A influência da Lei de Acesso às Informações nas Licitações


Porwilliammoura- Postado em 03 junho 2013

Autores: 
KOBAYASHI, Ricardo Shigueru

A Lei de Acesso à Informação obriga a administração a esmerar-se na produção e execução de suas licitações a fim de proporcionar a necessária transparência e em contrapartida permitir o acesso maior ao rol dos potenciais fornecedores de materiais e serviços.

Resumo: Uma reflexão e novo enfoque sobre o procedimento licitatório frente às novas disposições traçadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) com sugestõespara o aperfeiçoamento do processo. O texto deixa de tratar as licitações sob o conceito usual da Lei de Licitações (Lei 8666/93) no que diz respeito à sua publicidade. A LAI trás novos aspectos que devem ser considerados dentro dosprocedimentosde licitações da Administração Pública.

Palavras- chave: Lei 12.527 - influência - licitações - acesso - informação.

Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. A aplicação da Lei de Acesso a Informação.3. Deficiências da Lei de Acesso a Informação. 4. Da importância desta discussão no procedimento de licitações. 5. Da importância dos sítios corporativos na divulgação dos processos licitatórios. 6. Conclusão.


1.Considerações iniciais

A Lei 12.527, de 18/11/2011, impõe aos órgãos públicos em geral (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a responder pedidos de informação feitos pela população, sendo vedadas exigências relativas aos motivos do pedido.

A vedação é relevante, pois sob a égide do direito vigente anteriormente à lei, os pedidos de informações ficavam condicionadosà demonstração do interesse jurídico do requerente no feito. Assim,todos os entendimentos jurisprudenciais que regiam a tese, passaram a ter novo entendimento segundo esta nova ótica legal.

Por expressa previsão da Constituição cidadã de 1988aLei de Acesso à Informação (LAI) foi introduzida na legislação brasileira também por força do disposto no inciso XXXIII, art. 5º; inciso II, §3º, do art. 37 e §2º, art. 216,todos da Constituição Federal[1].


2. A aplicação da Leide Acesso a Informação (LAI)

Leis de acesso à informação existem em cerca de 90 países[2], mas se tem notícias que poucas funcionam devido a problemas institucionais e também por falta de interesse e acompanhamento por parte da sociedade.

Em nosso País não tem sido diferente. A maioria dos órgãos públicos não se mostra preparadapara cumprir a nova lei. Mesmo porque ela não teve ainda o apoio necessário dos principais protagonistas do alto escalão dastrês esferas de poder,em que pese tenha sido dado o interregno de 6(seis) meses para o chamado“vacatio legis” - período este em que a lei não vigora justamente para se propiciarcerta margem de tempo para os setores públicos se adaptarem aospreceitos legais.

Nos municípios brasileiros a situação é preocupante. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e divulgado pelo “Congresso em Foco” mostrou que em 133 cidades com mais de 200 mil habitantes, apenas 16 foram capazes de responder a um simples pedido de informação[3].

No âmbito dos Estados, segundo Fabiano Angélico, consultor da Controladoria Geral da União (CGU) e pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) apenas dez estados fizeram decretos regulamentando a nova legislação, permitindo aos cidadãos consultar dados governamentais[4]. Dois meses depois da promulgação daLAI, nem metade dos estados brasileiros regulamentou a lei. De acordo com o levantamento feito pelo pesquisador, além das regiões Sudeste e Sul, só Distrito Federal, Ceará e Pernambuco haviam tomadoalguma providência para facilitar o acesso às informações em seus estados.

Exceções à regra, porém, se verifica nosórgãosdo executivoe judiciário federal.

No âmbito federal, a Presidência da República baixou o Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012, que regulamentou a Lei nº 12.527/2011. Sua vigência já veio revestida de polêmica.Cite-se, por exemplo, o dispositivo que obriga os órgão e entidades da Administração Federal a divulgar em seus sítios, independente de requerimento, a remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões daqueles que estão na ativa, de maneira individualizada, (art. 7º, inciso VI). O impacto da decisão gerou uma onda de protestos de sindicatos e servidores contrários à publicação de seus dados, de um lado, e de outro trazendo perplexidade aos trabalhadores ao compararem seus parcos salários frente a alguns altos salários.

No poder judiciário em geral (inclusive estadual), o Conselho Nacional de Justiçano início do mês de julho determinou que os salários de magistrados e servidores daquele poder fossem divulgado nominalmente na internet. A decisão valeu para todos os órgãos da justiça. O Supremo Tribunal Federal já havia tomado idêntica decisão em maio de 2012, masos pagamentos feitos aos juízes já eramalvo de polêmicas desde o final do ano anterior. Dentre os principais problemas estavam os repasses dos benefícios extraordinários como auxílio alimentação e verbas trabalhistas. Além disso, muitas vezes, esses ganhos faziam com que os servidores recebessem valores acima do teto constitucional de R$ 26,7 mil. Segundo Wellington Saraiva, Conselheiro do CNJ e um dos autores da proposta aprovada: “Somente com a divulgação do nome e do subsídio será possível que a sociedade exerça efetivo controle social”[5].

Como era de se esperar, pelo seu caráter político, só o Legislativo (Senado e Câmara dos Deputados) ainda não definiu como cumprir com o dispositivo legal.


3. Deficiências da LAI.

A falta de previsão de criação de um órgão institucional para gerenciar a aplicação da lei, torna a implantação do processo muito mais difícil. A deficiência, por certo, baterá inúmeras vezes às portas do judiciário, já atolado em um mar de processos judiciais, pois, de outra forma, além de mediar os conflitos geradostambém se sujeita ao enquadramentolegal. Tais informações trará enorme constrangimento aos três poderesse efetivamente suas mazelas vierem a ser do conhecimento público. No entanto espera-se que com isso a transparência fortaleça as instituições e as práticas democráticas nacionais.

Em que pese ser assegurado que o acesso será garantido pela criação de serviço de informações ao cidadão nos órgãos e entidades do poder público -com condições apropriadas para atender e orientar o público[6], em curto prazo, não se espere que o assunto seja resolvido pelos seus responsáveis, mesmo porque prestar informações não se compreende que seja tão essencial como, por exemplo,educação e saúde.


4. Da importância desta discussão no processo de licitações.

Verifica-se, no entanto, que o destaque geral da lei girou em torno da polêmica envolvendo salários dos servidores.

Assim a par da indiferença ou do despreparo dos protagonistas ativos a que se dirige a lei, dado a grandeza dos objetivos que procura conquistar, é necessário cuidar de outros conceitos envolvidos na lei,nas suas diferentes abordagens, para melhor compreendê-la em sua totalidade.

Jornalistas, juízes, sindicatos, enfim a sociedade como um todo, parece estar preocupada apenas com os aspectos remuneratórios dos servidores públicose faz parecer que a lei só se destina a regulamentar este aspecto.

A assertiva não se mostra correta.

Em contraposição a esta expectativa, o presente texto busca contextualizar a importância da LAI no que diz respeito ao assunto “licitações”. Neste sentido, o inciso VI, do artigo 7º,da referida lei assegura o respeito do direito ao acesso a informação nos procedimentos licitatórios[7].

A licitação, como ato administrativo, já se submete ao princípio constitucional da publicidade, entre outros, e neste sentido a lei de licitações (Lei 8.666/93)determina que seja dada publicidade delas, pelo menos em três jornais: diário oficial, jornal de grande circulação e jornal de âmbito regional, com antecedência de oito a quarenta e cinco dias, dependendo da modalidade e tipo de licitação.Era assim antes da LAI, tanto que o respeito ao princípio da publicidade da licitação se restringia à divulgação do edital resumido nos elegidosveículos de comunicação.

Hoje, no entanto, impõe-se uma nova visãosobre as licitações. O próprio “caput” do artigo 3º, da LAI[8], dispõe que os procedimentos nelas previstos destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração.

Disto destaca-se quedireito fundamentalse refere à previsão constitucional prevista no art. 5º, inciso XXXIII onde se garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade[9].

Por sua vez, entendem-se por princípios básicos aquelesprevistos na CF no “caput” do art. 37[10], ou seja: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Aqui, frente ao texto da LAI o princípio da publicidade se converte em umverdadeiro princípio da transparência dos atos administrativos.

Bem antes da LAI, já com o sob a égide da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), PLATT NETO[11], bem se posicionou a este respeito:“A transparência, como princípio da gestão fiscal responsável, pressupõea publicidade e a compreensibilidade das informações. Esse aspecto tambémé destacado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC,2000, p.14), que enfatiza que o princípio da transparência é mais amplo queo da publicidade, pois “a mera divulgação sem tornar o conteúdo compreensívelpara a sociedade não é transparência, como também não o é a informaçãocompreensível sem a necessária divulgação”. Ainda de acordo com TCE/SC(2000, p.14), a transparência na LRF aparece como um ‘mecanismo para quea sociedade possa tomar conhecimento das contas e ações governamentais’”.

De outro lado, destacam-se as cinco diretrizes previstas no artigo 3º da LAI, quais sejam: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública.

Percebe-se, portanto, que há uma preocupação do legislador pátrio emampliara publicidadenascompras e contratações de serviços da administração, garantindo assim,um número maiorde interessados com melhores informações sobre a licitação a ser realizada.

Assim a nova LAI não poderia vir descolada de uma nova orientação sobre o tema ou, pelo menos,uma melhor compreensão de seus objetivos frente aos procedimentos administrativos.

Já, há tempos,Dallari observava que:“A experiência tem demonstrado que a publicidade das licitações fica bastante comprometida pela precariedade do acesso às normas específicas que disciplinam cada certame, especialmente o edital, e pela virtual impossibilidade de exame aprofundado e detalhado de todas as propostas, tendo como consequência enormes dificuldades para quem pretende fazer valer seus direitos em sede judicial”[12].

Como se percebe, o eminente jurista, bem antes da promulgação da LAI, já se preocupava com a publicidade nas licitações e já delineava a necessidade de umamelhor adequação no tratamento dela.

Também o renomado escritório Pinheiro Neto Advogados - comentando outra lei de nº 12.232, de 30/04/2010–dá sua concepção de serviços de publicidade, como sendo“o conjunto de atividades realizadas integradamente que tenham por objetivo o estudo, o planejamento, a conceituação, a concepção, a criação, a execução interna, a intermediação e a supervisão da execução externa e a distribuição de publicidade aos veículos e demais meios de divulgação, com o objetivo de promover a venda de bens ou serviços de qualquer natureza, difundir ideias ou informar o público em geral”[13].

Neste sentido, a licitação também é um conjunto de atividades, nos mesmos moldes do conceito preconizado pelo referido texto, pois também nela há determinação de objeto, atividades de planejamento, execução interna e externa, levantamentos orçamentários, financeiros e descritivos,culminando com a divulgaçãodo Edital, que objetivauma boa compra de bens e/ou a contratação de serviços.

A licitação é um conjunto de ideias criativas e o profissional que trabalha no setor deve estar preparado para uma série de atividades que incluem pesquisas e detalhamentos tais como: descrição, preço, peso, embalagem, qualidade,quantidade, logística, entre outras iniciativas.A precisão neste levantamento preliminar é determinante para a qualidade da licitação e, consequentemente, para a boa formulaçãodo Edital.

Portanto é relevante que nos processos licitatórios não só haja divulgaçãotão somente do Edital, mas necessita demaior transparência no procedimento das licitações a fim de que estas sejam instruídas com as informações necessárias para o pleno atendimento aos órgãos licitantes.


5. Da importância dos sítios corporativos na divulgação dos processos licitatórios.

Assim, não se admite mais que a Internetou mais propriamente os sítios corporativos da administração pública,não detenha um papel muito importante no processo. Hoje, a LAIinspira sua utilização como fonte de maiores informações para se atingir a transparência por ela buscada. Inclusive prevê, de certo modo,a obrigatoriedade da publicação integral do edital e exige a utilização dos meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação nos procedimentos administrativos[14],

A divulgação em sítios dos órgãos licitadores, em especial, devem propiciar além do edital completo outras informações necessárias tais como respostas aos questionamentos, impugnações e pedidos de esclarecimentos feitos tempestivamente ao promotor da licitação, lembrando que,conforme previsto no artigo 5º, inciso II, da Lei 10.520, de 17/06/2002[15], nos pregões, é vedada a exigência de aquisição do edital pelos licitantes como condição para participação no certame.

Não por acaso, o art. 8º, §1º, incisos I e IV e §2º da LAI, prevê como dever da administração a promoção, independentemente de requerimentos e em local de fácil acesso,das informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)[16]

Já Bobbio observava muitos anos atrás: “Que todas as decisões e mais em geral os atos dos governantes devam ser conhecidas pelo povo soberano, sempre foi considerado um dos eixos do regime democrático, definido como o governo direto do povo ou controlado pelo povo (e como poderia ser controlado se se mantivesse escondido?)”[17]

ALAI obriga a administração a esmerar-se na produção e execução de suas licitações a fim de proporcionar a necessária transparência e em contrapartida permitir o acesso maior ao roldos potenciais fornecedores de materiais e serviços.

Citando novamente o mestre Dallari: “Pode ocorrer que o caráter pacífico do certame decorra de um conluio bem articulado entre os supostos concorrentes, mas não é justo transformar essa exceção em regra, presumindo-se a fraude. É certo, porém, que a maior e mais abrangente divulgação dos atos da licitação dificulta o conluio”[18].

Kantconsiderava como “conceito transcendental do direito público o princípio em que: todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de se tornar pública, são injustas”[19].

No mesmo enfoque se posiciona Rodrigues Junior: “Se alguém não revela a sua conduta, é sinal de que está disposto a realizar ações que, caso sejam conhecidas do público, serão consideradas injustas e até mesmo ilícitas”[20].

Assim uma licitaçãoé injusta e ilícita quando não se proporciona aos interessados a mais ampla transparência.

Infere-se, então, que, segundo filósofos e juristas, o conceito de publicidade/transparência está intrinsecamente ligado ao conceito dejustiça, esta sim a grande finalidade do Estado Democrático de Direito, que éconcretizado com o respeito às leis.