Do Estado Liberal ao Estado Regulador: aspectos político-jurídicos


Porrayanesantos- Postado em 28 junho 2013

Autores: 
SOARES, Paulo Firmeza

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. As crises que desencadearam a passagem do Estado Liberal para o Estado Regulador. 3. As dimensões dos direitos fundamentais. 4. A intervenção estatal e a relação entre o público e o privado.4.1 Linhas gerais. 4.2. Intervenção estatal no Estado regulador. 5. Perfis de Administração Pública.5.1 Linhas gerais. 5.2. Da Administração Pública patrimonialista à burocrática. 5.3. Da Administração Pública burocrática à gerencial. 6.Considerações finais: Estado Regulador e Administração Pública gerencial. 7. Bibliografia.

 

RESUMO: O presente trabalho busca apresentar alguns aspectos jurídicos referentes à passagem do Estado Liberal para o Estado Social e deste para o Estado Regulador, demonstrando-se as peculiaridades de cada fase estatal, como as crises que desencadearam a mudança de paradigma, os direitos que se pretendiam consagrar, a relação entre o público e o privado, as competências estatais e as formas de Administração Pública inerentes a cada tipo de Estado.

 

PALAVRAS-CHAVE: Estado Liberal – Estado Social – Estado Regulador – Direitos fundamentais – Perfis da Administração Pública.

 

 


1. Introdução.

Todo fenômeno, social, político, jurídico ou econômico, deve ser analisado dentro do contexto em que se insere e tendo-se em mente o conjunto de acontecimentos históricos que culminaram no seu surgimento. Nessa linha, tal raciocínio também se aplica, obviamente, à análise do diferentes perfis de Estado que se apresentaram ao longo dos últimos séculos.

 

O Estado Liberal surgiu em decorrência da necessidade de rompimento com o Absolutismo que imperava até o século XVIII, em razão, também, das ideias disseminadas à época pela Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade.

 

Nesse momento, buscou-se uma limitação do poder político do soberano, tanto do ponto de vista interno, separando-se as funções estatais, quanto do ponto de vista externo, reduzindo-se as próprias funções do Estado perante a sociedade. Além disso, o Estado Liberal foi delineado para proteger as liberdades individuais em face do próprio Estado, que passou a ter uma função eminentemente negativa, simplesmente para proteger os indivíduos e a propriedade privada. Esse perfil de Estado também é fruto do movimento denominado de constitucionalismo, segundo o qual é necessária a estruturação do Estado em torno de um documento (Constituição) que traga garantias e segurança jurídica à sociedade, a quem todos devem obediência.

 

Com a percepção de que o Estado Liberal, ao agir precipuamente de forma negativa, não assegurava à sociedade o acesso às necessidades básicas, surgiu o chamado Estado Social, mais atrelado à “igualdade” da Revolução Francesa. Com isso, o Estado passou a ser produtor e provedor de serviços à população, que, por sua vez, se tornou cliente de tais serviços estatais. Dessa maneira, houve atuação positiva do Estado, com intervenção na sociedade civil e consagração dos chamados direitos sociais.

 

Após uma crise financeira, pois o Estado não mais conseguia, ele próprio, atender às crescentes demandas sociais da população, surgiu o Estado Regulador. Este passou ao particular a responsabilidade pelo provimento de inúmeros serviços ou demandas sociais antes atribuídas aos órgãos estatais, bem como ampliou a legitimidade das normas e das políticas públicas em geral, aumentando o viés democrático.

 

Enfim, (i) o Estado Liberal: (i.a) mantinha com a sociedade civil uma relação de protetor negativo, consagrando um modelo absenteísta; (i.b) vinculava-se a uma Constituição que consagrava a estrutura política do Estado e os direitos fundamentais de primeira geração, alinhados à proteção dos indivíduos e da propriedade frente ao Estado; e (i.c) guardava relação com uma Administração Pública Burocrática; (ii) o Estado Social: (ii.a) mantinha relação de clientelismo com a sociedade civil, por meio de condutas positivas e provedoras; (ii.b) possuía Constituição que consagrava os direitos de segunda geração, já preocupada com os direitos sociais; e (ii.c) guardava relação com a Administração Pública Burocrática; e (iii) o Estado Democrático de Direito: (iii.a) mantinha com a sociedade civil relação de colaboradores mútuos na formulação e execução de políticas públicas; (iii.b) consagrava uma Constituição dirigente e garantista, com regras e princípios, preocupada com os direitos de terceira geração; e (iii.c) guardava relação com a Administração Pública Gerencial.

 

Nesse contexto, portanto, é que serão apresentados alguns aspectos referentes à trajetória do Estado Liberal para o Estado Social e deste para o Estado Regulador, demonstrando-se as peculiaridades de cada fase estatal, como as crises que desencadearam a mudança de paradigma, os direitos que se pretendiam consagrar, a relação entre o público e o privado, a legitimidade dos direitos, as competênciasestatais e as formas de Administração Pública inerentes a cada tipo de Estado.

 

2. As crises que desencadearam a passagem do Estado Liberal para o Estado Regulador.

 

O ordenamento jurídico, assim como a organização do Estado, é dinâmico, de modo que, a cada conjunto fático que varia no tempo e no espaço, tem-se uma determinada concepção ou pensamento.

 

Na época do Estado absenteísta, entendia-se que o papel do Estado era o de garantir os direitos civis e políticos dos cidadãos, relacionados às liberdades individuais. Buscava-se o que hoje se entende por liberdade e igualdade formais. Assim, a postura estatal era eminentemente negativa, no sentido de garantir que os indivíduos convivam em sociedade sem interferências estatais. Tinha o Estado, pois, obrigação de não fazer consistente em ele próprio não interferir e obrigação de fazer consistente em impedir que os particulares interferissem uns nos outros a ponto de prejudicar o exercício dos direitos civis e políticos.

 

Nesse contexto é que surgiu a primeira crise que fez nascer o Estado Social ou produtor, qual seja, a percepção de que a garantia tão somente das liberdades e igualdades formais não se refletiam em igualdade na prática, o que se convencionou chamar de igualdade material. De fato, não se verificava a redução das desigualdades sociais. Via-se, ao contrário, poucos indivíduos usufruindo de vários serviços ou utilidades que não estavam à disposição de uma grande massa da sociedade. O clima era de desigualdade social na prática, com poucos serviços efetivamente disponíveis à população, o que provocou a reflexão sobre o papel do Estado para aquela época. A crise econômica, materializada pela queda da bolsa de valores de 1929, também reforçou a necessidade de ele prover os serviços necessários à sociedade.

 

Assim, o Estado, diante da crescente demanda da população por serviços ou utilidades e da sua incapacidade de se reerguer sozinha no período de crise socioeconômica de grandes proporções, passou a prover, ele próprio, tais serviços ou utilidades, atuando de forma positiva, diretamente na economia.

 

O avanço da tecnologia e da medicina, a certa época, já estava provocando um aumento tanto na variedade de necessidades quanto na quantidade de pessoas.  De fato, a complexidade da modernidade implicou uma maior quantidade de serviços a ser oferecido a cada vez mais pessoas, num contexto de acelerado crescimento populacional. A demanda por serviços cresceu a ponto de o Estado não mais conseguir provê-los. Tal situação se agravou em decorrência da crise fiscal das décadas de 1970 e 1980, ocasião em que se não havia mais recursos públicos para o provimento dos serviços.

 

Aponta-se a crise do petróleo de 1973/1974 e de 1978/1979 e o fim do sistema de paridade internacional lastreado no ouro como principais eventos que culminaram na crise fiscal. A poupança pública do Brasil, por exemplo, se tornara negativa, fulminando o resto do fôlego estatal para o provimento dos serviços, sobretudo num contexto de grande inflação. Com isso, surgiu a concepção do Estado Regulador, que se valeria de recursos privados para prover serviços públicos que deveriam ser prestados de acordo com os parâmetros ditados pelo Estado, por meio de órgãos reguladores.

 

3. As dimensões dos direitos fundamentais.

 

A Revolução Francesa consagrou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Diz-se, então, que a cada um desses valores correspondeu um perfil de Estado e, consequentemente ou vice-versa, um conjunto de direitos pelo qual se lutava. Assim, (i) a liberdade inspirou o Estado Liberal e os direitos de primeira geração, eminentemente individuais; (ii) a igualdade inspirou o Estado Social e os direitos de segunda geração, eminentemente sociais; e (iii) a fraternidade inspirou o Estado Democrático de Direito e os direitos de terceira geração, eminentemente ligados à solidariedade.

 

Os direitos individuais, então, são aqueles direitos civis e políticos, atinentes à liberdade, à propriedade, à igualdade forma, etc. São direitos eminentemente defensivos, em que o Estado atua de forma negativa a garanti-los.

 

Os direitos sociais, por sua vez, são aqueles direitos que visam a um bem-estar da população, como os trabalhistas, culturais, econômicos, os atinentes à saúde, lazer, educação, igualdade material, etc. Aqui os direitos são prestacionais, em que o Estado atua de forma positiva para garanti-los, provendo à sociedade o bem-estar esperado segundo os ditames constitucionais.

 

Os direitos de terceira geração, enfim, são aqueles de cunho coletivo, que ultrapassam a esfera eminentemente individual ou até mesmo social de determinado grupo. Dizem respeito a todas as pessoas, como o direito à paz, à autodeterminação dos povos, à comunicação, a um meio ambiente equilibrado, à conservação do patrimônio histórico, cultural e paisagístico, etc. Aqui, além da atuação positiva do Estado, também são necessárias, muitas vezes, atuações internacionais, como no caso da proteção ao meio ambiente.

 

O surgimento da geração seguinte de direitos obviamente não elimina os direitos das gerações precedentes. Ao contrário, pode-se dizer até mesmo que são pressupostos para que se lute pela concretização dos direitos das gerações seguintes. Por tal razão é que Paulo Bonavides propõe que essa sequência de direitos seja organizada por meio de dimensões de direitos, e não gerações, Segundo ele, uma geração confere a falsa ideia de que ela fica para trás, enquanto que a expressão “dimensão” dá a correta ideia de que os direitos vão se somando uns aos outros. Assim, haveria os direitos de primeira, segunda e terceira dimensões, sem aqui mencionar os de quarta de quinta dimensões, entendidos, também por Paulo Bonavides, como aqueles atinentes à democracia, à informação, à globalização, à bioética, etc.

 

Nesse contexto, os direitos das dimensões futuras servem à integração e à própria interpretação dos direitos das dimensões precedentes. Assim, o direito à propriedade deve ser interpretado no contexto dos direitos sociais e da solidariedade. Daí que surge, por exemplo, o princípio da função social da propriedade. Os direitos, assim, devem, em geral, ser interpretados à luz dos direitos das dimensões seguintes, sobretudo daqueles constitucionalmente consagrados.

 

4. A intervenção estatal e a relação entre o público e o privado.

 

4.1. Linhas gerais.

 

O Estado, durante sua transformação, sempre dispôs sobre as relações entre a esfera pública e a esfera privada, ou seja, entre o Estado e as relações ou atividades privadas, que devem ser entendidas como aquelas travadas entres os particulares, sem intervenções estatais, consubstanciando aquelas regidas pelo que se convencionou chamar de direito privado, como o direito civil, empresarial, etc. Ao contrário do chamado direito público, que se ocupa, em suma, das relações que envolvem o Estado, tal como o direito tributário, administrativo, penal, etc.

 

O direito público e o direito privado, no Estado absenteísta, praticamente não se comunicavam, havendo pouca intervenção estatal nas relações privadas ou na atividade econômica. É possível dizer que, já no Estado absenteísta havia certa intervenção estatal quanto às relações privadas entre cidadãos, no sentido de garantir-lhes as liberdades e garantias dos direitos civis e políticos, mas a intervenção direta do Estado na economia ou nas relações entre pessoas físicas e jurídicas era mínima.

 

Já no Estado produtor, passou-se a intervir tanto nas relações entre pessoas físicas e jurídicas quanto diretamente na atividade econômica. Na primeira hipótese, a intervenção visava à concretização dos chamados direitos sociais ou de segunda dimensão, ou seja, aos direitos trabalhistas, econômicos, culturais, etc. O Estado, enfim, teve que tutelar as relações entre consumidores e fornecedores, bem como entre empregados e empregadores.

 

Na segunda hipótese, a intervenção direta na atividade econômica representou a principal característica desse modelo de Estado produtor. Passou-se a gastar recursos públicos para custear a produção, organização e oferecimento de serviços e utilidades aos cidadãos. Essa situação provocou uma relação de clientelismo entre o Estado e o administrado (que, aliás, favoreceu o florescimento de uma passividade e apatia nas pessoas, afetando inclusive o espírito das gerações futuras). Nesse ponto, tem-se que o direito público começou a invadir o direito privado ou, ao menos, influenciá-lo com valores de interesse público, como função social da propriedade, por exemplo.

 

No Estado Regulador, por outro lado, ele deixou de, ele próprio, agir na economia para, ao contrário, regulá-la, ditando as regras com que os serviços devem ser prestados pelos particulares à sociedade. Aqui, a intervenção na economia é indireta, como se o Estado fosse direcionando seus rumos, bem como os dos serviços. Nesse caso, deixa de existir a relação de clientelismo do Estado produtor. Preocupa-se com a função social dos contratos, com a boa-fé objetiva, etc.

 

Nesse ambiente onde os serviços públicos já são prestados pelos particulares, por meio de delegação estatal, surge o Terceiro Setor, em que os particulares atuam em prol do coletivo por conta própria, sem interferência estatal, embora muitos dos atores do Terceiro Setor atualmente acabem contando com recursos públicos para suas atividades. Nesse ponto, destaca-se que, embora o Terceiro Setor estabeleça uma relação direta entre o particular e o interesse público, ainda é extremamente necessária a relação entre o Estado e o interesse público, em prol do particular (administrado), ou seja, ainda é necessário que o Estado intervenha de modo a garantir o interesse público, ainda que indiretamente, como ocorre no Estado Regulador

 

4.2. Intervenção estatal no Estado regulador.

 

O Estado Regulador se caracteriza por sua atuação indireta na economia e na sociedade, mas sempre visando ao interesse coletivo. Pode-se dizer que se trata de um modelo estatal misto, situado entre o Estado absenteísta (liberal) e o Estado produtor (social). De fato, enquanto neste último há uma hipertrofia estatal, naquele não há grandes preocupações em efetivamente promover os direitos fundamentais, sobretudo os de segunda e terceira dimensões. Destarte, o Estado regulador, visando a um modelo equilibrado, procura reduzir a máquina estatal, inclusive em razão de crises financeiras, mas ao mesmo tempo garantir os direitos fundamentais às pessoas, ainda que os serviços prestados o sejam por particulares atuando mediante delegação estatal.

 

Nesse contexto, e considerando a complexidade da vida moderna e o aumento da demanda por serviços, seja pelo crescimento populacional seja pelo aumento da quantidade de produtos ou serviços disponíveis no mercado, cabe ao Estado atuar em diversas frentes ou setores visando ao interesse público. Dessa forma, as competências estatais são aumentadas, não fisicamente, já que ele não mais presta diretamente serviços à população, mas do ponto de vista de responsabilidade pública.

 

O Estado passa a regular não só aquelas atividades anteriormente por ele exercidas (atualmente exercida por particulares mediante delegação estatal), mas também aquelas já originariamente privadas (exercidas por particulares sem necessidade de delegação estatal). O poder, então, passa a ser exercido sobre um número maior de atividades desenvolvidas por particulares.

 

A intervenção indireta na economia por parte do Estado regulador, nessa linha, é feita com base em regras e princípios que induzem o mercado a, além de perseguir seus lucros, satisfazer os interesses sociais em geral (a regulação busca efetivar vários valores socialmente relevantes). Isso é feito por incentivos, premiações, induções, restrições, fiscalizações e punições.

 

A passagem do Estado produtor para o regulador provocou, obviamente, a privatização de empresas estatais, passando para os particulares, por meio de delegação estatal fruto licitação, atividades que eram exercidas pelo Estado. Critica-se tal processo de privatização em razão de, ainda assim, ter contado, em vários casos, com dinheiro público, por meio de fundos de pensão públicos, financiamentos de bancos públicos de desenvolvimento, etc. O Estado, nesse momento, já não precisava ser patrimonialista. Sua função era moldar o mercado para que ele satisfizesse, com qualidade, as necessidades da população.

 

Nesse sentido é que outras atividades que não se enquadrem como exclusivamente estatais acabam sendo prestadas diretamente pelos particulares, inclusive por meio de parcerias com o chamado Terceiro Setor. Dá-se, dessa forma, um caráter público às atividades que podem ser exercidas por particulares, inclusive sem delegação estatal, mas que são socialmente relevantes para a sociedade. É o chamado processo de publicização.

 

5. Perfis de Administração Pública.

 

5.1. Linhas gerais.

 

A Administração Pública evoluiu juntamente com a evolução do Estado. Nada mais natural, uma vez que a Administração Pública integra o próprio Estado, entranhando-se em todo o funcionamento do aparato estatal. De fato, embora a expressão “Administração Pública” muitas vezes seja usada como sinônimo de Poder Executivo, o fato é que a função de administração pública está presente em todos os Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário), bem como no Ministério Público e, simetricamente, em todos os órgãos públicos dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Para funcionarem, têm que planejar, contratar, gerir, gastar, enfim, promover a administração pública pertinente às suas respectivas competências.

 

Temos, então, três perfis de Administração Pública: patrimonialista, burocrática e gerencial.

 

A Administração Pública patrimonialista é caracterizada pela noção de que a administração do Estado é “puramente pessoal do senhor”, como afirma Max Weber. Não há uma clara divisão entre o Estado e o príncipe ou governante. O Estado é organizado em função da pessoa do governante e acaba sendo considerado uma “extensão daquilo que lhe pertence”, para usar expressão contida no texto sob estudo.

 

Esse tipo de Administração Pública é calcada, pois, na noção de personalismo ou pessoalidade. Trata-se da distinção, proposta por Louis Dumont e mencionada pelo antropólogo Roberto da Matta, entre pessoas e indivíduos. Estes são os cidadãos em si mesmos, desprovidos de suas relações pessoais, ao passo que as pessoas deixam de ser vistas como “meros” cidadãos e passam a ser enxergadas em função de seus relacionamentos pessoais. O indivíduo desconhecido, então, dá lugar à pessoa conhecida, fazendo surgir o princípio da pessoalidade no funcionamento da administração pública.

 

Por outro lado, a Administração Pública burocrática passou institucionalizar sua forma de organização, conferindo poderes e competências de acordo com os órgãos institucionais que passaram a existir. Pode-se dizer que a noção de burocracia retira a pessoalidade da Administração Pública, consagrando o profissionalismo, a hierarquia funcional e, obviamente, o princípio da impessoalidade.

 

Reconhece-se a figura da instituição, dotada de autonomia existencial, dissociada das pessoas que ali trabalham e a representam. Não mais há, pelo menos conceitualmente, apropriação da Administração Pública e de seus cargos pelas pessoas. Em suma, passa-se a enxergar o Estado por meio de suas instituições. A visão de como garantir o bem estar da população também é burocrática: se precisam de transporte e telefonia, cabe ao Estado prover tais serviços diretamente aos administrados.

 

Por fim, evolui-se para a chamada Administração Pública gerencial, muito em função do inchaço da burocratização do funcionamento estatal. Esse momento reflete a presença do Estado regulador, por meio do qual os particulares passam a prover a sociedade de serviços, por meio de delegação estatal. A Administração Pública, nesse caso o Poder Executivo, “apenas” regula a prestação do serviço, sua qualidade, direcionando e fomentando o desenvolvimento do setor, bem como deixando que a relação consumerista se estabeleça entre o administrado e o particular prestador de serviços públicos.

 

Consagra-se, assim, para a Administração Pública, os parâmetros de governança corporativa já utilizados no setor privado, preocupando-se muito mais, por exemplo, com o princípio da eficiência. Pode-se dizer, então, que se mantém o espírito da Administração Pública burocrática, com reconhecimento das instituições, da impessoalidade e das formalidades, mas com o foco na eficiência prática em busca de resultados objetivos.

 

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi fortemente influenciada pelo modelo de Administração Pública burocrática, tendo consagrado, em seu texto original, o princípio do concurso público para acesso a cargos públicos, da licitação, da impessoalidade, etc. Posteriormente é que, sofrendo influência dos princípios da Administração Pública gerencial, foram incluídos no texto constitucional, por exemplo,a possibilidade de delegação aos particulares da prestação dos serviços de telecomunicações (emenda constitucional nº 8/95) e o princípio da eficiência (emenda constitucional nº 19/98).

 

5.2. Da Administração Pública patrimonialista à burocrática.

 

A Administração Pública burocrática institucionalizou a forma de organização do Estado, conferindo poderes e competências de acordo com os órgãos institucionais que passaram a existir. Pode-se dizer que a noção de burocracia retira a pessoalidade que marcava a Administração Pública patrimonialista, consagrando o profissionalismo, a hierarquia funcional e, obviamente, o princípio da impessoalidade.

 

Reconhece-se a figura da instituição, dotada de autonomia existencial, dissociada das pessoas que ali trabalham e a representam. Não mais há, pelo menos conceitualmente, apropriação da Administração Pública e de seus cargos pelas pessoas. Em suma, passa-se a enxergar o Estado por meio de suas instituições. A visão de como garantir o bem estar da população também é burocrática: se precisam de transporte e telefonia, cabe ao Estado prover tais serviços diretamente aos administrados.

 

Os servidores públicos efetivos são contratados não mais em razão de sua pessoa, mas em função de sua qualificação, aferidas em processo seletivo de concurso público, de amplo acesso a todos os cidadãos. O controle de sua atuação é feito com base nos procedimentos adotados e de como eles são observados, inclusive quanto ao horário de trabalho. Há, digamos, um controle de forma, sem tanta preocupação com a finalidade ou desempenho último do que se pretende.

 

Acerca dos princípios básicos da atividade administrativa, o retrato é bem aquele estipulado na redação originária do art. 37 da Constituição Federal, que trouxe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Percebe-se, pois, que a ideia é tratar a coisa pública com transparência, valor de qual, em última instância, decorrem todos esses princípios.

 

Disso resulta uma Administração Pública transparente, que contrata servidores efetivos por meio de concurso público e obras e serviços por meio de licitações, dando oportunidade igual, ao menos formalmente, a todos aqueles que pretendem manter vínculo com o Estado. É, de fato, um modelo de Estado burocrático, institucionalmente organizado e hierarquizado. As pessoas jurídicas de direito público passam a se organizar em órgãos desconcentrados e hierarquicamente estruturados independentemente das pessoas que nele estão.

 

5.3. Da Administração Pública burocrática à gerencial.

 

Da Administração Pública burocrática evolui-se para a chamada Administração Pública gerencial, muito em função do inchaço da burocratização do funcionamento estatal. Esse momento reflete a presença do Estado regulador, por meio do qual os particulares passam a prover a sociedade de serviços, por meio de delegação estatal. A Administração Pública, nesse caso o Poder Executivo, “apenas” regula a prestação do serviço, sua qualidade, direcionando e fomentando o desenvolvimento do setor, bem como deixando que a relação consumerista se estabeleça entre o administrado e o particular prestador de serviços públicos.

 

Consagra-se, assim, para a Administração Pública, os parâmetros de governança corporativa já utilizados no setor privado, preocupando-se muito mais, por exemplo, com o princípio da eficiência. Pode-se dizer, então, que se mantém o espírito da Administração Pública burocrática, com reconhecimento das instituições, da impessoalidade e das formalidades, mas com o foco na eficiência prática em busca de resultados objetivos.

 

Os servidores públicos, portanto, continuam sendo contratados por meio de concurso público e as obras e serviços por meio de licitação, mas o controle da atuação desses servidores é – ou ao menos deveria – estar preocupado com o desempenho e a finalidade que se pretende com os trabalhos, de acordo com as atribuições inerentes aos cargos.

 

Vê-se, pois, que o valor “eficiência” é o que motiva a Administração Pública gerencial, princípio inserido no art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998. Pode-se dizer que da eficiência também decorre a garantia de, no âmbito judicial e administrativo, razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, inserida no art. 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004.

 

A estrutura da Administração Pública, então, é organizada a fim de proporcionar uma economia de recursos públicos, racionalizando os gastos com infraestrutura e até mesmo racionalizando a produtividade dos seus servidores. Com isso, nessa busca por economia e de certa forma primando pela eficiência dos serviços públicos, passou-se a delegar aos particulares a exploração de atividades de interesse coletivo.

 

6. Considerações finais: Estado Regulador e Administração Pública gerencial.

 

Como visto, a Administração Pública gerencial se identifica com o Estado regulador, que, por sua vez, se caracteriza pela delegação do Estado ao particular da exploração de determinadas atividades antes só exploradas pelo Poder Público. Conferiu-se ao particular, então, liberdade para atuar nos diversos setores da economia, por meio de autorizações estatais, passando para o setor privado o papel de, diretamente, prover os serviços de interesse público à sociedade, ainda que sob orientações e determinações estatais, de modo a realmente atender aos interesses sociais da população. Busca-se, então, direcionar a prestação do serviço pelo particular de modo a garantir sua fruição por toda a sociedade (massificação), com acessibilidade (modicidade) e adequação às exigências da época (qualidade e atualidade).

 

Além disso, a Administração Pública gerencial também procura aproximar o Estado dos particulares, ou seja, os órgãos reguladores e formuladores de políticas públicas aos agentes econômicos e aos próprios cidadãos. Tal aproximação visa à legitimidade das regras e políticas públicas do setor, assim como à identificação das reais necessidades da população, a fim de supri-las da forma mais adequada possível.

 

É nesse contexto de integração público-privada que o Estado regulador promoveu a privatização de entidades públicas, transferindo ao particular a tarefa de efetivamente prover os serviços socialmente relevantes. Por outro lado, deu-se o fenômeno da publicização dos espaços públicos não estatais, por meio do qual os particulares se organizaram para prestar serviços relevantes, constituindo-se no chamado Terceiro Setor. Assim, tanto os agentes regulados quanto os particulares do Terceiro Setor prestam serviços socialmente relevantes, com a diferença que aqueles o fazem mediante delegação estatal, ao passo que estes, apesar de muitas vezes também interagirem com o Estado, o fazem por organização própria, ainda que fomentada e às vezes até mesmo financiada por órgãos estatais.Em razão de eventualmente obterem recursos públicos, sua atuação é ordinariamente fiscalizada pelo Tribunal de Contas e demais órgãos de controle do Estado

 

7. Bibliografia

 

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MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Direito das Telecomunicações e Anatel. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000;

 

MARTINS, Argemiro Cardoso Moreira Martins. A noção de Administração Pública e os Critérios de sua atuação.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 19ª ed., Editora Malheiros;

 

SALOMÃO Filho, Calixto. Regulação da Atividade Econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001;

 

 

 

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