Lobby: ética e transparência nas relações institucionais e governamentais


Pormarina.cordeiro- Postado em 25 maio 2012

Autores: 
SCHMIDT, Marcelo Winch

RESUMO

O presente trabalho trata do estudo do lobby e das relações institucionais e governamentais sob um prisma ético. Versa sobre a imperiosa transparência nas relações estabelecidas entre Estado e sociedade, abordando as implicações do vácuo jurídico que envolve o tema e a sua acuidade no estabelecimento das regras democráticas.

Busca-se aqui, apurar como se desenvolvem as relações entre o público e o privado no palco decisório das políticas públicas, qual o papel do lobby e as condições para o seu exercício dentro de um contexto ético.

Nessa tarefa, são analisadas as características da atividade de lobby na forma como é feita no Brasil, o local onde se desenvolve, seus sujeitos ativos e passivos, perfil dos profissionais e os procedimentos utilizados. São verificadas, também, as experiências na atividade de lobby em outros países, suas afinidades com profissões reconhecidas, bem como as propostas legislativas de regulamentação da atividade no país.

Partindo-se de uma análise fiel ao status quo das condições democráticas no Brasil, são traçadas premissas éticas fundamentais e sustentado o necessário exercício de humildade por parte dos defensores da atividade de lobby para que se possa reconhecer os pontos em que a atividade ultrapassa os limites éticos e legais distinguindo tais deturpações da atividade legítmia de defesa de interesses perante os poderes constituídos.

Palavras-chaves: Lobby, defesa de interesses, ética e legitimidade.


ABSTRACT

Date and Place of the Defense: Santa Maria, Dezember, 19/2007

The present work deals with the study of the lobby and the institucional and governmental relations under an ethical prism. It turns on the imperious transparency in the relations established between State and society, approaching the implications of the legal vacuum that involves the subject and its relevancy in the establishment of the democratic rules.

One searchs here, to visualize how develops the relations between the public and the private in the arena of the public politics, which is the paper of the lobby and the conditions for its exercise inside of an ethical context. In this task, the characteristics of the activity of lobby are analyzed as it is made in Brazil, the place where it develops, its active and passive citizens, the used profile of the professionals and their procedures. Also, are verified the experiences in the activity of lobby in other countries, its affinities with recognized professions, as well as the legislative proposals of regulation of the activity in the country.

 

Breaking of the faithful analysis to the status quo of the democratic conditions in Brazil, basic ethical premises are traced and supported the necessary humble exercise on the part of the defenders of the activity of lobby so that it can recognize the points where the activity exceeds the ethical and legal limits distinguishing such disfigurements from the legit activity of defense of interests before the constituted powers.

Key Words: Lobby, defense of interests, ethics and legitimacy.


SUMÁRIO:INTRODUÇÃO.1. EXAME DAS CONDIÇÕES DEMOCRÁTICAS.1.1. Democracia direta .1.2. Democracia representativa e a crise da representatividade.1.3. Democracia participativa.1.4. Algumas distinções necessárias.1.4.1. Grupos de Interesse e Grupos de Pressão.1.4.2. Grupos de Pressão e Partidos Políticos.1.5. Lobby. Origens do instituto e conceito.2. O LOBBY NA PRÁTICA.2.1. Onde se faz lobby.2.2. Quem faz e quem deve fazer lobby.2.3. Perfil do profissional.2.4. Procedimentos.2.5. Lobby e atividades afins .2.6. Lobby nas Democracias Consolidadas.3. PRESSUPOSTOS PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE NO BRASIL .3.1. Considerações iniciais: as coisas como estão .3.2. Fronteiras Éticas.3.3. Aceitação popular.3.4. Entidade de Classe - Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG) .3.5. Propostas Legislativas para regulamentação da atividade.CONSIDERAÇÕES FINAIS.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A organização da sociedade política deve ser feita em função da busca constante do bem comum da totalidade de seus membros, sob a orientação dos ideais republicanos e com a utilização plena dos instrumentos democráticos.

Em decorrência do desgaste da democracia representativa e de sua incapacidade de atingir a plenitude dos ideais democráticos, surgiram novas formas de representação popular perante os poderes constituídos, aumentando a participação da sociedade civil nos negócios políticos do Estado.

Hodiernamente, é inconcebível uma compreensão de representatividade sem apreço à realidade pluralista dos grupos existentes e a necessária reaproximação entre Estado e sociedade.

Neste contexto, destaca-se a atividade desempenhada pelos grupos de pressão. Ressalta-se que não devem ser estes confundidos com os grupos de interesse, que representam o gênero do qual os grupos de pressão são espécie. Deve-se diferenciar, ainda, os grupos de pressão dos partidos políticos, embora ambos representem categorias intermediárias entre o cidadão e o Estado. ao contrário dos partidos políticos, que almejam a conquista do poder político, os grupos de pressão limitam-se a pleitear a tomada de decisão pela autoridade em sentido favorável ao interesse legítimo que sustentam.

O lobby surge aqui como o meio pelo qual os grupos de pressão levam seus interesses aos poderes constituídos.

O termo lobby, que traduzido significa "ante-sala", "parte do prédio em que o acesso é público", passou a ser utilizado na linguagem política para identificar a atividade de defesa de interesses quando, na Inglaterra, designava a sala de espera da Câmara dos Comuns, onde os membros do Parlamento eram abordados por aqueles que tinham algo a demandar, bem assim, nos Estados Unidos, onde indicava a sala de espera dos hotéis onde os presidentes eleitos ficavam hospedados antes de mudarem-se para a Casa Branca.

No Brasil, como nas demais democracias ocidentais, é utilizado o termo lobby para designar o esforço legal e ético em influenciar as decisões das autoridades públicas para que atendam aos interesses legítimos defendidos. Seu foco principal é o Poder Executivo, o qual absorve a maior parcela do poder político no país ao constituir-se no principal responsável pela atividade legiferante no Brasil. Não obstante, por ser o basilar detentor constitucional da iniciativa legislativa e, em especial, onde se estabelecem as regras para arrecadação e investimento do dinheiro público, o Poder Legislativo é, inabalavelmente, alvo das investidas dos profissionais do lobby.

Partindo do pressuposto de que lobby é a defesa de interesses legítimos, chegaremos, inevitavelmente, à conclusão de que somos todos lobistas. No entanto, o indivíduo que pretender ser profissional da atividade de defesa de interesses perante os poderes constituídos, para colaborar com o fortalecimento das instituições democráticas deverá ser ético, respeitador da legitimidade e amante da legalidade.

A atividade de lobby exige dedicação exclusiva e algumas qualidades especiais do profissional como a agilidade, jogo de cintura, capacidade argumentativa para persuadir, convencer e mudar opiniões daqueles que decidem, elevado grau de persistência, humildade, compromisso com os interesses defendidos, interesse pelas questões políticas e, acima de tudo, respeito à legalidade, à legitimidade e à probidade própria e alheia.

Nesse sentido, a elaboração do presente estudo justifica-se em face do desconhecimento acerca da atividade de lobby e pelo estigma de marginalidade que incide sobre a atividade, enquanto confundida com as práticas ilegais de corrupção, tráfico de influência e improbidade administrativa.

Entendendo que as relações entre o público e o privado devem ser pautadas pela transparência e respeito à lei e aos preceitos éticos, faz-se necessário um estudo pormenorizado das formas de exercício da democracia, trazendo para a luz os mecanismos que permanecem num limbo teórico. Mais especificamente, é imperioso que se analise como se dá a atividade de lobby na prática, suas características e as condições para o seu exercício em nosso país, para que se solidifiquem as instituições democráticas em consonância com os ideais republicanos.


1. EXAME DAS CONDIÇÕES DEMOCRÁTICAS

O princípio republicano que rege a organização da sociedade política preceitua que esta deve ser estruturada em função do bem comum do conjunto total de seus integrantes e não em função dos interesses de apenas alguns. A lógica deste princípio induz que todos os seres sociais, enquanto tanto, têm o direito e o dever de participar do exercício do poder político, sobretudo, na tomada de decisões em busca do bem comum.

Consolidado este princípio republicano, a democracia surge como instrumento indispensável para sua perfectibilização.

A forma democrática de governo, com suas primeiras manifestações nos séculos VI a IV a. C. na Grécia, pode ser, grosso modo, sintetizado em uma idéia capital de soberania do povo. Não se deve, contudo, confundir soberania com governo. A soberania reside na circunstância de o povo figurar como sujeito ativo da deliberação sobre o bem comum. O Governo diz com os indivíduos legitimados para o exercício deste ministério e qual a sua competência.

Como bem salienta Fábio Comparato [01]:

O grande defeito da democracia antiga foi justamente o estabelecimento dessa confusão na prática; ao passo que a grande falsidade da democracia moderna é a atribuição ao povo de uma soberania puramente retórica ou ornamental.

Remontando às raízes do regime democrático (geograficamente em Atenas na Grécia antiga), temos que a soberania democrática não abrangia a sociedade como um todo: retirando as mulheres, os estrangeiros e os escravos, a porcentagem de adultos que podia votar e ocupar cargos públicos não ultrapassava 15% da população total.

No entanto, esta parcela da população gozava de uma amplidão de direitos jamais reproduzida nas democracias modernas. No regime ateniense, a assembléia do povo deliberava sobre as questões administrativas, editava leis, assumia o papel de poder judiciário, elegia agentes públicos e decidia entre a guerra e a paz. Todos os membros da assembléia tinham voz ativa e seus votos tinham o mesmo peso. Chegava-se ao extremo de fazerem-se as eleições para os mais altos cargos mediante sorteio ou, como chama Walter Porto [02]: "tiragem à sorte". Tinham os gregos a soberba de confiar que qualquer um dos cidadãos sorteados apresentaria as condições necessárias para o exercício de tais cargos.

A discricionariedade dos membros da assembléia e sua tendência em prestigiar a opinião popular eram tamanhas que levaram Aristóteles [03] a advertir que, naquele regime, "a soberania pertencia às massas e não à lei".

Esta feição do regime democrático – em que havia a participação de todos os cidadãos (todos os que assim eram considerados) em, literalmente, todas as decisões políticas – ilustra a democracia direta. Atingia-se o ideal de "cidadão total", de Rousseau, ou o "homem total", preconizado por Marx, como meta do desenvolvimento civil da humanidade.

1.2. Democracia representativa e a crise da representatividade.

Nos dizeres de BOBBIO [04], democracia representativa

...significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte mas por pessoas eleitas para esta finalidade.

A democracia representativa como se conhece hoje é obra norte-americana. Em suas manifestações iniciais, representou uma completa inversão funcional em comparação com a democracia ateniense, vez que o mecanismo de representação, na nascente democracia norte-americana, serviu para dissimular a consolidação do sistema oligárquico em que a soberania era dos mais abastados.

De fato, estabeleceu-se formalmente a soberania popular, mas não se institucionalizaram instrumentos garantidores de sua plenitude. Deu-se a formação de um tipo de governo em que uma minoria "colocada" no poder o gerencia visando, invariavelmente, atender os seus interesses próprios.

Este panorama (que permanece atual), atrelado a uma realidade em que é impossível constatar se há compatibilidade entre a vontade popular e a vontade expressa pelos representantes eleitos, cria uma distância entre eleito e eleitor, suscitando uma crise do sistema de representação.

Este colapso da representatividade fez surgir novas formas de representação popular perante os poderes constituídos, ensejando uma crescente participação da sociedade civil nos negócios políticos do Estado.

Nota-se, neste tópico, um verdadeiro descaso por parte dos juristas pátrios, que, em sua maioria, ao sugerirem remédios jurídicos para a crise do sistema representativo, não dispensam qualquer esforço criativo, ignorando a importância do processo evolutivo em andamento. Em geral, as sugestões oferecidas remetem a uma ampliação do emprego de mecanismos já consolidados de democracia semi-direta.

Neste tipo de democracia, junto ao caráter representativo de seu sistema político, é admitida, esporadicamente, a intervenção direta dos governados em algumas deliberações dos governantes por meio de institutos como: a) o plebiscito, que se trata de uma consulta prévia acerca de medida a ser adotada pelo poder público, feita à coletividade a fim de que esta se manifeste a respeito de sua conveniência ou não; b) o referendo, que consiste, grosso modo, na possibilidade de ratificação popular, ou não, de deliberação já efetuada, seja medida adotada pelo executivo, seja lei já elaborada pelo legislativo; c) a iniciativa popular, mediante a qual o povo propõe e pressiona o poder legislativo a discutir e votar uma proposta legislativa sobre determinado assunto de seu urgente interesse.

Hodiernamente, contudo, é inconcebível uma compreensão de representatividade sem apreço à realidade pluralista dos grupos existentes.

Conforme explica Paulo Bonavides [05] acerca da crise da representatividade, no sistema representativo a "implantação plena de uma vontade geral soberana, e em estreita harmonia com os interesses coletivos" foi frustrada pela decomposição da vontade popular em vontade de grupos. Esta degeneração apresenta três fases. Na primeira, revelada pela adoção do sistema derepresentação proporcional, no a sociedade via a quase totalidade de tendências políticas fielmente representadas. Devido à insatisfação da representação proporcional atrelada à base geográfica passou-se para a segunda fase, a da representação profissional, por acreditar-se que, desta forma, seria resguardada a representação das diversas opiniões sustentadas por cada classe profissional. A representação profissional foi maculada pela suspeita de sua subordinação ideológica ao modelo facista (o qual, curiosamente, opunha-se ao sistema representativo clássico). A terceira fase da degeneração da vontade geral em vontade de grupos é a contemporânea, em que prevalece a ação dos grupos de pressão, os quais "buscam institucionalizar-se através de vias que ainda não foram claramente localizadas pela teoria, em patente atraso com esse novo tipo de organização política dos interesses sociais" [06].

A crise representativa clama por uma urgente reaproximação entre povo e governo, pois, como afirma Dalmo Dallari [07]"a manutenção de falhas e dos vícios aumenta o descrédito dos corpos representativos". Este cenário suscita a necessidade de um estudo pormenorizado dos atores da democracia participativa.

1.3. Democracia participativa.

A constante evolução da sociedade organizada tem contribuído para a construção de um novo espaço público em que o Estado aparece como impulsionador e garantidor da mobilização e transformação social ao fomentar a existência de um sistema de pressões que incidem diretamente sobre este mesmo Estado.

O insucesso da democracia meramente representativa em atender às pretensões populares ensejou o surgimento dos grupos de pressão, os quais reclamam seu lugar na arena do processo decisional, fortalecendo a democracia participativa.

As experiências de implementação da democracia participativa revelam seu caráter pedagógico, vez que a comunidade, ao participar diretamente das decisões políticas dos poderes constituídos, passa a compreender a necessidade de que suas demandas sejam orientadas pelo interesse geral e relativizadas em face de outras mais urgentes, bem assim tornam-se clarividentes os limites e competências do poder público. Logo, "o que era carecimento, necessidade, demanda muda de qualidade mediante o processo participativo e adquire natureza política, fazendo do indivíduo um cidadão" [08], fortalecendo os interesses universais e afirmando os ideais republicanos.

Trata-se de "fortalecer a sociedade civil para que ela possa influir nas políticas públicas, ampliando-se os espaços de participação da sociedade para além dos tradicionais formatos de intermediação política" [09].

Tarso Genro [10] sintetiza a idéia de democracia participativa dizendo que:

...o projeto é democratizar radicalmente o Estado atual para criar outro Estado, com duas esferas de decisão combinadas e contraditórias: uma esfera decisória, oriunda de representação política, que já existe; e uma segunda esfera de decisões, oriunda de um novo espaço público, originário da presença direta das organizações da sociedade civil, que deve ser combinada com mecanismos universais consultivos, de referendo e plebiscitários. O Estado representativo passa a produzir e a implementar suas políticas - nestas condições - por meio de uma dinâmica democrática inovadora, que incorpora à vida pública todos os que dela quiserem participar.

1.4. Algumas distinções necessárias.

1.4.1. Grupos de Pressão e Grupos de Interesse.

Ao perceber a insuficiência da representatividade baseada nos partidos políticos em face da dificuldade destes em abarcar a pluralidade de interesses sociais da sociedade moderna, os "fatores reais de poder" [11] passaram a organizar-se em grupos de interesse.

O crescimento significativo, quantitativa e qualitativamente, destes grupos de interesse dá-se pelo fato de que todo grupo social que, de alguma forma, vê-se preterido pelo poder constituído ou não representado no corpo político assentado no Executivo ou Legislativo procura outros mecanismos no intuito de influenciar o processo decisório.

Estes grupos ou movimentos sociais agrupam interesses homogêneos, ao contrário dos partidos políticos, passando a ocupar um espaço político próprio, fora das estruturas tradicionais dos partidos.

No campo de defesa de interesses, os grupos podem representar o instrumento catalisador de mudanças em uma sociedade estagnada ou, ao contrário, podem frear inovações em uma sociedade em transformação. Trata-se, pura e simplesmente, de uma discricionariedade dos membros do grupo que, agindo dentro da legalidade e ética orientadoras das ações políticas, poderão estabelecer, coordenar e sustentar seus posicionamentos.

As características e objetivos dos grupos de interesse são bem expostos por Saïd Farhat [12], que explana:

Grupo de interesses é todo grupo de pessoas físicas e/ou jurídicas, formal ou informalmente ligadas por determinados propósitos, interesses, aspirações ou direitos, divisíveis dos de outros membros ou segmentos da sociedade. Sua razão de ser consiste em manter vivos os laços de sua união. Esses grupos podem permanecer em estado latente, sem adotar um programa formal de ações destinadas a tornar seus objetivos aceitáveis pelo Estado, pela sociedade, ou por determinados segmentos desta.

A linha que separa grupos de interesse e grupos de pressão é bastante tênue, de modo que alguns doutrinadores defendem a sua inexistência.

Na doutrina nacional, Paulo Bonavides identifica algumas distinções essenciais entre grupos de interesse e de pressão. Discorre Bonavides [13] que:

Os grupos de interesses podem existir organizados e ativos sem contudo exercerem a pressão política. São potencialmente grupos de pressão e constituem o gênero do qual os grupos vem a ser a espécie.

Em seguida, o mesmo autor define grupos de pressão:

O grupo de pressão se define em verdade pelo exercício de influência sobre o poder político para obtenção eventual de uma determinada medida de governo que lhe favoreça os interesses.

1.4.2. Grupos de Pressão e Partidos Políticos.

Partidos políticos e grupos de pressão apresentam uma semelhança fundamental, qual seja, constituem categorias intermediárias entre o cidadão e o Estado. Ambos fazem o "meio de campo" entre o público e o privado, levando ao seio do poder constituído a defesa dos interesses de seus membros na busca de uma decisão política que lhes favoreça. Constituem, assim, os instrumentos representativos mais consolidados na democracia moderna. Sua identificação, contudo, termina por aí.

Diversos autores apontam as possíveis distinções entre partidos políticos e grupos de pressão. As ora mencionadas têm por base a síntese feita por Paulo Bonavides [14].

O partido político apresenta objetivos permanentes voltados para o interesse geral. Almeja a conquista e manutenção do poder sob uma perspectiva global, ou seja, com aptidão para "generalizar particularismos".

O grupo de pressão, por sua vez, tem uma agenda pontual que se esgota no atendimento ou não de seu interesse pelo poder constituído. Trata-se de mera influência sobre o poder. Os interesses defendidos pelo grupo nem sempre coincidem com o interesse geral, havendo uma tendência interna de se "potencializar a unilateralidade".

1.5. Lobby. Origens do instituto e conceito.

A raiz primitiva da atividade de lobby encontra-se registrada no livro mais vendido da história da palavra escrita: a Bíblia Sagrada. Saïd Farhat [15] explica tal origem:

Um dia, cansado de ver a devassidão que campeava solta em Sodoma e Gomorra, o Senhor chamou Abraão e ordenou-lhe que juntasse os seus, suas coisas e pertences, e abandonasse sua casa, pois Ele iria destruir as duas cidades. Com um pouco de licença poética, a resposta de Abraão foi mais ou menos assim: ‘Tudo bem. Se essa for a Sua decisão, obedeço. Mas, podíamos conversar um pouquinho?’. Procurou então Abraão negociar com o Senhor, para que poupasse os habitantes daquelas cidades. Lá, segundo o patriarca, haveria mais de cinqüenta justos, e não seria ‘fair’ castigá-los todos, por culpa de alguns poucos cidadãos transviados, corruptos ou infiéis (Gen. 18.22, 23).

Porém, como bem sabia o bom Abraão, a dura e triste realidade era outra. Pôs-se, então, a barganhar: foi baixando o número de possíveis justos, até admitir que entre estes só se contavam ele próprio, e seus familiares. Nada feito. O Senhor ‘não foi na conversa’.

O resto é conhecido. Abraão não teve alternativa: antes de começar a chuva de fogo, partiu com os seus. Mas a tentativa de mudar a decisão de quem tem o Poder é exemplo clássico de lobby, com registro histórico. Mesmo sem ter tido sucesso, o pleito de Abraão deixou o caminho reconhecido e balizado sobre o que é, e como se faz, lobby.

Quanto à origem do termo em sua acepção política, verifica-se que a tradução literal da palavra do inglês para o português indica "ante-sala", "vestíbulo", "parte do prédio em que o acesso é público". Sua utilização para designar a atividade de defesa de interesses teve origem na Inglaterra, servindo para indicar a sala de espera da Câmara dos Comuns, onde os membros do Parlamento eram abordados por aqueles que tinham algo a demandar.

Em seguida, nos Estados Unidos, a palavra foi adotada com o mesmo sentido indicando a sala de espera dos hotéis onde os presidentes eleitos ficavam hospedados antes de mudarem-se para a Casa Branca.

No Brasil, como nos demais países ocidentais, o termo "lobby" é utilizado, lato sensu, para designar todo e qualquer esforço que, de forma legal, tenha por objetivo influenciar decisões dos poderes constituídos. Em sentido estrito, indica a atividade exercida por agentes que servem a interesses específicos com a finalidade de influenciar decisões governamentais em favor destes interesses.

Cabe esclarecer que a imagem do lobby passou por significativas alterações no caminho da perda do estigma de marginalidade e ilicitude atrelado equivocadamente à atividade.

Seguindo essa tendência, o conceito de lobby foi sendo incrementado para abarcar as características constitutivas da atividade como prática legal e imprescindível do jogo democrático.

Dentre os autores brasileiros, destaca-se o conceito dado por Said Farhat [16]:

Lobby é toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo poder público, para informá-lo, e dele obter determinadas medidas, decisões ou atitudes.

Nota-se a acuidade do autor ao definir a atividade de defesa de interesses impondo-lhe requisitos essenciais para o seu exercício, como a legalidade, o respeito à ética, o caráter informativo do lobby e o objetivo do lobista: "ser ouvido pelo poder público".

Outros autores cuidam de conceituar o lobby. Bem o faz João Bosco Lodi [17], dizendo:

Defender ou satisfazer interesses junto ao poder público é um ato natural, que tanto pode ser exercido por uma comunidade de bairro, um grupo indígena, um conjunto de igrejas, um conjunto de interessados em ecologia, uma associação de pais e mestres, como por um grupo econômico. Lobby é a ação de influenciar sobre o tomador de decisão na esfera do poder público. A ação persuasora sobre o poder público.

O dicionário da língua portuguesa "Aurélio" define lobby como sendo "pessoa ou grupo que, nas ante-salas do Congresso, procura influenciar os representantes do povo, no sentido de fazê-los votar segundo os próprios interesses ou de grupos que representam".

Em seguida, conceitua "lobista" como a "a pessoa que se dá à prática de lobby".

As definições apresentam variações, por vezes confundindo a atividade com o seu ator. No entanto, onde se queira procurar uma definição justa da atividade de defesa de interesses se encontrará, fatalmente, os verbos "informar", "persuadir" e "convencer". Said Farhat utiliza-se mais de uma vez da expressão "informar para persuadir".

O mesmo Saïd Farhat [18] leciona:

Para evitar que a prática da atividade legítima de lobby, do modo que a entendo e pratiquei, seja confundida com suas deturpações, abusos, impropriedades e contrafações, repito sempre que posso as coisas que lobby não é: tráfico de influência ou intercâmbio de interesses; jogadas escusas ‘por baixo do pano’; uso de dinheiro para obter favores, ‘tratamento especial’, exceções às regras gerais; também não é tudo aquilo mais bem caracterizado e entendido sob a rubrica própria, pelo nome certo de corrupção.

Acredito que, de forma sintética, pode-se dizer que a atividade de lobby consiste num empenho em influenciar as decisões públicas, de forma ética e legal, com base num interesse legítimo de um grupo facilmente identificável.

 

2. O LOBBY NA PRÁTICA

Nos países em que a atividade de lobby é, há mais tempo, institucionalizada, esta se dá com maior força sobre o Poder Legislativo. Nos Estados Unidos, a legitimidade de criação de direitos e obrigações é do Congresso. Embora esse país tenha um Executivo com competências bastante amplas, estas são limitadas ao que foi deliberado no Congresso. Embora tenha legítima iniciativa legiferante, o Poder Executivo estadunidense, ao contrário do brasileiro, não encaminha para o seu Congresso as propostas legislativas finalizadas. Lá, em regra, as propostas legislativas são elaboradas por mandatários do legislativo com entendimento específico da matéria em discussão. Isto não impede, de forma alguma, a atuação dos lobistas perante o poder executivo, onde, contudo, sua atuação é mais pontual e limitada.

No Brasil, a atuação dos profissionais do lobby ocorre pujantemente tanto sobre o Poder Legislativo como sobre o Executivo. No Legislativo, por ser este o capital detentor constitucional da iniciativa legislativa e, em especial, onde se estabelecem as regras para arrecadação e investimento do dinheiro público.

Não obstante, o lobby no Brasil é feito com maior intensidade e freqüência sobre o Poder Executivo, o qual absorve a maior parcela do poder político no país. Aqui se deve observar a imensa malha burocrática do Estado brasileiro que enseja a atuação de lobistas em quase todos os seus níveis. Além disso, embora seja o Legislativo o capital detentor da iniciativa legislativa, é o Executivo o principal responsável pela atividade legiferante no país. Para tanto, utiliza-se principalmente de Medidas Provisórias, as quais têm força de Lei e vigência imediata, além de encaminhar projetos de seu interesse já prontos para o Congresso e utilizar-se de todo o seu poder de barganha para vê-los aprovados. Nesta lógica, o Executivo constitui a basilar fonte de criação de direitos e obrigações para os cidadãos, entidades e empresas, justificando o fato de atrair para si a preponderância do trabalho dos defensores de interesses.

 

2.2. Quem faz e quem deve fazer lobby.

A condição do Estado brasileiro, fustigado por séculos de má gestão pública, a absurda máquina burocrática existente, somada à crise da representatividade, exigem o necessário fortalecimento da democracia participativa, formando o palco ideal para atuação dos profissionais de defesa de interesses.

A questão cultural também colabora para a formação deste cenário, posto que a nação brasileira não se caracteriza pelo espírito associativo ou comunitário, principalmente pelo receio do brasileiro de que, ao participar mais ativamente das questões diretamente políticas, movimentos e organizações, utilizem de sua boa vontade e engajamento em prol de interesses encobertos e ilegítimos.

Apesar disto, a lista de pessoas e instituições que, de alguma forma, praticam o lobby é muito ampla. Vai desde a Igreja Católica até o Presidente da República.

O lobby praticado pelo Poder Executivo é feito pelos chamados Assessores Parlamentares dos Ministérios e de outros órgãos ligados ao Governo. Estes atuam apresentando pareceres alternativos às propostas legislativas em tramitação no Congresso, estreitando os laços entre os poderes e ampliando o debate entre estes.

No Governo Federal, o lobby dos Ministérios e das Autarquias Federais é coordenado pela Casa Civil (órgão ligado diretamente à Presidência da República), que atua orientando as ações do Poder Executivo sobre o Legislativo, subsidiando ações, seja para aprovar projetos de interesse do governo, seja pela rejeição ou alteração dos que não estão de acordo com o interesse palaciano.

Por sua vez, o lobby praticado pelos grupos de pressão externos ao governo (empresas privadas, entidades de classe, organizações não-governamentais, organismos internacionais, associações etc.) tem feições que lhe permitem ser identificadas na sua atuação. Sem prejuízo dos grupos que defendem interesses de menor repercussão social, os grupos de pressão mais atuantes no Congresso Nacional são: a) Bancada Feminina; b) Bancada Ruralista; c) Bancada Sindical; d) Bancada Evangélica; e) Bancada dos Proprietários de Meios de Comunicação; f) Bancada da Saúde; g) Bancada da Agricultura Familiar; h) Bancada dos Empresários; i) Bancada da Amazônia Legal; j) Frente Parlamentar da Educação; k) Frente Parlamentar da Pequena e Micro Empresa; l) Frente Parlamentar Metro-ferroviária; m) Frente Parlamentar de Habitação e Desenvolvimento Urbano e; n) Frente Parlamentar Sucroalcooleira. São grupos caracterizados, vale ressaltar, por sua formação partidária heterogênea.

Se partirmos do pressuposto de que lobby é a defesa de interesses legítimos, chegaremos, inevitavelmente, à conclusão de que somos todos lobistas.

Assim: "Devem fazer lobby todos quantos atribuam a qualquer idéia valor suficiente para defendê-la e promovê-la – observadas as condições de legalidade e legitimidade [19]".

Delineado quem deve ser o sujeito ativo do lobby, cabe fazer menção ao tipo de lobista que deve ser combatido, ou seja, quem não deve fazer lobby. Saïd Farhat [20] os chama de "lobistas detestáveis" e os classifica em: "maleteiros", os que buscam o atendimento de suas pretensões com uma mala de dinheiro embaixo do braço; os "festeiros", que acreditam poder sustentar seus pontos de vista com um copo de bebida na mão e muita "conversa fiada"; e, finalmente, os "marreteiros", os quais afirmam conhecer todo mundo e fiam seu "trabalho" nas relações pessoais que tem ou alegam ter.

A despeito da existência deste tipo de indivíduos que, por óbvio, não praticam a atividade de relações institucionais e governamentais na forma como aqui colocada e propagada por seus defensores, existe uma classe de profissionais que atuam de forma ética e legal e, ipso facto, lutam pela regulamentação da atividade.

Alguns dos principais escritórios de relações institucionais e governamentais que atuam de forma legal e transparente no Brasil são:

- Arko Advice;

- Brüger & Gribel Consultoria Ltda;

- Essere Consultoria Política;

- IBEP – Instituto Brasileiro de Estudos Políticos;

- Patri Políticas Públicas, Relações Institucionais & Governamentais;

- RP Labor;

- Santafé Idéias;

- Semprel S.A.;

- Umbelino Lobo Acessoria e Consultoria;

- RN Consultoria;

- Flecha de Lima Consultores Associados.

Esta é uma pequena lista que inclui apenas profissionais que atuam de forma transparente e dentro dos princípios éticos que regem a defesa de interesses privados ante o poder público.

2.3. Perfil do profissional.

Aquele que pretende ser um bom profissional da defesa de interesses para colaborar com o fortalecimento das instituições democráticas deverá ser ético, respeitador da legitimidade e amante da legalidade. Comprar decisões, ações e omissões dos integrantes dos poderes constituídos não é lobby. Deixemos isto bem claro. Não quer dizer que isto não ocorra nos bastidores do palco decisional da política brasileira, mas esta prática não se confunde com a defesa de interesses legítimos feita de forma legal, ética e transparente.

A atividade de lobby exige dedicação exclusiva, não podendo ser exercida de forma esporádica ou acidental. Exige algumas qualidades especiais do profissional como a agilidade e jogo de cintura para lidar com as eventualidades. Por vezes o lobista se encontrará diante de situações adversas que não comportam soluções padronizadas exigindo o máximo de sua capacidade de improvisar.

Como em outras profissões (em especial as operadoras do direito e as da comunicação), o lobista deverá ter a especial capacidade de sustentar a importância do interesse que defende e sua repercussão, para persuadir, convencer e mudar opiniões daqueles que decidem. "Vender seu peixe", para o lobista, é convencer as autoridades públicas de que o ponto de vista que defende é o mais oportuno e congrega o atendimento aos interesses da população, do cliente e, por que não, da autoridade enquanto ser elegível.

Nesta árdua missão do profissional de relações institucionais e governamentais, logo abaixo do respeito à legalidade e aos preceitos éticos, talvez a qualidade mais imprescindível seja a perseverança.

"O lobista precisará dispor também de incomum persistência, pertinácia. Seu trabalho só começa realmente quando o interlocutor diz: ‘Não’. Se a primeira resposta for afirmativa, pouco ou nada restará que fazer" [21]. É na adversidade e superando obstáculos que se cresce nesta profissão, tanto pelo acúmulo de experiência quanto pelo ganho de confiança e respeito por parte cliente.

Na vida profissional (ou privada), ninguém poderá vencer todos os desafios sobre os quais empregou seu tempo, talentos e habilidades. Assim, "o profissional realista procurará o bem possível, de preferência ao ótimo-desejável, mas tantas vezes inatingível" [22].

O lobista deverá reconhecer as limitações da atividade que exerce, mantendo-se humilde e realista sem, contudo, deixar de ser persistente. "Trata-se de negócio... sem passado, sem futuro. Só presente" [23], implicando que o profissional não possa esperar ter reconhecido seu esforço e o mérito por eventual sucesso na empreitada.

Ao assumir uma nova conta, o lobista se compromete com seus interesses e objetivos a serem pleiteados, devendo, contudo, ser responsável e deixar bem claro que não garante resultados. À semelhança do que ocorre com o advogado, a atividade do lobista não pode ter por certo o fim a que se chegará antes de seu desfecho final. Esta realidade decorre do fato de se tratarem, ambas, de profissões em que, por mais que o interesse defendido tenha previsão legal e legitimidade evidente, nada garante que a autoridade que decidir sobre a causa não lhe conferirá interpretação diversa e, da mesma forma, legítima e legal. Na melhor das hipóteses, o que o lobista e o advogado podem garantir é o empreendimento de seu "melhor esforço".

Ainda a respeito de seu relacionamento com o cliente, deverá o profissional pautar sua conduta pela lealdade e objetividade nas informações. Quando chegar a uma conclusão, seja qual for, deverá transmiti-la com clareza e sinceridade para seus clientes.

No relacionamento com as autoridades, à semelhança do que ocorre com o profissional do direito, o lobista deverá evitar personalizar as questões, pois ao envolver sua personalidade nas causas que defende pode fazer com que seus interlocutores reajam negativamente a esta e desconsiderem o interesse defendido. Isto não impede que o profissional do lobby pesquise os traços da personalidade das autoridades que contata para identificar a melhor forma de abordá-las.

Os políticos, por uma questão de identificação de perfil, preferem sempre discutir os assuntos em voga na vida política com pessoas que tenham convicções, ainda que diversas das suas. A conduta do lobista que assume suas convicções, manifestando-as de forma clara e, principalmente, agindo de acordo com elas, o aproxima do político e facilita a conversa com este.

Nesse sentido, o interesse do profissional do lobby sobre política, estudando, discutindo, formulando idéias próprias, enriquecerá seu portfolio e o manterá afastado do discurso monotemático limitado às questões técnicas do pleito que ora defende. No entanto, não deve o lobista cair no extremo oposto do desinteresse pelas questões políticas, qual seja, a militância partidária. O ativismo político-partidário não permite que o lobista defenda interesses dos mais variados e, por vezes, confrontantes com aqueles sustentados pela ideologia partidária da qual é filiado. Além do que, militantes partidários, por pleitearem a ocupação de cargos públicos, acabam por configurarem-se como concorrentes de seus interlocutores, o que pode dificultar em muito o sucesso de seus pleitos enquanto defensores de interesses alheios.

Quando investido em função pública, seja em cargo permanente, seja em cargo de confiança, em qualquer das esferas da Federação, na administração direta e indireta, o lobista perderá instantaneamente a qualidade de defensor de interesses privados, transmutando-se em homem público e defensor, acima de tudo, do bem comum da totalidade social.

Por sua vez, o representante eleito pode defender interesses privados, e invariavelmente o faz, conquanto que os manifeste antes da eleição, publicizando os posicionamentos que defende e oportunizando ao eleitor decidir quanto à oportunidade ou não de elegê-lo enquanto defensor de tais interesses. Procedimento raro de encontrar-se na cultura política nacional, onde a praxe, em níveis mais do que preocupantes, leva ao estelionato eleitoral quando o representante é eleito sobre uma plataforma de compromissos assumida perante o eleitorado (que fica em segundo plano após a eleição) e uma outra plataforma de compromissos assumida com setores estratégicos (que viabilizam a eleição do político ao fortalecer economicamente sua campanha), esta sim, arduamente defendida durante o mandato do estelionatário político.

Ratificando, pode sim o representante eleito no exercício de seu mandato defender interesses privados, sob a condição de que exponha tais interesses ao seu eleitor antes da eleição.

Lobistas e representantes eleitos do povo devem, pelos mesmos princípios, estar sempre abertos a prestar contas diante da sociedade: estes se mantendo fiéis aos seus eleitores e ao interesse geral e, aqueles, mantendo a publicidade do que fazem, onde o fazem e quem lhes paga.

Por fim, cabe enfatizar o necessário senso de realidade, humildade e elevado grau de persistência que devem acompanhar o lobista em sua lida, pois, como diz um dos mais experientes lobistas brasileiros: "não estamos aqui para mudar certezas. Ficaremos contentes se entre elas pudermos semear algumas duvidas" [24].

2.4. Procedimentos.

A apreensão inicial do lobista recai sobre a imperativa necessidade de fazer o "dever de casa", o qual consiste no estudo aplicado de todos os aspectos da demanda que chega às suas mãos. Deve analisar os fundamentos do pleito e os argumentos sustentadores do interesse a ser defendido. O adequado planejamento inicial irá distinguir o profissional competente dos aventureiros.

Esse momento primeiro é crucial para a determinação de até que ponto a posição a ser acastelada, quando adotada pelos poderes públicos, trará benesses para o cliente e a sociedade. Esta definição clara dos interesses a serem promovidos serve para cotejar sua compatibilidade com o sistema legal, os direitos, a cultura do país e o bem comum.

Verificando que o interesse a ser defendido, embora possa ser vantajoso para o pretenso cliente, não está em consonância com o interesse maior e geral do país, o lobista sério, de plano, rejeitará a empreitada sob esta mesma justificativa.

Havendo a justaposição entre o interesse do cliente e o social, cabe fazer a verificação do foro em que empreenderá seus esforços: Executivo, Legislativo, ou em ambos. Indispensável, aqui, a exata identificação dos reais centros de poder, ou seja, quem são as pessoas competentes para influir no desenlace da campanha.

Para o bom julgamento da realidade acerca dos verdadeiros "donos do poder", deve-se ter em vista que a proximidade do topo hierárquico é inversamente proporcional à capacidade do agente público em estar suficientemente bem informado acerca das nuances dos temas que chegam à sua mesa. Ou melhor, na administração pública brasileira, quem decide, não é o primeiro escalão, mas sim, o segundo ou mesmo o terceiro. Isto ocorre, pois a apreciação dos projetos e elaboração de pareceres técnicos é feita pelos acessores do detentor formal do poder de decidir, o qual, inúmeras vezes, limita-se a "assinar embaixo" acatando a posição vinda dos níveis inferiores.

No legislativo, de forma semelhante, o voto da maioria dos parlamentares é seguidor das orientações de seus líderes (de governo, de oposição ou dos partidos). Sob essa realidade, o trabalho do lobista torna-se bastante exigente, desde já, vez que, ao contrário dos titulares dos principais cargos, as pessoas que realmente decidem não se expõem com muita facilidade. Identificados os indivíduos a quem deve direcionar seus esforços para o convencimento, no caso de sucesso do pleito, não pode o profissional do lobby esquecer-se de legar ao titular do cargo principal as devidas reverências públicas.

No próximo momento, cabe ao lobista bem avisado identificar e estudar a fundo os pontos de vista contrários ao que vai defender. Assim, poderá contra-argumentar com maior eficácia, pois estará munido dos subsídios que lhe tornarão capaz de corroborar a "superioridade" de seus argumentos.

No seu dia-a-dia é imprescindível que o lobista saiba reconhecer o peso das regras não escritas que regem a administração pública, não raramente, maiores que o da própria lei. Da mesma forma, a realidade da cena decisional na administração pública deve ser bem interpretada pelo lobista que deve extrair dos fatos políticos as repercussões sobre os interesses de seus clientes.

Aceita a demanda do cliente e verificadas as premissas iniciais de legalidade, consonância com o interesse público, foro do pleito e análise dos interesses contrários, o trabalho do lobista começa com sua preparação para a extenuante jornada na defesa de interesses perante os poderes constituídos.

Esta jornada pode ter como objetivo o estabelecimento de tratamento legal igualitário para pessoas em situações fáticas iguais ou, pelo contrário, a declaração de respeito às diferenças fidedignas, produto de uma coletividade diversificada como a brasileira, bem assim, o reconhecimento ou ampliação de direitos legítimos de algum cidadão ou grupo social.

Seja qual for a finalidade do pleito a ser empreendido pelo lobista, este deve ter como pano de fundo o juízo de que os interesses contrários aos que defende são tão legítimos quanto esse, devendo ser combatidos em seu mérito, mas jamais desrespeitados ou tidos como menos dignos de atenção.

A primeira meta do lobista é ser ouvido pela autoridade reconhecida como alvo do seu pleito. Ao ser ouvido, indispensável será o respeito ao seu interlocutor e à instituição que representa, considerando se tratar de um agente de pressão a pleitear a mudança de opinião de um agente público. O respeito recíproco mantém a seriedade inafastável do diálogo em curso, conversação que constitui a essência do trabalho do lobista.

Iniciada a conversa entre agente público e lobista, imperioso que este defina com precisão os interesses que defende perante seu interlocutor, identificando a legitimidade, razoabilidade e a oportuna oitiva de suas razões. O poder público enquanto destinatário da informação apresentada é munido dos meios próprios para averiguar as qualidades do pleito acima mencionadas e esclarecer as circunstâncias porventura omitidas ou negadas pelo lobista, o que imprime uma real preocupação por parte do profissional do lobby em checar a veracidade e coerência de seus argumentos. A imprecisão pode gerar a falta de credibilidade e confiança sobre o profissional. A mentira, por sua vez, é "chave só de fechar" e poderá ser determinante na vida profissional do lobista.

No mais, negociar é sempre possível. Observados os preceitos legais e éticos não há limites para a retórica do lobista e o seu empreendimento na busca do "bom possível" com olhos sobre o "ótimo desejável".

2.5. Lobby e atividades afins.

O lobby cria um canal direto entre governo e sociedade por onde passam informações nas duas direções, tanto da empresa, entidade ou associação para o governo quanto deste para aquelas.

Por sua natureza informativa, o lobby tem estreita relação com a comunicação social. O lobista utiliza-se da comunicação para, em caráter preventivo, criar na opinião pública uma imagem favorável do interesse que defende e, não raro, criar imagem ruim ou prejudicial para o interesse oposto. É comum, também a utilização dos principais meios de comunicação para formar um clima favorável ao interesse que virá a ser postulado perante a autoridade pública permitindo que o lobista utilize do argumento da opinião pública favorável para reduzir a possibilidade de ver seu pleito rejeitado pela autoridade que, em regra, após analisar o custo político de tomar uma decisão contra a opinião pública, acabará por adotar o pleito do lobista (ressalva-se que a opinião pública nem sempre corresponde ao interesse público, como bem salienta Fernando Henrique Cardoso [25]). Os meios de comunicação podem, também, ser utilizados pelo lobista para falar indiretamente com seus destinatários: as autoridades dos poderes Executivo e Legislativo.

Oportuno indicar o que se chama de Relações Governamentais. Trata-se do contato efetuado pelo lobista com os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal. Não abrange, portanto, a atividade desempenhada perante o Poder Legislativo. No presente trabalho, no entanto, é utilizada por vezes a expressão "Relações Institucionais e Governamentais" para designar a atividade de lobby, pela razão de que esta é corriqueiramente utilizada na busca de se distinguir a atividade legítima das praticas ilícitas da corrupção.

Outra atividade relacionada ao lobby é a de acessoria política, que consiste em "pensar e colocar os fatos políticos em perspectiva, separando o importante e duradouro do transitório e sem importância" [26]. Trata-se da avaliação e previsão de possíveis repercussões políticas dos fatos ocorridos no cotidiano para embasar a construção de cenários futuros.

Constitui um dos desdobramentos da atividade de lobby e, talvez, o setor que exige uma maior responsabilidade por parte do lobista perante seu cliente. Comanda que se faça uma nítida separação entre os fatos políticos e suas possíveis conseqüências das preferências e tendências pessoais do profissional. Não se trata de uma prática de adivinhações: exige conhecimentos históricos, bem como, amplas noções acerca do funcionamento do governo, do parlamento, das empresas e da opinião pública. O ideal é que o profissional do lobby apresente essa sensibilidade política para um melhor desempenho de suas atividades, contudo, a assessoria política pode e, geralmente, é exercida por profissionais contratados para desempenhar este papel específico de acessor político.

No entanto, a atividade de relação mais estreita com o lobby é, sem dúvida, a advocacia. Não é de se estranhar que tenham sido os advogados os primeiros a dedicar-se à atividade de lobby na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os princípios éticos que regem as relações do lobista (que postula perante políticos) e do advogado (que postula perante magistrados) são os mesmos, vez que, postulam perante o Estado. Bem assim, no trato com seus clientes, vez que advogados e lobistas devem ter o mesmo zelo na defesa dos interesses e preservação dos direitos de seus patronos.

Esta familiaridade entre o trabalho do lobista e do advogado pode ser explicada pela habitualidade que tem o operador do direito em tratar com as questões legais e o clima ético imprimido no seu relacionamento com os demais operadores do direito, imperativo na defesa de interesses privados perante os poderes Executivo e Legislativo. Esta é uma das razões pelas quais o advogado, ao exercer a atividade de lobista, sente-se mais à vontade que os profissionais de outras áreas.

Contudo, no Brasil são poucos os defensores da chamada "advocacia legislativa". A regra aqui é a resistência dos advogados que atuam como lobistas em se assumir como tanto, acabando por se auto-intitularem escritórios de "consultoria" ou "apoio empresarial" dentre outras fachadas. Esta realidade não contribui para a legitimação da atividade e sua condução para a transparência dos negócios políticos. Acudi mencionar que lobistas, em regra, também não advogam. Defendem os interesses de seus clientes perante Executivo e Legislativo, mas deixam a postulação jurídica para os advogados. Por óbvio, há profissionais que atuam em ambos os campos, mas ratifica-se: a regra que é mencionada refere-se ao bom profissional, que pretende exercer sua atividade da forma mais ética e transparente possível.

A ampla maioria dos advogados prefere ater-se ao trabalho com as questões exclusivamente "de direito", ou seja, preferem permanecer circunscritos à área de atuação de sua formação [27], além de permanecer em campo conhecido e delimitado pela jurisprudência onde imperam regras claras. Além disso, em sua maioria, os operadores do direito preferem não se expor às negociações políticas.

Apesar dessa relutância da advocacia em abrir espaço para a atuação de defensores de interesse perante Executivo e Legislativo, o Código de Ética Profissional da Ordem dos Advogados do Brasil permite a prática de lobby por seus membros, desde que estes não exerçam função na administração pública ou mandato legislativo.

Aliás, o conhecimento do processo legislativo, do direito constitucional e administrativo é fundamental para uma melhor compreensão das competências e poderes das autoridades alvo das investidas dos lobistas. Estendendo-se às demais áreas do direito (direito comercial, tributário, econômico, consumeirista, internacional e ambiental) pode-se chegar à conclusão de que o advogado, seguido de perto pelo profissional de comunicação é, dentro da realidade acadêmica brasileira, o profissional mais bem preparado para o exercício pleno e eficaz da atividade de lobby.

Feitas estas considerações, pode-se sintetizar que a atividade de lobby, no Brasil, é exercida por profissionais e amadores, atuando de forma autônoma ou contratados por empresas (em semelhança aos advogados). Há, ainda, um pequeno, porém crescente número, de empresas especializadas [28] que atuam de forma transparente e sem receio de assumirem-se como empresas de lobby.

Estas considerações levam ao convencimento de que a empresa especializada em lobby deve ser estruturada em uma tríplice formação acadêmica: advocacia, comunicação social e ciência política. O ideal é que a empresa seja formada por profissionais diferentes especializados em cada uma destas áreas do conhecimento, cada um atuando dentro de sua especialidade, recorrendo, sempre que necessário, a consultores especializados em outras áreas, conforme a especificidade dos interesses oportunamente defendidos.

2.6. Lobby nas Democracias Consolidadas.

A relação entre o povo e o poder constituído nas democracias consolidadas, seja qual for a abordagem que lhe seja conferida, caminha no sentido de regulamentação da atividade meio, o lobby, em defesa da lisura do processo democrático. Vários países já apresentam uma normatização específica para as atividades de relações institucionais e governamentais.

Os Estados Unidos, país com maior tradição na atividade, regulamentam o lobby desde 1946, com a edição da "Regulamentação Federal dos Atos de Lobby" (The Federal Regulation of Lobbying Act). Esta primeira formalização da atividade de lobby foi bastante vaga, pois exigia apenas o registro das pessoas que mantivessem contato com o parlamento para intervir na aprovação de alguma proposta legislativa. Não regulava, portanto, a atividade desempenhada perante o Executivo. Estimativas apontam que apenas 15% dos lobistas atuantes em Washington aderiram ao registro obrigatório.

A inadequação desta primeira regulação foi corrigida em novembro de 1995, com a aprovação do ato de restrições do lobby. Por esta nova legislação, o lobista norte-americano foi obrigado a manter um registro renovável anualmente e declarar antecipadamente a uma comissão especial do Congresso a empresa que representa e o parlamentar alvo de suas argumentações. Naquele país, os profissionais que atuam na área são, em geral, advogados, relações públicas, jornalistas, ex-executivos e ex-congressistas. Uma questão fundamental para o respaldo positivo da profissão naquele país diz com a criação, em 1979, da Americam League of Lobbysts, entidade de classe que defende os direitos dos bons profissionais que atuam dentro da legalidade e dos princípios éticos orientadores do bom trato da coisa pública.

Na Comunidade Européia um rígido código de conduta regula a atuação dos lobistas, a despeito de não se verificar o mesmo nos seus países membros. Para atuar como lobista no Parlamento Europeu o profissional deve obter uma autorização renovável a ser emitida pelo parlamento, a qual terá validade máxima de um ano. O lobista deve declarar os interesses que defende e seus rendimentos, quando solicitado; deve, também, respeitar as normas instituídas pelo parlamento quanto a direitos e deveres de ex-congressistas; não pode apresentar-se como tendo qualquer relação formal com o Parlamento; dentre outras obrigações constantes do código de conduta [29]. Todas estas informações são públicas.

Na Inglaterra, por sua vez, a regulamentação existente (datada do ano de 2002) tem foco no sujeito passivo da atividade, membros da Câmara dos Comuns e do Executivo, visando controlar o recebimento de gratificações ilegais.

A Alemanha apresenta regras para a atividade dos lobistas perante o Executivo e a Câmara Alemã sendo excluído o Senado. Neste país, a autorização para a defesa de interesses perante o poder constituído deve ser obtida perante Executivo e Parlamento. O profissional deve manter cadastro minucioso acerca dos membros pertencentes ao grupo para o qual trabalha, bem como dos sujeitos na mira de suas empreitadas. O objetivo principal é a identificação dos atores da atividade de lobby.

Na França, a atividade carrega um estigma de marginalidade, posto que, a despeito da existência de cursos de formação específicos, Parlamento e Executivo não fazem registro de lobistas, deixando transparecer o caráter de clandestinidade da atividade. Tal realidade, contudo, não impede a existência de profissionais liberais do lobby.

Cabe mencionar a peculiaridade existente no Japão, país em que a cultura de presentear torna difícil a separação entre o ato lícito de defesa de interesses e as práticas de suborno, vez que não há normatização das relações entre cidadãos e membros dos poderes constituídos.

Por fim, importante salientar o sistema legal Canadense (existente desde 1989 e recentemente emendado em 2003), no qual existem três categorias distintas de lobista: a) o lobista corporativo, empregado de um grupo ou empresa; b) o lobista organizacional, que trabalha para uma organização sem fins lucrativos e; c) o lobista consultor, que trabalha em defesa do interesse de um cliente em específico. Todos eles devem cadastrar-se perante o Ministério da Indústria. Deve-se enfatizar a existência de um Código de ética elaborado por um conselho de magistrados.

Desta breve análise da atividade de relações institucionais e governamentais pelo mundo, conclui-se pela inadiável necessidade de regulamentação da atividade no Brasil para que se imprima um caráter transparente e republicano nos negócios do Estado e sejam plenamente realizados os pressupostos basilares da democracia participativa.

 

3. PRESSUPOSTOS PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE NO BRASIL

A fim de que se entenda o caminho a ser percorrido para que se chegue perto da plenitude do exercício das instituições democráticas e a institucionalização do lobby como ferramenta indispensável a este processo, é oportuno que seja delineado um panorama das condições nacionais acerca do tema.

A bibliografia pátria sobre a atividade de lobby é bastante escassa. Houve um momento fértil acerca de vinte anos (época em que a Assembléia Nacional Constituinte configurava no locus essencial da ação de lobistas de todos os setores), o qual foi seguido por um período em que pouco se discutiu sobre o tema (salvo alguns estudos mais genéricos). No entanto, foi publicada recentemente provavelmente a mais completa e objetiva obra sobre o tema. Trata-se da obra de Saïd Farhat, já mencionada neste trabalho, intitulada "Lobby. O que é. Como se faz.".

Unindo-se à edição desta importante obra de um dos mais experientes profissionais do lobby no país, a proliferação de artigos científicos, a criação da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais, novas propostas legislativas para normatização da atividade, a criação do primeiro curso de pós-graduação na área, corroboram a preocupação dos profissionais que praticam a defesa de interesses perante o governo em separar o joio do trigo, os bons dos maus profissionais.

Esta tarefa, no entanto, não será fácil. Isto em razão do desconhecimento acerca da atividade de lobby, do estigma de marginalidade que a atividade carrega (freqüentemente associada à corrupção e ao tráfico de influência) e a duvidosa existência de vontade política de se trazer para a luz a atividade de lobby.

Uma análise empírica da realidade das relações entre o público e o privado no Brasil não nos permite ter por regra a transparência das decisões tomadas no seio do poder, em contraste com o que ensina Bobbio [30] acerca deste processo decisional:

 

Um dos lugares-comuns de todos os velhos e novos discursos sobre a democracia consiste em afirmar que ela é o governo do ‘poder visível’. Que pertença à ‘natureza da democracia’ o fato de que ‘nada pode permanecer confinado no espaço do mistério’ é uma frase que ocorre ler, com poucas variantes, todos os dias.

...Este trecho é exemplar porque enuncia em poucas linhas um dos princípios fundamentais do Estado constitucional: o caráter público é a regra, o segredo a exceção, e mesmo assim é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos, já que o segredo é justificável apenas se limitado no tempo, não diferindo neste aspecto de todas as medidas de exceção (aquelas, para nos entendermos, que podiam ser tomadas pelo ditador romano).

A falta de transparência na tomada de decisões políticas e a participação inevitável neste processo dos "poderes invisíveis" que constituem os grupos de pressão, quando feita de forma degenerada pode assumir o caráter criminoso de corrupção.

Quando o que está em pauta é a obtenção de privilégios ilícitos cabe à sociedade como um todo fiscalizar estas práticas espúrias. Detectar, investigar e punir os culpados dos episódios de corrupção são costumes que devem e estão sendo paulatinamente incorporados à cultura cívica no Brasil. Destacam-se nesse papel a mídia nacional que tem, como nunca antes, trazido da clandestinidade para os olhos atentos da sociedade civil inúmeros episódios de afronta ao interesse público. Deve-se enaltecer também os profissionais sérios que buscam limpar a imagem de suas profissões e, ainda, o governo federal que tem se postado como incentivador das investigações e punições dos envolvidos em escândalos de corrupção, independentemente do Poder da República a que pertençam, cargo que ocupem ou compromissos partidários.

A busca pela transparência do Estado Brasileiro é uma realidade que foi incluída na agenda política nacional após a redemocratização do país ocorrida no final dos anos 80.

Neste contexto, forçoso reconhecer que a prática democrática no Brasil é pautada, entre outros aspectos, pela cobrança cada vez mais intensa de ética e transparência na condução dos negócios públicos. Razão que sustenta a defesa da regulamentação do lobby no país e a realização de debates capazes de esclarecer as peculiaridades distintivas da atividade quando comparada com as práticas ilícitas.

Nada obstante, as relações entre o público e o privado podem e devem ser submetidas a mecanismos que as tornem mais transparentes e em harmonia com os valores democráticos. Imprescindível, assim, o exame das condições éticas nos bastidores das relações institucionais e governamentais.

3.2. Fronteiras Éticas.

Maquiavel [31], autor dos mais controversos, num rompante esclarecimento de seu estudo, expõe que pretende tratar de Estados que realmente existem, e não de políticas ideais: vez que, do contrário, ao idealizar, só estaria instruindo ao "príncipe" o rumo da própria avaria, ou seja, a perda da qualidade de governante.

Dessa elucidação decorre a premissa básica de uma análise das condições políticas e sociais de um Estado: a consideração das instituições como são e não como deveriam ser.

Assim, para se falar em ética nos dias atuais, deve-se ter claro que a idéia de que ela seja imprescindivelmente própria da política é idéia, há muito, superada.

Discorre Lívia Barbosa [32]:

A idéia generalizada é que, quanto mais perto do poder uma pessoa se encontra, mais facilidade ela tem para ‘dar jeito’ e ‘ser corrupta’. Junta-se a isso a suspeita permanente sobre a integridade moral da classe política e sua probidade, aliás recorrente, em todos os outros discursos.

Em seguida acrescenta a autora:

A classe política e o governo são não só vistos como os responsáveis diretos por todos os males sociais, como também pensados da forma mais negativa possível. Qualquer ressalva que se faça em relação a essas duas categorias é mediada pela noção de que a maioria ‘infelizmente é assim’.

A existência de uma grande distância entre a reflexão política e as questões éticas caracteriza o processo político moderno.

Dentre os pensadores modernos que cuidaram de explicar este embate entre a moral comum e a moral política, Bobbio se destaca ao defender uma tese com a qual, particularmente, encontro grande identificação. Em vários de seus estudos Bobbio aborda a expressão "justificação", a qual caberia apenas para as condutas em desacordo com o sistema de regras. Contrario sensu, o ato regular não careceria de justificação.

Contextualizando esta tese com o tema aqui abordado, para que se possa fortalecer e solidificar a imagem transparente e legal das relações institucionais e governamentais se faz necessária uma "justificação" dos atos que ocorrem para além da linha que delimita a fronteira ética da atividade e a torna desarmônica com os interesses gerais do país.

Assim, a tese da justificação força a adesão de todos os que praticam e estudam a atividade de lobby num imperioso exercício de humildade em face de dois fatos capitais: 1º fato) a atividade defendida é lícita e imprescindível para que se atinja a plenitude da democracia participativa; 2º fato) a imagem de marginalidade que a atividade carrega tem razão de ser em decorrência das práticas ilícitas de alguns indivíduos que ultrapassam os limites éticos da defesa de interesses.

Este primeiro passo, verdadeiro exercício de humildade, vai permitir que se possa consolidar a atividade de defesa de interesses perante o poder constituído como prática ratificadora dos princípios da democracia participativa e consolidadora dos ideais republicanos.

Separar o trigo do joio é o começo, o que torna oportuna a indicação de alguns preceitos fundamentais que devem ser observados pelo bom lobista.

Primeiramente, quanto aos atos dos grupos de pressão e seus agentes perante os membros dos poderes constituídos, devem aqueles "respeitar incondicionalmente a probidade das pessoas com as quais tratam... a fim de manter o respeito devido aos poderes constituídos" [33] e, impreterivelmente, comportar-se dentro da lei.

A corrupção, à despeito de seu caráter delituoso, está longe de ser uma raridade nas práticas políticas nacionais. Empresas nacionais e estrangeiras interessadas em certa ação ou omissão das autoridades públicas, recorrentemente utilizam-se da prática de suborno para verem atendidas suas pretensões. Felizmente, de forma gradual, mas ainda insuficiente, a impunidade dos ocupantes de cargos públicos vem sendo reduzida no Brasil.

No que diz com o lida do lobista, o reconhecimento do ocupante de cargo público corrupto não é tão difícil. Estes indivíduos geralmente se deixam distinguir por alguns sinais evidenciados em sua conduta, como a utilização de subterfúgios para evitar uma resposta objetiva, a habitualidade em procrastinar a manifestação de suas opiniões (por mais corriqueiro que seja o assunto questionado), além da recorrente lembrança que faz à existência de corruptores que lhe procuram.

O lobista, de plano, reconhecerá estar tratando com um funcionário corrupto, devendo imediatamente suspender sua explanação e procurar outros canais para apresentar sua demanda.

Já nas relações internas do grupo todos devem compreender a importância da heterogeneidade dos seus posicionamentos e a necessária consonância destes com os interesses nacionais.

Na relação entre lobista e o grupo de interesse ou pressão, o cuidado do profissional deve ser especial, pois, invariavelmente, em algum momento irá deparar-se com um cliente ou potencial cliente que acredite ser indispensável pagar para obter algo do governo. Esta prática, além de ser ilícita, geralmente sustenta um mérito incompatível com o interesse público. O bom profissional não entra neste barco.

Como todo o mais na vida, a obtenção de algo desejável por um modo mais fácil, porém condenável, trará, inabalavelmente, conseqüências que fazem cair por terra o mérito do (falso) sucesso.

Nesse sentido, o profissional deve encarar cada trabalho como preparatório para o próximo, cultivando a idéia de que "perseverança, pertinácia, ao lado de profundo senso de legalidade e de legitimidade, são parte do cotidiano do bom lobista" [34].

3.3. Aceitação popular.

É o consentimento popular que dá legitimidade às instituições democráticas. O eleitor legitima seu mandatário ao elegê-lo e ratifica sua legitimidade ao reconduzi-lo ao poder. O resultado da atividade legislativa será tão legítimo quanto eficaz for a norma produzida, ou seja, no Brasil, a forma de a sociedade legitimar ou não o produto da atividade do legislador se dá pelo fenômeno de certas leis "não pegarem", não terem eficácia na prática.

Não sendo fundada na opinião pública, nenhuma ação política poderá perdurar no tempo. O mesmo ocorre com o lobby, interna e externamente. Explica-se.

Internamente à atividade, pode ocorrer de o lobista se deparar com uma causa em que o interesse defendido seja legítimo, seus argumentos sejam plausíveis e em consonância com o interesse geral e o bem comum, contudo, a opinião pública contrária trará a provável rejeição do pleito pela autoridade em que for apresentado. Sem o consentimento popular, a decisão a ser tomada carecerá de legitimidade.

Assim, em sua lida de defesa de interesses não poderá o lobista desconsiderar a importância de ter a opinião pública favorável ao interesse que busca acastelar. Neste contexto, a utilização dos meios de comunicação para a formação de um clima favorável à sua empreitada constitui ferramenta indispensável ao trabalho do lobista, pois "o uso adequado das técnicas, métodos e instrumentos de comunicação social cria adeptos; alerta opositores; abre controvérsia" [35].

Do mesmo modo, externamente, para que a atividade de lobby possa consolidara-se como instituição legítima e indispensável ao exercício pleno da democracia será necessário que este entendimento tenha o consentimento social.

Tarefa das mais árduas de se executar, vez que os recentes episódios de corrupção e o senso comum de que o lobby é uma prática que ocorre por "debaixo da mesa" cultivam a imagem de ilegalidade e inadequação da atividade.

Ratifico a importância de se fazer um exercício de humildade por parte dos defensores do lobby para que se possa retirar a atividade legítima do lado de práticas espúrias em que é colocada e trazê-la "para cima da mesa".

A imagem denegrida da atividade e o descrédito sobre seus atores no país não são irreversíveis. A mudança na opinião pública a respeito do lobby vai, aos poucos, ganhando força, possibilitando que se traga a atividade para a luz. Neste investida em que profissionais do lobby unem-se em prol do bem geral da atividade, a desafetação e veracidade são condições inafastáveis para o ganho de credibilidade e edificação da legitimidade do lobby.

3.4. Entidade de Classe – Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG).

O engajamento das lideranças reconhecidas e o apoio político são indispensáveis ao processo de normatização da profissão. Não basta que a profissão do lobista esteja de acordo com os preceitos legais e constitucionais, é necessário que um código de conduta sirva de referencial objetivo para formação de um padrão ético.

Nesse sentido, a criação da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais em 16 de agosto de 2007, com a reunião de alguns dos principais defensores da atividade de lobby no Brasil, representou um passo incomensurável no caminho da regulamentação da profissão.

A criação da ABRIG e a concepção de um Estatuto Inicial e de um Código de Conduta respaldados nas exigências sociais devem ser compreendidas como tentativas legítimas de se estabelecer fundamentos éticos para uma das atividades em maior expansão no país.

O Estatuto Social da ABRIG assinado na data de sua criação cumpre sua função ao estabelecer seu objeto social, definir a atividade de relações institucionais e governamentais e estabelecer direitos e deveres para seus associados.

Da mesma forma, o Código de Conduta dos Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais traça os objetivos da associação, quais sejam: tornar claras as regras éticas de conduta dos profissionais, contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos, preservar a imagem e reputação do profissional, estabelecer regras claras sobre conflitos entre interesses públicos e privados minimizando suas ocorrências, dentre outros.

O mesmo Código estabelece o necessário respeito do profissional de relações institucionais e governamentais em sua atuação, aos princípios da transparência, da participação, da prevalência do interesse público e o respeito estrito à legislação vigente (artigo 2º, §2º).

Prescreve, em seu artigo 3º, que a nomeação para cargo ou função pública proíbe, de imediato, a atuação do lobista na defesa de interesses privados, estabelecendo, ainda, um período de quarentena (artigo 9º) para o exercício do lobby após deixar o cargo ou função ocupada, que será, na omissão legislativa, de quatro meses contados a partir de sua exoneração (artigo 10º).

Pelos preceitos mencionados, sem prejuízo das demais regras que estabelecem, o Estatuto Social e o Código de Conduta da ABRIG configuram proposições razoáveis do que se poderia exigir de uma responsável entidade de classe. Sua continuação e reconhecimento como entidade oficial dos lobistas permanece no campo das hipóteses, o que não impede o posicionamento favorável por parte de alguns dos principais lobistas do país e mesmo de estudiosos do tema.

Por entender que a regulamentação da atividade de lobby configura na principal garantia de que grupos de pressão e lobistas em geral aturarão dentro da legalidade e orientados pelos princípios éticos claramente estabelecidos, acredito que a recente Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais deverá ser defendida por todos os membros da sociedade que primam pela transparência no trato da coisa pública.

3.5. Propostas Legislativas para regulamentação da atividade.

Dentre as propostas legislativas para regulamentação do lobby no Brasil pós redemocratização, a que ganhou maior relevância foi o Projeto de Lei nº 6.132/1990 do Senador Marco Maciel, ou, simplesmente "Projeto Marco Maciel". Este projeto foi aprovado no Senado Federal e seguiu para a Câmara dos Deputados onde, na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação recebeu parecer pela inconstitucionalidade por ferir os artigos 51, III e IV e 52, XII e XIII da Constituição Federal. Tal parecer foi no sentido de que a regulamentação do lobby no Congresso era matéria de sua organização e funcionamento e, portanto, deveria ser feita por meio de Resolução. Nem mesmo a iniciativa de um homem público de conduta imaculada como o Senador Marco Maciel foi capaz de levar adiante a idéia de se regulamentar uma das atividades de maior importância dentro do processo democrático. No entanto, em face de seu pioneirismo e o alto conceito que carrega seu autor, quando se fala em regulamentação do lobby este é o projeto mais lembrado.

Mais recentemente, algumas outras propostas ganharam corpo. Enunciarei as mais relevantes.

Alguns Projetos de Resolução buscaram disciplinar a atividade acrescentando dispositivos aos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Dentre estes, destacam-se o Projeto de Resolução n° 87, do Deputado Ronaldo Vasconcelos, apresentado em 10 de maio de 2000, arquivado em 31 de janeiro de 2007 e desarquivado em 1º de março do mesmo ano em face do requerimento do Deputado Vicentinho. Apenso a este (arquivado e desarquivado ao mesmo tempo) foi o Projeto de Resolução nº 203, apresentado em 06 de novembro de 2001 pelo Deputado Walter Pinheiro e outros.

Um Projeto de Lei que suscita o olhar dos legisladores para a atividade dos grupos de pressão é o apresentado pela Deputada Vanessa Grazziotin em 11 de junho de 2002, sob o nº 6.928/02, o qual cria o "Estatuto para o Exercício da Democracia Participativa", regulamentando os institutos do Plebiscito, Referendo e da Iniciativa Popular. Este projeto dedica somente dois artigos aos grupos de pressão, de modo que em nada inova neste particular, apenas reafirmando a competência normativa de cada Poder para regulamentar a atividade de lobby. Tal projeto foi recentemente desarquivado e aguarda análise das comissões.

Merecendo destaque, menciona-se o Projeto de Lei nº 1.713 de autoria do Deputado Geraldo Resende, apresentado em 18 de agosto de 2003. Tal projeto propunha, de forma bastante abrangente, a regulamentação da atuação dos "agentes de pressão" perante órgãos da administração pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Esta proposta que buscava regulamentar o lobby perante o Poder Executivo foi rechaçada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara por rejeição unânime dos deputados desta comissão que aderiram ao parecer do Deputado Luiz Antônio Fleury pela rejeição da proposta. Em seu parecer apresentado em 25 de novembro de 2004, o relator argumenta que as exigências impostas pelo projeto para o exercício da defesa de interesses acabariam por reduzir o acesso dos cidadãos e das entidades públicas e privadas aos poderes constituídos. Assim, ao se deparar com uma proposta que exige cadastro prévio, prestação de informações quanto aos interesses defendidos, gastos e rol de empregados do grupo de pressão, o legislador trata de, prontamente, repulsar o projeto por entender ser demasiado exigente e pouco objetivo. Ora, com o devido respeito ao Excelentíssimo Deputado relator e aos demais congressistas que acompanharam seu voto, pode-se dizer que é exatamente este tipo de postura de nossos representantes que mancha a imagem do Congresso Nacional. Desperdiçada aí uma boa oportunidade de normatização do lobby no país.

Não obstante, eis que, em 30 de maio de 2007 é apresentado na Câmara o Projeto de Lei nº 1.202 de autoria do Deputado Carlos Zarattini. Uma proposta legislativa para regulamentação do lobby sem precedentes na atividade legislativa brasileira.

Trata-se de um projeto de lei que agrega algumas das disposições do "Projeto Marco Maciel" com orientações retiradas da legislação norte-americana sobre o lobby.

A iniciativa sob análise apresenta definições iluminadoras em seu artigo 2º, como as conceituações de decisão administrativa (I), órgão público decisor (II), entidade representativa de grupo de interesse (III), recompensa (IV), presente (V), "lobby" ou pressão (VI), lobista ou agente de grupo de interesse (VII) e dirigente responsável (VIII). São demarcações importantes para clarear e fixar o objeto da proposição.

Num segundo momento o Projeto de Lei ora apreciado enumera as obrigações, vedações e direitos dos agentes dos grupos de pressão. Cabe mencionar a exigência de cadastro prévio (artigo 3º), a imposição do necessário encaminhamento ao Tribunal de Contas da União da descrição da natureza dos interesses defendidos e relatório de gastos (artigo 7º, Caput), bem assim, a vedação ao exercício de influência do lobista em atividade que possa resultar em sua contratação pelo Poder Público (artigo 4º).

Neste diapasão, faz-se necessária uma observação: caberia uma emenda ao projeto em tela no que diz com a possibilidade de criação da entidade de classe e normatização da profissão de "lobista". Pertinente seja emendado o projeto em prestígio à criação da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais para que esta se fortaleça e venha a ser reconhecida oficialmente como entidade representativa dos profissionais do ramo.

Com estas considerações, pode-se dizer que o Projeto de Lei nº 1.202/2007 do Deputado Carlos Zarattini congrega os requisitos essenciais para a regulamentação justa da atividade de lobby e o exercício de defesa de interesses perante os poderes constituídos.

A proposição teve seu relator designado em 26 de junho do corrente ano: o Deputado Milton Monti; e o prazo para apresentação de emendas ao projeto encerrou-se em 12 de julho deste ano, sendo (ansiosamente) aguardado o parecer do relator.

De qualquer forma, verifica-se que as iniciativas legislativas que tencionam regulamentar as relações institucionais e governamentais aumentam em número e qualidade, o que acalora as perspectivas daqueles que confiam na regulamentação do lobby como passo importante na consolidação da democracia participativa e efetivação dos ideais republicanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se buscou salientar neste trabalho é a imperativa necessidade de se fortalecer e dar transparência às relações entre Estado e cidadãos. Trata-se de investir na qualificação do processo de elaboração de políticas públicas e da atividade legislativa.

Num contexto em que a crise de representatividade e sucessivos escândalos envolvendo membros dos poderes Executivo e Legislativo imperam no contexto polítco nacional, nenhum esforço em trazer luz para o palco das decisões políticas será demasiado.

A evolução do sistema democrático chega a um momento em que não se pode ignorar a importância dos grupos de pressão no cenário político. Neste contexto, a atividade de lobby ganha papel proeminente.

Defender interesses privados perante os poderes públicos não pode ser visto como uma prática errante do jogo democrático. Respeitados os preceitos legais e princípios éticos que regem o trato da coisa pública, a transparência, a confiabilidade das informações e a legitimidade dos interesses, o lobby constitui ferramenta inarredável do exercício pleno da democracia participativa.

Mudar a imagem da atividade não será tarefa das mais fáceis, porém, o engajamento dos profissionais de maior representatividade é um grande ponto a favor, bem como a criação de uma entidade de classe e a profissionalização da atividade de lobista, atreladas às novas discussões no Congresso sobre o tema, são passos importantes na busca pela ética e transparência das políticas públicas.

Em suma, o que humildemente poderia se esperar deste trabalho é que sirva para atrair a atenção daqueles mais qualificados para o debate da democracia e seus institutos. Insiste-se que a consolidação da democracia brasileira passa, invariavelmente, pela discussão de seus institutos a partir de um senso de realidade que permita enxergar suas idiossincrasias e mais urgentes carências. De qualquer modo, a normatização, a publicização e a qualificação de uma das atividades que mais cresce na cena política nacional que é o lobby constitui agenda política que não se pode postergar. Aberto o diálogo inicial, lutemos pela consolidação da democracia e fortalecimento do espírito republicano.

 

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Notas

COMPARATO, F. K.. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno, São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 639.

 

02 PORTO, Walter Costa. Dicionário do Voto. Brasília: UnB, 2000.

03 ARISTÓTELES, apud COMPARATO, Op. cit., p. 642.

04 BOBBIO, Norberto, O Futuro da Democracia. 9ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p. 56.

05 BONAVIDES, Paulo, Ciência Política. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 239.

06 Ibid., p. 241.

07 DALLARI, Dalmo de Abreu. O renascer do direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 96.

08 GENRO, Tarso; SOUZA, Ubiratan. O Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1997, p. 50-51.

09 DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular. Rio de Janeiro: ANPOCS - Relume - Dumará, 1995, p. 10.

10 GENRO, Tarso. Utopia possível. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.

11 LASSALE, Ferdinand. O que é uma Constituição. Belo Horizonte: Líder, 2002.

12 FARHAT, Saïd. Lobby: O que é. Como se faz. São Paulo: Peirópolis - Aberje, 2007, p. 145.

13 BONAVIDES, Op. cit., p. 461.

14 BONAVIDES, Op. cit., p. 463-465.

15 FARHAT, Op. cit., p. 49.

16 FARHAT, Op. cit., p. 50.

17 LODI, João Bosco. Lobby: Os grupos de pressão. São Paulo: Pioneira, 1986, p. 3.

18 FARHAT, Op. cit., p. 71.

19 FARHAT, Op. cit., p. 352.

20 Ibid., p. 429.

21 FARHAT, Op. cit., p. 393.

22 Ibid., p. 407.

23 Ibid., p. 390.

24 FARHAT, Op. cit., p. 409.

25 CARDOSO, Fernando Henrique. Cartas a um jovem político: para construir um país melhor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 131-137.

26 FARHAT, Op. cit., citando Cláudio Sonder. p 407.

27 A atividade de lobby não integra os currículos da graduação. Apenas recentemente, em agosto de 2007 foi criado o primeiro curso de pós-graduação sobre o tema: o Curso de Pós Graduação em "Relações Institucionais e Governamentais" no IESB, em Brasília/DF.

28 As principais tendo sido mencionadas no item "2.2. Quem faz e quem deve fazer lobby".

29 O Código de Conduta dos lobistas no Parlamento Europeu, bem como demais informações acerca da matéria estão disponíveis no site www.europarl.europa.eu.

30 MACHIAVELLI, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

31 BOBBIO, Op. cit., p. 99-100.

32 BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais igual do que os outros. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, p. 85.

33 FARHAT, Op. cit., p. 79.

34 FARHAT, Op. cit., p. 184.

35 FARHAT, Op. cit., p. 118.