O direito autoral do Paparazzi


Porwilliammoura- Postado em 10 julho 2012

Autores: 
KÖHN, Edgar

O direito autoral do Paparazzi

 

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Fotografar alguém sem autorização é ato ilícito 3. "Furto de imagem" 4. Furto não é só a subtração de um objeto 5. O Autor de uma foto tirada sem anuencia do fotografado não adquire direitos autorais 6. O caso Angelica 7. O direito à imagem prevalece 8. Exceções 9. Autorização tacita a posteriori 10. Conclusões finais REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

Resumo: Este artigo mostra que se alguem tira fotos sem autorização do retratado não adquire os direitos autorais sobre estes fotos, salvo se as fotos forem tirados de pessoas públicas no excercissio de sua profissão para fins noticiarios ou de pessoas cometendo um ilicito, para fins de denuncia-lo.

Palavras-chave: Direito autoral- Direito à Imagem- Resposabilidade Civil- Uso indevido de Imagem

1. Introdução

Este artigo analisa, se o fotografo, que tira fotos de pessoas, sem sua anuência, adquire os direitos autorais sobre estas fotos.

O tema é intrigante porque existe um ramo profissional, os paparazzi, que vivem do "desrespeito" à imagem e a intimidade dos outros. Tiram fotos, sem autorização e as vendem para revistas e jornais.

Pretende-se mostra, que estes invasores à intimidade alheia, não adquirem direitos autorais sobre estes fotos.

2. Fotografar alguém sem autorização é ato ilícito

A CRFB/88 garante o direito à personalidade. Assim, este direito é uma limitação forte para os Direitos Autorais, porque se um fotógrafo tira uma foto sem anuência do retratado, ele viola, salvo exceções, os direitos de personalidade do retratado.

Neste sentido, escreve Abrão:

Quando uma fotografia retrata a imagem, total ou parcial, de uma pessoa, a autorização para fotografar deve partir de quem o fotógrafo retrata. Se retrata uma modelo, ou diversos modelos que fazem da imagem meio de vida, ou, ainda, quaisquer outras pessoas, mesmo não famosas, a autorização tem de ser firmada por cada uma dessas pessoas retratadas, titulares de um bem jurídico de caráter pessoal: o seu corpo, partes dele ou rosto .

O fotógrafo, que tira uma foto de uma pessoa famosa ou não, sem sua devida permissão é o autor desta obra e teria, diante de uma interpretação literal dos Artigos 7 , 11 e 22 da Lei 9.610/98, os Direitos Autorais, tanto morais, como patrimoniais sobre esta foto garantida pela lei.

Mas, diante de uma análise principiológica, vê-se que esta interpretação literal da Lei não se aplica. O autor destas fotos não adquire Direitos Autorais, porque comete ato ilícito tirando as fotos.

3. "Furto de imagem"

O ato de tirar fotos de pessoas sem sua devida autorização, pode ser entendido como ilícito penal, em especial furto, porque diante do Princípio do Direito à Imagem, a pessoa indevidamente fotografada, é a proprietária de sua Imagem e como não autorizou a foto, ela continua sendo a única dona da sua Imagem. Se tivesse autorizada a fotografia, teria feito uso de seu direito da Imagem, concedendo-o, de forma não exclusiva , a título gratuito ou oneroso. Se o fotógrafo a tira contra sua vontade, está furtando a Imagem. Embora o delito furto de Imagem parece pouco convencional, é abrangido pelo tipo previsto no Artigo 155 do Código Penal, porque coisa móvel não se restringe à coisa corpórea, até porque os próprios Direitos Autorais são considerados coisa móvel .

Assim ensina Miranda:

Coisa, objeto de propriedade, não é, hoje, somente a coisa corpórea. O direito atendeu a que a noção de coisa não é naturalística, ou física; é econômico-social. O que o espírito humano inventa, criando valor econômico-social, pode não ser corpóreo; e de regra não o é: só insuficiente adequação do direito à vida, tal como se desenvolve cada dia, pode deixar de considerar a criação intelectual, artística, literária e científica bem suscetível de direitos de propriedade .

Se neste conceito coisa é mais ampla que coisa corpórea, sendo entendido como econômico-social, incluindo os direitos, parece que o Direito à Imagem também pode ser considerado coisa móvel, já que a Imagem tem valor, tanto econômico, como social. Subtrair uma Imagem é possível, significa tirar uma foto, sem pagar o cachê.

Delmanto não concorda e ensina que "os direitos não podem ser objeto do crime de furto, embora possam sê-los os títulos que os representam" .

Entretanto, diante do conceito econômico-social da expressão coisa, não há razão lógica, para concordar com Delmanto.

4. Furto não é só a subtração de um objeto

Mesmo não concordando, que a Imagem seja coisa móvel, ainda assim, aplicar-se-ia o § 3º do Artigo 155 do Código Penal, que prevê, que se equipara à coisa móvel qualquer outra que tenha valor econômico.

Que a Imagem de alguém tem valor econômico não pode ser negado. Os próprios paparazzi tiram justamente as fotos não autorizadas, para vendê-las. A pessoa retratada poderia cobrar para posar, portanto, as Imagens tem valor econômico e este valor foi subtraído da pessoa retratada.

O furto de Imagem pode ser equiparado, por analogia, com os, pela Jurisprudência reconhecidos, delitos "furto de sinal de televisão a cabo" e "furto de impulso telefônico" . Nestes casos não diminui o sinal pelo furto, a subtração se refere ao fato, que a empresa proprietária da televisão a cabo, ou a concessionária de serviços de telefonia poderiam ter vendido o sinal ou os pulsos, que pelo furto foram obtidos gratuitamente, e no caso da Imagem é o mesmo, embora o fotografado não perca energia vital ou força pela foto, ele poderia vender sua Imagem, que pelo furto foi obtida sem pagamento.

5. O Autor de uma foto tirada sem anuencia do fotografado não adquire direitos autorais

Este ilícito não pode gerar vantagens para o autor do fato. Portanto, ele não terá Direitos Autorais sobre as Imagens tiradas sem a devida autorização, pois é pacífico que o ladrão não se torna dono da coisa furtada e não adquire direitos sobre a coisa furtada.

Como o paparazzi pratica furto, ele não adquire direitos sobre a coisa furtada, que é a Imagem tirada indevidamente. Mas mesmo que se entenda, que a expressão "qualquer outra", na descrição do tipo, refere-se à energia, e não à "coisa móvel", e que, portanto, o furto de Imagens seja atípico, (o que significa que o furto de sinal de TV a cabo e de pulso telefônico também sejam atípicos), mesmo assim, tirar fotos de alguém sem autorização é ilícito civil e como tal também não gera direitos para o autor do fato.

O autor, portanto, não adquire Direitos Autorais, nem patrimoniais, nem morais. Como os Direitos Autorais morais são inalienáveis, o autor não os pode perder, mas como o paparazzi nunca obteve direitos com o ilícito ele nunca obteve os Direitos Autorais. Como ele não as teve, ele não as pode perder, devido ao ilícito .

Na prática isso significa que se um paparazzi, ou qualquer outra pessoa, fotografou sem a devida autorização outra pessoa, e vende esta foto para uma revista, e outra revista republica a foto sem consentimento da revista que comprou as Imagens do fotógrafo, esta revista não poderá ser demandada por infringir os Direitos Autorais, nem do fotógrafo, nem da primeira revista que comprou as fotos, porque o ilícito não gera direitos.

Mas a pessoa retratada indevidamente tem direito à indenização por uso indevido de Imagem, tanto na forma de dano material, como de dano moral, tanto por causa das fotos tiradas sem autorização, como por causa de cada publicação, e pode, portanto, demandar, tanto o fotógrafo, como qualquer editora que publicou as fotos.

6. O caso Angelica

Em 2004 a apresentadora Angélica foi fotografada, por um paparazzi, de topless numa praia pública . Este vendeu os fotos para a revista Contigo, que as publicou, depois as mesmas fotos foram publicadas pelo jornal O Dia. Nem o fotógrafo nem a Editora processaram o jornal O Dia. Não existe fundamento para tal processo. A foto foi tirada sem autorização, e portanto o fato de tirá-la é ilícito. Sendo assim, não gera direitos, assim não há Direitos Autorais sobre estas fotos.

Que as fotos foram tiradas em lugar público em nada altera os fatos. Mesmo sendo a foto tirada em lugar público, a intimidade do indivíduo foi invadida, porque se ele considera como espaço impenetrável sua Imagem, ninguém tem, diante desde Princípio, o direito de fotografá-lo. Portanto, mesmo admitindo que não haja invasão de privacidade, há sim invasão de intimidade.

Independente disso, o Direito à Imagem pertence à pessoa, se ela não quer ser fotografada, ninguém tem o direito de fazer, seja em lugar público ou privado. O fato de a Angélica autorizar a Globo a tirar fotos suas, não significa que ela tem obrigação de permitir que qualquer um o faça. Portanto, deve-se sempre presumir que tirar fotos de qualquer pessoa não seja algo autorizado. Se alguém quiser tirar uma foto de alguém tem que ter uma autorização por escrito . Sem autorização, o fotógrafo invade a intimidade do retratado, dono da sua Imagem e usa indevidamente sua Imagem. Ambos os atos são ilícitos que impedem a obtenção dos Direitos Autorais das fotos tiradas indevidamente.

Portanto, não há Direitos Autorais sobre Imagens tiradas sem autorização do retratado.

7. O direito à imagem prevalece

O fato de não existir Direito Autoral sobre a Imagem tirada indevidamente, não significa que seu uso seja liberado. Qualquer uso desta Imagem é uso indevido de Imagem que gera dano moral e material, mas só para o retratado .

Portanto, a parte ativa de uma demanda contra a editora que publicou a foto, sem autorização de outro jornal, ou site, é só a pessoa retratada. O fotógrafo ou a editora que adquiriu as fotos do fotógrafo não é parte legítima para demandar a editora que republicou as fotos, justamente porque o ilícito furto de Imagem não gera direitos sobre o objeto do furto, ou seja, no exemplo acima mostrado, para demandar "O Dia", nem o fotógrafo, nem a Editora Abril (Contigo) é parte legítima. Mas a Angélica sim.

Portanto, infere-se, que em caso de fotos tiradas sem autorização da pessoa retratada, o fotógrafo (paparazzi) não adquire nenhum direito sobre esta Imagem, não é titular dos Direitos Autorais, nem patrimoniais nem morais e, portanto, não pode esperar qualquer menção como autor da foto e não pode vender os Direitos Autorais patrimoniais.

8. Exceções

Porém existem exceções. Se o retratado está cometendo um ato ilícito, ele perde o Direito à Imagem enquanto o pratica, porque fotografando-lhe, ajuda esclarecer o crime. Assim uma pessoa que fotografa traficantes no ato da venda da droga, sem anuência delas, tem os Direitos Autorais sobre estas fotos e pode vendê-las à imprensa. O autor mantém os Direitos Autorais morais, e por exemplo, um jornal pode adquirir os Direitos Autorais patrimoniais. Se outra emissora ou jornal republica as Imagens sem anuência do titular dos Direitos Autorais patrimoniais, este tem o direito de lhe demandar, buscando indenização. Assim se o retratado, sem anuência, estiver praticando ato ilícito no momento no qual é fotografado, o fotógrafo adquire todos os Direitos Autorais sobre a foto.

Outra exceção é a pessoa pública. Se uma pessoa pública estiver no exercício de sua função pública, pode ser fotografada . Cabral ensina: "A divulgação de pessoas públicas é evidentemente livre, resalvando-se, tão somente sua intimidade ".

Com isso, Cabral confirma o até então exposto. Se a pessoa pública estiver no exercício de sua função pública, pode ser fotografada , se não, deve ser ressalvada sua intimidade e seu Direito à Imagem. Santos defende com mais vigor ainda, que a pessoa pública não pode ser fotografada, se não estiver no exercício de sua função:

Naturalmente se pergunta se um homem público ou uma vedete têm proteção tão rígidas quanto qualquer criatura. Têm, sem dúvida. A autorização é presumida com relação à sua vida pública ou profissional, mas de modo algum quando se trata de sua vida privada .

Assim, se alguém fotografa o Presidente da República fazendo uma declaração, o fotógrafo não precisa da anuência dele para adquirir os Direitos Autorais da foto, mas se ele tirar, sem anuência, uma foto do presidente relaxando na praia, não adquire Direitos Autorais.

9. Autorização tacita a posteriori

Se a pessoa retratada divulga a foto tirada sem sua autorização, entende-se que ela autorizou tacitamente a posteriori a fotografia. Portanto, há Direitos Autorais. Não seria justo se a pessoa retratada pudesse utilizar-se da obra alheia, em seu benefício, por exemplo, publicando uma foto sua, tirada sem sua autorização, na própria homepage sob alegação de que não seja protegida por Direitos Autorais. Porém a não-existência de Direitos Autorais se deve à presunção juris tantum, que infringiu o direito à intimidade e à Imagem do retratado. Mas se ele mesmo publica a foto tirada, provou-se que esta violação de intimidade e Direito à Imagem não lhe incomodou. Portanto, parece justo, prevalecer o direito do autor.

10. Conclusões finais

Diante do exposto conclui-se: se alguém for retratado sem sua anuência, em situações normais, o fotógrafo não adquire Direitos Autorais, salvo nos casos de pessoas públicas retratadas no exercício de sua função.

Caso a pessoa pública for fotografada sem sua anuência fora do âmbito profissional , o fotógrafo não adquire Direitos Autorais.

Se o retratado estiver cometendo ato ilícito, o fotógrafo adquire Direitos Autorais.

Caso o fotografado publique a foto tirada sem anuência, considera se autorizada a fotografia a posteriori e o fotógrafo adquire os Direitos Autorais.

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

ABRÃO, Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002.

CABRAL, Plínio. A nova lei de direitos autorais. 3. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998.

CABRAL, Plínio. Direito autoral. São Paulo: Harbra, 2000.

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2. ed. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, 2001. Tomo XI. .

SANTOS, Newton Paulo Teixeira dos. A fotografia e o direito do autor. 2. ed. São Paulo: Leud, 1990.

(Texto elaborado em 10/2006)