Espaço aberto para a democracia digital?


PorAnônimo- Postado em 24 janeiro 2009


Uma das promessas mais importantes da internet estaria no campo político. Os cidadãos seriam mais informados e, com mais informação, também seriam mais politizados. A abertura da internet também permitiria que cidadãos pudessem competir com jornalistas na criação e disseminação de informação política. O discurso público deveria ser mais acessível. Até a Suprema Corte americana chegou a enfatizar, com inclinação otimista, que o potencial da internet para a criação de uma esfera pública radicalmente distinta seria evidente na medida em que mais indivíduos podem se engajar no debate político.

Hoje se sabe que ao menos metade de tudo o que se esperava da internet na arena política, não deu certo. De uma maneira geral, o pensamento e os credos de que a internet está democratizando a política são simplesmente errados.

Essa é a principal tese do recente livro lançado pela Princeton University Press intitulado The Mith of Digital Democracy, do professor de ciência política da Universidade do Arizona, Matthew Hindman.

O livro analisa o impacto da internet na política dos EUA a partir de algumas perguntas centrais como as seguintes: será que a internet está tornando a política menos exclusivista e está empoderando cidadãos comuns em detrimento das elites, ou seja, será que a internet está democratizando os EUA? A internet ampliou a esfera pública e a participação política, isto é, os cidadãos participam hoje, pela internet, de atividades políticas que não costumavam participar? Será, então, que o conceito de “political voice” foi ampliado com as novas possibilidades criadas pela internet, dentre elas a de cada um poder escrever suas ideias para uma audiência global?

O livro de Hindman empenha-se em responder esse tipo de questões. Mas com um certo ceticismo. As suas respostas consideram o elevado grau de concentração do acesso à internet e, ao mesmo tempo, a dispersão promovida por ela por seus milhares de sites e blogs. Para Hindman, essa dispersão característica da internet tende a fazer desaparecer o sentido de bem comum ou interesse geral na web. Muitos autores abordados no livro falam até mesmo em ciberapartheid ou ciberbalkanização. Vários estudos políticos mostram que nos EUA o engajamento cívico sofreu pouco impacto da internet. As novas tecnologias não parecem estar agregando maiores níveis de participação política.

Este livro trata desses temas, mas aborda questões pouco exploradas na literatura, como, por exemplo, o efeito seletivo dos filtros e buscadores em portais de busca. A internet, com essas ferramentas, vem criando um grande fosso entre a produção de informações e o acesso a elas. A ampliação da blogosfera, por exemplo, não foi absorvida pela clientela comum da internet, isto é, pela clientela que utiliza apenas os caminhos de navegação criados por gigantescas companhias. O livro destaca e evidencia que a internet tem uma peculiar infraestrutura pouco explorada nos debates técnicos sobre internet e democracia. A internet filtra e seleciona o que os cidadãos verão e, desse modo, antecipa decisões que deveriam ser do usuário, ou seja, as escolhas na internet não são feitas com base no principio da igualdade. Isso ocorre também com o discurso político direto – isto é, com as postagens de posicionamentos políticos on line pelos cidadãos: também não seguem padrões igualitários.

A visibilidade de temas políticos na internet segue padrões do tipo “o vencedor-leva-tudo”, ou seja, os sites e informações mais freqüentados são os que sempre estarão aparentes. Está mais do que claro que isso gera profundas e negativas implicações para a constituição da “political voice” e para as novas características da esfera pública.

Uma outra importante obra sobre o tema, também publicada pela Princeton University Press, que ajuda a completar o quadro de análise, é o livro de West, D.M., intitulado Digital Government: Technology and Public Sector Performance.

Nesta obra o autor está interessado em saber qual foi o impacto da internet e suas novas tecnologias na eficiência operacional dos governos, em especial dos EUA.

É preciso reconhecer que, no trato com os governos, a internet tem sido mais usada do que outros meios de comunicação, tanto em comparações com o passado quanto com o presente. Ela supera as visitas pessoais, o telégrafo, o telefone e as cartas pelo correio. Ela facilitou, além disso, como nenhuma outra tecnologia, o trabalho dos turistas e dos não residentes que buscam informações e serviços públicos.

Apesar desses avanços, o autor procura responder perguntas-chaves para a compreensão adequada dos impactos da internet no setor público: Quanto a internet modificou o serviço público? O que vem determinando o ritmo dessas mudanças? Quais conseqüências essas mudanças promovem no desempenho dos governos, nos processos políticos e na democracia?

Aqui também predomina uma visão crítica do otimismo convencional: a tese do livro é que a internet vem promovendo apenas melhorias incrementais, não revolucionárias, no setor público.

Mas por quê?

Como muitas outras tecnologias conhecidas do passado, o uso da internet na ação dos governos vem sendo mediado por muitas forças políticas. Grupos em conflito, cultura burocrática e restrições orçamentárias são apontadas por West como os principais fatores inibidores de inovações e da implementação do e-government. Está claro, para o autor, que isso limita a natureza inovadora da internet e retarda todo o processo de difusão de informações.