O Mercosul frente à conjuntura global


Porelielmatias- Postado em 15 abril 2013

Autores: 
Eliel Matias da Rosa

 

O Mercosul apesar de apresentar certa timidez em relação a alguns assuntos de sua competência é hoje uma realidade mundial e regional. Mundial pelo fato de ser um dos principais blocos econômicos do planeta. Regional por ter origem a partir da iniciativa de governos nacionais em constituírem-no, colocando interesses econômicos, políticos e sociais de suas nações em consonância com aqueles do então novo bloco. Os países integrantes do Mercosul possuem grandes traços de semelhança política e econômica em suas histórias. Sofreram com processo colonizatório de exploração, passaram por grandes dificuldades econômicas e sociais, foram vitimizados por ditaduras e restauraram a democracia em seu território.

Em uma conjuntura mundial tendente aos processos de globalização onde, paulatinamente, economias convergiam a objetivos em comum, firmavam acordos de cooperação e integração, expandiam seus mercados, criando novas formas de comércio, de relacionamento internacional e de negócios, os países fundadores do Mercosul se encontraram frente à necessidade de também iniciarem um processo de integração de suas economias, constituindo um bloco econômico não somente com o objetivo de cooperação interna, mas também como uma resposta à mundialização dos mercados e uma forma de adequação à globalização comercial tão crescente nas últimas décadas.

Todavia pode-se observar também quanto ao processo de surgimento do Mercosul um grande anseio pela liberdade regional. Os países da América do Sul, sem distinção, foram grandes alvos de ações exploratórias desde quando ainda colônias até posteriormente quando Estados independentes. Mesmo abandonando a relação de Direito Administrativo no esquema Colônia-Estado e passando à relação de Direito Internacional Estado-Estado, a exploração e submissão destas nações continuou, mudando apenas seu modus operandi.

Países europeus, os Estados Unidos da América e entidades financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento foram responsáveis pela abordagem de suas relações com os países da América do Sul de uma forma imperialista e impositiva, quase sempre buscando submeter tais nações a seus interesses econômicos, fornecendo-lhes em contrapartida benefícios que para serem atingidos exigiam sérias políticas de austeridade e de comprometimento de suas economias.

Assim, por exemplo, ocorreu com o Equador quando foi submetido às exigências do FMI: Privatizações de recursos e setores-chave da economia, mercantilização de inúmeras esferas da vida social (saúde, ensino, etc, causando ainda mais desigualdades sociais), pobreza, desemprego; uma economia dependente e periférica e uma colossal dívida externa.

Somente após a eleição de Rafael Correa à presidência do país é que se iniciaram profundas mudanças objetivando quebrar tal sistema, culminando com a aprovação de uma nova Constituição Equatoriana de matriz progressista e ecologista, e uma democratização e reconfiguração profunda do Estado, com o reforço do seu papel – na planificação, na produção, na regulação e na distribuição da riqueza. Em cinco anos, a dívida externa equatoriana passou de mais de 100 por cento do PIB para cerca de 20 por cento e o peso do serviço da dívida, que antes representava quase um quarto do orçamento anual do Estado, gira em torno de sete por cento, segundo dados do próprio Governo Equatoriano de 2012.

Criou-se então no âmbito dos países da América do Sul certa repulsa às políticas econômicas e financeiras adotadas pelas grandes economias mundiais e por algumas entidades internacionais com grandes poderes econômicos. Tal sentimento pode ser facilmente observado em vários discursos dos governantes sobre a possível criação do Banco do Sul, uma pretensa entidade internacional regional de apoio financeiro aos países sul americanos.

Deste modo, o ânimo associativo que fundamentou a criação do Mercosul também foi banhado pelos ideais de rompimento com os velhos paradigmas de exploração sofridos pelos países fundadores, principalmente buscando a quebra do imperialismo econômico de algumas nações e entidades internacionais, primando-se por uma possível futura independência financeira da região.

O escopo do bloco certamente é o desenvolvimento econômico. No entanto, em nações com severas falhas internas quanto ao desenvolvimento humano, qualidade de vida, justiça social, distribuição de renda e pobreza, os processos e atividades com vistas ao desenvolvimento econômico devem ser orientados e pautados, sem sombra de dúvidas, de acordo com as necessidades sociais e humanas da população, buscando minimizá-las e até mesmo erradicá-las.

Assim, ao falar em integração econômica dos países da América do Sul ou da América Latina, deve-se conceber o tema de forma ampla, ou seja, uma integração que, apesar de dita econômica, não se pautará apenas por elementos econômicos e financeiros, mas também por outros fatores sociais. Tal consideração é de suma importância à efetivação da melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos, pois se assim não for, o próprio governo não estará cumprindo seu principal papel como representante de povo, que é governar tendo em vista o bem comum.

Outro ponto de cristalizada importância e norte fundamental em todo processo de integração econômica é a questão dos Direitos Humanos. Eles não devem retroagir em momento algum. As nações não poderão suprimi-los ou enfraquecê-los, imperando sua não retroatividade, sua não regressão.

O respeito aos Direitos Humanos em um bloco econômico de forma isonômica é de imprescindível importância, pois diariamente, em toda a extensão do bloco, tais direitos serão colocados à prova. A livre circulação de pessoas, da força de trabalho e de mercadorias exigirão a efetividade de tais direitos, a iniciar pela necessidade em justiça distributiva que trate de forma desigual os desiguais e de forma igualitária os iguais.

A necessidade em garantir a boa qualidade de vida dos cidadãos nacionais, buscando no desenvolvimento econômico almejado pelo bloco algumas soluções para satisfazê-la e também na luta pela efetivação dos Direitos Humanos e garantias fundamentais, apresenta a congruência de elementos originários tanto no Estado Liberal e o Welfare State.

Na atual realidade mundial, os blocos econômicos são totalmente dependentes da iniciativa privada. O mercado exerce grande influência nas decisões e nos interesses do governo. Assim as atividades suas atividades estão eivadas por interesses e pressões dos mercados nacionais e até mesmo de empresas internacionais, como as transnacionais, que atuam no âmbito interno de cada nação. São as instituições privadas quem definem a zona de interesse comercial e consequentemente o interesse de determinado governo sobre diversas questões econômicas e de mercado. Eis aí a estrutura liberal, hoje também dita neoliberal.

Por seu turno, colocar e alocar a economia como meio de providência para garantir a promoção do bem estar social, estipulando e garantindo direitos, fazendo uso da máquina estatal para efetivá=los é a clara manifestação da estrutura do Welfare State, o Estado-Providência.

Assim, as nações e o bloco econômico em si deverão, por meio de práticas neoliberais de mercado, tanto internas quanto também externas (globais), proporcionar o desenvolvimento econômico e, a partir daí, fornecer meios para que seus nacionais tenham garantidos e efetivados seus direitos fundamentais e humanos, e a justiça social e um ambiente de paz.

A própria Constituição Brasileira de 1988 apresenta tais elementos. Se por um lado ela traz garantias que serão providas pelo Estado Brasileiro, conforme consta em seu Artigo 6º, por exemplo, por outro, em seu Artigo 170, ela garante o livre exercício de atividades econômicas, a propriedade privada e a livre concorrência. Tal modelo político-econômico encontrado na Carta Maior Brasileira apresenta, sem sombra de dúvidas, uma realidade inerente a todos integrantes do Mercosul: Sofrem com questões sociais e devem fazer do desenvolvimento econômico conjunto a principal forma de nutrir os meios para a erradicação de suas mazelas.

Com o mercado constantemente mais global e o contínuo estreitamento comercial entre países, o desenvolvimento econômico torna-se mais dependente de fatores externos ao bloco, haja visto que, além da livre circulação de bens e serviços dentro de si, o Mercosul foi constituído para estar a par de um mercado mundial cada vez mais competitivo e dinâmico, tanto em suas relações com outras nações como também com blocos econômicos.

O investimento externo é um grande ponto positivo e deve ser incentivado de várias formas pelo bloco. Cristina Kirchner foi categórica quanto ao assunto em uma reunião sobre a criação do Banco do Sul, em Caracas, no dia 21 de fevereiro de 2007: “Que vengan todas las empresas del mundo, que vengan todos los hombres del mundo a trabajar a nuestra tierra, pero que vengan a explorar, a invertir, a desarrollar nuestra riqueza productiva para que nuestros países puedan crecer.”

Todavia, atuando como um bloco com vistas à prosperidade econômica, o Mercosul deve apresentar aos seus pretensos investidores elementos que proporcionem não somente segurança jurídica em relação ao direito de propriedade, a limitações sobre propriedades estrangeiras e impostos sobre lucros, mas também apresentar um alto grau de estabilidade política, políticas monetárias e fiscais atraentes e uma boa estabilidade macroeconômica.

O grau de confiabilidade no bloco e também seu estágio de integração irão agir como fatores determinantes do investimento externo. Quanto mais sistêmico e integrado for um bloco, maiores as possibilidades em receber investimentos.

Um bloco econômico é sistêmico quando atende os objetivos de sua propositura e, em seu âmbito, está de acordo com o sistema-mundo. Com referência aos blocos econômicos atuais e, de forma mais ampla, em relação aos sistemas econômicos mundiais, o sistema-mundo dita a rápida necessidade pela formação de blocos econômicos com altos níveis de integração e cada dia mais atuantes no mercado mundial.

Em algumas facetas o Mercosul se apresenta como um bloco anti-sistêmico, pois ainda está em um estágio inicial de integração e em alguns casos suas ações são pulverizadas por demora e inércia, promovendo muitas vezes olhares descrentes e insatisfeitos sobre si.

Diferentemente da União Europeia, onde entidades supranacionais emanam decisões e mandamentos que devem ser cumpridos pelos países membros, o Mercosul não é dotado do sistema de supremacia institucional, não havendo instituições internacionais que imponham suas decisões sobre o bloco, sendo tais decisões tomadas em negociações conjuntas por meio do consenso.

As pressões exercidas pelo mercado interno sobre o governo de cada país promove o não consenso rápido nas discussões do bloco, uma vez que o mercado irá responder a determinada posição do seu governo frente a outro país. Deste modo um acordo no bloco pode muitas vezes causar problemas internos como greves, redução da produção, demissões em massa: uma resposta da iniciativa privada a determinado compromisso assumido pelo país no bloco. Buscando evitar tais ocorrências o países tendem a tornar seus interesses pouco maleáveis ou negociáveis, assumindo uma posição fixa e imodificável, gerando grandes, cansativos e dispendiosos processos de negociações.

De grande oportunidade seria a presença de uma liderança transitória capaz de dar impulso aos processos internos do bloco. Não se trata de uma liderança impositiva, mas sim funcional. Assim seria possível uma maior agilidade interna e consequentemente avanços significativos no bloco rumo à concretude de seus objetivos.

O reforço na credibilidade do Mercosul frente à comunidade externa é um grande passo ao desenvolvimento econômico e, como decorrência, também a melhorias sociais, uma vez que a América do Sul receberia boa parte das atenções dos investidores externos insatisfeitos com as inseguranças na Zona do Euro e com a má fase dos Estados Unidos, oportunizando então o mal momento vivido por diversas regiões econômicas do planeta.