A LAVAGEM DE DINHEIRO E A TUTELA PENAL DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

A LAVAGEM DE DINHEIRO E A TUTELA PENAL DO

SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

Muito comum, no inconsciente coletivo ocidental, o estabelecimento de uma presunção absoluta de idoneidade a quem ostente uma posição de vantagem sob o ponto de vista patrimonial, porquanto é apontado como um “vencedor” no campo da “luta pela vida”, caracterizado pela concorrência. Recorde-se com Eros Roberto Grau que “a concepção antropológica liberal, que dá origem à afirmação dos direitos individuais, só vê o homem na sua individualidade e personalidade. O indivíduo, assim, é concebido apartado da sociedade e dos outros indivíduos. É ao homem inimigo do homem, o homem que está a competir com o outro, que se dirige o art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: ‘a liberdade consiste em fazer tudo o que não prejudique outrem(...)’. E a segurança do homem, afirmava a Constituição francesa de 1793, no seu art. 8º, ‘consiste na proteção concedida pela sociedade a cada um de seus membros para a conservação da sua pessoa, dos seus direitos e da sua propriedade’ (grifei). Cuida-se de homens que se movem pelo egoísmo, independentes, apolíticos” [O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 126]. Por outras palavras, pela concepção puramente liberal, se a prática do crime seria, efetivamente, prejudicial, o mesmo não caberia dizer do aproveitamento do produto do crime, porquanto aqui o indivíduo, no exercício da sua liberdade, da sua autonomia da vontade, mais não estaria a fazer do que empregar os bens em atividades lícitas, contribuindo, antes, para a prosperidade geral. O Desembargador Irineu Mariani, indiscutivelmente um dos mais sinceros defensores da lex mercatoria, também se refere à utilização do dinheiro obtido de modo inconfessável para fins aparentemente normais, lícitos: “sabe-se que vários traficantes financiam equipes de futebol e distribuem dinheiro entre os pobres, assim como o próprio Escobar chegou a construir casas populares com o seu nome, tudo para serem alvo da simpatia e adesão do povo, como homens bons e generosos” [Maconha – as portas da decepção. Porto Alegre: Sinal Comunicações, 1992, p. 135]. Esta preocupação cresce, num momento em que, em nome da inserção na globalização, vem tomando corpo um discurso de plena liberação do poder econômico privado de quaisquer limites ao seu absolutismo que não sejam os decorrentes das convenções entre particulares. Bem recorda o Professor Washington Peluso Albino de Souza: “com a chamada ‘economia de escala’, ‘economia de massa’, ‘economia de consumo’, novos expedientes se aperfeiçoaram. Passaram a projetar a economia em âmbito social, mais amplo do que o da empresa unitária. Empresas aplicadas a ramos tão diferentes entre si, como frigoríficos, mineração, siderurgia e tecidos, por exemplo, aliam-se, integrando-se com bancos, sociedades financeiras, empresas de propaganda, supermercados, sociedades de importação e exportação, e o que mais se possa imaginar. Formam uma espécie de ‘mundo econômico próprio’, sui generis, que praticamente acaba por absorver as atividades de todas elas, ou por conduzi-las aos pontos finais de atividades que carreiam os resultados das transações em benefício de cada uma das componentes deste todo. São os conglomerados, grandemente atuantes e muito freqüentes. Como tradução destas novas conquistas no terreno da concorrência privada, o próprio mundo passa a funcionar como um mercado, ultrapassadas as fronteiras nacionais. Em lugar das empresas nacionais e empresas estrangeiras em relação a cada país, surgiram as empresas multinacionais, por sua vez, geralmente componentes de grandes conglomerados e que atuam nas economias internas, como nacionais em cada país, porém obedecendo a orientação acima dos mesmos, além de apresentarem dimensões capazes de lhes impor o seu poder de modo irretorquível. Sendo multinacionais ou transnacionais, conseguem como maior facilidade dominar o próprio direito nacional de cada país, desafiando o jurista, em contrapartida, a encontrar soluções para o controle desse poder econômico privado, que chega a sobrepor-se ao próprio poder econômico público nas diferentes nações em que se situam” [Primeiras linhas de Direito Econômico. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 246-247]. Os denominados “criminosos do colarinho branco” não correspondem, geralmente, ao estereótipo de periculosidade, consoante fizemos notar em escritos anteriores [Sonegação fiscal e abuso do poder econômico. In: http://www.fbde.org.br/sonegacao.html, acessado em 12 de abril de 2003, e Elisão tributária: liberdade de iniciativa e abuso do poder econômico. In: http://www.fbde.org.br/elisao.html, acessado em 18 de abril de 2003]. Entretanto, a razão de se estabelecer a tutela penal, no que tange ao sistema financeiro nacional, é dada por Ela Wiecko Volkmer de Castilho: “na comparação entre as ordens jurídicas de 1964 e 1988, ressalta, na segunda, a importância do sistema financeiro nacional como um dos instrumentos de intervenção estatal nas atividades econômicas” [O controle penal nos crimes contra o sistema financeiro nacional. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 95]. A relevância deste papel do sistema financeiro – que conduziu, inclusive, à nacionalização, em Portugal, pela Revolução dos Cravos, deste setor – faz com que sua credibilidade tenha de ser preservada e que, portanto, os crimes contra este sejam considerados voltados, antes e acima de tudo, à preservação desta credibilidade. Aqui não vamos versar propriamente os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, mas sim a criminalização do aproveitamento do respectivo resultado patrimonial. É que a Lei 9.613, de 1998, tipifica, no seu artigo 1º, como “lavagem de dinheiro” as condutas de ocultar ou dissimular a natureza, a origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes dos crimes que especifica nos seus incisos. Dentre eles, os “crimes contra o sistema financeiro nacional”, no inciso VI. Juliana Faria Pamplona assim explica a entrada em vigor da Lei 9.613, de 1998: “Visto que a globalização do capitalismo tem permitido a inserção de ativos financeiros provenientes de atividades ilícitas no âmbito das economias nacionais, muitas vezes a origem destes capitais acaba sendo encoberta por uma aparência de legalidade. Cada vez mais tem havido a inserção, nos setores regulares da economia, de bens, direitos ou valores provenientes de práticas criminosas, de modo a ocultar-lhes a origem ilícita” [Aspectos gerais para a discussão de políticas internacionais de segurança pública. Lavagem de dinheiro e internacionalização de capitais. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2197. Acesso em: 18 abr. 2003]. Cláudia Fernandes dos Santos, por sua vez, explica a relevância que assume, nos tempos hodiernos, a lavagem de dinheiro: “Com o crescimento do mercado econômico mundial o crime de lavagem de dinheiro tomou uma dimensão gigantesca tornando-se uma preocupação mundial e fazendo surgir uma neocriminalização de cunho internacional, uma vez que a maioria dos autores deste delito são organizações criminosas que, com o delito de lavagem de dinheiro, conseguem dar uma aparência legal ao produto ilícito para refinanciarem novas atividades criminosas. Os crimes graves tomam dimensões mundiais e, seus autores, através do delito de lavagem de dinheiro, adquirem um poder econômico convertendo-se em exponencial, fazendo com que economias inteiras caiam sob seu controle ao mesmo tempo em que patrocinam crimes graves com financiamentos de aparência lícita.” [Lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3838>. Acesso em: 18 abr. 2003]. A revelia dos agentes que sejam citados por edital, se não impõe a suspensão da prescrição, não impõe, tampouco, a suspensão do processo [Lei 9.013, de 1998, artigo 2º, § 2º], cabendo, entretanto, a aplicação do parágrafo único do artigo 396 do Código de Processo Penal, ou seja, a nomeação de defensor dativo, com a concessão de prazo para a defesa. Os crimes nela referidos não são suscetíveis de fiança nem de liberdade provisória [Lei 9.613, de 1998, artigo 3º], justamente considerando que as condutas nela descritas são perpetradas, normalmente, por quem detém considerável poder econômico e que, portanto, a possibilidade de fiança teria como corolário o comprometimento da efetividade da repressão a este modo de assegurar o êxito das práticas delitivas descritas no artigo 1º desta Lei. Os recursos provenientes da prática de um simples estelionato, do artigo 171 do Código Penal, não estão sob a incidência da Lei 9.613/98, mas os provenientes da indução do sócio, investidor ou repartição pública competente ao erro atraem plenamente a incidência desta lei, já que dizem respeito ao delito previsto no artigo 6º da Lei 7.492, de 1986. Recorde-se, com Manoel Pedro Pimentel, que “o crime de estelionato requisita, como resultado, que o agente obtenha vantagem ilícita, em prejuízo alheio, enquanto que a figura examinada neste comentário não faz qualquer referência a este resultado” [Crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 63]. Assim também o artigo 7º da Lei 7.492, de 1986, com relação aos recursos provenientes da negociação de títulos ou valores mobiliários falsos ou falsificados, sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados, sem lastro ou sem garantia suficiente, nos termos do que exige a legislação, ou sem autorização prévia da autoridade competente, quando exigida. Na modalidade emitir não incidiria, porquanto nesta não se coloca, ainda, o resultado: este somente vem após a negociação. Entretanto, na modalidade oferecer se verificaria a incidência do dispositivo em questão, porque quem recebesse os valores seria o sujeito ativo do delito previsto nesta lei. A exigência, em desacordo com a legislação, de juro, comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários – artigo 8º da Lei 7.492, de 1986 – acarreta, no que diz respeito aos bens, direitos e valores daí resultantes, a incidência da Lei 9.613/98. Os crimes previstos nos artigos 9º e 10º - modalidades de falsidade ideológica –, quando de sua prática advier benefício patrimonial, o beneficiário será sujeito ativo do crime previsto na Lei 9.613/98. O artigo 9º da Lei 7.492, de 1986, criminaliza a conduta de fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir em documento comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa daquela que deveria constar. Já o tipo do artigo 10 da mesma lei refere-se à inserção de elemento falso ou de omissão de elemento exigido pela legislação em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários. Os recursos advindos de movimentação realizada paralelamente à contabilidade – crime descrito no artigo 11 da Lei 7.492, de 1986 – também atraem a incidência da Lei 9.613/98. Também somente quando haja benefício patrimonial decorrente da omissão do dever do ex-administrador de instituição financeira ao interventor, liquidante ou síndico as informações, declarações ou documentos de sua responsabilidade – artigo 12 da Lei 7.492/86 - caberia falar na incidência da Lei 9.613/98. A utilização ou disposição do bem que, a despeito da indisponibilidade legal decorrente de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência, tenha sido desviado, com infração ao artigo 13 da Lei 7.492, de 1986, também atrai a incidência da Lei 9.613, de 1998. As operações sobre bens que sejam alcançados em razão da falsa declaração de crédito ou falsa reclamação que se apresente em liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira – artigo 14 da Lei 7.492, de 1986 – estão sob a incidência da Lei 9.613, de 1998. A Lei 9.613, de 1998, na hipótese de manifestação falsa do interventor, do liquidante ou do síndico acerca de assunto relativo a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira – artigo 15 da Lei 7.492, de 1986 -, somente atingirá os que forem patrimonialmente beneficiados pela operação. A Lei 9.613, de 1998 volta-se, também, aos proveitos decorrentes de fazer operar, sem a devida autorização ou obtida mediante autorização falsa, instituição financeira, inclusive as de distribuição de valores mobiliários e de câmbio – artigo 16 da Lei 7.492, de 1986 -. Ela Wiecko Volkmer de Castilho oferta, outrossim, a razão de ser da criminalização desta conduta: “a prodigalidade na concessão de cartas-patente e o próprio modelo de especialização aumentaram o custo do sistema, e o governo deu início a uma política de estímulos à conglomeração financeira, mediante fusões e incorporações bancárias e de incentivos à capitalização das empresas. Ao intermediar a venda de cartas-patente, o governo utilizou-se de recursos públicos que premiaram gestões ineptas e até fraudulentas” [op. cit. p. 102]. As operações realizadas com quem tome ou receba empréstimo com infração ao artigo 17 da Lei 7.492, de 1986 – que proíbe expressamente tal operação ao controlador e aos administradores da instituição financeira que o conceda, englobados neste conceito os diretores, gerentes, interventor, liquidante e síndico bem como a seus parentes colaterais até o segundo grau, ascendentes, descendentes, cônjuges ou a sociedade controlada por qualquer uma das pessoas impedidas – estão também abrangidas pela Lei 9.613, de 1998. Também se tem como incriminada pela Lei 9.613, de 1998, a conduta de realizar operações com recursos decorrentes de obtenção fraudulenta de empréstimo junto a instituição financeira – artigo 19 da Lei 7.492, de 1986 -, bem como a de participar de operação que implique aplicação dos valores obtidos de empréstimo bancário em finalidade diversa daquela prevista em lei ou contrato – artigo 20 da Lei 7.492, de 1986 -. A realização de operação de câmbio decorrente da auto-atribuição ou atribuição a terceiro de identidade falsa também recai sob a égide da Lei 9.613/98. Também assim as operações que nasçam da realização de operação de câmbio não autorizada, de que resulte a evasão de divisas recaem sob a égide da Lei 9.613, de 1998. Quanto a este tema, é interessante verificar a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSO PENAL - SONEGAÇÃO FISCAL - FORMAÇÃO DE QUADRILHA - EVASÃO DE DIVISAS - LAVAGEM DE DINHEIRO - FALSIDADE DOCUMENTAL - AMEAÇA - DESACATO - PRISÃO PREVENTIVA - NECESSIDADE. - Pela leitura da imputação fática que recai sobre o paciente, bem como pela decisão que determinou sua segregação cautelar, observa-se que, além da magnitude da lesão causada – diga-se de passagem que é extremada –, o magistrado local lastreou-se em outras circunstâncias que, a meu sentir, reforçam a necessidade de sua manutenção sob cárcere. Com efeito, a materialidade e indícios de autoria, como ressaltado, encontram-se incontroversos. O acusado responde a diversas ações penais, sendo que três processos e um inquérito foram perpetrados após a revogação de um outro decreto de prisão preventiva que pesava sobre si, o que demonstra a sua inclinação para a prática delituosa. Ressalte-se, ainda, que uma das testemunhas arroladas pela defesa, Sandra Terezinha Mielczarski, cujo depoimento é essencial para o deslinde do processo, simplesmente desapareceu após ter prestado declarações para os Auditores Fiscais de Porto Alegre afirmando que jamais outorgou procurações ao representado. Segundo depoimento do tabelião do 5º Ofício de notas desta capital, a referida testemunha, ao proceder à retratação em cartório fazia-se acompanhar do acusado, não podendo ser outra a conclusão, como salientado pelo acórdão guerreado, de que o paciente pode estar ocultando o seu paradeiro. - Afora todas as circunstâncias aqui expostas, acrescente-se que consta, ainda, dos autos que o paciente coagiu e proferiu ameaças a auditores fiscais, atribuindo-lhes também práticas criminosas, além de suscitar suspeições de membros do Ministério Público e da Magistratura. A decisão guerreada ressalta, ainda, que o paciente possui imóveis e inscrição na previdência social americana, o que poderia levá-lo, se colocado em liberdade, a evadir-se do país. - A prisão cautelar, no caso, levou em consideração não só a repercussão do crime, mas, também, os pressupostos do art. 312, do Código de Processo Penal. Deste modo, com fundamento no art. 30, da Lei nº 7.492/86 (magnitude da lesão) e art. 312, do CPP, foi decretada a constrição cautelar do paciente” [Habeas Corpus – 13620/PR. Relator: Min. Jorge Scartezzini. Data da decisão: 05/06/2001 RSTJ 156:433]. Também se mostra digna de nota esta decisão, em que a evasão de divisas se mostrava como meio para assegurar a lavagem do dinheiro obtido em razão de peculato: “CRIMINAL. HC. PECULATO. LAVAGEM DE DINHEIRO. EVASÃO DE DIVISAS. NULIDADES. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EQUIPARAÇÃO. ENTENDIMENTO ANTERIOR À LEI 9.983/2000. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAMENTE VALORADAS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. MAJORANTE DA "HABITUALIDADE" APLICADA AO DELITO DE LAVAGEM DE CAPITAIS. REITERAÇÃO DE CONDUTAS CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. São considerados funcionários públicos para efeitos penais os empregados de sociedade de economia mista, entendimento esposado pela jurisprudência pretoriana mesmo antes do advento da Lei n.º 9.983/2000, que inseriu no Código Penal a referida equiparação. Precedentes. Não há ilegalidade na dosimetria da pena, no que se refere à majoração da pena-base, se esta se deu de maneira devidamente fundamentada e com base em relevantes circunstâncias judiciais negativamente valoradas. É imprópria a alegação de deficiência na fixação da reprimenda, se a mesma foi correta e fundamentadamente dosada, atendendo aos moldes do sistema trifásico de aplicação da pena e da jurisprudência dominante. O posicionamento desta Corte é no sentido de que é descabida qualquer análise mais acurada da dosimetria da reprimenda imposta nas instâncias inferiores, assim como a verificação da sua justiça, se não evidenciada flagrante ilegalidade, tendo em vista a impropriedade do meio eleito. Não há que se falar em bis in idem na aplicação da pena-base se, para a sua majoração, o Julgador monocrático procedeu ao correto exame das circunstâncias judiciais, destacando as que foram reputadas favoráveis ao paciente, e considerando as peculiaridades concretas dos delitos pelos quais foi condenado em questão, tais como o objetivo de lucro fácil e enriquecimento ilícito, aspectos caracterizadores das referidas práticas criminosas e que não são inerentes ao tipo penal. Evidenciado que o paciente investia na prática delituosa de lavagem de capitais de forma reiterada e freqüente, não há que se falar em constrangimento ilegal decorrente do aumento da reprimenda em razão da majorante da habitualidade. Ordem denegada” [Habeas Corpus – 19902/RS Quinta Turma Relator: Min. Gilson Dipp . Data da decisão: 17/12/2002 DJU 10 mar 2003 p. 256]. “Por que a fastidiosa enumeração?”, perguntar-se-á. Simplesmente porque se deve ter em vista que a lei em questão veio, antes, para deixar expresso ser reprovável pelo ordenamento jurídico o aumento de patrimônio decorrente de crime e que, portanto, a posição de vantagem mercadológica que o agente econômico venha a ocupar em razão das operações previstas nesta lei será considerada como desprovida de causa juridicamente aceitável [CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. A “lavagem de dinheiro” e o problema da igualdade dos agentes econômicos. In: http://www.fbde.org.br/lavagem.html, acessado em 18 de abril de 2003]. Daí por que se mostra extremamente necessário, especialmente em se tratando das operações destinadas à lavagem de recursos obtidos pela prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, fazer uma investigação extremamente minuciosa, mesmo que aqueles não sejam, efetivamente, objeto de persecução penal. Confira-se, a este respeito, o que asserido pelo Superior Tribunal de Justiça: “I. Para fins de justificação da competência, tem-se como prematuro o exame de eventual conexão objetiva entre a ação penal já em andamento na Justiça Federal, que apura as condutas noticiadas na CPI dos Precatórios, e os fatos a serem investigados no inquérito policial requisitado pelo Juízo Estadual, relativos à existência de grandes quantias de dinheiro em Jersey, tendo em vista a precariedade de elementos para se afirmar que uma (ou algumas) das possíveis infrações a serem investigadas, tenha (m) sido cometida (s) com a intenção de facilitar ou ocultar outra (s), ou visando a eventual impunidade ou vantagem em tal relacionamento. II. A competência deve ser verificada pelos fatos até o momento tidos como delituosos, relacionados à existência, em tese, de grandes quantias no exterior, pertencentes a brasileiros domiciliados no País, sem declaração à Receita Federal do Brasil, que podem configurar, em tese, delito contra a Ordem Econômica e/ou contra o Sistema Financeiro Nacional, seja pela eventual caracterização de evasão fiscal e/ou lavagem de dinheiro – o que depende da devida instrução processual. III. Estando em jogo, em princípio, a própria Ordem Econômica Nacional, resta atraída, em um primeiro momento, a Justiça Federal para a apuração das condutas. IV. Sempre que a lavagem ocorrer em instituição bancária situada no estrangeiro, a competência será da Justiça Federal. V. A duplicidade de investigações sobre os mesmos fatos, por autoridades judiciais diferentes, pode vir a acarretar prejuízos para as partes, para a celeridade da apuração, para a indispensável colaboração internacional e para a própria verdade real. VI. Restando eventual crime estadual a ser apurado, o mesmo estará em conexão com os delitos federais – o que atrairá a competência da Justiça Federal para o seu julgamento, se for o caso. Súm. nº 122/STJ. VII. Afirma-se a competência do Juízo da 8ª Vara Federal, mesmo abstraindo eventual conexão específica com o processo dos precatórios, que se encontra ali tramitando, pois esse mesmo Juízo já apreciou pedidos de diligências requeridos pelo Ministério Público Federal lá atuante, na hipótese em questão – movimentações financeiras em Jersey. VIII. Deve ser aproveitada toda a prova produzida na Justiça Estadual, de conformidade com o que a legislação recomenda, sendo certo que não se trata de prova colhida por Juiz absolutamente incompetente para fazê-lo, pois este detinha a competência para tanto, à época – eis que investigava, regularmente, possível cometimento de delitos afetos, em princípio, à esfera estadual, uma vez que a comprovação dos indícios de depósitos em Jérsey ocorreu a posteriori. IX. A posterior declinação da competência – do Juízo Estadual para o Federal – não tem o condão de, por si só, invalidar a prova até então regularmente colhida. Precedentes da 5ª Turma. X. Conflito conhecido para declarar a competência da 8ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o Suscitante, convalidando-se toda a prova já produzida regularmente na Justiça Estadual.” [Conflito de Competência – 32861/SP - Terceira Seção – Relator: Gilson Dipp. Data da decisão: 10/10/2001. LEXSTJ 149::264].