Legislar sobre educação: a interpretação das competências pelo STF


Pormarianajones- Postado em 03 maio 2019

Autores: 
Alynne Nayara Ferreira Nunes

São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas – FGV DIREITO SP Research Paper Series – Legal Studies Paper n. 101

Legislar sobre educação: a interpretação das competências pelo STF

Legislate on education: the interpretation about competence by STFα

Alynne Nayara Ferreira Nunes1

São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas (FGV DIREITO SP)

August 2014

This paper can be downloaded without charge from FGV DIREITO SP’s website: http://direitogv.fgv.br/publicacoes/working-papers and at the Social Science Research Network (SSRN) electronic library at: http://www.ssrn.com/link/Direito-GV-LEG.html. Please do not quote without author’s permission α Este artigo é derivado de minha monografia de conclusão de curso, intitulada “Concorrência no Federalismo: A quem compete a educação”, que foi apresentada em 2013 e rendeu-me a distinção de “menção honrosa” dentre as monografias produzidas no ano pelos alunos de Direito da Universidade São Judas Tadeu. Gostaria de agradecer aos comentários da banca, tecidos pelas professoras Solange Gonçalves Dias (orientadora) e Annie Dymetman, que certamente guiarão meus estudos na relação entre o Direito e a Educação brasileira. Além disso, gostaria de agradecer o exame cuidadoso e crítico de versões anteriores deste texto pela amiga Fernanda Nunes e pelos amigos Nikolay Bispo e Saylon Pereira. Assumo, contudo, total responsabilidade pelo conteúdo aqui reproduzido. 1 Mestranda em Direito e Desenvolvimento pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (2013).

Resumo: Com a sistemática das competências concorrentes trazida pela CF de 1988, e as frequentes críticas sobre o direito à educação, pesquisou-se qual o âmbito de atuação dos órgãos normativos federais, estaduais e distritais acerca desse direito. Qual é, portanto, o limite de cada ente? Para responder à pergunta, coletaram-se acórdãos do STF, órgão encarregado de interpretar a Constituição. A posição da Corte é de deferência ao texto constitucional e à LDB, consagrando o principado neles expostos, no que diz respeito à fixação das diretrizes gerais. Nessa seara, aos Estados cabe complementar esse sistema, acrescentando novas disciplinas, dispor sobre prazos para cumprimento de programas de lei federal, e criar programas com fundamento nas regras gerais da União. Os contornos dos intrincados termos previstos na competência concorrente não são delimitados. Por fim, sendo a educação um direito eminentemente prestacional, exige mais do Poder Executivo, tanto no plano normativo como no prático.

Palavras-chave: educação; competências legislativas; federalismo; suplementar; descentralização.

Abstract: With the system of concurrent competence brought by the Federal Constitution of 1988 and the criticism on the right to education, we have researched the scope of activities of federal and states agencies regarding this right. What is, therefore, the limit of each part of the federation? To answer this question, we have collected decisions of the Brazilian Supreme Court (STF). The position of the Court is obedience to the Constitution and the National Education Guidelines and Framework Law (LDB), with its principles in them, with regard to the establishment of general guidelines. In this context, states must complement this system, adding new disciplines, deciding deadlines for compliance with federal law programs and creating their programs based on the general rules of the União. Characteristics in terms of concurrent competence are not defined. Finally, since education is a right and a service, the Executive Branch is more demanded, both in regulation and in practical terms.

Keywords: education; legislative competence; federalism; supplementary; descentralization.

Sumário

1 Introdução................................................................................................................................ 4 1.1 À procura da melhor política para um direito fundamental............................................. 4 1.2 Críticas ao modelo e soluções possíveis.......................................................................... 4 1.3 Direito como instrumento regulador: diversas faces da competência ............................ 6 1.4 O que será tratado? ........................................................................................................ 10 2 Metodologia: como alcançar o objetivo? .............................................................................. 10 3 Qual a interpretação atribuída pelo STF à repartição de competências sobre educação? ..... 14 3.1 Antes de partir, considerações necessárias .................................................................... 14 3.2 Sobre o espectro das competências................................................................................ 15 3.2.1 No plano dos Estados, a competência concorrente ................................................ 15 3.2.2 Competência de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Estadual ....................... 16 3.2.3 A competência comum........................................................................................... 17 3.2.4 A União e suas competências privativa e geral...................................................... 17 3.3 Federação como discurso de domingo........................................................................... 19 4 Considerações finais.............................................................................................................. 21 5 Referências ............................................................................................................................ 24 4

1 Introdução

1.1 À procura da melhor política para um direito fundamental

É indiscutível que a educação constitui um valor social e moral muito caro aos Estados tidos como democráticos. Não há dúvidas sobre sua importância enquanto direito. Nas Constituições e nos Tratados Internacionais2 , a educação é um direito que possibilita o desenvolvimento do indivíduo e sua participação no diálogo democrático. Consagrada como direito social, passa a ser incumbência do Estado prestá-la satisfatoriamente. Em função disso, o Estado, através do direito, cria a política educacional. Suas diretrizes são traçadas para que aqueles que prestarão o serviço – neles compreendidos o próprio Estado e as instituições de ensino privado – possam oferecer ao educando um serviço de qualidade e que seja condizente com os objetivos traçados pela Constituição Federal (artigos 205 a 214). E, no plano infraconstitucional, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) traça os princípios pelos quais a educação se pauta. Portanto, as leis devem ser criadas, e a educação efetivamente prestada. Não se pode dizer, no entanto, que no plano da criação e efetivação do direito, nunca haverá dúvidas ou críticas. Sendo a educação, como vimos, um direito a ser prestado coletivamente, é natural que surjam questões sobre a política implantada. Assim, num contexto democrático, os ideais e críticas dos cidadãos, que podem ser opostos entre si, convergem, sobretudo, para o aperfeiçoamento constante da educação, cujo saldo final tende a ser positivo. Daí se segue que críticas também fazem parte do jogo da democracia, ainda que a existência – e positivação – do direito seja indubitável. Nesse sentido, quais são as críticas, e o que nos dizem sobre a prestação de um direito e suas mudanças?

1.2 Críticas ao modelo e soluções possíveis

Embora haja leis que regulamentem a educação e ressaltem sua importância como direito social, há por outro lado críticas fundamentadas a respeito de como a educação 2 A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra, em seu artigo XXVI, que “todo ser humano tem direito à instrução” e que “a instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento e do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais”. 5 brasileira atual é regulada – isto é, sobre a política educacional adotada e instituída em lei – ou como é colocada em prática. Entre as críticas mais comuns, cita-se a de que a educação é negligenciada pelos governos e que poucos recursos financeiros são a ela destinados, que há falta de fiscalização por parte do Poder Legislativo, pais desinformados sobre o ensino ministrado a seus filhos, despreparo dos professores, grade curricular que não prepara o educando para a vida, entre outras deficiências. Em outras palavras, as diretrizes da educação, determinadas pelo Estado, não se adequam à prática. Não chegam ao extremo, como uma medida que deixou de ser aplicada por completo, pois ao menos o mínimo é garantido: há secretarias de ensino, construção de escolas, contratação de professores etc. Apesar disso, a educação brasileira, cuja política de implantação é complexa, permanece com problemas. Sobre soluções para essas críticas antigas, há quem acredite que o repasse de maior aporte de recursos financeiros à educação, por si só, dirimiria boa parte dos problemas3 . Com base nesse argumento, um dos fatores que se alterariam e que promoveriam alteração de qualidade considerável é o de que os professores, ao perceberem salários maiores – e mais dignos com sua escolaridade, portanto –, estariam mais motivados a enfrentar as salas de aulas e a repassar o conteúdo aos alunos. Nesse contexto, se considerarmos que o modelo educacional atual não se encaixa na realidade, a solução, em último caso, estaria em uma mudança significativa no método de ensino padronizado pelo Estado por meio de lei, que, parece, contudo, mais radical em relação a somente tratar de tornar efetiva a política já descrita em normas jurídicas. Mudar a lei, e, por conseguinte, o método de ensino reputado como arcaico, equivaleria a retirar as raízes atuais da educação e pensar em um novo modelo. Esse padrão educativo poderia extinguir a divisão em “séries” e/ou tornar obrigatórias matérias voltadas às artes e à filosofia e aumentar sua carga horária, por exemplo. A partir desses breves apontamentos, vê-se que a educação sofre críticas, tanto no plano legislativo, no que diz respeito às diretrizes e métodos fixados pelo Estado, como no plano de execução da política já definida em lei. Ambas convergem, no entanto, para que a educação seja concebida como um valor e um direito a merecer proteção estatal. 3 É o que defende a União Nacional dos Estudantes (UNE). Suas reivindicações obtiveram êxito em junho de 2012, após a entidade pressionar os parlamentares da Câmara dos Deputados, que aprovaram a destinação de 10% do PIB brasileiro, em até dez anos, ao Projeto Nacional de Educação. O projeto ainda tramitará no Senado Federal. Disponível em: e . Acessos em: 8 jan. 2013. 6

1.3 Direito como instrumento regulador: diversas faces da competência

Essas questões e críticas ao direito nos levam à seguinte questão: quem detém competência para moldar a política educacional no Brasil? Essa pergunta se faz necessária porque há reivindicações da sociedade para a melhoria da educação, e as possíveis soluções convergem para que a estruturação básica sofra, ao menos, uma modificação para alcançar seus objetivos constitucionais. Como a educação e suas diretrizes são regulamentadas por meio de lei, analisar-se-á a competência do ponto de vista legislativo, isto é, qual ente federativo é competente para tanto, uma vez que, na prática, cabe a todos os entes da Federação executá-la conforme os moldes traçados pela lei4 . Trata-se, portanto, de estudar o direito à educação sob a ótica federalista, mais especificamente sobre a repartição das competências legislativas sobre o assunto5 . As competências legislativas estão previstas na Constituição, se referem a matérias cuja regulamentação por lei é necessária para fins de organização estatal, e estão intrinsecamente relacionadas à noção de Estado federal (J. A. SILVA, 2012, p. 477; V. A. SILVA, 2010, p. 550). Para melhor compreensão de uma política pública em nível nacional, as competências constituem um dos principais pontos de análise do atual federalismo6 . Sobre educação, a Constituição é clara ao atribuir à União, no artigo 22, XXIV, competência privativa para legislar sobre “diretrizes e bases da educação”. Ainda que passível de delegação a outro ente federativo, segundo parágrafo único do mesmo dispositivo7 , podese afirmar que a União, para melhor atender aos interesses gerais, detém o poder de regular a educação dispondo sobre seu método e organização. Há, no entanto, outra competência no texto constitucional que também se refere à 4 O artigo 205 da Constituição Federal, que inicia o capítulo destinado à educação, expressamente prevê que esta é dever do Estado, sendo aqui entendido como o conjunto de todos os entes federados – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios. Também é livre à iniciativa privada, segundo o artigo 209, desde que cumpra as normas gerais da educação nacional, e se submeta à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. 5 Embora também existam críticas, e soluções não uníssonas, como vimos na introdução, sobre a execução (eficácia) do plano definido em lei, esta pesquisa não se aterá a isso por razões temporais. Um estudo como esse demandaria uma análise pormenorizada dos problemas, e levaria em conta também opiniões de juristas, administradores e educadores, para verificar o motivo pelo qual a política não é eficaz e quais são as soluções para corrigi-la. 6 Cabe ressalvar que se corre o risco de ser reducionista ao tentar compreender o federalismo somente a partir das competências. Esse é apenas um viés de estudo. Outros, como a distribuição de recursos financeiros, além de análises históricas, por exemplo, também podem servir de objeto de análise, e permitem alcançar com maior precisão o grau de eficiência de uma política pública dentro de um Estado federal. 7 Assim dispõe a norma citada: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. 7 matéria, ainda que de maneira mais genérica, e a reparte entre União e Estados-Membros8 de modo concorrente, que constitui novidade trazida pela Constituição de 19889 . Trata-se do artigo 24, IX, que diz competir a esses entes legislar concorrentemente sobre “educação, cultura, ensino e desporto”. Além disso, embora os Municípios detenham competência para “manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental” (CF, artigo 30, VI), não o estudaremos nesta pesquisa por razões temporais. O Município, com base nessa competência, pode legislar sobre educação, ingerindo-se nas competências de outros entes federados, advindo daí o conflito10. A competência concorrente, de acordo com Lobo (1989, p. 89), fortalece o federalismo, “que poderá ser o fator de equilíbrio entre as esferas autônomas [...]. E nela, o essencial está no conteúdo conceptual que prevaleça às ‘normas gerais’, como limite constitucional à União”. Os “limites da concorrência”, assim, encontram-se delimitados nos quatro parágrafos do artigo 24, da seguinte forma: à União cabe legislar de modo geral (§ 1o ), aos EstadosMembros cabe legislar de maneira suplementar sobre as regras gerais emanadas da União (§ 2o ), aos Estados-Membros é garantida a competência plena para atender suas peculiaridades, na hipótese de a União ter permanecido inerte (§ 3o ), e, por fim, no caso de a União legislar quando o Estado-Membro já tiver se adiantado, nos termos do parágrafo terceiro, suspende-se a norma estadual existente naquilo que confrontar com a lei federal (§ 4o ). Almeida (2007, p. 128-138), em obra sobre o tema competências na Constituição, trouxe 8 Aqui se inclui dentre os Estados-Membros o Distrito Federal, por força do artigo 32, § 1o , da Constituição Federal, que expressamente atribui a este ente as competências legislativas que forem atribuídas aos EstadosMembros. Quando estivermos tratando da competência concorrente, iremos nos referir somente aos EstadosMembros e à União, conforme o texto da Constituição no caput do artigo 24, compreendendo o Distrito Federal implicitamente. 9 Das Constituições republicanas e federalistas, apenas a Constituição Federal de 1934 cuidou da competência concorrente, que, diferentemente da atual Constituição, não era uma competência eminentemente legislativa. Assemelhava-se à competência comum, prevista no artigo 23, que é repartida entre todos os entes federados, na medida em que cuida de competência material, que, segundo Lenza (2010, p. 355), “determina um campo de atuação político-administrativa” do ente federativo. Nesse sentido, também cf. Almeida (2007, p. 60), que traz, ainda, que a inserção da competência concorrente na atual Constituição é decorrente de influências da Constituição alemã de 1949. Tratando sobre mutação constitucional, interessante é a abordagem de Ferraz (1986, p. 99-100) citando a Constituição de 1891, que designava de forma não privativa ao Congresso Nacional a prerrogativa de legislar sobre educação, o que considera, citando Jorge Nagle, competência concorrente. Adiante atesta que houve mutação constitucional (alteração do padrão de interpretação por procedimento informal, isto é, não previsto pela Constituição) quando da promulgação do Decreto n. 13.014/1918, que determinou ser de alçada do Poder Executivo Federal a disciplina da educação primária no País, passando a haver, portanto, a interpretação de que se tratava de matéria de competência privativa da União. 10 As razões por que os Municípios não serão estudados constam do capítulo metodológico. Importante aqui é deixar a ressalva de que se trata de um tema que merece análise futura em pesquisas com viés empírico. 8 entendimentos de diversos juristas que buscaram conceituar e diferenciar as normas gerais das suplementares, que constituem a base da competência concorrente. É a partir das definições desses termos que se pode alcançar maior ou menor grau de autonomia legislativa sobre determinada matéria. Em todos os casos, embora seja possível estabelecer parâmetros, não é possível criar um signo previdente e objetivo, que alcance todas as situações com eficiência. Dada a subjetividade dos termos, entende Virgílio Afonso da Silva (2010, p. 560) que “definir o que é norma geral e o que é norma específica no âmbito da repartição de competências legislativas é uma das tarefas mais difíceis a serem enfrentadas pelos estudos sobre federalismo no âmbito jurídico”. Assim, o limite entre o que compete à União e o que compete aos Estados-Membros, na prática, é tarefa árdua para o julgador que se deparar com uma questão dessa natureza. Entende que alguns juristas que se debruçaram sobre o tema, ávidos por soluções pragmáticas, fizeram uso de sinônimos aos termos constantes dos parágrafos do artigo 24, como forma de tentar explicá-lo ou aclarar seu significado. A saída simplista, todavia, pouco ajuda na resolução de um caso prático. A partir desses entendimentos, constata-se a complexidade deste tema no âmbito jurídico, uma vez que podem existir conflitos entre entes federativos que se julgam competentes, de acordo com sua interpretação constitucional para legislar sobre os temas de que tratam a competência concorrente. A importância do direito à educação num Estado de Direito, e sendo ela prevista como competência privativa e concorrente, permite afirmar que essa é uma matéria potencial causadora de conflitos de competência. Além do mais, há que se considerar também que a Constituição favoreceu a União na repartição de competências, deixando os demais entes com parco espaço de atuação legislativa, já que lhe foi conferido extenso rol de competências privativas e concorrentes sobre normas gerais11. Se compararmos a atual repartição com a estabelecida pela Constituição anterior (1967), pode-se conceber que as competências atribuídas pelo vigente texto constitucional aos Estados-Membros alargaram-se, ainda que sensivelmente12. Outro apontamento importante é o de que as competências estaduais suplementares podem vir a conflitar com o poder de regulamentar do chefe do Poder Executivo (decretos regulamentares, CF, artigo 84, IV) e o poder normativo das agências reguladoras que determinam regras no âmbito do setor privado. Daí tem-se uma possível restrição da competência concorrente estadual, fazendo-se necessária a definição de seus contornos. 11 Nesse sentido, cf. especialmente J. A. da Silva (2012, p. 477) e V. A. da Silva (2010, p. 553-4). 12 Para uma análise histórica da repartição de competências sobre educação, cf. Vilarino (2009, p. 74-100). 9 Com base nesses fatores, o legislador estadual pode, sob o argumento de que possui competência concorrente para regular a educação, legislar sobre o assunto. Há também, evidentemente, atividade do legislador federal sobre a matéria, cuja competência de atuação está “mais a seu favor”, uma vez que a União detém competência privativa (CF, artigo 22, XXIV, diretrizes e bases da educação nacional) e concorrente para normas gerais (CF, artigo 24, IX, educação, cultura, ensino e desporto). Isso não significa que o legislador federal esteja isento de incorrer em usurpação de competências; pelo contrário: ele pode vir a violar competência estadual, que, mesmo restrita quando comparada com a sua, deve ser obedecida em nome do pacto federativo, sob pena de incidir em inconstitucionalidade. A partir dessas considerações, o legislador estadual ou federal cria a lei, e a entende como material e formalmente adaptada à Constituição Federal. Dessa maneira, o limite entre o que é de sua competência e o que não é, é tênue e fomenta a existência de conflitos. Por se tratar de matéria que diz respeito à interpretação da Constituição Federal, o órgão julgador que deverá dirimir o conflito é o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do controle de constitucionalidade em abstrato e concreto. Cabe, portanto, a esse tribunal delimitar as competências legislativas, fixando seus alcances e limites13. Seu papel, no contexto de um Estado Democrático, é bastante relevante, pois pode, a partir de sua interpretação constitucional, restringir ou ampliar o âmbito de atuação dos órgãos do poder da República, especialmente no Executivo e Legislativo14. Suas decisões não possuem força vinculante para, em tese, interferir nas atividades do Poder Legislativo, mas podem servir como parâmetro para os legisladores, e àqueles a quem a norma se direciona, que terão meios para identificar, com atenuada dificuldade, a (in)constitucionalidade de uma lei. A interpretação conferida à competência em apreço pode interferir, em último caso, no modo como as políticas públicas serão feitas nos âmbitos dos entes federativos, daí se aferindo sua relevância no plano prático. 13 Nesse sentido, cf. especialmente Almeida (2007, p. 133), Lobo (1989, p. 96 e 103), Moreira Neto (1988, p. 162), V. A. da Silva (2010, p. 562) e Vilarino (2009, p. 155). 14 Cabe ressalvar que as competências legislativas não são destinadas somente ao Poder Legislativo, cuja função preponderante é legislar, mas também ao Poder Executivo, que pode editar medidas provisórias (artigo 62), leis delegadas (artigo 68), decretos regulamentares (artigo 84, IV), entre outros atos de cunho normativo, em especial pelas agências reguladoras. Portanto, a atuação da Corte nesse assunto pode resvalar, em último caso, nos poderes Legislativo e Executivo dos governos federal e estadual. 10

1.4 O que será tratado?

Este artigo tem como objeto de estudo os acórdãos prolatados pelo STF, nos quais haja o conflito entre normas infraconstitucionais (por exemplo, lei estadual e lei federal) e entre norma infraconstitucional e Constituição. O objetivo é identificar qual o espaço de atividade legislativa sobre educação de cada ente, de acordo com o atual entendimento da Corte a esse respeito. Afinal, qual o espaço de atuação legislativa dos entes federativos para regular a educação? Desse modo, parte-se da hipótese de que o atual modelo de repartição de competências – que pode ser visto como restrito aos Estados-Membros –, além da quantidade de críticas existentes sobre o modelo educacional, podem favorecer os Estados-Membros nos julgados da Corte Suprema, muito embora possa haver decisões que busquem pela delimitação da competência da União. É importante ressalvar que este trabalho não tem por objetivo debater se a centralização da educação nas mãos da União é, por si só, prejudicial à sua evolução. Entende-se que a análise dicotômica – descentralização e centralização –, embora de relevância histórica, demandaria uma pesquisa de maior fôlego, o que não é o caso deste trabalho. Traçados os objetivos, este artigo está estruturado da seguinte forma: (i) metodologia, na qual será exposto o método utilizado para seleção dos acórdãos do STF; (ii) análise dos acórdãos e teste da hipótese; (iii) conclusão; e (iv) referências bibliográficas.

2 Metodologia: como alcançar o objetivo?

O tema será abordado do ponto de vista empírico, ou seja, analisar-se-ão julgados do Supremo Tribunal Federal acerca de sua interpretação das competências voltadas à educação, que são atribuídas à União e aos Estados. Como as competências, que são objeto de estudo, são dirigidas somente à União e aos Estados, optou-se por restringir a pesquisa jurisprudencial somente às ações diretas de (in)constitucionalidade, que é a medida jurídica na qual o conflito torna-se mais evidente, e cujo pedido é retirar ou manter a norma no ordenamento jurídico. Nesses casos, o STF atua como Corte Constitucional, verificando, basicamente, a compatibilidade da lei arguida em face da Constituição Federal. Essas ações são propostas diretamente no STF por um dos legitimados ativos constantes do artigo 103 da CF. De 11 maneira simplista, são órgãos institucionais, políticos ou de classe, que levarão o conflito até à Corte quando lhes for conveniente. Importa dizer, em outras palavras, que não são todas as leis “viciadas” que os provocarão a ingressar com ação no STF, mas sim aquelas que, de certa forma, embaracem ou prejudiquem as atividades de sua instituição, classe ou órgão do qual faça parte. Uma ressalva a esse posicionamento é a propositura da demanda pelo ProcuradorGeral da República, que tem por dever arguir normas contrárias ao ordenamento, ou pugnar pela manutenção de sua constitucionalidade, sem, em tese, realizar algum “controle interno” de compatibilidade da norma com seus objetivos institucionais. Além do mais, por determinação da CF, o parquet deve atuar como “fiscal da lei” em todos esses casos submetidos ao crivo do STF (CF, artigo 103, § 1o ). Essas considerações são necessárias porque a análise a ser promovida neste artigo será somente sobre os acórdãos prolatados pelo STF, cujo objetivo, demonstrado anteriormente, é o de verificar qual é a interpretação dada pelo Tribunal a respeito das competências legislativas sobre educação. Em virtude disso, o estudo jurisprudencial pode ser considerado limitado quando se pretende saber o percentual normativo sobre educação da União e dos Estados15. Outra ressalva importante é a de que a seleção dos acórdãos se pautará, como será visto adiante, nos artigos da Constituição que foram citados no corpo do documento. Talvez esse parâmetro não seja o retrato fiel de todas as ações julgadas pela Corte e que versem sobre o tema. No entanto, a fim de promover análise mais próxima da totalidade de decisões, pesquisou-se sobre todas as ferramentas disponíveis no site do STF. De todo modo, a que se mostrou mais condizente com esse propósito, foi a pesquisa livre de jurisprudência16. Assim, no campo de pesquisa, incluíram-se os artigos da Constituição que tratam da competência para legislar sobre educação. A expressão de busca utilizada foi a seguinte: “CF1988 mesmo ART-00022 e ART-00024 prox INC-00009”17. Em seguida, selecionou-se o “Tribunal Pleno” como órgão julgador, já que em ações de controle de constitucionalidade faz-se necessária a reunião de todos os Ministros da Corte. É esperado que aqueles que querem ver a norma extinta do ordenamento arguem o artigo 22, alegando ingerência na 15 Para tanto, seria necessária uma pesquisa de maior fôlego, confrontando as leis questionadas com as que nunca foram submetidas a exame constitucional. 16 Disponível em: . Acesso em: 31 maio 2013. 17 Os termos constantes da expressão permitem ao sistema do Tribunal realizar busca mais precisa. Assim, utilizaram-se os operadores “mesmo” e “prox”, que significam, respectivamente, pesquisar no mesmo parágrafo, uma vez que se trata de pesquisa sobre legislação; e procurar palavras próximas em qualquer ordem. 12 competência da União. Em contrapartida, a outra parte alegará que possui competência de natureza concorrente, fundamentando-se no artigo 24. Por essa razão é que os dois dispositivos estão incluídos no termo utilizado para a busca. Contudo, o conflito também pode ocorrer dentro do artigo 24, que trata da competência concorrente, uma vez que sobre tais matérias pode haver atividade legislativa da União assim como dos Estados. Em razão disso, também se fez necessário explorar outro parâmetro de busca, excluindo o artigo 22. Portanto, realizou-se pesquisa aplicando esta expressão: “CF-1988 mesmo ART-00024 prox INC-00009”, também selecionando pelas decisões do plenário da Corte Suprema. Com a primeira expressão, em pesquisa realizada no dia 31 de maio de 2013, foram encontrados 21 acórdãos18, em cuja ementa ou indexação o artigo 22 e 24 estavam presentes, o que poderia indicar que eram casos cuja temática era o conflito de leis sobre educação. Em seguida, foi utilizada a segunda expressão, aquela que excluiu o artigo 22. Com esse parâmetro, o sistema de busca do Tribunal encontrou 25 acórdãos, alguns dos quais – a maioria19 – coincidia com aqueles encontrados pela expressão anterior. Para selecionar apenas as decisões que interessavam à pesquisa, foi necessário excluir as decisões que não condiziam com o objetivo, e que, por algum motivo, foram apontadas pelo sistema de busca. Leu-se a ementa e, se fosse o caso, o inteiro teor do acórdão, para descobrir se a ação era pertinente ou não. Durante a leitura, foram perseguidos os seguintes critérios de seleção: (i) haver conflito de competência legislativa envolvendo educação; (ii) não ter havido incidentes processuais que não permitiram aos ministros emitirem seus entendimentos sobre o tema; (iii) sendo medida cautelar, buscou-se se havia decisão final, que seria incluída em função de seu caráter definitivo; se não, apenas a cautelar integraria o universo de acórdãos da pesquisa. Foram utilizados esses critérios para que fosse possível analisar casos cuja decisão trouxesse ao menos apontamentos sobre as competências legislativas, e como se procede à sua interpretação. Assim, foi relevante selecionar acórdãos nos quais o conflito era visível, ou seja, naqueles em que havia explicitamente referências aos artigos que delineiam as competências legislativas – artigos 22 e 24 ou somente o artigo 24 da Constituição Federal. 18 São eles: ADI 3330/DF, ADI 4167/DF, ADI 4167 MC/DF, ADI 2501/MG, ADI 3525/MT, ADI 2527 MC/DF, ADI 3669/DF, ADI 682/PR, ADI 3098/SP, ADI 3045/DF, ACO 684 QO/MG, ADI 1266/BA, ADI 1991/DF, ADI 1399/SP, ADI 2501 MC/MG, ADI 1991 MC/DF, ADI 578/RS, ADI 1627 MC/DF, ADI 1397 MC/DF, ADI 1266 MC/BA e ADI 1042 MC/DF. 19 Adicionaram-se três acórdãos, além dos já selecionados pelo parâmetro anterior, que são: ADI 2329/AL, ADI 2997/RJ e ADI 2667 MC/DF. O método de seleção dos acórdãos encontra-se adiante. 13 Sobre incidentes processuais, o motivo pelo qual eles não foram considerados se deu em razão da possível ausência de enfrentamento do tema, que está relacionado à interpretação constitucional, seus limites e atribuições. Buscou-se o veredicto final da Corte a respeito do assunto porque as medidas cautelares não são definitivas, de modo que poderão ter menor impacto se compararmos às decisões finais, no que toca à interpretação do alcance e sentido das competências concorrentes. Assim, somente seria incluída a decisão prolatada em medida cautelar caso não tivesse havido a decisão de mérito. A preferência pelas decisões finais se deu pelo fato de que elas fazem coisa julgada, daí advindo seu efeito vinculante e erga omnes (Lei 9.868/99, artigo 28, parágrafo único), que não pode ser alterado nem mesmo por ação rescisória. Portanto, seu aspecto, a priori, imutável, foi tomado como parâmetro para selecionar os julgados que serão objeto deste trabalho. Assim, 16 acórdãos foram, de acordo com esses parâmetros, considerados pertinentes à pesquisa, e fazem, agora, parte do universo a ser analisado. Descartados20 foram aqueles que (i) tratavam de outra matéria que não educação; (ii) não havia decisão final em virtude de um incidente processual, como a vigência de nova lei que tornou a lide sem objeto, questões de ordem ou agravo regimental; ou ainda, (iii) cuidava de decisão em sede cautelar cuja decisão principal, se existisse, foi preferida. A seleção dos acórdãos, contudo, não se restringiu à pesquisa no site do STF. Ocorre que os Ministros, para fundamentar seus votos, trouxeram precedentes da Corte que, no entender deles, seria pertinente ao caso em análise. De acordo com o objetivo da pesquisa, é necessário abarcar os julgados que versem sobre a temática, daí sendo razoável incluir os acórdãos citados, desde que se encaixem no recorte metodológico estabelecido por esta pesquisa21. Portanto, somando-se os 16 acórdãos obtidos com as duas expressões de busca com uma decisão precedente, tem-se o universo de 1722 acórdãos que envolvem conflitos de competência privativa e concorrente, ou somente concorrente, sobre educação. 20 Foram descartados os seguintes acórdãos, cujo motivo de exclusão segue entre parênteses: ADI 4167 MC/DF (preterida por decisão final), ADI 3525/MT (tratava de direito ambiental), ADI 2527 MC/DF (tratava de direito do trabalho), ADI 3045/DF (tratava de direito civil), ACO 864 QO/MG (incidente processual), ADI 2501 MC/MG (preterida por decisão final), ADI 1991 MC/DF (preterida por decisão final), ADI 1266 MC/BA (preterida por decisão final) e ADI 2937/DF (tratava de desporto, que é previsto no mesmo inciso que educação). 21 Dos precedentes citados, apenas a ADI 1007/PE foi considerada pertinente ao objeto de pesquisa. Observou-se que a maioria dos precedentes dizia respeito a questões processuais (legitimidade ativa) e casos sobre educação que não traziam conflitos de competência legislativa. Importante ressalvar que nenhum acórdão citado nessa ação se adequou aos parâmetros da pesquisa, não havendo, aqui, “precedente do precedente”. 22 Fazem parte do objeto de estudo os seguintes acórdãos: ADI 4167/DF, ADI 3330/DF, ADI 2501/MG, ADI 3669/DF, ADI 682/PR, ADI 3098/SP, ADI 1266/BA, ADI 1991/DF, ADI 1399/SP, ADI 578/RS, ADI 1627 MC/DF, ADI 1397 MC/DF, ADI 1042 MC/DF, ADI 2329/AL, ADI 2997/RJ, ADI-MC 2667/DF e ADI 1007/PE. 14 Para facilitar a organização dos dados, optou-se por incluir todas as informações dos acórdãos numa planilha eletrônica, que pode ser acessada por meio deste endereço eletrônico: .

3 Qual a interpretação atribuída pelo STF à repartição de competências sobre educação?

3.1 Antes de partir, considerações necessárias

Num trabalho cujo propósito seja a análise essencialmente empírica, a manipulação dos dados obtidos é, certamente, uma tarefa que exige maior cautela. Deduzir ou formular hipóteses sobre o objeto sem o mínimo de reflexão certamente seria prejudicial ao seu desenvolvimento. Não se trata apenas de expor dados, mas também verificar, criticamente, de que maneira a repartição de competências legislativas interfere no direito à educação. O estudo sobre o tema, contudo, não se esgota aqui. O Poder Judiciário, como se sabe, em virtude do princípio da inércia, somente age quando provocado. Ou seja, é necessário que o legitimado pela lei proponha a ação, demonstre interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido. Preenchidos esses requisitos, é que, em tese, o mérito da demanda proposta poderá ser apreciado pela autoridade judiciária. É por meio desse procedimento burocrático que as demandas chegam ao STF. Em suma, as leis aqui averiguadas não são um reflexo da legislação sobre educação espalhada por todos os entes federados. Para uma visão completa do tema, portanto, relevante se faz estudar sua incidência sobre os demais poderes. Ou melhor, como os órgãos Legislativo e Executivo lidam com essa questão, e de que modo isso poderia influir nas decisões prolatadas pelo Poder Judiciário. Em razão disso, a presente pesquisa poderá apresentar um diagnóstico um tanto quanto limitado, porém sua contribuição não deixa de ser relevante, muito menos inócua. Outra ressalva importante é a de em algumas decisões, a competência concorrente sobre educação, que foi objeto de pesquisa de jurisprudência no site do STF, não parece ser o cerne da questão. A impressão que se teve foi a de que se arguiu a competência concorrente, mas que ela não foi a razão de decidir do Tribunal. Não é possível prever de que maneira a Corte fará uso dos argumentos trazidos pelas partes e por seus membros. Nesse ponto, reafirma-se que a pesquisa busca, essencialmente, a relação entre competências concorrentes e o direito à educação. 15 É com essas considerações e explanações que as decisões serão analisadas. Buscar-seá explorar todos os aspectos dos acórdãos, levando em conta a dificuldade em traçar um ponto de intersecção entre as ações, que, embora versem sobre competência legislativa educacional, tratam algumas vezes sobre casos e perspectivas distintas.

3.2 Sobre o espectro das competências

3.2.1 No plano dos Estados, a competência concorrente

Historicamente, as Constituições brasileiras designaram aos Estados um restrito rol de competências legislativas, conferindo expressamente à União maior âmbito de atuação. Muito embora a Constituição vigente tenha sido promulgada de forma democrática, essa centralização se observa, ainda que as competências dos Estados tenham sido ligeiramente estendidas. É com esse histórico que se levantou a hipótese de que os Estados poderiam vir a ter seu rol de competências alargado pelo STF. Em nove23 dos 17 casos analisados se reconheceu a competência do Estado para criar regras sobre educação, o que corresponde à maioria das decisões (52,94%)24. Contudo, as competências não são da mesma espécie. As competências reconhecidas são (i) concorrente, (ii) de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, e (iii) comum. Desses nove casos, cinco deles (29,41%) é que tratam, de fato, da competência concorrente sobre educação aos Estados, dos quais apenas três citam expressamente a competência suplementar. Apesar disso, não há esforço argumentativo em delimitar qual a abrangência dos termos relativos à competência, seja “norma geral”, “suplementar” ou “educação”, por exemplo. Os Ministros apenas citam o parágrafo segundo do artigo 24, onde está prevista a competência suplementar, alegando ser um caso cuja norma cuida de “especificidades”, embora tenham apontado, em quatro desses casos, a norma federal que a fundamenta. A criação de novas disciplinas no ensino básico (educação artística e língua espanhola), a determinação de adoção de material escolar pelas escolas particulares, a possibilidade de matrícula antecipada e a fixação de limites temporais para cumprimento de norma geral foram consideradas matérias de competência suplementar dos Estados e do Distrito Federal. 23 São as ações: ADI 3669/DF, ADI 682/PR, ADI 1266/BA, ADI 1991/DF, ADI 1399/SP, ADI 578/RS, ADI 1627 MC/DF, ADI 2329/AL e ADI 2997/RJ. 24 Em dois desses casos – ADI 1399/SP e ADI 1627 MC/DF – reconheceu-se também competência da União sobre educação. 16

3.2.2 Competência de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Estadual

É de competência dos Estados, porém de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, normas que versem acerca de prerrogativas funcionais e da disposição dos materiais da escola pública. Três foram os casos cuja decisão pugnou pelo respeito a essa competência. Dois dos casos são recorrentes no Tribunal, pois com base no princípio da gestão democrática do ensino público, previsto no artigo 206, VI, da CF, o Estado interpretou ser possível realizar eleição para preencher os cargos de direção nas escolas públicas. A justificativa é a de que a população próxima à escola poderia participar mais ativamente na prestação do direito à educação, o que auxiliaria, inclusive, na fiscalização das atividades dos servidores. De acordo com os precedentes citados25, os Estados de Santa Catarina, Amazonas e Minas Gerais já tinham disciplinado o assunto, cujas respectivas normas foram declaradas inconstitucionais. Entendeu-se que fora violada prerrogativa do Chefe do Poder Executivo de iniciar projetos de lei, e que não haveria, em verdade, gestão democrática do ensino, mas sim efeitos deletérios à educação. Apesar de aparentemente haver consolidação da jurisprudência da Corte, os votos do Ministro Marco Aurélio, contrários à maioria, são uma constante. Em todas as ocasiões, o Ministro asseverou que as leis homenageiam a regra do artigo 206, e que estariam a consagrar o princípio federalista, ao permitir a autonomia dos Estados na prestação de seus serviços. Por conseguinte, identifica a competência concorrente nesse âmbito, sem, contudo, determinar qual seu alcance e sua espécie. Outro caso no qual a competência do Chefe do Poder Executivo havia sido violada, cuidou de determinar que os editores de jornais deveriam enviar, semanalmente, até dois exemplares de jornais às escolas públicas, e que as escolas privadas deveriam adquirir até quatro exemplares por semana. Para se adaptar às novas regras, a Secretaria de Educação deveria criar, dentro de 90 dias, equipe para treinar os professores, e que seria aberto crédito suplementar em favor das escolas públicas para aquisição dos jornais. A decisão final determinou que a lei não respeitou a prerrogativa de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, que detém a discricionariedade para prover os cargos da administração pública. 25 Os precedentes citados foram ADI 123/SC, ADI 490/AM, ADI 573/SC e ADI 640/MG. Ressalva-se que grande parte deles não foi acrescido ao universo de acórdãos por não se adequar aos critérios metodológicos. Para mais informações, ver a seção 2, “Metodologia: como alcançar o objetivo?”. 17 Nesse sentido, a educação, por se tratar de um direito que exige uma ação do Estado, requer maior atividade do Executivo, que é o órgão competente para executar as ações e planos educacionais. A maneira como os cargos da escola pública serão providos e de que modo os objetivos delineados na LDB serão postos em prática ficam, invariavelmente, sob a incumbência do Poder Executivo. Isso porque dizem respeito à gestão da administração pública, seu orçamento e às suas prerrogativas constitucionais. Por outro lado, o Poder Legislativo dos âmbitos estaduais e distrital não terão aptidão para dispor sobre esses assuntos, nem mesmo sobre diretrizes e bases da educação, por ser de competência da União. Sob essa perspectiva, sua margem de atuação legislativa é ainda mais restrita, o que demanda maior rigor de sua função fiscalizatória.

3.2.3 A competência comum

Na esteira do que foi decidido em outras ações que criaram novas disciplinas na educação básica, é que a ADI 1991/DF foi julgada parcialmente procedente. O argumento da constitucionalidade, no entanto, foi diverso, pois não se aplicou a competência concorrente. A norma impugnada incluiu, nos currículos do primeiro e segundo graus da rede pública do Distrito Federal, a disciplina “Formação para o Trânsito” e, em razão disso, considerou-se que a lei está em consonância com a competência comum a todos os entes da Federação para “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito” (CF, artigo 23, XII). Além de criar nova disciplina, a norma determinou que os alunos do último ano do Ensino Médio, se aprovados, estariam dispensados do exame teórico para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação. Por violar a competência privativa da União para tratar de trânsito e transporte (CF, artigo 22, XI), essa parte da lei foi declarada inconstitucional. Com esse caso, a conclusão de que os Estados podem incluir novas disciplinas nos planos de ensino é reforçada, ainda que nem sempre encontre amparo na competência concorrente. Levando esse argumento ao extremo, até mesmo o Município poderia criar novas disciplinas, de acordo com as matérias previstas no rol da competência comum (CF, artigo 23).

3.2.4 A União e suas competências privativa e geral

Segundo José Afonso da Silva (2012, p. 503), a Constituição foi redundante ao atribuir à União competência privativa e concorrente geral para regular a educação, pois no fundo seriam a mesma coisa. A afirmação procede na interpretação do STF. Com exceção de uma 18 decisão – na qual se arguiu apenas a competência concorrente geral (ADI 2667 MC/DF) –, nas demais, as competências privativa e concorrente são vistas como algo único, indissociável, pertencente ao rol legislativo da União. Em dez casos26 reconheceu-se a competência da União para cuidar da educação, ainda que em dois deles (ADI 1399/SP e ADI 1627 MC/DF) a competência do Estado também tenha sido reconhecida27. Chama a atenção o fato de que quatro desses acórdãos possuíam, como objeto, norma editada pela União – todas que compõem o universo da pesquisa. Elas cuidavam, basicamente, de promover alterações na LDB, destinar recursos à educação, criar programas de ação afirmativa, como o Prouni, e fixar piso salarial nacional para o magistério da Educação Básica. Em verdade, remediavam antigas reivindicações de amplo acesso a todos os níveis educacionais e de valorização do magistério por meio de aumento de salário. Uniformizar a disciplina desses temas por meio de lei federal é algo positivo, de acordo com o entendimento da Corte, já que colaborariam para atender aos objetivos constitucionais da educação. De todo modo, a União tem suas normas questionadas quando cria programas dessa magnitude, embora as decisões atestem sua competência legislativa. Além desses casos, fixou-se como matéria sujeita à competência da União – privativa ou concorrente geral – aquelas que (i) almejaram criar Conselhos Estaduais de Educação, nos moldes dos Conselhos Federais, que são ligados ao Ministério da Educação, para reconhecer cursos ou supervisionar o ensino; e (ii) criaram regras que contrariavam a LDB. A Corte determinou serem essas competências da União, e que o Estado não possui margem para determinar atribuições aos Conselhos Estaduais que já estivessem na órbita dos Conselhos Federais. Quanto às regras que contrariavam a LDB, procurou-se (i) usurpar a fixação da carga horária prevista no artigo 24, I28, da LDB, ao determinar que os estabelecimentos de ensino deveriam emitir certificado de conclusão de curso ao aluno do terceiro ano do Ensino Médio, que comprovasse ter logrado êxito em exame vestibular (ADI 2667 MC/DF); e (ii) exigir professor especialista para ministrar aulas de artes, o que somente poderia ser instituído por meio de lei federal (ADI 1399/SP). 26 São as ações: ADI 4167/DF, ADI 3330/DF, ADI 2501/MG, ADI 3098/SP, ADI 1399/SP, ADI 1627 MC/DF, ADI 1397 MC/DF, ADI 1042 /DF, ADI 1007/PE e ADI 2667 MC/DF. 27 Vide nota de rodapé 23. 28 “Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver; [...]”. 19 Em duas ações, apesar reconhecida a competência da União, determinou-se que as leis adentraram no campo do direito civil, que não encontra correspondente, com mesmo conteúdo semântico, no rol das competências concorrentes. Trata-se de normas que criaram regras no âmbito dos contratos escolares, firmados entre responsáveis pelo educando e escola particular. Com a finalidade de atribuir segurança aos contratos, estabelecendo prazo de vencimento (ADI 1007/PE) ou determinando descontos e condições de pagamento para as anuidades escolares (ADI 1042/DF), os Estados invadem competência federal. Assim o fazem sob o pretexto de criar regras protetivas, mais específicas, a um contrato cujo objeto cuida de prover a educação. Sob a ótica da proteção do consumidor e garantia do ensino, foi que os Ministros que tiveram votos vencidos – Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Celso de Mello – se conduziram na ADI 1007/PE. Eles interpretaram que a fixação de prazo para pagamento da mensalidade escolar estaria inserida na competência concorrente do Estado (CF, artigo 24, V e IX). Além disso, a lei promoveria a eficácia do direito à educação, previsto especialmente nos artigos 6o e 205 e seguintes da Constituição. Mesmo com posicionamentos diversos, o entendimento majoritário da Corte é o de que essas questões são relativas ao direito civil, e de que não há peculiaridades nos contratos educacionais que permitam a competência estadual suplementar.

3.3 Federação como discurso de domingo

O Ministro Gilmar Mendes afirma, em voto prolatado na ADI 4167/DF, que “ [...] entre nós, o discurso federativo é predominantemente um ‘discurso de domingo’; [...] Falamos em favor da Federação aos domingos e, durante a semana, trabalhamos contra a Federação” (p. 73). Com o intuito de desenvolver os aspectos e complexidades do federalismo, os Ministros, em alguns votos, procuraram conferir maior autonomia aos Estados, ante o “novo federalismo” construído pela atual Constituição. Essas elucidações estiveram presentes em sete29 dos 17 casos, o que equivale a 41,17% do universo analisado. Como exposto anteriormente, essa pesquisa não se propõe a responder se a centralização legislativa nas mãos da União é, por si só, prejudicial à autonomia dos Estados. 29 São as ações: ADI 4167/DF, ADI 2501/MG, ADI 3669/DF, ADI 682/PR, ADI 1266/BA, ADI 1399/SP e ADI 578/RS. 20 Contudo, os acórdãos mostram que a Corte se esforça em ampliar o restrito rol de competências designado aos Estados e Distrito Federal. Em virtude dessa possível consequência e da frequência com que essas explanações vinham sendo feitas, é que elas devem ser consideradas neste trabalho. Assim, quanto maior a autonomia, mais entes poderão legislar sobre educação. Não é possível aferir, a priori, se a ausência de uniformização acerca de algumas matérias educacionais seria benéfica à evolução do direito à educação. No caso que abre essa subseção, questionou-se lei federal que criou o piso salarial nacional do magistério público e determinou que, da jornada de trabalho do professor, 2/3 deveria ser destinado a atividades de interação com os alunos. Os requerentes, Governadores dos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, alegaram que a lei descia a minúcias, ferindo suas competências estaduais. O Ministro Joaquim Barbosa, relator, asseverou que as competências dos Estados não foram restringidas ou violadas, posto que, considerando ser a norma de competência concorrente geral, a esses entes haveria ainda a competência suplementar. De modo contrário, o Ministro Gilmar Mendes consignou: E se não há uma cautela, um policiamento no que diz respeito à fixação do conceito de normas gerais, obviamente que este âmbito é passível de uma usurpação permanente, de um certo esvaziamento por conta do movimento sociopolítico, natural que se estruture aqui, que as próprias corporações busquem, no plano da União, no Congresso Nacional, uma disciplina que universalize as suas pretensões. (p. 80) Essa preocupação, por vezes vem relacionada com o período autoritário da ditadura militar de 1964, como exposto pelo Ministro Menezes Direito, na ADI 2501/MG (p. 105), que destituiu do Conselho Estadual algumas atribuições que lhe foram conferidas. Tenho manifestado, e a Corte sabe disso, o meu maior interesse, e o Ministro Marco Aurélio sabe também da minha posição na Turma, em relação a ampliar a autonomia dos Estados, considerando que a Constituição de 1988 marcou um passo completamente novo em matéria de federação brasileira. Nós tivemos uma Federação mitigada por um sistema autoritário de compreensão da realidade nacional, e a Constituição de 1988 restabeleceu esse conceito mais forte da Federação, como de resto já vinham destacando, nesta Corte, os eminentes Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. No caso da educação nacional, também entendo que se deva fortalecer o papel dos conselhos estaduais da educação, mas não no que concerne à autorização, criação e reconhecimento de cursos superiores, porque isto está dentro das diretrizes e bases da educação nacional, matéria que é reservada, claramente, à competência Federal. 21 Acerca da competência educacional, propriamente, há Ministros que defendem maior autonomia, no que diz respeito à criação de novas disciplinas e disposição dos cargos de direção escolar. Casos em que, como visto, declarou-se a constitucionalidade da lei, atestando a existência de competência ao Estado – seja legislativa ou afeta à prerrogativa do Chefe do Executivo local para iniciar projetos de lei. O trecho do voto do Ministro Maurício Corrêa, abaixo, elucida essa argumentação. Também não se poderia afastar da competência concorrente do Estado (CF, artigo 24, IX) a faculdade de dispor sobre o número de horas/aulas semanais em que tal ou qual matéria deverá ser ministrada. Esse rigor atentaria, de fato, contra a estrutura político-administrativa da República, que, conforme previsto na Constituição, supõe autonomia dos Estados-Membros. [Min. Maurício Corrêa, na ADI 1399/SP, p. 34, cuja lei tornou obrigatória a disciplina “Educação Artística” para o primeiro e segundo graus.] Muito embora haja o reconhecimento, por parte da Corte, da relevância de se discutir o arranjo federalista, não há preocupação no que diz respeito à interpretação das competências, ponto central do Federalismo brasileiro. A fixação de parâmetros aos termos “geral” e “suplementar”, por exemplo, mostrou-se deficiente. Tal é necessário para a conformação das competências de acordo com o ente federado, para evitar situações desiguais entre eles. Considerando o número de acórdãos analisados, a impressão que se teve é a de que a descentralização é positiva para a democracia, e que a centralização estaria associada ao autoritarismo. Parte-se de uma concepção binária, que compreende centralização/antidemocrático versus descentralização/democrático.

4 Considerações finais

Segundo a LDB, a Educação Nacional deve ser organizada mediante regime de colaboração entre os entes da Federação. A União tem a incumbência de traçar o plano, definir as principais metas e executá-las, enquanto aos demais entes – Estado, Distrito Federal e Municípios – cabe implementá-las em suas respectivas circunscrições. Essa disposição consagra o federalismo cooperativo, querido pela Constituição na prestação de direitos sociais. As decisões do STF seguem a mesma perspectiva. Não há descentralização propriamente no campo da regulação educacional (vide tabela abaixo). À União cabe delimitar as regras gerais, criar programas inclusivos em nível nacional, dispor sobre a carga horária, exigir que o professor tenha formação específica, valorizar o magistério definindo seu 22 piso salarial, além de dispor sobre as atribuições dos órgãos do Ministério da Educação, como o Conselho de Educação Nacional. Trata-se de circunstâncias nas quais a uniformização deve ser perseguida; e a desvirtuação, coibida. Não parece razoável, de acordo com o entendimento da Corte, que o Estado fixe salário aos professores abaixo do quantum determinado pela lei federal, ou que atribua funções a seu Conselho de Educação local que conflitem com as do Conselho de Educação Nacional. Por outro lado, os Estados possuem margem legislativa para além das diretrizes postas pela União. A criação de novas disciplinas no plano de ensino e a criação de programas que auxiliem no processo educacional se inserem em sua competência. Em outras palavras, as decisões do STF apontam que, se há disposição do ente em oferecer maior prestação do direito à educação, será essa admitida e bem-vinda. É nesse sentido, também, que a carga horária anual de aulas não pode ser diminuída pelo Estado, já que se trata de competência da União. A educação é um direito prestacional, e, por isso, quanto mais prestação, melhor. Cuida-se de uma lógica quantitativa. Inclusive, ainda na esteira da criação e aumento da prestação do direito, é possível que todos os entes da Federação, com base em sua competência comum (CF, artigo 23), criem disciplina voltada à educação para o trânsito. Foi assim que o STF decidiu em caso envolvendo lei distrital. Embora a competência concorrente não tenha sido objeto dos votos vencedores, a Corte optou, ao utilizar como fundamento a competência comum, por alargar essa disposição, atribuindo-a também aos Municípios. Outro fator que chama a atenção diz respeito à competência do Chefe do Executivo Estadual de iniciar o projeto de lei. Utilizado como razão de decidir em dois casos, o que dispunha sobre a eleição de diretores escolares e criação de programas de leitura de jornais em sala, o fundamento é o de que ele se insere na prerrogativa do Governador, já que incidiu na disposição dos cargos públicos e aumento de despesas. Em verdade, esses assuntos somente poderão vir a ser regulados por deliberação política do Governador. Assim, apesar do restrito rol de competências dos Estados, algumas matérias, principalmente aquelas voltadas à rede pública de ensino, dependem exclusivamente do Governador para serem reguladas e executadas. Portanto, a execução de um direito prestacional se subordina à discricionariedade do Poder Executivo, que é o órgão competente para provê-las. 23 COMPETÊNCIA EDUCACIONAL Diretrizes e bases da educação Dispor sobre as atribuições do Conselho de Educação Nacional Dispor sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério Piso salarial nacional aos professores do Ensino Básico Criação de política pública voltada à ação afirmativa (Prouni) Privativa/Concorrente Geral Exigir que o professor tenha formação específica UNIÃO Concorrente Geral Dispor sobre a carga horária anual Criar disciplinas para o Ensino Básico Prazo para cumprir planos previstos em Lei Federal Admitir o ingresso de alunos no Ensino Fundamental abaixo da idade exigida pela LDB Suplementar Adoção de material escolar e de livros didáticos para estabelecimentos particulares de ensino Eleição de diretores escolares ESTADO Iniciativa do Governador Criar programas de leitura de jornais em sala de aula COMUM Criar disciplina de educação para a segurança do trânsito Havendo certa delimitação, com fulcro no federalismo cooperativo, sobre o que é de competência do Estado e o que é da União, não há, todavia, aprofundamento nos votos da Corte acerca dos limites das competências. As decisões parecem se construir intuitivamente, e os parâmetros constitucionais disponíveis – artigos que tratam das competências – não são avaliados em sua completude, isto é, não se construiu entendimento uniforme que balizasse a interpretação dos termos “geral”, “suplementar” e “ensino”. Isso pode ser considerado necessário, na medida em que evita a existência de casos com mesmo objeto cujas decisões sejam díspares, evitando tratamento desigual entre entes da Federação. De todo modo, não houve neste trabalho casos que apontassem para tratamento diverso aos entes. Resta saber se os parâmetros a serem fixados pelo STF sobre educação podem ser aplicados a outras competências. Como elas compõem um sistema, ponto cerne do federalismo brasileiro, traçar seus contornos e limites torna-se algo premente. Além do que, as intepretações conferidas a outras competências podem ter reflexos na apreciação de casos envolvendo a competência educacional. Muito ainda há que ser debatido sobre educação e sua regulação no Brasil. Seus problemas constituem entraves para o desenvolvimento do país. Há desafios no plano das leis e no plano prático. E é com sua consecução que se evita a dominação daquele que tem mais oportunidades sobre aqueles que nada têm. Em verdade, se a função do Direito é distribuir justiça, é preciso, sem dúvida alguma, começar pela educação. Esse é o ponto de partida. 24

5 Referências

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