A Internacionalização do Poder Constituinte


Porjeanmattos- Postado em 18 outubro 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Luis Augusto Correia Lima de

 

Trata da internacionalização do Poder Constituinte ultrapassando o contexto das relações entre o Estado e o Direito Internacional.

Por Luis Augusto Correia Lima de Oliveira

INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, cumpre afirmar que segundo Hèléne Tourard a internacionalização das constituições ultrapassa o contexto das relações entre o Estado e o Direito Internacional. Ela se projeta para além da problemática relação entre Direito Internacional e Direito Interno. Trata-se, na verdade, de abordar a questão das relações entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional em uma perspectiva menos abstrata (...) , considerada a realidade dos fenômenos políticos e das relações internacionais

A compreensão dessa realidade veio a ser definida por diversos autores. Tourard entende que “A internacionalização do direito corresponde à influência do Direito Internacional sobre a formação e o conteúdo das espécies normativas de determinado sistema jurídico estatal”, sendo “uma tendência de harmonização de conceitos”, a significar “o impacto concreto do Direito Internacional sobre as normas constitucionais” e, um “processo de mão dupla, pois as constituições nacionais passam a levar em consideração as relações do Estado nacional com o Direito Internacional e este a sofrer uma crescente influência dos dispositivos constitucionais relevantes”.

____________________

Aluno do Curso de Direito da Universidade de Fortaleza, bolsista do CNPq/PIBIC, sob a orientação do Prof. Francisco Valfrido Barbosa. Ex-assessor parlamentar junto a Assembléia Legislativa do Estado do Ceará. luisaugusto@edu.unifor.br

Finalmente, esclarece que “A internacionalização faz com que as regras que devem ordenar as atividades dos cidadãos não sejam produzidas apenas pelo legislador nacional o que cria um problema de legitimidade quanto aos órgãos normalizadores”, correspondendo tal situação a “um grau cada vez mais elevado de penetração do Direito Constitucional pelo Direito Internacional”

Louis Delbez, por sua vez, entende que “internacionalizar uma relação jurídica ou uma situação jurídica, isto é, um conjunto de relações significa retirar essa relação do Direito Interno, que, até então, devia regê-la e colocá-la sob a égide do Direito Internacional que doravante passará a regê-la”.

Nicolas Maziau afirma que “a internacionalização (do Poder Constituinte) é produto geral da evolução da sociedade internacional e, em particular, da relação entre o Estado e a idéia de soberania”, uma espécie de “enquadramento do Poder Constituinte, resultante de uma situação de fato”, o que seria, segundo esse autor, uma exceção aos princípios da não-ingerência e da autonomia constitucional.

G. de Vergottini denomina esse Poder Constituinte internacionalizado de potere costituente guidato o asistitto, Poder Constituinte guiado ou assistido, enquanto Sylvie Torcol compreende a internacionalização “como uma tendência de harmonização dos princípios constitucionais entre os estados em torno de princípios comuns (como os da democracia pluralista)”, e como “a expressão de uma relação de força dominador/dominado e também a de certa visão de mundo”, bem como a “expressão de uma metaconstitucionalidade”.

Para Torcol, esse “Poder Constituinte infiltrado (pelo Direito Internacional) ou sob tutela” leva a um “sistema de convergência horizontal de valores”.

Cannizaro, nessa hipótese, entende haver forte contraposição entre o que chamou de Estado Constitucionalista (Stato Costituzionalista) e Estado Internacionalista (Stato Internazionalista), sendo que “o primeiro exprime a idéia de uma estrutura constitucional hermética que reconhece como valores fundamentais somente aqueles próprios da experiência jurídica interna e não se preocupa em orientar o comportamento institucional do Estado na direção de um ordenamento internacional”. Já o segundo representa uma

(...) estrutura constitucional aberta: a Constituição não fornece elementos idôneos para avaliar, de maneira aceitável, a legitimidade ou constitucionalidade dos Tratados. Seria, portanto, necessário uma intervenção externa para impedir que um controle de constitucionalidade por demais rigoroso a provocar graves inconvenientes na esfera das relações internacionais.

 

METODOLOGIA

O estudo é realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental, bem como com a revisão da legislação pertinente. 
 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A idéia do Poder Constituinte como força transformadora, fundadora de uma nova ordem, se inscreve na noção de que o princípio constituinte representa a “independência e a fundação de um corpo político novo”, pois é, verdadeiramente,

(...) uma força que irrompe, quebra, interrompe, desfaz todo equilíbrio preexistente e toda continuidade possível. O Poder Constituinte está ligado à idéia de democracia (...), portanto, o conceito de Poder Constituinte, compreendido como força que irrompe e se faz expansiva, é um conceito ligado à pré-constituição da totalidade democrática.

Na tentativa de compreensão do Poder Constituinte, três são as posições essenciais do entender de Negri:

Em primeiro lugar, o Poder Constituinte é “transcendente face ao sistema do poder constituído – sua dinâmica é imposta ao sistema a partir do exterior (...) como um fato que precede o ordenamento constitucional, mas que depois se, lhe opõe, no sentido de lhe permanecer historicamente externo”. Essa era a posição da Escola do Direito Público alemão (segunda metade do século XIX e início do século XX), com George Jellinek à frente, expressa na idéia de que o Poder Constituinte, ao querer o direito e a Constituição, não quer outra coisa senão a regulação e, portanto, a autolimitação da própria força.

Será, em segundo lugar, imanente, porque “somente uma norma pode determinar – e determina – o procedimento pelo qual se produz uma outra norma (...). As normas seguemas regras da forma jurídica e o Poder Constituinte não tem nada a ver com o processo formal de reprodução das normas”.

Nesta corrente, encontram-se Hans Kelsen, com a idéia de Grundnorm, a representar o grau máximo absoluto de transcendência, e John Rawls, com a idéia de posição original, na qual se realiza um acordo contratual sobre os princípios da justiça.

Aqui, ainda, se insere Fernidand Lassale, para quem a “vigência normativa da Constituição jurídico-formal (...) depende do grau de adequação entre as ordens de realidade (material e formal, sociológica e jurídica) que foi estabelecido pelo Poder Constituinte”. É que

Levando em conta a resistência das condições reais e a potência revelada pelo Poder Constituinte, o processo constitucional pode ser imaginado e estudado como instância de intermediação entre as duas ordens de realidade (...) O Poder Constituinte é absorvido pela Constituição.

Interessam, pois, nesta a análise, as mencionadas “forças que constituem politicamente a sociedade e formam sua Constituição material através de compromissos institucionais contínuos”, haja vista que o fenômeno da internacionalização do Poder Constituinte (originário ou derivado), prewcisamente por deriva dos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, represente, essencialmente, esse movimento incessante de interação, em todos os níveis, que está na base da vida política da sociedade. 
 

CONCLUSÃO

Resultam claramente da exposição do tema, portanto, as seguintes conclusões:

  1. A internacionalização do Poder Constituinte pode ser entendida como a influência direta do Direito Internacional na produção de normas internas, cujos destinatários sofrem os efeitos de uma escolha política que se realizou, também, no exterior das fronteiras estatais.

  2. Ocorre perda de autonomia do sistema jurídico interno em razão do exercício legitimo da soberania externa do Estado, quando da celebração de Tratados, sem a possibilidade de oposição de reservas a clausulas potencialmente inconstitucionais e, ainda em razão da imperatividade dos fatos produzidos pelas relações internacionais, a impor uma inserção internacional cada vez maior dos Estados nacionais, que ao sofrer o seu efeito, abrem mão de parcela de sua soberania para poder ampliar o seu espaço de atuação.

  3. Do exercício da soberania externa, pela expressão da vontade política dos poderes políticos, pode resultar uma colisão entre a ordem internacional e a ordem interna e uma colisão entre o Tratado e a Constituição. Em geral, o Tratado prevalece sobre a Constituição, por razões de ordem pragmática.

  4. A internacionalização do Poder Constituinte, que pode ser parcial ou total, pode se dar tanto em relação ao Poder Constituinte Originário quanto em relação ao Poder Constituinte Derivado.

  5. Quando a internacionalização do Poder Constituinte derivado, o Direito Internacional enquadra o Poder de Revisão.

  6. A Internacionalização Parcial do Poder Constituinte originário pode resultar de um Tratado ou de um Ato Internacional, em momento anterior a independência ou como único meio de solução do conflito e também pode resultar de uma situação de fato, a partir de uma decisão formal de uma autoridade internacional.

  7. É possível ocorrer a internacionalização total do Poder Constituinte originário, coma subseqüente criação de uma Constituição heterônoma, com confirmação da soberania do Estado ou, mesmo, em momento anterior a soberania.

  8. A idéia de Hélene Tourard é que a internacionalização do Poder Constituinte modifica a relação entre as instâncias do Poder Público e entre estas e os cidadãos; afeta o principio da representatividade; torna o Parlamento incapaz de exercer corretamente as suas funções normativas e de controle, do que resulta um enquadramento da função legislativa; afeta o principio da soberania popular exercida por meio de representantes eleitos; representa um avanço quanto às garantias fundamentais; e cria um grave problema de legitimidade.

  9. Quando ocorre a internacionalização do Poder Constituinte derivado, o que, na prática impõe a reforma da Constituição, revela-se a peculiar situação de um ente superior e “supremo” (a Constituição) que ser vê obrigado a se curvas as exigências de quem possui estatura inferior ou subordinada (as normas derivadas de tratados, de estatura infraconstitucional, como é o caso no ordenamento brasileiro) para, ao se reformar a si mesmo, restabelecer o parâmetro constitucional capaz de permitir a dogmática com formação vertical, no que, de fato, termina por confirmar a submissão do Direito Constitucional ao Direito Internacional.

  10. Tanto postulado da supremacia da Constituição, quanto Stunfenbau kelseniano (escalonamento em níveis normativos hierárquicos) e, ainda a idéia clássica de legitimidade constitucional são diretamente afetados pela internacionalização do Poder Constituinte, a requerer uma revisão conceitual em torno dessas nações.

  11. A Constituição nacional, diante da internacionalização, sofre um deslocamento em sua localização, passando do topo da pirâmide para a posição de regulador de normas secundárias cuja atuação somente pode ser entendida, em sua integralidade, se se levar em conta o Direito Internacional.

  12. A pirâmide de kelsen não se sustenta diante da internacionalização do Poder Constituinte.

  13. No confronto entre ume norma internacional e uma norma interna, portanto, deve prevalecer o sentido histórico-axiológico da função constitucional precípua de proteção da liberdade do individuo, refletido seja no exercício do poder Constituinte originário por meio da soberania popular, seja por ordem internacional tendente à constitucionalização sobre a base de uma ética dos direitos humanos.

  14. Por essa razão, quando há internacionalização do Poder Constituinte derivado é possível identificar o ente político originário com o povo soberano, e, quando há internacionalização do poder constituinte originário, consubstanciada na Constituição heterônoma, o ente político originário é a comunidade internacional. Disso decorre que a fonte de legitimidade originária, neste último caso, pode ser localizada na escolha legítima ( necessariamente em atendimento ao princípio da proteção da liberdade) por um ente político legítimo, ainda que constituído de forma heterônoma e coletiva ( isto é, dissociado da limitação de fronteiras estatais, e, por isso mesmo, pluralizado).

 

Deduz-se do exposto, finalmente, que a amplitude da proteção garantida pelo juiz constitucional, com maior ou menor grau de compatibilização entre a norma internacional e o comando constitucional, deve, sempre, se pautar pelo princípio da primazia humana, na construção de uma Sociedade Mundial, para além da comunidade internacional. 
 

REFERÊNCIAS 
 

BERCOVICI, Gilberto. A Constituição dirigente e a crise da teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Juri, 2003.

CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O poder de celebrar tratados. Porto Alegre: Frabis, 1995.

CONI, Luis Cláudio. A internacionalização do Poder Constituinte. Porto Alegre: Fabris, 2006.

DE MORAES, Alexandre. Legitimidade da justiça Constitucional. In: As Vertentes do Direito Contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

FRIEDMANN, Thomas. O mundo é plano: uma breve história do Século XXI. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

HABERMAS, Jürgen, Era das transições. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. De Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 1991.

LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Editora do Advogado, 1998.

MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994.

NEGRI, Antonio. O Poder Constituinte: ensaio sobre as alternativas da modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002.

PROVESAN, Flávia. Direito Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

 

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3825/A-Internacionalizacao-do-Poder-Constituinte