O Princípio da Presunçao de Inocência e sua aplicabilidade conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal


Porvinicius.pj- Postado em 11 outubro 2011

Autores: 
SOUZA, Renata Silva e

Resumo: O Princípio da Presunção de Inocência, previsto na Constituição da Republica, e confirmado por tratados e convenções internacionais, é respeitar o estado de inocência em que todo acusado se encontra até que sua sentença transite em julgado definitivamente, um direito humano e fundamental de liberdade, e dignidade, que apesar de insistentemente ameaçado por prisões arbitrarias, vem sendo reafirmado e protegido pela Corte Suprema do nosso país.

Palavras-chave: principio da presunção de inocência; prisão cautelar; acusado; morosidade; Supremo Tribunal Federal.

1. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

O princípio da Presunção de Inocência é no Brasil um dos princípios basilares do Direito, responsável por tutelar a liberdade dos indivíduos, sendo previsto pelo art. 5º, LVII da Constituição de 1988, que enuncia: “ninguém será considerado culpado até transito em julgado de sentença penal condenatória”.  Tendo em vista que a Constituição Federal é nossa lei suprema, toda a legislação infraconstitucional, portanto deverá absorver e obedecer tal princípio.

É certo que o Estado brasileiro tem direito e interesse em punir indivíduos que tenham condutas em desconformidade com a lei, podendo aplicar sanção a aqueles que cometem ilícitos. No entanto esse direito-dever de punir do Estado deve conviver e respeitar a liberdade pessoal, um bem jurídico do qual o cidadão não pode ser privado, senão dentro dos limites da lei.

Portanto, diante do cometimento de um ilícito, para que o Estado imponha pena, ele deverá respeitar o suposto autor de tal ilícito, dando-lhe todas as garantias constitucionais, e permitindo que este se defenda, e não tenha sua liberdade cerceada. Sendo necessário, portanto, que ocorra um processo, e enquanto não houver sentença transitada em julgado, em que o Estado prove a culpabilidade, o suposto autor será presumido inocente.

2. INCORPORAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Originado na Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos, em 1971, o Princípio da Presunção de Inocência veio a ganhar repercussão universal com a Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948, que afirmou em seu art. 11: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa”.

            O Brasil, ao votar na Assembléia-geral da ONU de 1948, colaborando para originar essa Declaração dos Direitos Humanos, estava ratificando tal Principio, no entanto só 40 anos depois é que ele veio de fato ser positivado na legislação pátria. Só com a Constituição Federal de 1988 é que o Brasil incorporou expressamente a Presunção de Inocência como principio basilar do seu ordenamento jurídico. Isso não implica dizer que até então o país era totalmente estranho a ele, porque outros princípios, como os do contraditório e da ampla defesa já davam esse norte para os processos e decisões da justiça brasileira.

            A incorporação expressa do Princípio da Presunção de Inocência a legislação nacional, trouxe consigo a dúvida quanto a sua abrangência, se seria de fato o princípio da presunção de inocência, ou o mais restrito princípio da não-culpabilidade. No entanto, com a aprovação do Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº27 de 1992 e com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, anuiu-se com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que estabeleceu em seu art. 8º,I o Principio da Presunção de Inocência ao afirmar que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

            Diante disto, o Brasil tem hoje dois textos legais, de valor constitucional que asseguram tal princípio. Uma vez que o art. 5º, §2º da CF/88 da essa condição de constitucional ao tratado internacional por esses meios aprovado no país, tanto o Pacto de São José da Costa Rica, como o art. 5º, LVII da CF/88 reconhecem integralmente o Princípio da Presunção de Inocência.

3. APLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

A presunção de inocência é na verdade um estado de inocência, no qual o acusado permanece até que seja declarado culpado por sentença transitada em julgado. Logo, o acusado é inocente durante o processo e seu estado só se modificará com a declaração de culpado por sentença.

            A aplicação desse princípio ocorre tanto no campo probatório, quanto no tratamento de um acusado em estado de inocência. No primeiro caso, o acusado deve ser presumido inocente, cabendo a parte que acusa provar a veracidade do fato, e a culpabilidade do acusado. E só depois de sentença condenatória transitada em julgado, decorrente de processo judicial, é que ele pode ser considerado culpado.

            Diante disso é que o acusado não pode ser obrigado a colaborar na apuração dos fatos, uma vez que o devido processo legal, no art. 5º, LIV da CF/88, da a ele o direito de não produzir provas contra si mesmo, podendo permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII, CF/88). Caso contrário, o acusado se transformaria em objeto de investigação, quando na verdade é um sujeito processual. Dentro desse campo probatório, ainda verifica-se a ligação do principio da presunção de inocência com o do “in dúbio pro reo”, pois ocorrido o devido processo legal, e as provas forem insuficientes, e reste ao juiz alguma dúvida quanto a culpabilidade do acusado, este deve decidir em favor do acusado, que será declarado inocente.

            No segundo caso, no que se refere ao paradigma do tratamento do acusado, no curso do processo penal, considera-se inocente enquanto não for definitivamente condenado. Assim sendo, durante as investigações e o processo, o réu não deve ser punido antecipadamente, e nem mesmo tratado como culpado, aplicando só as medidas necessárias, e restringindo o mínimo de direitos possíveis, uma vez que ainda não se sabe se o acusado é inocente ou culpado.

            Existe ainda um terceiro campo de aplicação do principio da presunção de inocência. Trata-se da imposição de prisão cautelar a um acusado. Alem da prisão definitiva, sanção penal posterior ao transito em julgado de sentença condenatória definitiva, existe também a prisão provisória, que ocorre no decorrer do processo como medida cautelar e excepcional, só sendo possível essa prisão antes do transito em julgado da sentença definitiva quando for indispensável para assegurar o curso do processo, e condicionada também a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora. Essa prisão cautelar é legal e aceitável, desde que atenda a todos os requisitos, e seja devidamente fundamentada, uma vez que se perder esse caráter instrumental do processo, acaba por tornar-se execução antecipada de pena, que fere frontalmente o principio da presunção de inocência.

            A prisão cautelar, seja qual for sua modalidade, não é conflitante com o princípio em questão, desde que seja indeclinavelmente necessária, uma vez que é uma medida extremamente rigorosa, por tirar a liberdade de um acusado que poderá ser inocentado.

Dentre as modalidades de prisão cautelar tem-se: a prisão temporária, a prisão preventiva, a prisão em flagrante, a por sentença penal condenatória sem transito em julgado e a prisão decorrente de pronúncia. Todas estando de acordo com os princípios constitucionais são perfeitamente aplicáveis, sem estar ferindo o Principio da presunção de inocência.

4. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No dia cinco de fevereiro de 2009, por sete votos a quatro o Supremo decidiu que um acusado só pode ser preso depois de sentença condenatória transitada em julgado. Uma decisão que reafirma o Princípio da Presunção de Inocência, previsto no art. 5º, LVII da Constituição da República. Ao determinar que enquanto houver recurso pendente não poderá ocorrer execução provisória de sentença, atentando-se para o fato de que recursos especiais e extraordinários também tem efeito suspensivo, o STF defende a liberdade do acusado, e como o presidente da OAB, Cezar Britto, afirmou, é uma decisão coerente com o Estado Democrático de Direito, mas exige celeridade do judiciário em seus julgamentos, pois acusados estarão soltos na sociedade, e a sentença judicial definitiva, e só ela, poderá iniciar a punição dos culpados, melhor do que conserva-los presos, pois perderiam a liberdade sem a certeza da culpabilidade.

Já afirmava Ruy Barbosa, que “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Portanto diante do Judiciário brasileiro, mais correto é conservar acusados em liberdade aguardando sentença definitiva, que poderá inocentá-lo, ou culpa-lo, e então ser preso, do que mantê-lo preso, sem a certeza da culpabilidade e de forma arbitraria privar-lhe a liberdade pelo tempo que a morosa justiça levar para transitar em julgado a sentença condenatória definitiva. Estamos optando por correr o risco de deixar criminosos soltos, confiando que o judiciário vai tomar as providências em tempo hábil, para puni-los, do que deixar inocentes presos, pelo longo tempo que a decisão demora pra sair no Brasil, cumprindo uma pena que não lhe é devida, e perdendo sua liberdade que não poderá ser devolvida. Diante do Judiciário que temos, se não é a melhor decisão a ser tomada, é no mínimo a menos lesiva, pois não se vai punir inocentes. E para aqueles que alegam que isto trará impunidade, esta não é em decorrência do Princípio da Presunção de Inocência, mas sim dessa demora em julgar, para iniciar a execução.

O Supremo, com essa decisão, não inovou, simplesmente lembrou a sociedade o que a Constituição do país já enuncia, o Principio da presunção de inocência. Afim de que tribunais inferiores parem de expedir mandados de prisão sem a devida fundamentação, que acabam por iniciar a execução da pena, antes mesmo do transito em julgado de sentença condenatória. E para que a imprensa pare de julgar e condenar acusados por sua própria conta, constrangendo e difamando pessoas que podem vir a ser inocentadas.

Com autoridade, o ministro Eros Grau, ao manifestar seu voto em tal decisão afirmou que: “a prevalecerem razões contra o texto da Constituição melhor será abandonarmos o recinto e sairmos por aí, cada qual com o seu porrete, arrebentando a espinha e a cabeça de quem nos contrariar. Cada qual com o seu porrete!” É exatamente o que a corte suprema objetivou mostrar com a decisão do dia 5 de fevereiro, que o principio a ser adotado está na própria Constituição, e o STF está ali para reafirmá-lo e defende-lo de decisões controvertidas que insistem em determinar prisões desconformes com a lei suprema.

O respeitado advogado criminalista, Nilo Batista, ao indagar, se a pena de morte fosse prevista no Brasil, a execução aconteceria antes do transito em julgado da condenação? Demonstrou bem todo o bom-senso do STF com essa decisão, ao revelar quão desmedida é aplicação de pena sem sentença definitiva, ainda no curso do processo.

Entende-se, portanto, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, em nada atinge a prisão cautelar devidamente aplicada em beneficio da atividade estatal, com função exclusivamente processual, pois em qualquer de suas modalidades, ela não se destina a punir antecipadamente, pois não tem caráter de sanção como a prisão penal. No entanto, se usada com fins punitivos, ai sim ofenderá princípios constitucionais, como o da presunção de inocência e do devido processo legal. Uma vez que o principio da liberdade é incompatível com a punição sem processo e a condenação sem defesa prévia.

Assim sendo, a gravidade do crime, a natureza da infração, a ausência de vinculação do indiciado ao distrito da culpa, cada um deles, por si só não autoriza a decretação de prisão cautelar, ainda que a acusação seja por crime hediondo. E a recusa em responder interrogatório, em cooperar com as investigações não está o acusado ensejando prisão cautelar, pois faz parte de seus direitos, enquanto inocente que é presumido, ser tratado como tal, e não como se culpado fosse.

5. CONCLUSÃO

            Tendo em vista o que o foi exposto, conclui-se que, de acordo com o Principio da Presunção de Inocência, previsto pela Constituição da Republica em seu art. 5º, LVII, todo acusado deve ser tratado como inocente até que se prove sua culpabilidade definitivamente, em sentença irrecorrível. Este acusado não deverá, portanto, ter sua liberdade cerceada previamente, exceto quando extremamente necessário, como os casos de prisões cautelares devidamente fundamentadas. O ônus da prova de culpabilidade é de quem acusa, e em caso de dúvida, decide-se em favor do réu. Deve-se portanto, tratar um acusado, não como culpado, mas como inocente, não podendo obriga-lo a contribuir com as investigações, pois não precisa produzir provas contra si mesmo.

             A decisão do STF, confirmando o disposto na Constituição Federal, em que se exige esgotar todas as possibilidades de recursos, e só então executar a prisão,  e o que a comunidade internacional, através de tratados, convenções e pactos tem objetivado é resguardar a integridade das garantas processuais básicas do acusado, protegendo assim os direitos humanos, ao não permitir que se trate como culpada a pessoa, antes da decisão transitar em julgado definitivamente.

            Apesar das mais diversas críticas e interpretações controvertidas, há sim compatibilidade entre o Princípio da presunção de inocência e a prisão processual, desde que se demonstre o fumus boni iuris e o periculum in mora (ou periculum libertatis ), ou seja, os quatro pressupostos do ar. 312 do CPP – garantia da ordem econômica, garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e garantia da aplicação da lei penal.

            Após a decisão do STF, no dia 5 de fevereiro, duras críticas vêm sendo proferidas e diversos pontos questionados. Mas não há o que se falar em impunidade, insegurança jurídica, desrespeito ao primeiro e segundo graus do sistema judiciário, como decorrência dessa decisão do Supremo, uma vem que o que ele fez foi apenas ratificar um entendimento que já estava se tendo nos últimos julgados, portanto se esses problemas existem, não foi agora que surgiu, mas sempre esteve presente no ordenamento jurídico brasileiro.

            Não é um simples beneficio aos acusados, mas uma forma de proteção a inocentes, que enquanto acusados, mesmo sem culpa poderiam estar presos, aguardando a justiça reconhecer que ele não deve ser punido, no mínimo contraditório. Se somos o país que mais oferece meios e recursos para que seus réus se defendam, o problema não está em respeitar o estado de inocência de alguém que recorre, mas no sistema que dá tantas possibilidades para que ele recorra.

            O ministro Eros Grau, ao proferir seu voto em tal decisão, mencionou dados que demonstram toda a morosidade do sistema, e a grande falha em manter preso um acusado. Segundo ele, em 2008, dos 440 mil presos no país, 189 mil eram presos provisórios, e alguns estados, estes presos provisórios chegam a representar 80% dos encarcerados. Tem pessoas cumprindo pena a 3 anos, sem ao menos ter denuncia representada. Definitivamente, com essa decisão, o STF reafirma que não é só poder, mas dever to Estado solucionar as lides em tempo considerável, para que não se precise prender inocentes, nem deixar livre culpados, diante do estado de inocência em que se encontram.  

REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MIRABETTI, Júlio Fabrini. Processo Penal. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ed. São Paulo: Atlas, 2003.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São

Paulo: Malheiros, 2001.

A presunção de inocência e a prisão do acusado, Jesseir Coelho de Alcântara <http://www.dm.com.br/materias/show/t/a_presuno_de_inocncia_e_a_priso_do_acusado >

Decisão do STF: presunção de inocência - direito de não produzir provas contra si próprio, Celso de Mello <http://jusvi.com/pecas/36623>.

Decisão Suprema: réu não pode ser preso enquanto houver recurso  <http://www.coad.com.br/index.php?class=interface_frontend&method=frontend_noticia_detalhe&id_noticia=17441>

O princípio da presunção de inocência e sua repercussão infraconstitucional, Adriano Almeida Fonseca < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=162 >

OAB diz que decisão do STF agilizará julgamentos <http://www.conjur.com.br/2009-fev-06/decisao-stf-execucao-pena-impoe-rapidez-justica-oab>

PRISÃO PROCESSUAL E PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: UM ESTUDO À LUZ DA PONDERAÇÃO DE VALORES CONSTITUCIONAIS, Daniel Gustavo de Oliveira Colnago Rodrigues <http://www.panoptica.org/novfev2009/PANOPTICA_014_V_83_110.pdf>

Salvem-se quem puder: A pena e o STF , Rodrigo Bueno Gusso e Rubens Almeida Passos de Freitas <http://www.webartigos.com/articles/16753/1/salvem-se-quem-puder-a-pena-e-o-stf/pagina1.html>

STF acertou ao confirmar presunção da inocência, Extraído de: OAB - Maranhão  <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/792145/stf-acertou-ao-confirmar-presuncao-da-inocencia >

Supremo tem garantido princípio de presunção de inocência, Por Renato de Moraes <http://www.conjur.com.br/2008-set-22/stf_garantido_principio_presuncao_inocencia?pagina=2>