O Erro de Descartes - emoção, razão e o cérebro humano,


PorAnônimo- Postado em 25 junho 2010

A obra de António Damásio questiona a inclinação da cultura ocidental pela supervalorização da razão em detrimento da emoção. Para tanto, expõe diversos casos nos quais se sofreu uma lesão no cérebro de modo a atingir a percepção emocional sem repercutir no comportamento racional, ou seja, na capacidade motora, linguística e lógica.
A primeira e mais importante ocorrência analisada no livro é a de Phineas P. Gage, um jovem de 25 anos que trabalhava na construção de uma ferrovia em 1848. Gage teve seu crânio perfurado na região do lobo frontal por uma barra de ferro cujo diâmetro era de 3 centímetros. Inacreditavelmente, o acidente não o levou a morte nem lhe deixou sequelas nas capacidades ditas racionas, uma vez que falava e compreendia informações, movimentava-se com destreza e mantinha coerência lógica.

Entretanto, de encontro a muitas ideias no âmbito da neurologia, Gage teve uma reviravolta na sua responsabilidade pessoal e social, passou a ser insultuoso, bruto e, principalmente, incapaz de tomar decisões consistentes, de dar ruma à sua vida. Gage viveu por mais 11 decadentes anos.
Tal caso fortaleceu uma pequena corrente neurológica que começara a defender a existência de especializações funcionais no cérebro, porém poucos lhe deram realmente atenção. Um problema surgido no caso de Gage foi que esta corrente tinha chego à conclusão de que lesões no lobo temporal esquerdo debilitavam somente a linguagem, no entanto, o médico de Gage não precisou em qual lobo ocorrera a lesão, desacreditando as relações que foram feitas, já que tinham resultados diferentes dos verificados pela maioria dos outros médicos.
Elliot foi outro paciente que, em razão de um tumor, teve parte do lobo frontal retirado. Após a operação, foram feitos vários testes a fim de aferir possíveis conseqüências do procedimento. Elliot reagiu dentro da normalidade, conseguia, por exemplo, jogar com êxito uma partida de xadrez. O que se percebeu foi uma alteração completa da personalidade de Elliot, mormente o potencial de decisão e planejamento no que se refere à própria vida. Ele tratava o próprio drama com indiferença, poucas vezes se zangava ou criava rancores.
Um fato muito interessante destacado pelo autor diz respeito à capacidade de Elliot analisar as possibilidades e suas implicações nas escolhas de fundo ético, isto é, ao ser perguntado se seria capaz de roubar, ele respondia dentro do comum. Ainda assim, quando confrontado com situações reais na sua vida, nunca conseguia fazer boas opções, não conseguia ter uma vida regrada e deixava tudo o que começava inacabado.
Elencados outros paciente nas mesmas condições, foi possível evidenciar outras relações entre o lobo pré-frontal e desenvoltura social e emocional, chegando-se a identificar traços comuns, qual sejam, a incapacidade de organizar atividades futuras, a ausência de criatividade e originalidade, bem como modos geralmente corretos, mas estereotipados. Em 1936, pesquisas médicas demonstraram que lesões no setor pré-frontal ventromediano afetaram diretamente as emoções, suprimindo também a agitação e a ansiedade.
Diante de todas estas pesquisas, o autor chega à conclusão de que Descartes cometeu um equívoco ao publicar sua célebre sentença: “penso, logo existo”. Isto porque corpo, razão e emoção são indissociáveis. Os casos expostos demonstraram que o uso da lógica (razão) não garante a escolha da melhor opção, haja vista que é função do sentimento valorar individualmente as possibilidades, ou seja, o que é mais e o que é menos importante para mim.
Deste modo, o preceito mecânico de Descartes é rechaçado, razão e emoção não devem ser mais considerados água e óleo, e sim um complexo perfeito, que através do corpo interage com o ambiente e produz seres absolutamente peculiares.