente (art. 142, 3º). Esta interrupção não é definitiva, visto que, após o prazo de 140 dias - prazo máximo para conclusão e julgamento do PAD a partir de sua instauração (art. 152 c/c art. 167), o prazo prescricional recomeça a correr por inteiro, segundo a regra estabelecida no art. 142, da legislação em referência.

 

2. O prazo para a Administração aplicar a pena de suspensão ao servidor é de 2 (dois) anos, a contar da data em que a Autoridade Administrativa efetivamente toma ciência da ocorrência dos fatos.

 

3. Da leitura atenta dos presentes autos, observa-se que, em 12 de fevereiro de 2008, foi instaurado o Processo Administrativo Disciplinar n. 002/2008 (protocolo n. , para investigar prática de condutas irregulares no período de 2001 a 2005 por parte de outros servidores também lotados no Departamento de Polícia Federal do Estado do Amazonas, relativas à irregularidades na aquisição de bens, materiais e serviços com dispensa de licitações, de formalização de procedimentos licitatórios fictícios e/ou irregulares, de aditamento indevido de contratos, de utilização de notas fiscais falsas, do favorecimento de grupo de empresas, empresários e pessoas físicas, do pagamento de produtos não entregues e serviços não realizados, além do pagamento de supostos prestadores de serviço, sem a efetiva realização dos serviços para a Superintendência Regional no Amazonas. Assim, nesta ocasião, a autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar ora questionado já tinha ciência da possível prática de transgressões disciplinares previstas no art. 43, inciso XXIX, da Lei 4.878/65 por parte dos ex-gestores da SR/DPF/AM, inclusive o ora impetrante, diante da negligência na prática de atos de gestão na condição de ordenador de despesa daquela Regional, e que levaram a aplicação da pena de suspensão pelo prazo de 20 dias.

 

4. Desse modo, ao contrário do sustentado pela autoridade impetrada, o encaminhamento do ofício n. 059/2008 - Comissão PAD n. 002.2008- COGER/DPF dirigido à Corregedoria-Geral de Polícia Federal em 10 de agosto de 2008, noticiando indícios de prática de infração disciplinar por parte do impetrante, não deve ser considerado como março inicial para a contagem do lapso prescricional de que trata o parágrafo primeiro do art. 142 da Lei 8.112/90, porquanto as irregularidades vieram à tona em momento anterior, com a constatação de irregularidades que levaram a instauração do PAD n. 002/2008, por meio de Portaria assinada pelo Senhor Ministro da Justiça.

 

5. Assim, considerando que (i) após a apuração da responsabilidade funcional do impetrante, a autoridade coatora editou a Portaria n. 358, aplicando pena de suspensão de 20 dias pelo enquadramento na infração disciplinar prevista no inciso XXIX do art. 43 da Lei n.4.878/65; e (ii) entre o conhecimento dos fatos pela autoridade competente, aqui considerada a data de instauração do Administrativo Disciplinar n. 002/2008, em 2 de fevereiro de 2008, e a data de instauração do Processo Administrativo ora em análise, pela Portaria n. 068/2010 - SR/DPF/AM, de 30 de abril de 2010, publicada em 10 de maio de 2010, decorreram mais de dois anos, resta evidenciado o implemento da prescrição de a Administração Pública aplicar pena de suspensão.

 

6. Homologada a desistência parcial do pedido e, no restante, concedida a ordem impetrada.” – grifei. (MS 17.456 / DF – Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES – 1ª Seção – Data. Julgtº. 14/11/2012 – Data Publ. DJe20/11/2012) 

 

            A mudança de entendimento, aparentemente, passa a privilegiar o Estado, talvez reconhecendo as limitações que lhe são próprias. Porém, resta evidente que o princípio da segurança jurídica passa a ser mitigado em detrimento do administrado, no caso o servidor público regido pela Lei n.º 8.112, de 1990.

 

            No meu entender, a solução mais apropriada para se definir o início da contagem do prazo prescricional relativamente ao processo administrativo disciplinar deveria considerar a estrutura hierárquica da Administração Federal como um todo. Assim, qualquer superior hierárquico que tivesse conhecimento do fato tido por uma infração disciplinar, a partir desse momento deveria correr o prazo prescricional.

 

            Desse modo, seja o superior imediato ou qualquer outro entre esse e a autoridade competente para a instauração do PAD, creio que seria suficiente para a finalidade que se busca, qual seja, dar a Administração Federal como conhecedora de um fato infracional passível de apuração disciplinar. Talvez essa seja a solução mais justa para o Estado e a sociedade.

 


[1]Art. 143.  A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

[2]Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.

        § 1º O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

 

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