Mediação Ambiental: Uma Teoria Pós-Moderna de Gestão de Conflitos Sociais


Poraires- Postado em 13 julho 2010




MEDIAÇÃO AMBIENTAL: UMA TEORIA PÓS-MODERNA DE GESTÃO DE CONFLITOS SOCIAIS

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Paulo Renato Ernandorena

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Resumo

Este artigo aborda os conflitos ambientais e os meios tradicionais de resolução existentes no Brasil. Após discorrer sobre a insuficiência e o anacronismo do modelo oficial – calcado no positivismo do Direito e numa visão competitiva da sociedade –, o trabalho focaliza a mediação como método alternativo de gestão das contendas que envolvem interesses relativos ao meio ambiente, tendo como base as teorias de Humberto Maturana, notadamente a Biologia Cultural. A matéria foi pesquisada na literatura especializada, constatando-se sua precária sistematização, decorrente da inexistência de uma cultura mediadora nas questões ambientais, geralmente pautadas pela radicalização, para cuja ausência desempenha papel relevante o mito de serem os bens ambientais indisponíveis. Procura evidenciar, a final, a partir de uma epistemologia sistêmica novo-paradigmática, a primazia da eco-mediação como método por excelência para a composição dos conflitos ambientais, buscando contribuir para pôr em xeque a hipocrisia estatal que por um lado apresenta a natureza como um ente intocável e dissociado do ser humano, mas por outro permite – e até incentiva – a sua destruição.

Palavras-Chave

Conflitos. Biologia Cultural. Representacionismo. Conhecimento. Cooperação. Pensamento Sistêmico. Mediação Ambiental.

Introdução

Paralelamente à crença de que o progresso ilimitado resolverá todos os problemas da humanidade, vive-se – como desde o auge da guerra fria não se tinha registro – o medo da extinção do planeta, em decorrência da finitude dos recursos naturais, da degradação ambiental sem precedentes e das mudanças climáticas que já ameaçam a vida na terra. Entre os efeitos ainda não mensurados da descomunal evolução científico-tecnológica do final do Século XX, que gerou uma perplexidade existencial, e do triunfo do capitalismo sobre o socialismo, conduzindo à hegemonia neo-liberal e globalizante, está a exacerbação das desigualdades e, consequentemente, dos conflitos, assim como o surgimento de novas demandas (na proporção dos novos direitos e necessidades advindas), quer entre os indivíduos e/ou organizações, quer de natureza social, aí incluídos os conflitos ambientais, que segundo ACSELRAD (2004, p. 02):

[...] constituem uma realidade que tende a ocupar cada vez mais espaço na agenda pública, tanto nacional como internacional, à medida em que se aprofunda o processo de transformação econômica e social dos territórios. É a emergência dos conflitos ambientais que põe em evidência a disputa por hegemonia entre distintas concepções sobre as formas de incorporação da natureza para satisfazer necessidades materiais, simbólicas e espirituais de indivíduos e de comunidades. O seu estudo representa uma necessidade urgente, tanto para a academia quanto para a comunidade política e para os atores sociais.

Contudo, as regras e sanções jurídicas mostram-se incapazes de acompanhar e abranger o dinamismo do comportamento social, e a resolução dos conflitos de interesses que surgem na sociedade segue, ainda, no Brasil, o arcaico modelo do monopólio do Poder Judiciário que, com suas históricas mazelas – como demonstrado no trabalho elaborado pelo Banco Mundial em 1996, intitulado O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: Elementos para Reforma, conhecido como Documento Técnico n°. 319 (DAKOLIAS, 1996) –, não consegue dar conta da nova realidade eclodida, expondo a sua atual incapacidade para servir de sustentação a um sistema político verdadeiramente democrático.

Assim, o atual momento histórico exige outras perspectivas, não só frente aos conflitos emergentes, mas também em relação às maneiras ortodoxas de resolução, de onde se extrai a necessidade da concepção de estruturas que conduzam a novas reflexões e atitudes, assoalhando um caminho no qual possa prevalecer o diálogo e a construção de consensos, e não um obsoleto, autoritário, ineficaz, e por vezes tendencioso, regramento estatal.

Contribuir para a criação dessas novas estruturas, caracterizadas por instâncias de discussões mais amplas, hábeis a internalizar as implicações sociais, culturais e econômicas no processo de solução de controvérsias, notadamente as ambientais, inclusive viabilizando e potencializando a participação pública, levando-se em conta os interesses dos atores sociais envolvidos e a realidade como ela é sentida pelos sujeitos (multiverso), e não como a lei diz que deve ser – como ocorre na mediação – é o escopo do presente trabalho.

Espera-se que a reflexão – inspirada pela Biologia Cultural e pelas teorias de Humberto Maturana – possa prestar um contributo para estender a mediação à área ambiental.

Dessa forma, a investigação acerca da possibilidade e conveniência da utilização da eco-mediação nas questões ambientais – intrinsecamente conflitivas –, cada vez mais presentes no cotidiano do cidadão, revela-se oportuna e impostergável,

Pois não se trata apenas de configurar uma ‘engenharia ambiental’, capaz de olhar os fenômenos sob a lente de um quadro pré-construído de possibilidades institucionais de equacionamento e resolução de conflitos, mas, sim, de reconstituir a sociologia relacional que dá historicidade aos mesmos. Nesse sentido, merece particular atenção o esforço crescentemente generalizado de criação, em inúmeros países da América Latina, de projetos voltados para a disseminação de tecnologia de resolução de conflitos ambientais. (ACSELRAD 2004, p. 9)

1. Representacionismo

O conhecimento, ao longo da história, tem sido visto como uma representação fiel de uma realidade independente do sujeito cognoscente. Em outras palavras, as produções intelectuais não seriam construções da mente humana, mas descrições de realidades externas objetivas e transcendentes. Com algumas exceções, a idéia de que o mundo é pré-constituído em relação à experiência humana é hoje predominante.

Segundo essa visão de mundo, conhecida como representacionismo, nosso cérebro recebe passivamente informações vindas já prontas de fora. O conhecimento é apresentado como o resultado do processamento de tais informações. Em conseqüência, quando se investiga o modo como ele ocorre, prevalece a objetividade, em detrimento da subjetividade, vista como algo que poderia comprometer a exatidão científica.

Tal modo de pensar, conforme Mariotti (2001), se constitui no marco epistemológico prevalente na atualidade em nossa cultura – e isso talvez mais por motivos filosóficos, políticos e econômicos do que propriamente por causa de descobertas científicas de laboratório. Sua proposta central é a de que o conhecimento é um fenômeno baseado em representações mentais que fazemos do mundo. A mente seria, então, um espelho da natureza. O mundo conteria “informações” e nossa tarefa seria extrai-las dele por meio da cognição.

Essa concepção também produziu conseqüências práticas e éticas, reforçando, por exemplo, a crença de que o mundo é um objeto a ser explorado pelo homem em busca de benefícios. O representacionismo é um dos fundamentos da cultura patriarcal sob a qual vive hoje boa parte do mundo, gerando um modelo mental fragmentador, que produz a separação sujeito-objeto, principal característica da concepção representacionista, fundamentalmente geradora de competição e conflitos.

2. Noção de Conflito

O humano, ser de natureza multidimensional e que se vai construindo em relação, é uma confluência de intrincados fatores em movimento, entre eles o biológico, o psicológico e o social; protagonista de pensamentos racionais e simbólicos, que se mesclam e convivem mutuamente, é produtor e produto de suas circunstâncias, que o distinguem e revelam sua singularidade (MULLER, 2007). Essa singularidade, por sua vez, propicia que os acontecimentos sejam vivenciados ou percebidos de forma única. A isso se denomina idiossincrasia. Se por um lado os torna de uma complexidade infinita e de um fascinante mistério, por outro, acaba ensejando diferentes visões de mundo e formas de conduta, o que em muitos casos gera antagonismo, ou ainda, o conflito.

O conflito é, portanto, um fenômeno onipresente na interação humana, e pode ser definido como uma colisão de interesses decorrente do conjunto de condições psico-socio-culturais únicos que integram cada ser.

Os conflitos são, ainda, resultados da vida de relação, ou seja, quando o homem se contrapõe a seus semelhantes em função da necessidade inata de realização da vontade/necessidade de cada um, estando esta em oposição à vontade/necessidade do outro. São ínsitos à natureza humana e pertencem à fisiologia da vida social, não sendo em si mesmos bons ou ruins, importando mais a forma como os indivíduos lidam com eles; tanto podem conduzir à degradação dos relacionamentos, como a transformações positivas e ao crescimento.

Conflito também pode ser entendido como qualquer forma de oposição de forças antagônicas. Significa diferenças de valores, “escassez de poder, recursos ou posições, divergências de percepções ou idéias, dizendo respeito, então, à tensão e à luta entre as partes” (BREITMAN; PORTO, 2001, p. 93).

Pode-se dizer que os conflitos ocorrem, nas relações, quando ao menos duas pessoas independentes percebem seus interesses como incompatíveis. (HOKER; VILMOT apud FONKERT, 1999).

O conflito pode ser manifesto ou latente, ou seja, o primeiro é conhecido e trabalhado de forma aberta, enquanto o segundo ocorre quando as pessoas não o percebem ou o evitam. Para Warat (1999) são justamente os desejos, as intenções e os quereres que são evocados quando se desvela o material subjacente dos conflitos.

Conforme Moore (1998) existe uma outra espécie de conflito, os emergentes, isto é, ambas as partes reconhecem que existe uma disputa surgindo e ensejando uma troca de tons severos entre elas, mas não sabem como resolver o problema.

Leciona Moré (2003) que em nossa sociedade o conflito se associa à rivalidade, a oposição e à diferença, sendo estas mal vistas em nosso sistema de crenças. Muitas vezes se vive as diferenças como uma agressão. Mas o antagonismo não é destrutivo em si, nem bom em si, mas pode ser entendido como um elemento da evolução, e mais, um dos elementos da própria vida. Portanto, os antagonismos são parte integral do meio onde nascemos, nos criamos e morremos; de forma que não podem ser extirpados, já que fazem parte de nossos sistemas de interação.

A definição chinesa para a expressão conflito é composta por dois sinais superpostos: um quer dizer perigo e, o outro, oportunidade. O perigo é permanecer um impasse que retire as energias individuais; a oportunidade é considerar as opções e abrir-se a ocasiões que permitirão novas relações entre os indivíduos e inventar meios de solucionar os problemas cotidianos.

Warat (2001) explica que o conflito, não sendo nem negativo nem positivo em si mesmo, mas parte da existência humana, remete a uma questão essencial concernente à forma como manejá-lo, de tal maneira que ambas as partes possam sair ganhando.

Na perspectiva psicanalítica, o conflito pode ser ilustrado quando no indivíduo se opõem exigências internas contrárias. Grosso modo, a luta do desejo e da interdição. A psicanálise considera o conflito como constitutivo do ser humano, e isto em diversas dimensões: conflito entre desejo e defesa, conflito entre os diferentes sistemas e instâncias, conflito entre as pulsões e, finalmente, conflito edipiano, no qual não apenas desejos opostos se defrontam, mas onde estes enfrentam a interdição.

Atualmente, uma percepção positiva do conflito pode ser encontrada em Warat, (2001); Fonkert (1999); Folger, (1999); Vezzula, (2001), entre outros. Tanto que para Schnitman (1999) o conflito é uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento; Bush e Folger (1999) entendem que o conflito é potencialmente transformativo, ou seja, “a argúcia oferece aos indivíduos a capacidade de desenvolver e integrar suas capacidades de força individual e empatia pelos outros”.

A maneira de encarar e de gerenciar os conflitos mostra-se como uma questão essencial quando se pensa em estabelecer entendimento nas relações.

3. Conflitos Ambientais

De maneira geral, os conflitos ambientais podem ser conceituados como tipos de conflitos sociais que expressam lutas entre interesses opostos que disputam o controle dos recursos naturais e o uso do meio ambiente comum (ALEXANDRE, 1999-a, p. 23)

Ou ainda, “o jogo de interesses opostos que emergem no contexto da disputa pela apropriação e uso do meio ambiente comum” (ALEXANDRE, 1999-b. p. 18).

O conflito ambiental pode ser entendido, também, como resultado de uma pretensão à exploração de um bem ambiental, surgido no momento em que outrem busca impedir ou regulamentar essa iniciativa.

Ainda, conforme Alexandre (1999-b, p. 14) existe uma:

capacidade crescente da sociedade civil organizada de impedir que projetos empresariais de desenvolvimento sejam implementados à revelia de um processo efetivo de discussão pública e democrática junto às comunidades envolvidas. Isso parece comprovar que, ao longo dos últimos anos no Brasil, tem-se percebido, como característica muito própria e marcante, a maturação política gradual de setores sociais sensíveis aos problemas sócio-ambientais, cuja conseqüência é o incremento desses conflitos na sociedade.

A existência de conflitos ambientais, conforme acentua Fink (2001, p. 113), decorre da “continuidade de um complexo modelo de exploração econômica, caracterizado pela ação predatória, e da evidente necessidade de preservarem-se os recursos naturais ainda existentes”.

Ou, como sustenta Milaré (2000, p. 33), emergem de um fenômeno elementar, segundo o qual “os homens, para satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, que são ilimitadas, disputam os bens da natureza, por definição limitados”.

Os conflitos ambientais podem ser subdivididos em duas vertentes: (a) os conflitos de uso, nos quais ocorre uma disputa entre particulares ou destes com o Poder Público, em relação a determinado bem ou recurso ambiental; e (b) os conflitos entre empreendedores, públicos ou privados, que intentam a exploração dos recursos naturais, e a sociedade civil, que defende sua preservação ou conservação.

Em termos ambientais, portanto, pode-se dizer que os conflitos são multilaterais, sendo uma das partes necessariamente a sociedade, titular do direito de fruição de um ambiente natural livre de degradação.

O conflito ambiental pertence ao gênero do conflito social, do qual é espécie, verificando-se que naqueles também ocorrem enfrentamentos sociais e confrontos de forças organizadas contra o Estado (REYNAUD, 2001).

De acordo com Fink (2001), a visível e permanente degradação ambiental, sugere que os meios tradicionais de solução de conflitos precisam ser utilizados em maior escala, mas, sobretudo, que novas formas, como a negociação e a mediação, sejam estimuladas e implementadas.

Não obstante a profusão em que ocorrem os conflitos ambientais no cenário nacional, revestindo-se o tema, só por essa circunstância, de especial relevância, verifica-se que o assunto ainda é pouco trabalhado no âmbito científico. A maioria dos doutrinadores satisfazem-se com a abordagem do dano ambiental, praticamente abstraindo que a degradação ao meio ambiente, antes de se concretizar, tem subjacente a realização de um interesse resistido, potencialmente em condições de ser harmonizado por um processo de composição prévia entre as partes envolvidas.

É provável que a falta desse embasamento contribua para que até hoje a sociedade brasileira não tenha ainda desenvolvido uma cultura negocial em matéria ambiental. Por outro lado, a falta de foros próprios para o diálogo voltado à solução de controvérsias que tenham por objeto o patrimônio ambiental, bem como a ausência de estímulo à utilização dos meios alternativos de resolução de disputas, como a negociação e a mediação, as demandas surgidas no contexto ambiental acabam desaguando no Poder Judiciário, através das ações civis públicas, cuja eficácia é predominantemente reparadora, e não preventiva.

4. Resolução de Conflitos

Nos tempos remotos os conflitos eram resolvidos por meio da autotutela ou autodefesa, isto é, pela lei do mais forte. Quem pretendesse algo que outrem impedisse de obter, haveria de, com sua força e na medida dela, conseguir por si mesmo a satisfação de sua pretensão. Era a vitória do mais dotado, mais astuto ou mais ousado, sobre o mais fraco ou mais tímido (ERNANDORENA, 2003).

Ainda nos sistemas primitivos surgiu a autocomposição, compreendida pela desistência (renúncia à pretensão), submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão), e transação (concessões recíprocas).

Posteriormente, com a criação do Estado moderno, delegou-se ao Poder Judiciário a exclusividade para dirimir os conflitos interpessoais, predominantemente por meio da aplicação do Direto, que é um sistema de coação organizado através de proposições legais que imputam essencialmente deveres à conduta humana, limitando sua liberdade.

Dito de outra forma, o Direito é técnica de resolução de litígios que utiliza regras impostas – leis –, derivadas de outros poderes (v.g. o legislativo), que não as partes em conflito, e que se lhe impõem quando buscam uma solução estatal.

No entanto, a lei nada mais faz do que aplicar sobre os comportamentos humanos – complexos e imprevisíveis – um gabarito abstrato, com o único propósito de dotar essas condutas de decidibilidade, sem reconhecer qualquer autonomia aos cidadãos (BISOL, 1999).

5. A Resolução dos Conflitos Ambientais

A Constituição Federal, em seu art. 225, alçou o meio ambiente a bem de uso comum do povo

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Cuida-se, portanto, de um direito difuso e, como tal, indisponível.

A Magna Carta também atribuiu ao Ministério Público a função institucional de exercer “a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III).

Já a Lei n°. 7.347/85, que instituiu a ação civil pública – instrumento por excelência para a tutela dos direitos coletivos –, ao lado do Ministério Público, estabelece outras legitimidades para a defesa dos interesses difusos, que recaem sobre a União, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as fundações, as sociedades de economia mista e as associações da sociedade civil (art. 5°.).

5.1 Transação

Prescreve o art. 840 do Código Civil que “É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”.

De outro tanto, o mesmo Diploma Legal dispõe no art. 841 que “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”, ou seja, concessões mútuas só podem ser realizadas por quem pode dispor do direito em litígio ou ameaçado.

Já a Lei n°. 9.307/96 (Lei da Arbitragem) estabelece em seu art. 1°. que “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.”

Sob este prisma, em princípio, seria inadmissível qualquer transação em matéria ambiental (MACHADO, 2000).

5.2 Transação em matéria ambiental e as medidas compensatórias

A transação em matéria ambiental, conquanto seja tachada de impossível, vem ocorrendo de forma velada nos licenciamentos ambientais e nos Termos de Compromisso de Ajustamento de Condutas.

Efetivamente, um número cada vez maior de doutrinadores têm se posicionado favoravelmente à celebração de compromissos de ajustamento de condutas, argumentando que o seu objeto não é propriamente o meio ambiente, mas a forma de adoção das medidas destinadas à recuperação ou prevenção de danos ambientais, ou ainda, o estabelecimento de certas regras e comportamentos a serem observados pelo interessado.

À escassez de estatísticas, os dados empíricos e a experiência evidenciam que os ajustamentos de conduta celebrados pelos entes legitimados, na realidade, extrapolam em muito esses limites meramente formais, invocados pelos autores para não admitirem a possibilidade de transação com os bens ambientais – o que de resto freqüentemente ocorre –, sustentando, na contramão dos acontecimentos, a inadmissibilidade da prática de dano ao meio ambiente com o aval do Estado.

Os próprios órgãos ambientais fazem concessões contrárias à lei em contrapartida de restrições oferecidas pelos empreendedores em projetos submetidos ao licenciamento, tudo isso sem qualquer participação ou fiscalização da sociedade civil.

Implicitamente, portanto, admite-se a compensação por danos permitidos ao meio ambiente.

Não é outra a razão de ser das medidas compensatórias estão previstas no Direito pátrio através da Resolução CONAMA n°. 02/96, de 18 de abril de 1996, dispõe:

Art. 1°. – Para fazer face à reparação dos danos ambientais causados pela destruição de florestas ou outros ecossistemas, o licenciamento de empreendimentos de relevante impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente com fundamento no EIA/RIMA, terá como um dos requisitos a serem atendidos, pela entidade licenciada, a implantação de uma unidade de conservação de domínio público e uso indireto, preferencialmente, uma Estação Ecológica, a critério do órgão licenciador, ouvido o empreendedor.

E complementa no art. 2°.:

Art. 2°. – O montante dos recursos a serem empregados na área a ser utilizada, bem como o valor dos serviços e das obras de infra-estrutura necessárias ao cumprimento do disposto no art. 1°., será proporcional à alteração e ao dano ambiental a ressarcir e não poderá ser inferior a 0,5 % (meio por cento) dos custos totais previstos para implantação do empreendimento.

Acerca das medidas compensatórias, FERNANDO REVERENDO VIDAL AKAOUI, Promotor de Justiça em São Paulo, em sua Tese aprovada no 3°. Congresso Internacional de Direito Ambiental

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, assevera:

Com efeito, a doutrina tem admitido como forma de reparação do dano a denominada compensação, consistente em uma prestação positiva (obrigação de fazer), e que reverta em prol das questões ambientais.

E argumenta no seguinte sentido:

Com a compensação, garante-se que os recursos a serem empregados serão destinados diretamente à aquisição de bens ou realização de atos de valor ambiental, garantindo-se assim, e ainda que indiretamente, a efetivação de uma política ambiental, seja preventiva, seja de recuperação de áreas degradadas.

Aduz ainda o ilustre membro do Parquet paulista:

Diante deste quadro, poderíamos mesmo alegar que a compensação se reveste de todos os requisitos necessários para que seja tida como uma das maneiras mais eficazes de reparação do dano ambiental, posto a sua maleabilidade quanto às infinitas possibilidades de atos que possam retribuir ao meio ambiente os danos a eles causados.

A admissão do fato de que apesar de ser conceituado como bem indisponível de uso comum do povo, a agressão ao meio ambiente é alvo de constantes autorizações dissimuladas por parte daqueles que detêm a exclusividade de sua defesa, permitindo-se até mesmo privatizações de bens públicos ambientais, sem nenhuma participação da sociedade civil ou contrapartida aos interesses comunitários, precisa ser considerada.

Nesse contexto, parece irrecusável que sejam criadas instâncias de participação popular, que possam servir de verdadeiras salvaguardas ao equilíbrio ambiental e espelho aos reais interesses da população.

Aliás, na esteira do Princípio 10, da Declaração do Rio de 1992, que assim dispõe:

Princípio 10 – A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informação relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processo de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos.

6. Biologia do Conhecer

A Biologia do Conhecer é uma das críticas mais avassaladoras à noção de que capturamos, através dos sentidos, um mundo já pronto e acabado, cujo conhecimento se dá através de descoberta, desvendamento, revelação do que está oculto (representacionismo). Humberto Maturana, de forma revolucionária, introduz a idéia de que o mundo é construído pelo sujeito, ou seja, não é anterior às suas experiências, mas decorrente de sua trajetória de interação. A teoria perpassa pelo menos seis livros do renomado cientista chileno: “A árvore do conhecimento”, “Ontologia da realidade”, “Cognição, ciência e vida cotidiana”, “Emoções e linguagem na educação e na política”, “Formação humana e capacitação” e, mais recentemente, “Habitar humano”. A leitura sistêmica da obra de Maturana, é também uma provocação à participação mais ativa na construção desse mundo.

Humberto Maturana, a partir de evidências concretas, extraídas de seus experimentos, demonstra, de forma original, que o conhecimento não se limita ao processamento de informações oriundas de um mundo anterior à experiência do observador, o qual se apropria dele para fragmentá-lo e explorá-lo. Sustenta, por outro lado, que os seres vivos são autônomos, isto é, auto-produtores – capazes de produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver.

A vida é um processo de conhecimento e os seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo.

Um aspecto polêmico dessa concepção, que de certo modo se opõe às teorias sistêmicas, mas que encontra ressonância em outros pensado­res, como Piaget, é a de que os seres vivos são fechados em relação ao meio, isto é, não possuem nem entradas e nem saídas. Podem, no entanto, ser perturbados – ou gatilhados – por efeitos externos, e experimentar trocas internas que compensem essas perturbações.

Uma ‘angústia natural’ seria o motor que leva os seres humanos, ainda que sistemas fechados, a abrir–se para as trocas com o meio ambiente (FIALHO, 2000). É uma perturbação que vem de dentro, que existe mesmo quando nada novo acontece lá fora.

Mesmo que de imediato não o perceba, o sujeito é sempre influenciado e modificado pelo que vê e sente, tal qual as águas de um rio vão abrindo o seu trajeto por entre os acidentes e as irregularidades do terreno. Mas estes também ajudam a moldar o itinerário, pois nem a correnteza nem a geografia das margens determinam isoladamente o curso fluvial: ele se estrutura de um modo interativo, o que nos revela como as coisas se determinam e se constroem umas às outras (MARIOTTI, 2001).

O que se distingue na obra de Maturana é que ele não parte simplesmente de pressupostos, como ocorre nas teorias científicas tradicionais. Ao contrário, ele cria um mecanismo gerativo cujo movimento produz os fenômenos que lhe interessa explicar, sendo que como sua teoria é a do viver e do observar, ela é ao mesmo tempo uma reflexão filosófica. O mais interessante é que ela aborda o ser e o real não como categorias existentes, eternas e independentes, mas por sua constituição no viver do observador.

Por outro lado, apesar da cultura ocidental insistir na neutralidade das reflexões acadêmicas, toda teoria científica, ou não, também tem pressupostos e implicações éticas. “Dizer-se neutro, é só uma maneira de isentar-se da responsabilidade do mundo que configuramos em nosso viver na linguagem com os outros seres e este é justamente o cerne da Biologia do Conhecer.“ (MATURANA, 1997).

7. Competição e Cooperação

A partir de sua construção teórica, Maturana questiona as explicações correntes sobre a natureza competitiva do ser humano, seja nas suas formas hard (do tipo das hipóteses urdidas pelos sociobiólogos e pelos socialdarwinistas), seja nas suas formas mais soft (do tipo das hipóteses celebradas por economistas, sociólogos, antropólogos e biólogos da evolução que trabalham, baseados na teoria dos jogos, com o nonzero, ou melhor, com a non-zero-sumness, com a rational choice, enfim, com a combinação otimizada entre competição e colaboração ou com a prevalência da relação “olho por olho” a longo prazo). (FRANCO, 2008).

A refutação é simples: se o que nos torna humanos é a linguagem, e se a linguagem é uma coisa que, definitivamente, não pode surgir na competição, então a competição não pode ser constitutiva do ser humano, nem individual nem socialmente falando. O primata bípede que antecedeu ao homem não se teria humanizado se tivesse vivido num ambiente predominantemente competitivo.

Maturana sustenta ainda que o fenômeno da competição que se dá no âmbito cultural humano e que implica contradição e negação do outro, não se dá no âmbito biológico. Os seres vivos não humanos não competem, deslizam uns sobre os outros e com os outros em congruência recíproca ao conservar sua autopoiesis e sua correspondência com um meio que inclui a presença de outros e não os nega.

8. O Ser Consensual

A vida humana é recursivamente envolvida em si mesma no fluir do acoplamento dinâmico recursivo do linguajar, do emocionar e da corporalidade; o que quer que linguajemos no fluir de nosso emocionar torna-se o mundo em que vivemos como seres humanos, enquanto a mudança contínua de nossos corpos segue um curso contingente com nosso linguajar e nosso emocionar, e nossas coordenações consensuais recursivas de ações, no fluir de nosso emocionar e nossas corporalidades cambiantes enquanto vivemos o mundo que vivemos, constitui nosso linguajar.

Dada essa circunstância, a vida humana aparece aberta para qualquer curso histórico que possamos imaginar nesse envolvimento recursivo. Nossa biologia, enquanto seres humanos, constitui e realiza a extensão de nosso viver a cada instante através da conservação do modo de viver que continuamente nos faz seres humanos, a saber: a cooperação do macho no cuidado com as crianças, o compartilhamento de alimentos, o intercâmbio de objetos, a preocupação para com os outros, as interações recorrentes na consensualidade, a aceitação mútua e o respeito mútuo como a forma básica de coexistência e o linguajar. Em outras palavras, continuaremos sendo seres humanos enquanto nossa operação no amor e na ética permanecer como o fundamento operacional de nossa coexistência enquanto animais linguajantes. Com efeito, viver na negação da consensualidade, do amor e da ética como fundamento de nossas diferentes maneiras de coexistência constitui a negação da humanidade.

9. A Mediação como Alternativa de Resolução de Conflitos

A mediação é universalmente conhecida entre os grupos humanos desde as sociedades mais primitivas. É freqüentemente utilizada como alternativa ao sistema judiciário para solucionar as disputas intersubjetivas.

Atualmente a mediação é aplicada em diversos domínios, seja pessoal, comunitário, nacional ou internacional. Em sentido amplo, é a intervenção de uma terceira pessoa neutra para favorecer a resolução de litígios nos conflitos de trabalho, familiares, comerciais ou sociais.

A mediação pode ser definida como um processo de gestão de conflitos no qual os desavindos solicitam ou aceitam a intervenção confidencial de uma terceira pessoa, qualificada e de sua confiança, para que encontrem por si mesmos as bases de um acordo duradouro e mutuamente aceitável, que contribuirá para a reorganização da vida pessoal.

Diversamente do processo contraditório/dialético judicial, a mediação não procura determinar quem está certo ou quem está errado, quem ganha e quem perde, mas tende a estabelecer uma solução sensata e justa em função das necessidades das partes envolvidas.

Em 1996 o advento da Lei da Arbitragem (Lei n°. 9.307/96) fez com que a mediação, assim como as demais formas alternativas de resolução de conflitos, tomasse impulso no Brasil.

Presentemente tramita no Congresso Nacional projeto de lei que instituirá a denominada mediação ‘para-processual’ como fase preliminar das ações judiciais, introduzindo o instituto, de forma irreversível, em nosso sistema jurídico

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10. A Mediação Ambiental

Superada a impostura segundo a qual o meio ambiente não pode ser objeto de transação – que contrasta seriamente com a realidade nacional e, particularmente, com a regional –, ter-se-ia abertos os caminhos para a germinação da negociação e da mediação ambientais com base científica, capazes de se converterem em instrumentos hábeis a promover uma nova era de desenvolvimento com verdadeira e legítima proteção ao meio ambiental, eis que supõem princípios democráticos, transparência procedimental e intensa participação da cidadania, em última análise, detentora da soberania e responsável por seus desígnios.

Implica também na admissão de que, dos organismos legitimados à defesa do meio ambiente, o Ministério Público, salvo honrosas exceções localizadas, está em estágio pré-organizacional em matéria ambiental

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; os órgãos do executivo não dispõem de meios e recursos para a magnitude da atuação que lhe é reservada; e, a sociedade civil, como um todo, tem dificuldades para organizar-se e até desconhecimento de seu papel.

Considerações Finais

O paralelo entre a modalidade de resolução de conflitos ambientais adotada no Brasil e as reflexões de Humberto Maturana evidencia – e escancara – o desacerto do paradigma oficial.

Com efeito, o Poder Judiciário reflete, em sua essência, o lado competitivo e patriarcal da sociedade, ao adotar, através do Direto, o maniqueísmo do bem e do mal, do certo e do errado, do culpado e do inocente, do vitorioso e do derrotado, etc., como parâmetros às suas decisões.

Já Maturana demonstra, com abundância de exemplos e constatações, que a subjetividade é relevante na apreciação das condutas humanas. E, a partir da biologia, ele considera o amor como a emoção básica que caracteriza o modo de vida humano, suas relações, consciência, ética, sem o reducionismo típico da abordagem legal.

Nesse caminho de pacificação, nos ensina que quando os indivíduos se encontram com seus pontos de vista divergentes ou excludentes, não há como buscar na realidade o critério do reconhecimento de qual deles é verdadeiro, mas há que se reconhecer que se tratam de domínios explicativos diferentes, e que os argumentos que aí parecem equivocados ou ilusórios não são senão proposições escutadas em domínios explicativos diferentes. Consequentemente, todo desacordo, teórico ou não, poderia ou deveria resultar em um convite a reflexão responsável sobre em que mundo se deseja viver com o outro.

A mediação possibilita esse espaço relacional e reflexivo, abrindo o caminho para conversações liberadoras que, livre das amarras da realidade preconizada pela lei, possibilita a busca de soluções mais consentâneas com o bem estar dos indivíduos, considerados como parte da natureza.

Ilha de Santa Catarina, julho de 2010.

Referências

ACSELRAD, Henri (Org.). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Heinrich Böll, 2004.

ALEXANDRE, Agripa Faria. A deslegitimidade da problemática sócio-ambiental no tratamento dado pelo Ministério Público aos conflitos sócio-ambientais de Florianópolis. Revista de Estudos Ambientais, Blumenau, v. 1, n°. 2, maio/ago. 1999.

ALEXANDRE, Agripa Faria. Gestão de conflitos sócio-ambientais no litoral sul do Brasil: estudo de representações sociais dos riscos envolvidos no projeto de construção do Porto da Barra, na Ilha de Santa Catarina, no período de 1995-1999. 1999. [200f.] Dissertação (Mestrado) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Reserva Particular do Patrimônio Natural: considerações acerca da possibilidade de sua instituição em áreas públicas e importância como medida de compensação por danos causados ao meio ambiente. Tese aprovada no 3°. Congresso Internacional de Direito Ambiental, realizado