As Guerras, escravidão e sacrifícios e a mudança na evolução cultural - "O Cálice a a Espada": Cap. 5 e 6


Porgiovanidepaula- Postado em 17 abril 2011

Desde tempos remotos as guerras surgiram e foram um instrumento que substituiu o modelo de parceria pelo modelo dominador, representando papel fundamental no desvio de nossa evolução cultural que da parceria passou para a dominação.
A mudança desse modelo de organização social segundo a autora, “foi um processo gradual e, de certa forma, previsível. Contudo, os acontecimentos que deflagraram tal modificação foram relativamente súbitos e, na época, imprevisíveis”. (EISLER,2008,p.48)

Registros arqueológicos confirmam essa tese e apresentam uma coerência com o pensamento científico, no que se refere “à imprevisível mudança — ou de que maneira estados equilibrados ou próximos ao equilíbrio há muito estabelecidos podem com relativa rapidez mudar para um estágio distante do equilíbrio, ou caótico”. (EISLER,2008,p.48)

A espada, nessa época e contexto histórico, simbolizava o poder “masculino”, que ao invés de “dar a vida”, a “tomava”, e representava uma sociedade dominadora e governada por deuses – e homens – de guerra, o que significava o poder supremo. Os entalhes rupestres kurgos primitivos apresentam esse significado, talvez disso decorra a característica sagrada da arma fica bem evidenciada em todas as religiões indo-européias. (EISLER,2008, p.48)
Cabe destacar que as antigas culturas européia e kurga eram a antítese uma da outra. Os europeus antigos pacíficos, horticultores sedentários e propensos a viver em grandes comunas bem planejadas com ausência de fortificações e armas e de unidades familiares de cunho matrilinear e matrilocal. Já o sistema kurgo era composto de unidades patrilineares, socialmente estratificadas, pastoris, que viviam em equenas aldeias. Com uma economia baseada na agricultura (européia) e a outra na criação de animais e no pastoreio (Kuros) produziu-se duas ideologias contrastantes.
Havia também choque de crenças, pois enquanto o sistema de crenças da Europa antiga se concentrava no ciclo de nascimento, morte e regeneração agrícola, personificado pelo princípio feminino, a Mãe Criadora, a ideologia kurga, como é conhecida pela mitologia indo-européia comparativa, “exaltava deuses guerreiros viris e heróicos provenientes do céu brilhante e trovejante. Não havia armas nas imagens da antiga Europa; enquanto isso a adaga e a acha eram os símbolos predominantes dos kurgos, os quais, à semelhança de todos os indoeuropeus historicamente conhecidos, glorificavam o poder letal da lâmina afiada".(EISLER,2008,p.49)
Pesquisas apontam que os kurgos, nas suas invasões da Europa, massacraram a maioria dos homens e crianças nativos, mas pouparam alguma mulheres, as quais levaram com eles como concubinas, esposas ou escravas. As mulheres eram reduzidas à condição de simples posses masculinas, o que pode ser demonstrado e documentada nas antigas práticas funerárias kurgas, em que encontrou-se junto com um esqueleto masculino excepcionalmente alto e largo os esqueletos de mulheres sacrificadas — as esposas, concubinas ou escravas dos homens que morreram. Tais sepulturas de alto status eram também repositórios de outros artigos considerados importantes para estes homens da classe dominadora não só em vida mas também na morte, ou seja, que visavam sua perpetuação.
No túmulos kurgos também foram encontrados arcos, lanças, 'facas' de corte e lançamento (proto-adagas), machados e ossos de cavalos e objetos simbólicos, tais como mandíbulas e presas de porco ou javali, esqueletos de cães e auroques ou omoplatas de bois, o que forneceu evidências arqueológicas de ter havido ali mudanças sociais e ideológicas radicais e que demonstra que prevalecia na época uma consciência guerreira que não havia e era desconhecida anteriormente à invasão na Europa antiga . Depreende-se que esses animais tiveram importância simbólica sob o aspecto religioso nessa época. EISLER,2008,p.51)
Portanto, estes sepultamentos mostram o elevado valor social depositado nas tecnologias de destruição e dominação e “oferecem também indícios de uma estratégia para obliteração e domínio ideológicos, que se mostrarão cada vez mais acentuados: apropriação, pelos homens, de importantes símbolos religiosos que seus povos dominados outrora associaram as mulheres no culto à Deusa”. (EISLER,2008,p.51)
Percebe-se que a mudança da evolução cultural nesse período histórico esteve associada guerras, escravidão e sacrifícios, rompendo com a deificação do gênero feminino e de organização matrilinear, buscando uma sociedade dominadora pelos homens guerreiros de base patrilinear.
As evidências dos estudos arqueológicos e históricos demonstram que as primeiras sociedades européias eram pacíficas e cooperativas e que o poder da dominação e da força surgiram pela imposição de povos conquistadores. Essa história de conquista e imposição cultural se reproduziu (e vem se reproduzindo) em muitas partes do mundo e deve servir para reflexões sobre o nosso passado, a nossa sociedade e o nosso futuro.

Bibliografia:

EISLER, Riane. O Cálice e a Espada. Rio de Janeiro: Editora Imago, 2008.