LAVA JATO - APRECIAÇÃO DE OPINIÕES QUANTO AO SEU CONTEÚDO FILOSÓFICO


PorEulampio- Postado em 16 janeiro 2017

Autores: 
EULÂMPIO RODRIGUES FILHO

LAVA JATO - APRECIAÇÃO DE OPINIÕES QUANTO AO SEU CONTEÚDO FILOSÓFICO

 

 

Eulâmpio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia

Doutor em Direito pela UMSA, de Buenos Aires

Pós-Doutor em Direito, Universidade de Messina, Itália

Membro da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Advogado

 

Não há como disfarçar o interesse em empreender longo debate relativo aos lances filosóficos trazidos ultimamente em pronunciamentos de ilustres políticos, sobre a operação conhecida como «lava jato». Mas, a destinação do trabalho inibe esse ânimo, face a esterilidade de uma discussão acerca de tais assuntos em meio a questões político-criminais.

 

Contudo, rápidas considerações afiguram-se necessárias e suficientes para demonstração da inutilidade do exame da questão à luz da Filosofia, bem como do equívoco que se pratica ao embrenhar-se por tão complicado resvaladiço.

 

Vê-se que há pronunciamentos analisando condutas sob o ponto de vista pragmático, explicitando que a apuração dos atos praticados pelos meliantes frente ao erário está em verdade destruindo a engenharia brasileira, de interesse geral, que deve ser salva a qualquer custo.

 

MIGUEL REALE ensina que: «O pragmatismo, partindo da observação comum de que a ciência serve à vida, chega à conclusão errônea de que toda ciência possui um significado prático ou econômico, no que coincide com os marxistas de todos os matizes». (Filosofia do Direito, S. Paulo, Saraiva, 1978, 8ª ed., 2º vol., págs. 377 e seg.).

 

Ao que se vê das exposições de PEIRCE e JAMES, a verdade para o pragmatista está naquilo que lhe é oportuno (Os Pensadores, Ed. Abril). A interpretação pragmática é imprestável ao ato de se fazer Justiça, visto que, segundo HANS VAIHINGER, por ela se afirma o caráter fictício de todo o conhecimento (v. Philosophie des Als Ob). Além disso, releva lembrar que foi através do pragmatismo que MIGUEL DE UNAMUNO conseguiu produzir seu célebre Comentário ao Dom Quixote. Logo, não é sem razão que POLÍBIO, introdutor do termo, já dizia que a Pragmática cuida da «história que se ocupa das lendas».

 

KANT,que diz serem pragmáticos «‘os imperativos hipotéticos da prudência que visam o bem-estar’, afirmou, a propósito: ‘Chamam-se pragmáticas as sanções que não derivam propriamente dos direitos dos estados considerados como leis necessárias e, sim, da solicitude para o bem-estar geral’». (Grundlegund Zur Mefaphisik der Sitten, II, Nota). (‘apud’ NICOLA ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia).

 

Claro, então, que não é através de processos exegéticos destinados à explicação de lendas e ficções, que se deve desenlançar uma «lide» (Cfr.CARNELUTTI ZAFFARONI) trazida ao debate para a competente solução.

 

Daí, o grande perigo da autodidaxia, em se tratando de tarefas sérias!

 

Demais disso, nada mais temerário e inconsequente do que analisar um caso concreto com substrato na Filosofia, ramo do conhecimento que ainda vaga pelos campos da pesquisa.

 

Outrossim, de total desvalimento o realce que se tem dado ao chamado critério «finalista do Direito», via filigranas encontradas nas meditações de JOSSERAND, que, a rigor, quanto a esse aspecto não fez escola na Europa, seu berço. Basta se vejam as bibliografias dos autores daquele Continente. Além do mais, sua doutrina foi censurada pelos seus próprios confrades, visto que, «Os irmãos MAZEAUD, sob outras palavras e considerações, rejeitam também os critérios propostos por JOSSERAND e SALEILLES. Embora não temam o arbítrio do juiz, declaram que para determinação da função social do direito, o juiz deverá sair do domínio do direito a entrar no da política. Eis o perigo do critério: um socialista não terá a concepção da finalidade da propriedade como a tem um adversário da doutrina de KARL MARX. É necessário fornecer aos juízes dados mais precisos». (ALVINO LIMA, Abuso de Direito, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, J. M. CARVALHO SANTOS, Rio, Borsoi, 1947, vol. I, pág. 1947, vol. 1, pág. 337).

 

Percebe-se que o estudo sobre os «critérios» «finalista» e «subjetivo», a extrair das doutas sugestões ora analisadas, «em tese» tem seu fundamento firmado, p. ex., no pensamento do Prof. ADROALDO LEÃO: O Litigante de Má-fé, Rio, Forense, 1982.

 

Todavia, colocando o tema no seu devido lugar, KARL LARENZ explica que: «Paralelamente, ganharam influência crescente sobre a dogmática jurídica as análises estruturais do tipo fenomenológico - como é o caso das que presidem à doutrina ‘finalista’ da ação, de WELSEL, dominante no Direito penal». (Metodologia da Ciência do Direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, s/d, trad. da 2ª ed., pág. 150).

 

Ao lançar os pronunciamentos ora analisados, tivesse-se tido a acuidade de examinar obras apropositadas, verificar-se-ia existência de correntes antagônicas a cuidarem do tema, formadas por BONNECASE, PIERRE DE HARVEN, JOSSERAND, MAZEAUD e RIPERT. Verificar-se-ia, com o mesmo procedimento, a existência de lições que demonstram ser a «teoria da finalidade» objeto de disputas doutrinais despidas de conclusões definitivas, ao ponto de trazerem a seguinte contraposição à assertiva de que se valem os doutos pronunciamentos: «Em campo oposto se colocam JOSSERAND, RIPERT, MAZEAUD e outros. Embora não sejam absolutamente idênticos os critérios seguidos pelos mesmos, a conclusão é finalmente a de excluir a responsabilidade, quando ao lado da intenção maléfica, outros motivos ou razões justificarem o exercício do direito. JOSSERAND adota como critério, desde que ao lado da intenção maléfica, outros motivos coexistam, o do motivo determinante, principal, cumprindo ... proceder ao exame do caso concreto» (ALVINO LIMA, artigo e obr. cits., págs. 332 e seg.).

 

Logo, a ideia pode ser concebida de forma menos axiomática, ao contrário do que se sucede nas exposições analisadas, imaginamos, para assinalamento de corajosa saída filosófica destinada à solução do problema social, econômico e político em que foi metido o povo deste país infeliz e sem futuro.