O controle dos atos administrativos sob a égide do federalismo democrático


Portiagomodena- Postado em 03 junho 2019

Autores: 
Leticia Torrão e Silva

RESUMO

O tema tratado nesse trabalho acadêmico pretende analisar a forma de organização do nosso país, Brasil, em conjunto com seu modo de governo e relacionar esses dois aspectos que, em tese, concedem as diretrizes para o rumo do Estado com os atos administrativos. Desse modo, busca-se destacar nessa produção intelectual como a estrutura do país consegue influenciar o Direito Administrativo brasileiro, mas mais especificamente, os atos administrativos, visto que estão diretamente relacionados com o Estado que os emite.

PALAVRAS-CHAVE: FEDERALISMO; DEMOCRACIA; ATOS ADMINITRATIVOS           

                        

ABSTRACT

The subject of this academic work intends to analyze the form of organization of our country, Brazil, together with its mode of government and to relate two aspects that, in theory, grant the guidelines for the direction of the State with the administrative acts. In this way, it is sought to emphasize in this intellectual production how the structure of the country manages influence the Brazilian Administrative Law, but more specifically, the administrative acts, since they are directly related to the State that emits them.

 

KEY WORDS: FEDERALISM; DEMOCRACY; ADMINISTRATIVE ACTS

 

 

     SUMÁRIO

INTRODUÇÃO                                                                                                                           

1. FEDERALISMO

1. FEDERALISMO NO BRASIL

1.2  O FEDERALISMO DEMOCRÁTICO E SEU DESENVOLVIMENTO NO BRASIL              

2.  ATOS ADMINISTRATIVOS                                                     

2.1     O QUE SÃO E COMO SÃO REALIZADOS                                                                      

2.2      VÍCIOS E FORMA DE EXTINGUÍ-LOS

 3.  A INFLUÊNCIA DO FEDERALISMO DEMOCRÁTICO NOS ATOS ADMINISTRATIVOS EXERCIDOS NO BRASIL                                                                           

3.1        CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO

3.1.1 AUTARQUIA

3.1.2 FUNDAÇÕES

3.1.3 EMPRESAS PÚBLICAS

3.1.4 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

3.2        FORMAS DE LICITAÇÃO

3.3        PERMISSÃO

3.4        AUTORIZAÇÃO

3.5        PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS

3.5.1 CONCESSÃO

4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS                                                         

 

INTRODUÇÃO

O modo de organização do Estado brasileiro influencia diretamente na organização da Administração Pública e, consequentemente, no controle dos atos administrativos. Desse modo, a lei maior do Estado brasileiro, a Constituição Federal, disciplina a repartição de competências entre as entidades da federação.

É o próprio modelo de Federação que permite que os entes integrantes do Estado brasileiro sejam dotados de autonomia. Assim, não há hierarquia entre eles. Por isso, há autodeterminação, autogoverno, em alguns aspectos, autolegislação e autoadministração. Além disso, os estados também possuem Constituições próprias.

O seguinte texto irá focar na esfera administrativa. Com isso, cabe destacar sua importância para cada ente. Ela é a parte mais ampla dentre as autonomias, uma vez que permite que os estados controlem sua gestão, a fim de atender a seus interesses e de sua população. Portanto, a Administração Pública é o conjunto de órgãos e pessoas que desempenham a função administrativa.

A administração só surgiu com a separação dos poderes, tese que ganhou importância e abrangência com a obra de Montesquieu “L’Esprit dês Lois” (O Espírito das Leis). Antes da separação dos Poderes ocorrer, todas as funções eram concentradas no monarca. Por isso, essa época se chamava absolutismo, já que todos os Poderes e funções eram concertadas no rei, podendo ele decidir, fazer e desfazer atos arbitrariamente.

Desse modo, com a divisão dos poderes, os indivíduos ganharam maior Segurança Jurídica, ou seja, não estavam destinados à vontade de uma só pessoa, mas a um aparelho estatal com mais especializações, especificidade e, consequentemente, por causa das funções serem apartadas, elas se tornaram mais imparciais.

Cabe ressaltar que todos os Poderes exercem funções administrativas. Todavia, o Poder Executivo possui essa função como típica e o Legislativo e Judiciário, como atípica. Isso ocorre, pois o Legislativo e o Judiciário exercem a administração somente no âmbito interno, isto é, a fim de controlar sua organização e funcionamento.

A própria Constituição Federal determina a organização da Administração Pública, uma vez que reparte as competências que devem ser atribuídas a cada poder e, também, a cada ente federativo. Assim, nem os entes nem os Poderes podem desempenhar funções que nãos lhes foram atribuídas pela Constituição, já que isso iria de encontro com o modelo de organização estatal adotado pelo Brasil: o federativo.

1.  O FEDERALISMO

1.1 FEDERALISMO NO BRASIL

O Federalismo é um modo de organização do Estado em que as partes que compõe a Federação possuem autonomia. Contudo, varia de acordo com cada país o grau de liberdade que cada estado possui para seu regimento interno.

Nesse modo de organização há algumas características que são inerentes a ele. Há, portanto, um Estado soberano, aquele que possui autoridade para se relacionar com os outros Estados e que em seu território possui autonomia e autoridade para constituir as diretrizes que irão ser seguidas em seu espaço territorial sem a interferência externa, ou seja, é a máxima autoridade dentro do lugar físico que ocupa e no qual possui seu governo.

Outrossim, a base do Estado federal é a Constituição. Já nas Confederações, associações nas quais os componentes são os Estados soberanos, o instrumento que as rege são os tratados internacionais.

Além disso, é também na Constituição que se encontram as competências para cada unidade federativa. No Brasil, por exemplo, a Constituição delimita a competência da União nos artigos 21 (administrativa) e 22 (legislativa), assim como a comum (União, estados, distrito federal e municípios devem administrar), concorrente (competência para legislar é partilhada entre União, estados e distrito federal) e as competências de cada ente, como os estados (artigos 25 a 28), municípios (29 a 31), distrito federal (32) e territórios (33). Além disso, os artigos 34 e 35 vedam a intervenção dos entes federativos nos outros, salvo motivos específicos. Essas hipóteses são taxativas na lei, a fim de assegurar que não haja violação da autonomia das unidades da Federação.

É importante ressaltar, porém, que somente o Estado federal possui soberania, por isso os outros entes possuem autonomia, ou seja, independência, mas não completa, devendo respeitar os limites da Constituição.

 “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. ”

1.2 FEDERALISMO DEMOCRÁTICO: UMA JUNÇÃO DE CONCEITOS

O federalismo democrático, de forma simples, é a junção do modo de organização federalista de um Estado e da forma de governo democrático que determina as diretrizes do país. Desse modo, é a democracia sendo exercida em um território em que as unidades federativas possuem autonomia. Portanto, cada entidade da Federação deve respeitar os preceitos democráticos. Está explícita na Constituição brasileira essa junção de conceitos.

“1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:  I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. ”

Além disso, o federalismo democrático é um tema que a maioria dos indivíduos, pelo menos os que moram no Ocidente, já ouviram, uma vez que é o mais adotado nos Estados dessa região.

Essa forma começou a ganhar destaque após a Segunda Guerra Mundial, pois havia uma tendência em afastar o totalitarismo. Assim, houve reivindicação por diversidade e, consequentemente, pela autonomia, a fim de expressar a peculiaridade de cada local e seus respectivos interesses. Ademais, a democracia é, atualmente, a forma de governo que mais permite a manifestação da vontade popular. Desse modo, o povo consegue expressar seus interesses e há uma diversidade de desejos que, por meio do voto, tentam se consolidar. Por isso, Kelsen descrevia a democracia como “identidade entre governantes e governados, entre sujeito e objeto do poder, governo do povo sobre o povo”. Ainda sob a perspectiva kelsiana

A democracia exige a conformidade máxima entre a vontade geral expressa na ordem jurídica e a vontade dos indivíduos sujeitos à ordem; por essa razão, a ordem jurídica é criada pelos próprios indivíduos por ela obrigados, de acordo com o princípio da maioria.

Desse modo, há um pluralismo de ideias que conseguem se manifestar na sociedade. É certo que nem todas conseguem prevalecer, mas, dentre as formas conhecidas de governo a democracia é a que mais faz sobressair a “vontade do povo”. Ademais, cada região possui suas peculiaridades e, por isso, o federalismo permite que as culturas de cada uma delas se manifestem, desde que nos limites da Constituição. Em relação ao pluralismo, Bobbio revela

(...) o pluralismo evoca, positivamente, um estado de coisas no qual não existe um poder monolítico e no qual, havendo muitos centros de poder bem distribuídos territorial e funcionalmente, o indivíduo tem a máxima possibilidade de participar na formação das deliberações que lhe dizem respeito.

  1. ATOS ADMINISTRATIVOS

2.1   O QUE SÃO E COMO SÃO REALIZADOS

Os atos administrativos são manifestações de vontade unilaterais da administração pública. Por isso, possuem grande relação com o Estado e a forma de organização de sua estrutura e seu governo. Esses atos são regidos unicamente pelo Direito Público e são típicos do Poder Executivo, podendo também ser exercidos pelos poderes Judiciário e Legislativo em sua forma atípica. Além disso, cabe ressaltar que são infra legais, ou seja, possuem, dentro do poder hierárquico valor menor do que as leis. Com isso, devem se subordinar e respeitar as leis. Portanto, se um ato administrativo não for realizado em conformidade com a lei ele deve ser anulado.

Há requisitos para a realização de um ato administrativo, são eles: Competência, que é relativo a quem emite tal ato; finalidade referente ao objetivo dessa realização; forma como ele deve ser exercido, incluindo os instrumentos pelos quais deve ser formalizado; motivo, o que leva a sua manifestação; e, por fim, objeto, o que está sendo realizado em tal manifestação de poder da administração pública.

Por serem atos da administração pública e unilaterais, ou seja, só dizem respeito aos interesses do Poder Público, essas manifestações possuem algumas prerrogativas em decorrência da supremacia do poder público sobre o privado, uma vez que zela pelos interesses coletivos e da indisponibilidade do interesse público, ou seja, os atos deverão ser voltados ao povo. Mazza aborda esse princípio e concede a ele a explicação seguinte

 (...) enuncia que os agentes públicos não são donos do interesse por eles defendido. [...] os agentes públicos estão obrigados a atuar, não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela legislação.

Esses princípios abordados são chamados de supra princípios, pois além de precisarem ter o maior destaque os outros são regidos por eles.

2.2 VÍCIOS E FORMAS DE EXTINGUÍ-LOS

Há vícios nos requisitos básicos dos atos administrativos que podem ser convalidados, ou seja, por mais que haja erros esses podem ser sanados. Os requisitos que admite essa figura de correção são: competência e forma. Quando a competência não é exclusiva e quando não tratar de matéria exclusiva. Além disso, quando a forma não é essencial o vício pode ser corrigido e o ato válido.

Outrossim, há maneiras de se extinguir o ato administrativo. As mais comuns são a revogação e a anulação. Na primeira, o ato é válido, mas se torna inconveniente ao poder público e, por causa da supremacia do interesse público sobre o privado, a administração pública pode revogar os atos que achar conveniente, a fim de alcançar os interesses da sociedade.

Por ser um ato válido, a revogação possui efeito ex nunc, ou seja, o que foi realizado se manterá. A autotutela motiva essa revogação, uma vez que as ações da administração pública só devem existir enquanto forem convenientes e servirem ao povo de modo eficaz. Portanto, quando esses requisitos não forem mais cumpridos admite-se sua revogação e também se admite a imposição de sanções ou, de forma contrária, a execução de prerrogativas sem precisar do consentimento dos particulares, como: desapropriação, em caso de relevante interesse público com a prévia indenização; a requisição de bens, quando a autoridade pública utiliza-se de um bem do particular, a fim de assegurar o interesse coletivo, com indenização ulterior, caso haja dano; a requisição de serviços, mediante, ou não, pagamento; entre outras prerrogativas que a Administração Pública possui, visto que assegura o interesse social.

Já a anulação é quando um ato não é válido, possuindo efeitos ex tunc, ou seja, é como se os efeitos gerados fossem desse modo desde sua criação, salvo se houver boa-fé, situação na qual os efeitos favoráveis não retroagem durante o período de 5 anos.

Há também a cassação, que é uma penalidade pelo descumprimento dos requisitos para vigência do ato administrativo; a conversão, por meio da qual um ato defeituoso se torna válido em outra categoria, com efeito ex tunc; a caducidade que é quando uma lei nova faz com que o ato se torne incompatível; e a contraposição que se caracteriza pela extinção de um ato pela prática de outro, geralmente por outra autoridade, contrário ao inicial.

Nessa análise de vícios de atos administrativos há um tema que causa dúvida e é muito abordado por essa esfera de estudo. O abuso de poder engloba o excesso de poder e o desvio de poder. Contudo, é preciso diferenciá-los.

O excesso de poder se caracteriza por um vício na competência, ou seja, o agente público não possui competência para realizar determinado ato, pois não se enquadra em suas atribuições, mas o realiza, caracterizando o abuso de poder.

Já no desvio de poder o agente é competente para realizar a manifestação do ato administrativo, mas atua fora dos limites legais, ou seja, ocorre um desvio na finalidade do ato, tornando-o inválido.

2.3 CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Nessa perspectiva, é possível perceber que os critérios e requisitos criados e essenciais para um ato ser válido são decorrentes do controle deles pelo Poder Público, já que não podem ser arbitrários e devem servir à população.

Por isso, há princípios que regem a Administração Pública que devem ser respeitados, a fim de tornar claras as ações exercidas pelo Estado.

O artigo 37 da Constituição declara, de forma expressa, cinco princípios que a Administração Pública deve seguir, são eles: Legalidade; Impessoalidade; Moralidade; Publicidade e Eficiência.

A legalidade restringe o âmbito de atuação da Administração Pública, restringindo-a ao determinado em lei, ou seja, naquilo em que a lei for omissa a administração não pode atuar. Desse modo, há um grande controle sobre os atos, caracterizando como ilegal todos aqueles que não estiverem expressos, sejam omissivos ou comissivos.

A impessoalidade é sobre o agente público ser imparcial e defender o interesse coletivo, sem discriminações ou concessão de vantagens. Contudo, há exceções, uma vez que a igualdade material deve ser garantida, por meio desse princípio. Por isso, ações afirmativas são aceitas e valorizadas, a fim de conceder igualdade de condições a todos.

A moralidade, ou probidade, diz respeito à honestidade. Caso o agente não siga esse princípio, ele comete uma improbidade administrativa, que pode ser punida com suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade de bens e ressarcimento ao erário.

A publicidade talvez seja o princípio mais evidente para a população, uma vez que todos os atos administrativos devem ser divulgados, a fim de que não haja obscuridade a possa ocorrer a participação popular. De acordo com Mazza

(...) os agentes públicos atuam na defesa dos interesses da coletividade, a proibição de condutas sigilosas e atos secretos é um corolário da natureza funcional de suas atividades.

A eficiência envolve diversos princípios, porque é necessário conceder o melhor serviço possível com o menor custo. Por isso, os serviços públicos devem se atualizar e adaptar-se a sociedade; devem alcançar o maior número de pessoas. Além disso, há modicidade de tarifas, colocando aos serviços públicos o menor preço possível; deve haver também transparência e continuidade na prestação de serviços, com ampla divulgação e sem interrupção.

3.  A INFLUÊNCIA DO FEDERALISMO DEMOCRÁTICO NOS ATOS ADMINISTRATIVOS EXERCIDOS NO BRASIL                                                                           

Os atos administrativos estão diretamente relacionados com o modo com que o Estado se organiza, uma vez que são emitidos pela Administração Pública, que é intrínseca ao Estado e sua Constituição. Desse modo, a forma federalista de organização gera uma maior proximidade da população com o controle dos atos administrativos, permitindo-as reivindica-los em uma esfera mais próxima ao seu cotidiano. Nesse Sentido, Hermany se pronuncia

A esfera local potencializa a ideia de pertencimento, de responsabilidade social, estimulando, dada a proximidade do processo decisório, a ativa participação da sociedade, o que acarreta inúmeros benefícios. Portanto, o fator que se constata em todas as estratégias bem-sucedidas de poder local reside no maior grau de abertura dos processos decisórios para a população.

3.1 CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO

A centralização administrativa é quando o Estado executa as suas funções, por meio de órgão e agentes que compõe a Administração Direta, ou seja, fazem parte de um ente federativo (União, estados, Distrito Federal ou municípios). Portanto, não há a participação de outras pessoas jurídicas na prestação do serviço centralizado.

A descentralização, por sua vez, é quando os entes da Administração Direta atribuem algumas funções a outras pessoas jurídicas. Esse modo de prestação de serviços pressupõe duas pessoas jurídicas, ou seja, o Estado e a entidade a qual foi atribuída a função. Um dos princípios fundamentais da Administração Federal é a descentralização administrativa, um vez que permite a especialização na prestação de serviços. As entidades que exercem esse tipo de serviço compõe a Administração Indireta.

É relevante destacar que a responsabilidade das Pessoa Jurídicas que prestam serviços públicos, sejam elas de caráter público ou privado, é objetiva, ou seja, não é preciso comprovar dolo ou culpa por parte da Administração, somente nexo causal entre a conduta e o dano. Além disso, as entidades possuem direito de regresso contra o causador do dano, caso seja comprovado dolo ou culpa.

CF- Art. 37, § 6º “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Há dois modos por meio dos quais podem ser realizados a descentralização: a outorga e a delegação.

A outorga é quando há a criação ou autorização para criação de uma pessoa jurídica, por meio de lei, a fim de que ela realize determinados serviços. Por isso, na outorga ocorre a transferência da titularidade dos serviços e não somente sua execução. Essas entidades podem ser autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista. O artigo 37, inciso XIX da Constituição Federal disciplina como cada uma dessas entidades deve ser criada.

“XIX- somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”

Essas entidades possuem patrimônio próprio, assim como obrigações que diferem das do ente da administração direta que as criou. Desse modo, não há hierarquia entre a administração direta e indireta, mas sim um controle de finalidade por parte da primeira sobre a segunda, identificando se as entidades da administração indireta estão cumprindo com a sua finalidade, caracterizando, assim, a vinculação da administração indireta a direta. Essas entidades da administração indireta que tem caráter de direito público possuem prerrogativas específicas como a presunção de veracidade dos atos administrativos, auto executividade, entre outras como o poder de império e de polícia, típicos do Poder Público.

É importante destacar, também, que a admissão de pessoal por essas entidades da administração indireta é o concurso público. Essa exigência se encontra no art. 37, inciso II da CRFB/88

“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”

Além disso, é igualmente vedado a todas a acumulação de cargos e empregos públicos, de acordo com o art. 37, inciso XVI

 “XVI -  é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI”

A delegação, por sua vez, só transfere a execução dos serviços. Geralmente, ela ocorre por um prazo determinado e é, na maioria das vezes, concedida a particulares. Essa prestação de serviços por delegação é feita mediante concessão, permissão ou autorização.

3.1.1 AUTARQUIAS

A autarquia é criada mediante lei específica e possui personalidade de direito público interno. Ela possui patrimônio próprio que, por ser regido pelas normas do direito público gozam de imprescritibilidade (não há usucapião) e impenhorabilidade. Ademais, elas possuem imunidade tributária, vedando a instituição de impostos sobre seu patrimônio, renda e serviços, se esses forem vinculados a finalidade da autarquia, prevista em lei.

Além disso, por serem consideradas Fazenda Pública, possuem prazo em dobro tanto para contestar como para recorrer. Além disso, há a prescrição quinquenal para cobrança de dívidas e direitos em favor de terceiros. Outrossim, os créditos das autarquias são inscritos como dívida ativa e são cobrados pelo processo de execuções fiscais. Além disso, gozam de presunção de legitimidade de seus atos administrativo.

As autarquias são encarregadas de exercerem funções típicas do Estado.

 Ademais, o regime que rege seus servidores é o da Lei nº 8.112/1990, ou seja, seus funcionários são submetidos ao regime estatutário, geralmente. Todavia, regime de pessoal para tais entidades há de ser o que a pessoa federativa tiver estabelecido através da respectiva legislação. Por isso, poderá ser tanto o regime estatutário quanto o celetista.

Quanto ao foro para resolução de litígios, os litígios das federais devem ser resolvidos na Justiça Federal. Já o foro das estaduais e municipais, seguirão o que foi fixado no código de organização judiciária do Estado.

3.1.2 FUNDAÇÕES PÚBLICAS

As fundações podem ser tanto de direito público quanto privado. Se elas foram de direito público são criadas por lei. Já se forem de direito privado há uma lei que autoriza a sua criação.

As fundações públicas de direito público são espécies de autarquia, sendo chamadas, por isso, de fundações autárquicas. Os bens dessas fundações são caracterizados como bens públicos e, portanto, possuem as prerrogativas que os mesmos gozam. A admissão de pessoal deverá ser feita através de concurso público e o regime é, geralmente, o estatutário, pois é o adotado pelas autarquias e, também, pelos entes da administração direta. Contudo, regime de pessoal para tais entidades há de ser o que a pessoa federativa tiver estabelecido através da respectiva legislação. Por isso, poderá ser tanto o regime estatutário quanto o celetista. Quanto ao foro para resolução de litígios, nas fundações de direito público são seguidas as mesmas regras das autarquias.

 As fundações de direito privado se sujeitam a um regime híbrido, sendo reguladas por normas de direito público e privado concomitantemente. Seus bens não são públicos, não estão sujeitos ao regime de precatório nem cobram suas dívidas mediante processo especial de execução judicial. Quanto ao seu foro de resolução de litígios, a doutrina majoritária possui a concepção que seria na Justiça Estadual. O regime de pessoal é tema de controvérsia por parte da doutrina, uma vez que parte admite que seria de acordo com as normas da CLT e outra segundo o regime único. Há consenso, contudo, que os funcionários devem respeitar a vedação de acúmulo de cargos e empregos e, só ocorre, se previamente aprovado em concurso público.

3.1.3 EMPRESAS PÚBLICAS

As empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado que tem sua criação autorizada por lei. Elas nem sempre são regidas pelas normas do direito privado, um exemplo da aplicação de normas de direito público que essas empresas devem seguir é a realização de licitações para contratação de serviços. É importante destacar que o capital dessas empresas é totalmente proveniente da Administração Direta.

Nesse ponto, cabe ressaltar que seu capital pode ser constituído por entes diferentes da Administração Direta, mas devem ser totalmente provenientes do Poder Público. Por exemplo, as empresas públicas podem ter capital concedido pela União e pelo município, sem descaracterizar sua qualidade de empresa pública, uma vez que o capital é da Administração Direta. Ademais, seus funcionários são regidos pelo regime celetista.

Essas empresas podem assumir qualquer forma e organização empresarial. Elas são destinadas a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de interesse coletivo, igualando-se, por isso, à iniciativa privada.

É importante ressaltar que tanto as sociedades de economia mista quanto as empresas públicas podem se destinar à prestação de serviços públicos ou à exploração de atividade econômica. Dessa forma, no primeiro caso elas são isentas de impostos, possuindo imunidade fiscal. Entretanto, se se destinarem à exploração de atividade econômica, elas não possuem essa prerrogativa.

3.1.4 SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA

    As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de direito privado, cuja autorização para sua criação ocorre por lei específica. Elas diferem das empresas públicas, pois seu capital é composto pelo Poder Público, mas também com a participação de particulares. Elas só podem assumir a forma de empresas S.A, ou seja, possuem ações na bolsa de valores. Além disso, elas admitem a obtenção de lucro e regem-se pelas normas de direito privado. Contudo, essas normas podem ser também de direito público desde que estejam previstas na lei que autorizou sua criação. Além disso, devem respeitar, como todas as outras entidades da administração indireta, a aprovação de pessoal por prévio concurso público, e a vedação de acumulação de cargos e empregos públicos por parte de seus funcionários. Ademais, esses são regidos pelo regime celetista.

3.2 FORMAS DE LICITAÇÃO

A licitação determina qual pessoa física ou jurídica, dependendo do objetivo pretendido irá adquirir os bens ou serviços públicos que estarão disponíveis.

A concorrência é a mais utilizada, pois pode ser para qualquer que seja o valor do bem ou serviço, isto é, valores flutuosos. Os editais são de ampla participação, mas dependem de habilitação prévia de acordo com os requisitos determinados por ele.

A tomada de preços exige o cadastro dos concorrentes, mas se não houver esse cadastro, ele pode ser realizado até três dias antes da entrega das propostas. Essa modalidade permite até R$ 1.5 milhão, em obras e serviços de engenharia e para os demais casos, no limite de R$ 650 mil.

Há, ainda, a carta convite, pela qual a Administração Pública convida três licitantes e, quem não for convidado pode se habilitar até 24 horas antes da entrega das propostas. Essa modalidade é utilizada para valores de até R$150 mil para obras e serviços de engenharia e até R$80 mil para outras contratações.

O concurso é utilizado para provimento de cargos no setor público e ocorre a título de prêmio ou remuneração. Nessa modalidade, não há vínculo com a administração.

Na modalidade leilão, os bens móveis apreendidos judicialmente, penhorados ou inservíveis à administração são alienados e concedidos a quem propor o maior lance.

Já o pregão possui lei própria, não possui limite de valor, e ocorre em sessão pública, em que através de lances é definido o menor preço e concedido o serviço. Desse modo, o pregão permite a celeridade do procedimento.

3.3 PERMISSÃO

A permissão pode ser concedida tanto à pessoa jurídica quanto física. A celebração da permissão ocorre através de contrato de adesão, que é unilateral e a delegação por meio de licitação, mediante qualquer de suas modalidades. Como o contrato é, também “a título precário”, ou seja, provisório, o serviço pode ser retomado a qualquer tempo por quem concedeu a permissão, por isso a revogação antes do prazo não gera indenização.

3.4 AUTORIZAÇÃO

A autorização só pode ser concedida às pessoas físicas. É, de fato, a autorização para que o particular exerça alguma atividade ou utilização de algum bem público, situação em que seu interesse é o predominante. Por isso, o é precário, uma vez que não há garantia temporal e pode ser revogado devido a conveniência do interesse público. Além disso, não depende de licitação, cabendo a discricionariedade do Poder Público admitir, ou não, realização de determinado serviço ou utilização da área pública.

3.5 PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS

As parecerias público privadas são aquelas nas quais há um vínculo de obrigação entre a Administração Pública e as empresas privadas, ou seja, as empresas prestam os serviços (obrigação de fazer) e o Poder Público exerce a contraprestação. Desse modo, há um auxílio para suprir as necessidades públicas com as quais o governo não consegue arcar sozinho. A definição de Justen Filho para essa parceria resume seus objetivos e estrutura.

(...) parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro.

3.5.1 CONCESSÃO

A concessão é uma modalidade dessa parceria que só pode ser concedida à pessoa jurídica, ou seja, particulares não podem prestar serviços por meio de concessão. Esse modo de parceria público privado é formalizado por meio de um contrato administrativo, que se caracteriza como bilateral e a delegação da tarefa ocorre através de licitação, somente na modalidade concorrência. Como o contrato da concessão é por prazo determinado, a rescisão injustificada gera indenização. Há dois tipos de concessão: a administrativa e a patrocinada.

Na concessão administrativa a Administração Pública é usuária direta ou indireta dos serviços. Por isso, não se cobra tarifa dos usuários, já que a remuneração provém integralmente do Poder Público. Já no segundo caso, o serviço é prestado ao público e a fim de mantê-lo com eficiência são cobradas tarifas de quem usufrui dos serviços.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É possível reconhecer, portanto, a importância que o modelo de organização adotado por um Estado possui em seus atos administrativos e em seu controle. Isso ocorre pois a Administração, tanto direita quanto indireta, possui seu modo de criação, prerrogativas e deveres constantes na Carta Magna de um país, isto é, sua Constituição Federal.

Esse dispositivo disciplina um conjunto de fatores, fazendo com que o Poder Público e as diversas entidades e órgãos tenham que se submeter a ela. Desse modo, estabelece a divisão de funções de cada um dos entes federados, assim como a das pessoas jurídicas criadas por eles.

Assim, o federalismo, modo de organização do Estado brasileiro, e a democracia, modo de governo do Estado, são determinantes para estabelecer o modo que a Administração Pública deve atuar. Dessa forma, um dos principais princípios que ela deve seguir é a legalidade.

Para a Administração Pública, a legalidade significa atuar somente quando a lei determina, ou seja, se a lei for omissa quanto a determinada ação ela não pode ser realizada. Desse modo, a lei disciplina e limita a área de atuação da Administração.

Por isso, o modo de organização e de governo do Estado é tão importante para determinar como a Administração deve atuar e estabelecer os seus limites, Além disso, os entes da Federação se associarão em união determinada pela própria Constituição Federal, e, em decorrência disso, torna-se indivisível.

Assim, a unidade dos entes federativos se sobrepõe a sua autonomia funcional, legal e administrativa, já que o principal objetivo dessa descentralização política dos entes é a melhor gestão do território, tendo como objetivo precípuo a união e gestão do território como um todo, partindo do pressuposto que a divisão de tarefas pelas partes irá garantir o direcionamento de modelos de gestão que se adaptem melhor a cada local, possibilitando um melhor desempenho geral. Portanto, ocorre uma junção dessas funções políticas e administrativas ocorridas em cada local para atender à vontade nacional da maneira mais produtiva possível.

Desse modo, a descentralização política dos entes permite uma autonomia, tanto legislativa, como se observa pelas Constituições Estaduais, quanto de administração e fiscalização de tarefas atribuídas a cada uma dessas entidades.

Nesse contexto, essa autonomia só ocorre pelo fato de o Estado ser uma federação, pois nesse modelo as atribuições são descentralizadas entre as pessoas políticas, que são os entes federativos: União, Distrito Federal, Estados e Municípios. Portanto, esse modelo é o que garante o modo atual pelo qual a administração pública, direta e indireta, se estabelece.      

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise: pluralismo, democracia, socialismo, comunismo, terceira via e terceira força. 3. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1994.

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