Do clientelismo ao "habitus" precário: permanências e perspectivas para política no Rio de Janeiro


Pormarina.cordeiro- Postado em 09 maio 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Bruno Coutinho de Souza

As desigualdades econômicas e sociais interferem na manutenção e na formulação de novas formas de participação e deliberação políticas, inclusive para consolidação de novos líderes políticos locais.

Resumo

Baseado no referencial teórico sobre o funcionamento da democracia contemporânea brasileira, este trabalho tem como objetivo apresentar algumas definições sobre o conceito de clientelismo – consequentemente suas formas de organização social e política - e as dificuldades para se consolidar uma cultura de participação popular autônoma, desvinculada das lideranças legislativas locais e seus centros privados de assistência social. O objetivo deste trabalho é demonstrar como as desigualdades econômicas e sociais interferem decisivamente na manutenção e na formulação de novas formas de participação e deliberação políticas, inclusive para consolidação de novos líderes políticos locais. A partir desta constatação o conceito de habitus será desenvolvido para que possamos verificar até que ponto este conjunto de "dispositivos naturais pré-reflexivos" e suas demandas condicionam e / ou impedem a construção de uma esfera pública pautada na equidade de reconhecimento e participação. Para o desenvolvimento empírico deste trabalho, serão apresentados dados que demonstram realidades distintas entre duas regiões do município do Rio de Janeiro: Zona Sul e Zona Oeste. Como suas realidades podem interferir decisivamente nos tipos de políticas, na participação, e consequentemente, nos resultados.

Palavras-chave: clientelismo, habitus, participação, reconhecimento.


Introdução

Podemos observar que ao longo das décadas a decadência da prestação de serviços públicos, principalmente nas regiões mais afastadas do centro do Rio de Janeiro – subúrbios e periferias -, tem proporcionado o surgimento de "alternativas" de atendimento imediato, como os vários núcleos ou centros privados de assistência social, espalhados pelos subúrbios cariocas.

Esses espaços de assistência se desenvolveram em conseqüência da incapacidade dos governos (municipal, estadual e federal), e seus instrumentos implicadores de bem-estar social, em atender as necessidades destas populações, em sua maioria carente de "mínimos sociais" [01]. Saúde, educação, trabalho, transporte, lazer, e todo o básico da vida individual e coletiva, são apresentados e geridos, em suas instâncias de aplicação, de forma precária e insuficiente – quando existem - no que diz respeito a uma prática universalizante e igualitária dos acessos aos serviços citados.

Diante deste cenário, percebe-se o crescimento do número de parlamentares que desenvolvem projetos sociais de cunho pessoal, visando o atendimento destes pleitos [02], individuais e coletivos, não contemplados de maneira plena pelos recursos sociais oferecidos de forma institucional. Com a implementação de projetos que visam o atendimento destes pleitos, devido a precarização de uma universalização dos acessos, parlamentares acabam se orientando sob a perspectiva do fortalecimento e desenvolvimento de sua base eleitoral.

Em seus centros de assistência social, instalados preferencialmente nas periferias e nos subúrbios do Rio de Janeiro, estes parlamentares se apresentam como executores diretos de benefícios para população local, estabelecendo um elo estreito entre as parteso que ocasiona inclusive votações bem expressivas e concentradas nestas regiões (KUSCHNIR, 1996). Este movimento político, muitas vezes caracterizado como máquina política [03], tem se apresentado como uma alternativa real à incapacidade dos mecanismos institucionais em disponibilizar serviços universais de atendimento efetivo nas regiões mais afastadas dos centros de decisões.

Cada vez mais, onde se torna evidente a precariedade de atendimentos universais, bem evidenciado em diversos estudos sobre políticas sociais, torna-se claro o conjunto de ações que visam o atendimento de demandas da população através do personalismo, numa relação patron-cliente. Máquinas políticas se formam buscando atuar diretamente na viabilização destes recursos, através de seus representantes e de todo corpo integrante destas organizações partidárias. Somente através de um "conhecimento" [04] - elemento fundamental para que a estrutura de atendimento personalizado se desenvolva de maneira efetiva, explorado com maior profundidade no capítulo I - o sujeito tem a "garantia" de que suas demandas serão ouvidas e atendidas.

Muitas vezes, devido ao serviço que esses parlamentares oferecem através de seus centros de assistência social, observamos pessoas, até mesmo famílias inteiras, batendo em suas portas para pedir um "favor". Alguém que o "encaixe" no hospital, arrume um "bico" ou uma vaga de escola. Este tipo de relacionamento entre representantes e seu eleitorado acaba criando certa "intimidade" e dependência entre as partes, numa relação viciosa entre demanda e número de votos.

O capítulo I visa justamente apresentar a definição deste clientelismo como forma ou prática assimétrica de relacionamento entre os atores – eleitores e parlamentares – na dinâmica política, na busca por maximização dos interesses entre as partes, nas formas como se apresentam as soluções, como estas máquinas se organizam em sua dinâmica no cotidiano e como os vínculos se estabelecem a partir da diversificação das demandas clientelistas. Isto se dará, como veremos mais adiante, justamente pela falta de um processo que abarque de maneira indiscriminada todo o conjunto da população que necessita, principalmente, de atendimento público em serviços essenciais.

Diante deste cenário, que será detalhado ao longo do trabalho, poderíamos perguntar: por que na política brasileira, no caso, nos subúrbios do município do Rio de Janeiro, estas relações personalistas se mantêm de maneira tão forte e permanente? Por que o processo de desenvolvimento da cidade ocorreu de forma, no mínimo diferente, onde na Zona Sul se verifica serviços de transporte, saúde, escola e lazer, mais acessíveis à população, enquanto nos subúrbios – bairros que seguem a linha do trem e que há menos de um século ainda eram áreas rurais - depende-se ainda da ajuda de um parlamentar influente para realização das mesmas demandas?

Em áreas mais nobres da cidade as relações clientelistas também se apresentam como instrumentos da política. Mesmo em regiões onde se verifica um nível de desenvolvimento alto – como a Zona Sul do Rio que possui IDH [05] = 0,929 – tais parlamentares tentam criar elos mais estreitos entre eles e seus eleitores, principalmente em comunidades carentes. As relações de troca sempre vão ocorrer, sendo estas "um atributo variável de sistemas políticos macro e podem conter (em) maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre políticos". (CARVALHO, 1997)

Contudo, estas regiões mais "nobres" apresentam dados, que mostram uma estrutura onde seus moradores se encontram em uma posição econômica, social e cultural que impede – ou restringe - que tais parlamentares sejam a única via de acesso aos bens de serviço e consumo.

O capítulo II terá como objetivo discutir conceitos que caracterizam a precariedade, e o alto grau de desenvolvimento dos espaços, dando conta das configurações e de suas tradições na organização social. A noção de habitus desenvolvida por Pierre Bourdieu (2005) – "sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes" - será fundamental para tal empreendimento.

Da mesma forma, o mesmo conceito reinterpretado e aprofundado pelo sociólogo Jessé Souza (2006), no qual conceitua como habitus precário, será apresentado e problematizado, tendo como perspectiva a possibilidade de identificarmos elementos e ferramentas que possibilitem (ou pelo menos apontem) para construção de um habitus menos "precário" e mais "solidário".

O fato desses sujeitos não possuírem determinados "pressupostos do homem moderno" não significa que as relações sociais estejam exclusivamente pautados (e condenadas) sob os valores do mercado e do poder.

A meta é apontar para a necessidade de se criar um espírito crítico sobre legitimação da desigualdade, o que me leva a crer que construiríamos entendimentos mais sensatos sobre as formas de injustiças, a partir da "destruição de padrões sociais de comportamento e interpretação tidos como consensos cristalizados permeados por preconceitos". (MATTOS, 2004).

O objetivo neste ponto é pensar condições mais equânimes para a relação entre representantes legislativos, comunitários (político) e a população na participação das decisões políticas.

No capítulo III apresento dados que mostram a diferença entre bairros da Zona Sul e da região de Campo Grande, subúrbio do Rio de Janeiro, no que diz respeito à qualificação, posição e renda de suas populações. Serão comparados números que evidenciam a constituição de "tipos diferenciados de cidadãos", consequentemente de suas regiões. Poderemos constatar quantitativamente características que proporcionaram a "legitimação" de um ambiente propício para a prática de determinadas políticas sociais que evidenciam a distinção entre os subúrbios cariocas e as áreas mais nobres da cidade.

Concluindo, problematizarei a forma como se constituem as diferentes formas de percepção sobre o cidadão, como ele é reconhecido e como o enxergamos na orientação de sua busca pelo atendimento de suas demandas. Como pensamos a diversidade que possibilitou a constituição de nossa sociedade, em todo seu processo de incorporação ou não das diversas camadas sociais, e lógico, como vislumbramos a possibilidade de constituirmos novas formas de percepção da cidadania.


Capítulo I

Formas e práticas clientelistas

Sobre o comportamento clientelista, predomina certo consenso de que as relações assim denominadas se caracterizam especialmente por serem relações do tipo assimétricas, isto é, são estabelecidas entre pessoas que não possuem o mesmo grau, poder e status social. Além disso, ela se distingue por ser uma relação do tipo pessoal, em que predominam os contatos face a face, pela troca de serviços / bens materiais e imateriais – gentilezas, deferência, lealdade e proteção - entre os que se relacionam e pelo seu conteúdo moral, que remete freqüentemente à honra dos parceiros [06].

A noção de clientelismo foi originalmente associada aos estudos de sociedades rurais onde a relação social sempre foi marcada por contato pessoal entre os coronéis locais e os camponeses [07]. Estes últimos se encontravam em situação de subordinação, dado que não possuíam terra. Estavam sempre a "um passo da penúria", onde a desigualdade desempenhava "um papel-chave na sobrevivência tanto de coronéis quanto de clientes", gerando uma série de laços pessoais entre eles, do "compadrio" à proteção e lealdade política. (NUNES, 1997).

Na política contemporânea, o clientelismo ainda exerce papel fundamental no exercício das funções políticas, no que tange principalmente a orientação do parlamentar na obtenção de recursos cada vez maiores, junto ao executivo, através de emendas orçamentárias e participação nas Comissões de Orçamento, proporcionando-lhes possibilidades de aprovação e aplicação destes recursos em obras e projetos de cunho social em suas bases eleitorais.

Dentro do aspecto da demanda dos que proporcionam os serviços à população, além do status que também adquirem perante seu eleitorado diante dos atendimentos concedidos, esses parlamentares procuram fortalecer as suas bases eleitorais com mecanismos de atendimento eficaz, muitos deles conhecidos como centros de assistência. As bases eleitorais podem se entendidas como:

"Aquela rua que você mora, o bairro que você mora, a cidade que você mora, é aquela cidade onde você tem o vereador que é seu conhecido, que é seu amigo, tem o líder da Igreja que é seu amigo, o presidente da associação de moradores, da associação de bairros que é seu amigo... lugar onde você vai à festinha, à festa junina... é aonde, naturalmente, você volta e direciona sua atividade parlamentar.Depoimento de um deputado do PMDB-ES. (BEZERRA, 1999).

Contudo, BEZERRA (1999) chama a atenção, para o caráter móvel das bases, pois, elas nem sempre remetem a uma realidade fixa, podem representar uma rua, como um bairro ou uma cidade. Estão muito mais ligadas a um espaço das relações sociais do que propriamente ao espaço geográfico ora situado. O parlamentar vincula-se especialmente através de relações de amizade, conhecimento e compadrio. São os meios encontrados para que possam se inserir nas localidades, conservando permanentemente o contato com a base.

Esta relação também se efetua por meio da participação em atividades coletivas, isto é, que mobilizam e agregam os moradores como o futebol, as festas e a igreja. Como demonstrado por KUSCHINIR (1999), estes eventos criam laços de identificação mútua, construindo vínculos pessoais e conseqüentemente a integração imediata destes parlamentares à comunidade. Se faz fundamental este tipo de trabalho de sujeição ao cotidiano das pessoas comuns para que estas o vejam como pessoas desprovidas de prepotência e arrogância. O parlamentar precisa se tornar mais um neste momento, conquistando assim a confiança do seu eleitorado.

Para NUNES (1997), este comportamento se desenvolve devido a relação patron-cliente [08] estabelecida tanto em sociedades rurais ligadas ao mercado, quanto em centros urbanos capitalistas. O patron é aquele que possui contatos com o mundo exterior e tem comando sobre os recursos políticos externos. Possibilitam a realização de demandas a partir dos recursos que obtém, dos quais dependem os clientes. Logo, dentro destes universos "o mundo econômico e o social se confundem" constituindo assim um "sistema de valores que se sustenta em critérios pessoais e não-universalistas". O clientelismo acaba se configurando como "um sistema caracterizado por situações paradoxais":

(...) primeiro, uma combinação peculiar de desigualdade e assimetria de poder com uma aparente solidariedade mútua, em termos de identidade pessoal e sentimentos e obrigações interpessoais; segundo, uma combinação de exploração e coerção potencial com relações voluntárias e obrigações mútuas imperiosas; terceiro, uma combinação de ênfase nestas obrigações e solidariedade com o aspecto ligeiramente ilegal ou semilegal destas relações (...) O ponto crítico das relações patron-cliente é, de fato, a organização ou regulação da troca ou fluxo de recursos entre atores sociais" (NUNES, 1997: 28)

Centros de assistência e atendimentos

Para que estes vínculos se estabeleçam de fato, é necessário colocar em prática aquilo que o parlamentar se disponibilizou a realizar. Os centros de assistência, por exemplo, funcionam também como porta de entrada para população que precisa que suas demandas essenciais, como acesso a saúde e educação, aconteçam. Muitos parlamentares fazem inclusive o atendimento em sua própria casa, criando um maior vínculo de intimidade com seu eleitorado. São montadas estruturas físicas, com mesas, cadeiras, local de espera e até computadores que armazenam informações cadastrais dos eleitores. Funcionam como escritório destes parlamentares dentro das comunidades em que situam sua base eleitoral.

Em seus centros de atendimento o político local se torna um mediador e facilitador dessas demandas. Adquire notoriedade na comunidade, estabelece seu centro como ponto de convergência de interesses e constrói uma rede de colaboradores [09] que lhe ajudam na efetivação de determinados pedidos. Estes colaboradores são muitas vezes conhecidos como "assessores". São pessoas que atuam de maneira informal e estratégica, que conhecem bem a realidade da comunidade e que "falam a língua" dos moradores destas comunidades, no qual se oferecem tais serviços. Diferem de certa forma dos "conhecimentos", pois estes estão situados em cargos estratégicos dentro das repartições públicas (como veremos em Acessos).

Muitos serviços são prestados diretamente nesses centros. Atividades comunitárias de esporte e lazer, festas, bailes para terceira idade são alguns dos "benefícios" oferecidos pelos centros. Alguns vereadores montam uma verdadeira infra-estrutura particular de esporte e lazer, serviços que são pagos como aluguel de campos de futebol. Estes serviços acabam funcionando como moeda de troca eleitoral, onde os eleitores vêem na figura do legislador a representação do executivo em sua forma mais direta.

Mas para que os parlamentares consigam estes feitos para a comunidade, ele precisa estar bem relacionado com os seus facilitadores também. Este poder se manifestará justamente nas intervenções que fará nos órgãos públicos. Sua autoridade sobre o diretor do hospital, da escola e suas respectivas secretarias, garante vagas, operações, internações, remédios e atenção.

Esses facilitadores são seus conhecidos que trabalham dentro dos órgãos públicos. Além de exercer sua autoridade diante dos diretores e secretários estaduais, ele também precisa conhecer e se relacionar com base em troca de favores, os funcionários que executam seus pedidos ou que detêm o poder direto na linha de frente dos organismos. Estes acessos são os elos fundamentais para que se crie a relação bem sucedida entre solicitante e benfeitor.

Os órgãos públicos estão sempre de portas abertas para o parlamentar, mas na mesma proporção, dificultadas para o resto da comunidade. O que deveria ser procedimental e universal ocorre com a presença, ou indicação, da autoridade parlamentar ao seu conhecido, transformando a rotina em reconhecimento político permanente.

Acessos

Podemos entender acesso como o conhecimento que abre os caminhos para o atendimento dos pleitos. "Ter acesso é o que diferencia os parlamentares das demais pessoas" (KUSHINIR, 1993). Os acessos são fundamentais para que a política clientelista traga resultados satisfatórios para ambos os lados e estabeleça um grau de importância ao político perante a sua comunidade ou base eleitoral. Esses acessos não podem ser comprados, pois os mesmos não têm preço [10]. Para uma vereadora do subúrbio carioca, "poder econômico e poder político são de natureza distinta". Os acessos precisam ser conquistados através de um mandato e das alianças que o envolvem. Se eleito o maior benefício obtido pelo político não é o dinheiro, mas sua posição de intermediário ou "facilitador" [11].

Além da "conquista" do mandato, os acessos são ampliados através de nomeações realizadas pelos parlamentares eleitos. Estes oferecem cargos públicos aos seus aliados que trabalharão em nome dos seus contratantes, configurando uma verdadeira rede de relacionamentos. Segundo Edson Nunes, "estas redes envolvem uma pirâmide de relações que atravessam a sociedade de alto a baixo. As elites políticas nacionais contam com uma complexa rede de corretagem política que vai dos altos escalões até as localidades" (NUNES, 1999). Exercem um papel de intermediários entre os legisladores e os órgãos públicos aos quais estão ligados.

Segundo BEZERRA (1999), ao entrevistar parlamentares e seus assessores, acompanhando seus trabalhos desenvolvidos por seus gabinetes, na Câmara e no Senado, parcela significativa de deputados e senadores considera de tamanha importância e mobiliza grande parte de suas energias para o atendimento de pedidos de caráter particularista (como internações hospitalares, vagas em escolas etc) provenientes do que consideram como suas bases eleitorais [12].

No âmbito municipal, a lógica se apresenta da mesma forma. O vereador se orienta a liberar recursos públicos municipais para que suas demandas possam ser atendidas. Para isso, é necessário que este vereador tenha uma estrutura partidária que esteja em consonância com os objetivos do partido que ocupa vaga majoritária. É fundamental que ele tenha uma base político-partidária bem estruturada na região na qual pretende realizar tais ações.

Para que possamos entender como as relações assimétricas se desenvolvem com tanta eficácia em determinadas regiões faz-se necessário aprofundar o conceito de máquina política desenvolvido por Eli Diniz [13].

Máquinas Políticas

O conceito de máquina política foi amplamente difundido a partir dos estudos realizados e aprofundados pela sociologia e ciência política norte-americanas em estudos sobre a política local, nos grandes centros urbanos e largamente aplicados aos meios rurais. As "máquinas", em sua especificidade, estariam associadas à "prevalência de um estilo de ação essencialmente pragmático e flexível" onde se privilegiaria o peso determinante da legenda no direcionamento do voto, além das táticas eventualmente utilizadas para conquistar adesões e alargar bases de apoio eleitoral.

Em uma primeira análise as máquinas procurariam conquistar e manter o poder basicamente através de ações e métodos pouco lícitos, quando não abertamente ilegais. "Seus objetivos confundir-se-iam com os interesses privados de seus líderes, que, motivados por perspectivas de ganhos pessoais, desconsiderariam quaisquer preocupações de ordem mais geral, ligadas à defesa dos interesses coletivos e do bem público". (DINIZ, 1982:24).

Numa segunda conceituação, esta definição se absteria de uma conotação de natureza ética, assumindo uma postura mais neutra. Diniz utiliza a definição de Gottfried para mostrar esta definição de caráter mais abrangente. Gottfried afirma que "qualquer organização política estável, efetiva, dotada de liderança e hierarquia internas claramente definidas, integrada por membros disciplinados, pode ser considerada uma máquina política" (DINIZ, 1982:24).Seria uma estrutura, segundo outros autores da mesma linha, uma organização partidária caracterizada por uma estrutura centralizada de poder.

Logo, Diniz aponta para dois tipos de percepções acerca do processo partidário local: um ressaltando a importância de se apreender as especificidades da organização e suas implicações, do ponto de vista da competição partidária e a relação com os eleitores, e outra, como um processo diluído pelos efeitos preponderantes de uma imagem partidária consagrada nacionalmente.

Para tentar solucionar uma simplificação de um lado, e a perda de vista do objeto que se pretende investigar de outro, Diniz apresenta a visão relativizada de Gosnell, onde este apresenta aspectos não predatórios da máquina, "evidenciando seus efeitos integradores numa sociedade relativamente dispersa e desmobilizada, marcada por um considerável grau de diferenciação e fragmentação étnico-religiosa" (DINIZ, 1982:25). Com isso, as máquinas atenuariam conflitos de interesses, atenderiam uma gama diversificada de demandas, dando algum tipo de resposta não destrutiva deste tipo de organização política.

Em Merton, Diniz mostra que seu ponto de vista aprofundaria as questões mencionadas por Gosnell. "A despeito de suas origens históricas particulares, a máquina política adquire persistência e estabilidade, na medida em que se torne apta a favorecer os interesses específicos de distintos segmentos da população urbana, satisfazendo necessidades que, de outra forma, tenderiam a permanecer relegadas" (DINIZ, 1982:25). A máquina encararia o eleitor não como abstração, tendo como objetivo vê-lo como uma pessoa real que possui aspirações concretas.

Podemos pensar também que o representante no afã de um atendimento generalizado, o que teria um efeito bastante integrador e de retornos diferenciados, prestaria todo o tipo de assistência e ajuda pessoal, independente do status ou categoria social do solicitante, às diversas camadas e estratos sociais ou grupos representativos de determinada categoria profissional. Este retorno não necessariamente se converte em número de votos, mas em ajuda financeira para campanhas posteriores, publicidade "gratuita", fortalecimento dos acessos etc.

Diniz conclui que, partindo da premissa de que há certo grau de heterogeneidade interna, "qualquer organização politicamente efetiva é uma estrutura híbrida". Contudo, a autora faz questão de estabelecer diferenciações sobre certas técnicas de mobilização política, pois estas podem produzir resultados distintos. Ela procura se orientar à explicitação do princípio organizacional sobre o qual as máquinas políticas baseiam seu funcionamento.

A primeira dimensão apontada pela autora, como mecanismo de estabelecimento diferenciado de mobilização política é a dimensão motivacional. Estas organizações utilizariam este tipo de recurso para através da conquista mantivessem a lealdade dos seus quadros, bem como a fidelidade do conjunto mais amplo de seus seguidores e adeptos.

Com isso, Diniz expõe, a partir da definição de James Wilson, que "máquina política é a organização que se baseia no poder de atração das recompensas materiais", que incluem acesso a "empregos e cargos na administração pública pela manipulação da influência política dos dirigentes e quadros partidários, a obtenção de privilégios de diferentes tipos, desde contratos de fornecimento de bens e serviços para órgãos governamentais, até a maximização das oportunidades de realização de negócios particulares através de contatos políticos e tráfico de influência". (DINIZ, 1982:27).

Podemos evidenciar esta dimensão motivacional a partir de alguns exemplos expostos como: concessão de licença para exploração de transportes coletivos, a realização de obras de melhorias e conservação de estradas, a liberação de fundos públicos, a concessão de contratos públicos etc. Contudo, há diferenciação das demandas atendidas pelos representantes legislativos:

"... para o círculo dos negócios, o chefe político proporciona privilégios e oportunidades especiais que permitem ganhos econômicos imediatos. Para inúmeros outros subgrupos, essa prestação de serviços assume a forma de assistência e ajuda pessoal, envolvendo uma série de situações, desde aconselhamento jurídico, até a distribuição de bolsas ou a obtenção de uma vaga num hospital para internação de um doente, ou ainda a liberação de um empréstimo de emergência em uma agência estatal". (DINIZ, 1982:28).

Uma das táticas mais utilizadas, apontadas em estudos norte-americanos, além da patronagem e a defesa e adoção de medidas ligadas aos interesses e necessidades de segmentos específicos da população urbana, também a aprovação de dotações orçamentárias destinadas a introduzir melhoramentos locais beneficiando determinados distritos e clientelas eleitorais, para ampliar e diversificar suas bases de apoio.

Dinâmica das máquinas: os incentivos e as recompensas

Diniz aprofunda na análise de James Wilson que distingue em três modalidades básicas de incentivos para caracterizar a dinâmica e o estilo de ação das máquinas. São elas: incentivos materiais, "incentivos solidários" – subdivididos em específicos e coletivos -, e incentivos baseados nos propósitos e objetivos da organização.

O primeiro tipo de incentivo seria caracterizado pelos bens adquiridos desta natureza material. A máquina estaria voltada ao atendimento de recompensas, quer pela distribuição de benefícios tangíveis sob seu controle, quer regulando o acesso a esse tipo de benefício. Esses benefícios ainda podem ser classificados como exclusivos ou individuais. O primeiro estaria disponível somente para os membros da organização, que nessa qualidade, adquirem o direito de acesso a bens ou serviços por ela fornecidos ou prestados. Na segunda, aos que concedem num âmbito pessoal como recompensa a contribuições individuais a organização. Salários, empregos, cargos ou contratos seriam exemplos.

No tipo seguinte de distinção estaria relacionado simplesmente ao fato destes indivíduos pertencerem à associação, o que os proporcionariam acesso a "recompensas intangíveis". Os "incentivos solidários" são subdivididos em específicos e coletivos. São específicos quando estão relacionados a concessão ou não de cargos, títulos, honrarias ou deferências pessoais. Coletivosrelacionados aos bens de natureza indivisível, que acarretariam no benefício de todos os que integram o grupo, indiscriminadamente. Prestígio, visibilidade do grupo, a sociabilidade e o espírito de grupo seriam exemplos deste tipo de benefício.

A última modalidade se refere a busca por "benefícios intangíveis decorrentes do sentimento de identificação com as metas e os princípios gerais definidos pela organização". Contudo se diferencia da definição de "incentivos solidários coletivos" por buscar benefícios que tenham uma abrangência maior, visando atingir um público mais amplo, se diferenciando das máquinas na medida em que não valorizam apenas ou, sobretudo a incentivos que se revertem exclusivamente em benefício de seus próprios membros ou de clientelas específicas. Estaria relacionada a uma visão mais programática e ideológica dos objetivos e propósitos perseguidos pela organização.

Com isso, Diniz aponta distintas implicações para as quatro modalidades citadas, como graus distintos de constrangimento e influência sobre o incentivo utilizado em sua forma material ou simbólica. Enfatiza o que permeia os tipos de organização política, ou o que motiva tais organizações a agirem de determinada forma: os grupos pragmáticos, voltados para uma ação de incentivos materiais e os programáticos, teriam um "predomínio das motivações de natureza ideológica".

Contudo, podemos perceber que esta divisão não se dá de forma tão estática. Como sugere a própria autora, são "tipos-ideais" que nos servem como delimitadores analíticos de tais comportamentos. Sendo esses tipos de tática não-excludentes, "será portanto, o predomínio, e não a exclusividade, de um determinado padrão, o que permitirá apreender as diferenças apontadas" (DINIZ, 1982). Mesmo nesses grupos que buscam atingir metas de cunho mais programático, ou até mesmo em partidos que historicamente buscam recursos em torno de uma universalização dos atendimentos das demandas, partindo de premissas que apontam ao pensamento de esquerda, tendem a se comportar de maneira local, visando aumentar seus contingentes eleitorais (BEZERRA, 1999).

Weber ao analisar as lideranças políticas destas máquinas nos demonstra a semelhança entre eles e a figura do "boss" americano que seriam os empresários políticos capitalistas. Este empresariado, verificando a necessidade de se cortejar e agradar um número cada vez maior de "clientes", conseqüentemente, aumentando e organizando seu eleitorado, se volta ao caráter permanente de se viver exclusivamente da política, tornando-se um profissional que dirige partidos como empresas, maximizando assim seus "lucros" eleitorais. Estes, para que possam obter "lucros" cada vez maiores, se despem de qualquer tipo de agrupamento ideológico ou classista, tornando sua ação cada vez mais pragmática, objetivando conquistar cada vez mais cargos, mantendo e usufruindo os benefícios do poder. Essa seria a explicação para a ascensão do político profissional.

"Trata-se de um tipo de partido voltado para uma linha de ação essencialmente pragmática, onde as questões de princípio não desempenham um papel central". (DINIZ, 1982:28).

Mesmo havendo certa ênfase dos trabalhos ao trato material das relações entre partidos, membros e eleitores, não significa que em determinados momentos, principalmente em períodos eleitorais, o discurso não seja ampliado, dando um caráter mais abrangente, programático às propostas do partido. Logo, o espaço da ideologia vai variar de acordo o estabelecimento das conexões dentro da organização, com seus membros, com o meio externo, buscando o fortalecimento de bases de apoio e de sustentação.

Vários trabalhos já chamaram a atenção para o esforço dos dirigentes e líderes das máquinas de cidades americanas, no sentido de atrair os votos das classes média e alta, e não só dos estratos urbanos de baixa renda. No afã de obter maior votação entre as classes mais altas as máquinas também desenvolvem relações clientelistas entre as partes.

Sempre que pensamos em trocas assimétricas tomamos como base, talvez pelo processo histórico em que fomos submetidos (no qual ainda fazemos parte), uma relação economicamente diferenciada entre os que oferecem incentivos materiais e os que são beneficiados. Contudo, não podemos desconsiderar, como já foi mencionado desde o início, a diferenciação temática em torno de questões substantivas, de acordo com a articulação de interesses grupais específicos. Há uma estratégia racional, de conteúdo pragmático ou ideológico, em função do tipo de clientela que se busca atingir, e suas demandas que podem ser tanto materiais quanto de natureza indivisível (simbólicas).

O comportamento clientelista também pode se manifestar em partidos conhecidos como "de notáveis". Utilizando o Partido Comunista Italiano como exemplo, Diniz define que o "clientelismo dos notáveis transformou-se num sistema de patronagem baseado numa distribuição maciça de favores e proteção, através de uma ação combinada envolvendo governo e máquina política" onde os "partidos ideológicos podem comportar máquinas ao nível local" (DINIZ, 1982:35). Este tipo de comportamento pode se apresentar tanto em partidos de notáveis quanto nos chamados "partidos de massa".

Com isso podemos pensar que:

"Em sua tipologia, as máquinas são caracterizadas como uma espécie particular de partido político, cujo funcionamento baseia-se principalmente na utilização de incentivos materiais específicos, implicando dispêndio de recursos monetários, ou alocação de bens e prestação de serviços traduzíveis em termos monetários. Tais recompensas podem ser concedidas tanto aos quadros e militantes, quanto a pessoas não integrantes da organização partidária, porém que fazem parte de seu círculo de apoio, tais como eleitores de zonas eleitorais específicas, cidadãos influentes, proprietários de jornais, homens de negócios, entre outros". (DINIZ, 1982:32).

 

Vínculos partidários e diversificação dos clientes

Diniz diferencia as políticas de máquinas em três formas de clientelismo: um clientelismo personalista baseado na relação líder-seguidores, um clientelismo partidário, reforçando a identificação dos eleitores com a sigla partidária e um clientelismo de categorias, que se fundamenta na identificação do eleitor com questões substantivas, ligadas a interesses corporativos, profissionais ou religiosos, isto é, interesses de categorias específicas.

No fundo estes tipos de clientelismo se manifestam de forma não-excludentes. Cada tipo será viável dentro das possibilidades e dos objetivos que os líderes partidários considerarem adequadas para o momento. Num mesmo grupo ou partido, estas relações ocorrerão de forma simultânea, cada uma delas mais evidenciadas em determinados grupos ou classes sociais, dependendo do tipo de demanda que virá destes.

Um dos objetivos principais das máquinas políticas é tentar atingir o maior grau de atendimento, das mais diversas demandas possíveis, buscando conciliá-las ao menor grau de atrito possível. "A técnica da máquina é, portanto, uma técnica de compatibilização e não de enfrentamento, delineando-se um perfil multidiferenciado e multifacetado de representação de interesses" (DINIZ, 1982:39).

É nesse ponto que podemos chamar a atenção para o caráter limitado que este tipo de ação política possui. Como sua eficácia está voltada ao atendimento das especificidades de determinados grupos, inseridos em um cenário heterogêneo, suas ações esgotam-se no âmbito estrito das partes interessadas, já que não afetam os demais grupos em condições semelhantes. Logo "na medida em que não comporta extensão ou analogia e não gera, por conseguinte, expectativas de direitos comuns a um nível maior de agregação de interesses, desencadeia de fato efeitos inibidores da ação coletiva organizada" (DINIZ, 1982:39).

 

Com isso se estimula um tipo de organização vertical onde as relações pessoais se dão por laços de lealdade, não somente por identificação entre pares, mas pela expectativa de suas demandas atendidas. Este tipo de situação é comum em ambientes de baixo índice de vida associativa, em sociedades dispersas, fracamente articuladas e desmobilizadas.

Como o termo máquina freqüentemente está associado a um tipo de organização estruturada sob valores hierárquicos e altamente centralizada, sendo avaliadas negativamente pela comunidade política, seus integrantes acabam se fortalecendo no que diz respeito aos seus laços de lealdade e dependência pessoal.

No caso da ação assistencialista, função primordial para eficácia das relações clientelistas e constituição dos laços de dependência, na máquina ganha amplitude do seu raio de ação e alargamento das suas bases de sustentação. O caráter permanente das ações assistencialistas estabelece uma relação de reciprocidade viciosa, na medida em que o sucesso da organização se efetiva da sua capacidade de prestar serviços que deveriam ser adquiridos de forma procedimental, isenta e universal aos moradores de uma área, aos integrantes de um grupo ou categoria social.

Em suma, os parlamentares, através das máquinas, procuram se estabelecer como meios únicos de acesso aos bens desejados, tanto materiais quanto simbólicos. Mantêm-se através de suas formas de dominação estabelecendo a ordem de acesso e preservando o controle dos principais recursos de poder. Seus quadros, representantes locais, agem como intermediários da população junto às autoridades competentes. Abrem vias e canais informais através dos quais se dá a tramitação dos pedidos e a escolha das formas de atendimento:

"O que a cidadania define como um direito é concedido como dádiva daqueles que se situam em posição de poder". (DINIZ, 1982:43)


Capítulo II

Habitus: entendimentos sobre o conceito

As relações dentro da dinâmica das máquinas políticas se desenvolvem embasadas fortemente na assimetria dos atores políticos e sociais. As máquinas acabam consolidando e perpetuando ambientes de profunda desigualdade social. O conteúdo moral da relação, as diferenças de poder, a natureza das trocas, a durabilidade da relação e a afetividade entre os parceiros estão relacionados diretamente ao ambiente ou habitus que estes indivíduos e seus grupos estão inseridos.

Segundo Bourdieu (2005), habitus pode ser entendido como "sistema das disposições socialmente constituídas que, enquanto estruturas estruturadas e estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das práticas e das ideologias características de um grupo de agentes". (BOURDIEU, 2005:191).

Em outras palavras, habitus daria conta de um campo de atuação – e vivência - onde os sujeitos que se inserem neste espaço compartilham conjuntos de valores e significados. Ao mesmo tempo em que o habitus se encontra estruturado, quando colocado em oposição a um conjunto de signos externos, também estrutura, reproduzindo e reificando entendimentos reconhecidos por todos que compartilham determinado espaço.

É o princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação de tais práticas. Tem em si ao mesmo tempo o seu modus operandi (estrutura estruturante), que diz respeito às ferramentas de práticas estruturantes, e o opus operatum (estrutura estruturada) a parte sistematizada do habitus.

É justamente no modus operandi que Bourdieu busca o sentido atribuído pelos sujeitos, e seus grupos, às suas práticas cotidianas. É como tais sujeitos se vestem, quais obras de arte dão valor, quais esportes praticam – e com que freqüência -, qual alimentação faz parte do cardápio etc. E mais importante: como entendem e julgam tais práticas. O conjunto destas práticas construirá e legitimará o entendimento sistemático do opus operatum.

No habitus situa-se o sistema que estrutura todas as condições para composição das diferenças – se o sujeito é alto, baixo, feio, bonito, honesto, mau-caráter, sagaz, incapaz etc. – de todas as percepções possíveis – como se entende e classifica comportamentos e visões - e tão importante quanto é a "naturalização" dessas diferenças e percepções.

Em "A dominação masculina" o autor define o conceito como:

"... o produto de um trabalho social de nominação e de inculcação ao término do qual uma identidade social instituída por uma dessas 'linhas de demarcação mística', conhecidas e reconhecidas por todos, que o mundo social desenha, inscreve-se em uma natureza biológica e se torna um habitus, lei social incorporada". (BOURDIEU, p. 61).

O conceito de habitus não tem sua origem na obra do autor citado. Segundo São Tomás de Aquino, autor que introduz o conceito de habitus ao pensamento escolástico, o termo diz respeito a permanência de um tipo de ação que deriva da razão formal do objeto, e que consenquemente, para que se torne de fato hábito,

"ação seja da mesma espécie que se liga à razão do objeto, e que se ligue ao objeto sob tal razão, como é da mesma espécie a vista pela qual se vê a luz e pela qual se ver a cor dependendo da razão da luz". (Comentário ao Livro V da Ética a Nicómaco, de Aristóteles).

Desta forma, reiterando a perspectiva aristotélica, Bourdieu afirma que esta interpretação do conceito viria romper com o "paradigma estruturalista sem cair na velha filosofia do sujeito ou da consciência, a da economia clássica e do seu homo economicus que regressa hoje com o nome de individualismo metodológico" (BOURDIEU, p.61).

Quer dizer, a noção de habitus traz justamente o seu caráter ativo, a héxis que constitui o "primado da razão prática" ou, como em Aristóteles, a "disposição prática", permanente e costumeira, automática, e muito provavelmente despercebida, pertencente a um plano ontogenético.

Em "O poder simbólico" Bourdieu utiliza o conceito para evidenciar as capacidades "criadoras", ativas, inventivas do próprio habitus e do agente, onde o próprio conceito seria o conjunto de conhecimentos adquiridos, um "haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis (que) indica a disposição incorporada, quase postural -, mas sim o de um agente em ação... o ‘lado ativo’ do conhecimento prático... sair da filosofia da consciência [14] sem anular o agente na sua verdade de operador prático de construção de objeto". (BOURDIEU, 1989:61)

Quer dizer, mesmo o habitus se constituindo como espaço de incorporação de determinados valores e percepções, tendo em vista o teor de reprodução que toda estrutura impõe aos seus integrantes, Bourdieu não desconsidera a capacidade do sujeito, em punho de suas racionalidades, intervir e transformar seu espaço.

Mesmo considerando a permanência dos processos de reificação de determinado habitus, não podemos desconsiderar os mecanismos que se constituem em seu interior que possibilitam a resignificação destes espaços, fornecendo outro modus operandi na reestruturação da estrutura estruturada.

Neste sentido podemos pensar justamente em que medida tais espaços estão "condenados" a serem vistos de forma precarizada e subalternizada, partindo do princípio que todo juízo de valor – ou como utiliza Bourdieu o "gosto" - se constitui de um determinado lugar de fala, de um habitus bem definido e delimitado.

Habitus precário: uma leitura nas (ou para) sociedades periféricas

Nos últimos anos o conceito de habitus vem sendo reinterpretado e aprofundado por diversos autores da sociologia contemporânea. O sociólogo Jessé Souza (2006) define o conceito como o lugar onde há "a incorporação nos sujeitos de esquemas avaliativos e disposições de comportamento a partir de uma situação socioeconômica estrutural, (onde) então mudanças fundamentais na estrutura econômico-social deve implicar, conseqüentemente, mudanças qualitativas importantes no tipo de habitus para todas as classes sociais envolvidas de algum modo nessas mudanças." (SOUZA, 2003).

O autor subdivide analiticamente o conceito de habitus em três partes para que se possa dar conta de outras configurações da realidade. Como habitus primário, Souza (2003) define sua origem a partir do estudo realizado por Bourdieu sobre a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas do Ocidente. Esse habitus teria se originado na burguesia - primeira classe dirigente na história que trabalha -, quando logrou romper com a dupla moral típica das sociedades tradicionais, baseada no código da honra, e construiu, pelo menos em uma medida apreciável e significativa, uma homogeneização de tipo humano a partir da generalização de sua própria economia emocional – domínio da razão sobre as emoções, cálculo prospectivo, auto-responsabilidade etc. – às classes dominadas.

Essa esfera estaria no âmbito dos pressupostos fundamentais para constituição plena de uma cidadania jurídica e social, ligada à noção de Reinhardt Kreckel sobre a "ideologia do desempenho". Para este autor alemão esta "ideologia" se baseia na "tríade meritocrática" e que envolvem os seguintes quesitos: qualificação, posição e salário. Somente a partir da constituição destes requisitos o indivíduo se torna um "cidadão completo".

No que se refere ao "habitus secundário", este estaria na dimensão do "gosto", segundo Bourdieu. Estaria no limite do "habitus precário" para cima onde há a generalização do habitus primário para amplas camadas da população de uma dada sociedade. Tem a ver com uma fonte de reconhecimento e respeito social, onde operam critérios classificatórios e de distinção social. "Seria a personificação do gosto, o que definiria tais personalidades distintas, uma personalidade que aparece como resultado de qualidades inatas e como expressão de harmonia e beleza e da reconciliação de razão e sensibilidade, a definição do indivíduo perfeito e acabado". (SOUZA, 2003).

O ponto de aprofundamento está no conceito criado por Souza denominado "habitus precário". O conceito de habitus em sociedades periféricas ou de capitalismo tardio pode ser expandido ao seu nível mais precário, onde este seria o lugar da"ausência de um conjunto de predisposições psicossociais que reflete, na esfera da personalidade, a presença da economia emocional e das precondições cognitivas para o desempenho adequado ao atendimento das demandas – variáveis no tempo e no espaço – do papel de produtor, com reflexos diretos no papel de cidadão" (SOUZA, 2006).

Este estaria no limite do "habitus primário" para baixo. Os indivíduos que fazem parte deste contexto teriam "aquele tipo de personalidade e de disposições de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que, seja um indivíduo, seja um grupo social, possa ser considerado produtivo e útil em uma sociedade de tipo moderno e competitivo, podendo gozar de reconhecimento social com todas as suas dramáticas conseqüências existenciais e políticas". (SOUZA, 2003).

Os indivíduos deste habitus não teriam incorporado ao seu cotidiano os tais requisitos para que se constitua como "cidadão pleno e completo". Falta a ele um posicionamento adequado no mercado de trabalho, principalmente se atribuirmos ao trabalho o valor essencial para que se constitua a tal "tríade meritocrática". É a partir da sua qualificação, posição e do seu salário que se definirá como este indivíduo, e o seu grupo, será reconhecido dentro da sua sociedade.

"A ideologia do desempenho funcionaria assim como uma espécie de legitimação subpolítica incrustada no cotidiano, refletindo a eficácia de princípios funcionais ancorados em instituições opacas e intransparentes como mercado e Estado" (SOUZA, 2003)

Segundo o autor, se levarmos a discussão para a sua dimensão racial, nesse aspecto, no caso do negro a cor da pele seria "uma ferida adicional à auto-estima do sujeito em questão", pois o problema se encontra numa "combinação de abandono e inadaptação", destinos que atingem todos os indivíduos inseridos num contexto precário, independentemente da cor. O preconceito passa a se referir a certo tipo de "personalidade", julgada como improdutiva e disruptiva para a sociedade como um todo. Numa sociedade competitiva a cor passa a ser índice "relativo" [15] de primitividade e incapacidade.

Conseqüentemente, todos os atributos referentes a esse grupo, historicamente analisados de fora para dentro, através de olhares externos, sem que houvesse uma interferência efetiva do poder público para alteração de situações precárias, são gerados a partir de uma visão distanciada e preconceituosa. Este olhar externo busca encontrar "aspectos conspícuos da hierarquia valorativa do racionalismo ocidental moderno" como ordem, disciplina, previsibilidade e raciocínio prospectivo. Como "não as possuem" passam a ser vistos como subcidadãos que geram subdemandas.

Para Souza (2003), diferentemente das sociedades avançadas, onde o que está em jogo é a disseminação da noção de dignidade do agente racional, tornando-o conseqüentemente agente produtivo e cidadão pleno, sendo o habitus precário visto como fenômeno marginal, em sociedades periféricas como o Brasil, o que constitui a precarização dos agentes é justamente a concepção que se dá ao problema como "fenômeno de massas". Conseqüente há sua naturalização na produção social de uma "ralé estrutural". Logo, habitus precário:

"... implica a existência de redes invisíveis e objetivas que desqualificam os indivíduos e grupos sociais precarizados como subprodutores e subcidadãos, e isso, sob a forma de uma evidência social insofismável, tanto para os privilegiados como para as próprias vítimas da precariedade" (SOUZA, 2003)

Sem dúvida que neste aspecto o sociólogo brasileiro acerta quando aponta para dimensão precária destes espaços, no que diz respeito ao universo vivido por essas pessoas do habitus precário. Contudo, mais do que "ausência de um conjunto de predisposições psicossociais", há precariedade quando não se enxerga naqueles espaços o potencial interno para seu desenvolvimento material e humano. Quando não se percebe nas relações da "precariedade" elementos que promovem a dinâmica que não depende da aceitação de fora, burguesa.

Faz-se necessário analisar os reais motivos para marginalização dessa parcela da sociedade. Por que essas pessoas, sejam elas negras, mestiças ou brancas (ou suburbanas), que foram fundamentais no processo de desenvolvimento e afirmação de um modelo de economia no Brasil, hoje se apresentam como "inaptas" a ocupar determinadas funções dentro da sociedade capitalista moderna? O que leva a esta situação e a faz permanecer "inalterada" em sociedades periféricas como a nossa?

Por esse caminho podemos pensar também em que medida avançamos na nossa própria leitura sobre o que é "precarização". Precariedade de quê? Precariedade pra quem? Será que essas pessoas do habitus precário estão condenadas a uma estrutura estática de mobilidade sócio-econômica, ou o entendimento sobre os processos de desenvolvimento dentro da precariedade não são enxergados em sua plenitude? Quais valores permeiam as avaliações de fora do habitus precário?

Logo, cabe refletir se a própria leitura que se faz sobre a "subcidadania" não contribui para reificação das relações de dominação, consequentemente, clientelistas.

Capítulo III

Zona Sul e o Subúrbio carioca: distintos habitus para política

Para uma análise mais concreta - ou pelo menos para apontar a necessidade de um estudo mais aprofundado empiricamente sobre o comportamento das máquinas políticas a partir do habitus em que os atores estão inseridos -, faz-se necessária a caracterização das regiões trabalhadas aqui, assim como a apresentação de dados [16] que delineiem a formação desses espaços.

Neste terceiro capítulo, tenho como objetivo mostrar de forma mais clara e concreta como as diferentes regiões do município do Rio de Janeiro se apresentam como espaços que se diferenciam também em sua constituição humana e material, o que consequentemente influirá sobre os significados que cada um deles possui pelo outro.

Mais que isso, como as relações assimétricas podem se configurar de maneiras muito distintas, principalmente se considerarmos que em uma arena política atores que possuem maior grau de instrução, maior salário e melhor posicionamento social, provavelmente terão maior poder de barganha e negociação, não se submetendo à imposições políticas por conta de sua situação material e simbólica.

Divisão espacial: regiões

O município do Rio, administrativamente, é divido em doze (12) regiões – Zona Norte, Ilha do Governador, Irajá, Bangu, Grande Méier, Leopoldina, Jacarepaguá, Tijuca/Vila Isabel, Centro, Barra da Tijuca, Zona Sul e Campo Grande - segundo o Plano Estratégico da Cidade [17] (2000) realizado pela Prefeitura da cidade. Dentre essas doze, utilizarei as duas últimas regiões como exemplos concretos, para que possamos identificar as diferenças que permeiam a constituição de tais habitus sociais, conseqüentemente e como a política se orienta em sua aplicação à população.

Tabela 1

IDH e suas dimensões segundo as regiões do Plano Estratégico.

 

Regiões

IDH-Longevidade

IDH-Educação

IDH-Renda

IDH

Cidade do Rio

0.754

0.933

0.840

0.842

Centro

0.782

0.918

0.786

0.829

Zona Sul

0.860

0.971

0.957

0.929

Tijuca/Vila Isabel

0.837

0.983

0.922

0.914

Grande Méier

0.804

0.955

0.816

0.858

Leopoldina

0.759

0.920

0.751

0.810

Ilha do Governador

0.793

0.932

0.806

0.844

Irajá

0.758

0.928

0.778

0.821

Zona Norte

0.761

0.929

0.739

0.810

Barra da Tijuca

0.779

0.907

0.880

0.855

Jacarepaguá

0.794

0.937

0.800

0.844

Campo Grande

0.708

0.900

0.690

0.766

Bangu

0.748

0.930

0.736

0.805

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Região Zona Sul

Dentro de uma perspectiva espacial do Rio de Janeiro, a zona sul do Rio de Janeiro, em todo seu conjunto de aspectos simbólicos que permeiam a construção de um ideal de vida urbana, tem o mais alto IDH do município (0.929), conforme visto na Tabela 1. Entre os números que compõem o índice de desenvolvimento, é a 1ª colocada em longevidade (IDH-L=0,860), 2ª em educação (IDH-E=0,971) e 1ª em renda (IDH-R=0,957).

Está divida em uma área de 4.387 hectares onde residem 630.473 habitantes, segundo o Censo 2000. Sua densidade bruta de 143,7 habitantes por hectare se apresenta como a segunda maior entre as 12 regiões do Plano Estratégico que compõem o Município do Rio de Janeiro. Esta região é formada por 18 bairros: Botafogo, Catete, Copacabana, Cosme Velho, Flamengo, Gávea, Glória, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Leme, Rocinha, São Conrado, Urca e Vidigal.

Segundo dados do instituto, a atividade econômica local é composta por cerca de 21.000 estabelecimentos, 94,7% dos quais são do segmento de comércio e serviços, empregando aproximadamente 186,6 mil pessoas, o que representa a segunda maior região empregadora da cidade. O volume de negócios gera R$ 162,8 milhões de ICMS (US$ 140,3 milhões), a oitava maior arrecadação entre as regiões do Plano Estratégico.

Quanto à renda, a média desta população local é de 15 a 19 salários mínimos. Se tomarmos o bairro da Lagoa como exemplo, temos uma faixa que pode alcançar até 26 salários mínimos.

Tabela 2

Renda Média (Zona Sul)

 

Bairros

Renda (Salário Mínimo)

São Conrado

20 a 26

Jardim Botânico

Lagoa

Leblon

15 a 19

Ipanema

Humaitá

Urca

Gávea

8 a 14

Copacabana

Botafogo

Flamengo

Leme

Laranjeiras

Cosme Velho

Glória

Catete

Rocinha

2 a 7

Vidigal

Fonte: Instituto Pereira Passos.

De acordo com a tabela 3, verificamos que 55,1 % da população de responsáveis por domicílios particulares permanentes do bairro Leblon estudaram entre 15 e 17 anos. Entre os que estudaram os nove (9) anos iniciais, o que corresponderia à totalidade do ensino médio, tem 20,3 % da população.

Tabela 3

Responsáveis pelos domicílios (Leblon).

 

Anos de estudo (Leblon)

N.°

%

Parciais

Sem instrução

174

0,97

20,34

1 ano

219

1,22

2 anos

170

0,95

3 anos

275

1,53

4 anos

824

4,6

5 anos

231

1,3

6 anos

142

0,79

7 anos

290

1,61

8 anos

1.231

6,87

9 anos

89

0,5

10 anos

207

1,15

24

11 anos

2.501

14

12 anos

306

1,7

13 anos

451

2,51

14 anos

831

4,63

15 anos

3.801

21,2

55,1

16 anos

3.569

19,9

17 anos

2.520

14

Não determinado

85

0,47

0,47

Total

17916

100

100

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Região Campo Grande

Com relação ao conceito subúrbio – espaço territorial de localização da região Campo Grande - podemos entendê-lo como "setores a oeste e norte da cidade, por bairros, que se formaram entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, cujas terras alcançadas pelas linhas de bonde e pelas estações ferroviárias foram convertidas para o uso residencial e outras funções urbanas como a indústria, o comércio e instalações militares" (FERNANDES, 1996)Contudo, o conceito carioca para o termo está definido a partir de três noções: "o trem como meio de transporte, predomínio da população menos favorecida e relações íntimas e freqüentes com o centro da cidade" (SOARES, 1960). Segundo FERNANDES (1996), a palavra também representa "uma relação de subordinação política, econômica e cultural do subúrbio para com a cidade".

São espaços geográficos que inicialmente representavam "margem, borda, periferia além dos muros da cidade" (FERNANDES, 1996) e que por sua localização e distância do centro comercial e econômico, passam a não ser vistos como espaços pertencentes à própria cidade. A partir desta visão, foram criados pré-conceitos com relação a estes lugares, seus símbolos, seus habitantes e tudo o que representam fora da "dimensão infra e ultra jurídica do respeito social compartilhado socialmente" (SOUZA, 2006).

Com isso, a partir dos dados trabalhados, podemos apontar para um posicionamento no mínimo diferenciado destas duas populações no que tange a estrutura de organização da própria cidade do Rio de Janeiro, no mercado de trabalho e nas suas funções. E tão importante quanto: como cada indivíduo, dependendo de onde, porque para quem fala, se apresentará nos espaços disponíveis para uma participação política mais efetiva e consensual.

Na Região Campo Grande, está como médio desenvolvimento humano, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano - IDH (0,766), o que faz a região ocupar a última posição quando comparada com as 12 regiões do Plano Estratégico. Estes números fazem dela a região de menor desenvolvimento humano da cidade. Entre as dimensões que compõem o IDH, também apresenta os piores resultados em longevidade (IDH-L=0,708), educação (IDH-E=0,900) e renda (IDH-R=0,690).

A Região Campo Grande cobre uma área de 46.996 hectares, onde residem 896.856 habitantes, segundo o Censo 2000. Possui o território mais extenso e o maior contingente populacional entre as 12 regiões do Plano Estratégico que compõem o Município do Rio de Janeiro. Representa uma das menores densidades brutas (19,1 habitantes por hectare, quando comparadas às demais regiões), e composta por 11 bairros: Barra de Guaratiba, Campo Grande, Cosmos, Guaratiba, Inhoaíba, Paciência, Pedra de Guaratiba, Santa Cruz, Santíssimo, Senador Vasconcelos e Sepetiba.

A atividade econômica local se desenvolve através de 3.700 estabelecimentos, nos quais 87,2% são do segmento de comércio e serviços, gerando aproximadamente 49 mil empregos diretos e indiretos. O volume de negócios gira em torno de R$ 256,9 milhões de ICMS (US$ 221,3 milhões), ocupando a sexta colocação em arrecadação da cidade.

No bairro de Inhoaíba, por exemplo, 77,8 % da população responsável pelos domicílios particulares permanentes cursaram 9 anos, o que corresponderia à totalidade do ensino fundamental. Se contarmos com os três anos de ensino médio, teremos 97,4 % da população. Temos ainda 7,9 % dos responsáveis que não possuem instrução formal qualquer.

Tabela 4

Responsáveis pelos domicílios (Inhoaíba).

 

Anos de estudo (Bairro Inhoaíba)

N.°

%

Parcial

Sem instrução

1.301

7,9

77,8

1 ano

570

3,5

2 anos

747

4,5

3 anos

1.071

6,5

4 anos

3.282

19,9

5 anos

1.242

7,5

6 anos

788

4,8

7 anos

886

5,4

8 anos

2.536

15,4

9 anos

413

2,5

10 anos

552

3,3

19,6

11 anos

2.415

14,6

12 anos

131

0,8

13 anos

78

0,5

14 anos

68

0,4

15 anos

246

1,5

2,5

16 anos

84

0,5

17 anos

65

0,4

Não determinado

12

0,1

0,1

Total

16.487

100

100

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Quanto à renda, a população do bairro de Inhoaíba, por exemplo, apresenta uma média que varia entre 2,1 e 2,5 salários mínimos. Os bairros com as melhores faixas médias de salário são Campo Grande, Pedra e Barra de Guaratiba: entre 3,1 e 3,6 salários.

Tabela 5

Renda Média (Região Campo Grande)

 

Bairros

Renda (Salário Mínimo)

Campo Grande

3,1 a 3,6

Pedra de Guaratiba

Barra de Guaratiba

Santíssimo

2,6 a 3,0

Senador Vasconcelos

Sepetiba

Santa Cruz

2,1 a 2,5

Paciência

Cosmos

Inhoaíba

Guaratiba

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Se compararmos as duas regiões, como demonstra a Tabela 6, verificaremos o quanto às mesmas se distanciam no aspecto "qualidade de vida" que suas populações conquistaram ao longo dos anos, principalmente se compararmos suas rendas médias.

Tabela 6

Índice de desenvolvimento humano das duas regiões

 

Regiões

IDH-Longevidade

IDH-Educação

IDH-Renda

IDH

Zona Sul

0.860

0.971

0.957

0.929

Campo Grande

0.708

0.900

0.690

0.766

Fonte: Instituto Pereira Passos.

Desta forma podemos observar como as duas regiões se diferenciam em suas constituições. O grande distanciamento de IDH entre locais muito próximos, se considerarmos que estão no mesmo município. Do grande abismo que separa realidades tão distintas e reforça preconceitos e estigmas, que aprisionam e legitimam relações de submissão, dominação e violência. Mas que também fornecem a força necessária para a construção de novos entendimentos locais e regionais.

Considerações finais

Podemos identificar através da leitura que se faz sobre o que seria a tal "tríade meritocrática" – qualificação, posição e renda -, que os processos de reconhecimento sobre as necessidades no "habitus precário", por parte do poder público, se apresentam tão míopes quanto o olhar que constrói o entendimento sobre o que é ser cidadão pleno.

Os dados demonstram o alto grau de vulnerabilidade que os subúrbios da cidade estão submetidos. Escancara a enorme dificuldade que a estrutura estatal apresenta para implementar, gerenciar e avaliar políticas institucionalizadas e universais para esta população. Na sua incapacidade de provisão, o Estado reifica o quadro de desigualdades, consequentemente, as máquinas políticas que se instalam com maior força, cumprindo um papel personalista e "eficiente" da dinâmica política.

Diante de tal precariedade, Diniz reflete sobre os processos internos das máquinas políticas que orientem, e dão sentido, às ações individuais e de grupo. Em sua exposição sobre as "recompensas intangíveis" nos fala sobre os "incentivos solidários", subdivididos em específicos e coletivos, e que estariam relacionados aos bens de natureza indivisível. Estes acarretariam no benefício de todos os que integram o grupo, indiscriminadamente. Prestígio, visibilidade do grupo, a sociabilidade e o espírito de grupo seriam exemplos destes incentivos.

Contudo, percebemos que muito mais que prestígio e bens simbólicos – não menos importante para análise das demandas -, esta população ainda busca o atendimento de bens essenciais para que sua vida seja no mínimo decente. A dependência da "graça" para bens essenciais (saúde, educação, saneamento etc.) ainda se evidencia de forma estarrecedora.

Weber (2003) afirma que "supõe-se na realidade que a obediência dos súditos é determinada pelo temor ou pela esperança", onde suas demandas de fato serão atendidas. Como se somente estes líderes fossem capaz de mudar sua realidade, mesmo de forma imediata e finita. Resultado da profunda e histórica assimetria entre os atores envolvidos na arena política.

 

Neste ponto, podemos utilizar os três tipos puros de dominação desenvolvidos por Weber (2003) para demonstrar como as estruturas das máquinas não só se definem por relações carismáticas, como também se legitimam sobre o discurso da legalidade, embasados por um resgate histórico – tradição – dos subúrbios:

"...em princípio existem três justificações internas como fundamentos da legitimação da dominação. Em primeiro lugar, a autoridade do passado eterno, ou seja, dos costumes consagrados por meio de validade imemorial e da disposição de respeitá-los. É a dominação tradicional exercida pelo patriarca ou pelo príncipe patrimonial de outrora. Há também a autoridade do dom da graça, em que se fundam os poderes extraordinários de um indivíduo (carisma). Essa dominação tem como fundamento a devoção e a confiança absolutamente pessoais na revelação, no heroísmo ou em outras qualidades de caráter eminentemente pessoal. Essa é a dominação carismática, tal como é exercida pelo profeta ou – no campo da política – pelo chefe guerreiro eleito, pelo grande demagogo, e pelo chefe de um partido político. Finalmente, temos a dominação imposta por meio da legalidade, fundada na crença da validade do estatuto legal e da competência funcional baseada em normas racionalmente definidas. Essa é a dominação exercida pelo moderno servidor do Estado e por todos os detentores do poder a ele assemelhados." (WEBER, pg.11)

Nos subúrbios temos sempre presente uma "atmosfera" de dominação tradicional. O elo entre a figura do parlamentar e as origens de um passado pautado numa tradição familiar. Principalmente na Zona Oeste da cidade, onde tais espaços foram concebidos a partir de uma estrutura agrária, a relação patriarcal ainda exerce relativo peso nas relações sociais entre o parlamentar e a comunidade. Estes líderes, dotados de qualidades carismáticas, se apresentam como "solucionadores" de todos os problemas da comunidade. Como vimos, são eles que "abrem as portas" para o acesso aos bens de consumo e serviço institucionais.

Ainda, como precisam estar em consonância com as diretrizes político-partidárias e o discurso da "política moderna", profissionalizam suas ações através de centros de assistência, dando assim um caráter institucional ao atendimento, mesmo que seja por meios de recursos privados. O parlamentar passa a ser a figura da política na região, estabelecendo um vínculo permanente de dependência entre as partes.

Neste aspecto, a configuração social dos subúrbios cariocas estaria "preparada" para os tipos ideais apresentados por Weber. Ambiente adequado para práticas assistencialistas e clientelistas de atendimento das demandas, conseqüentemente, consolidação das bases eleitorais.

Para uma possível superação das relações que impedem que sujeitos assimétricos politicamente se coloquem de maneira equânime na esfera pública, ou nas próprias arenas deliberativas, faz-se necessário que políticas públicas promovam ações que "libertem" de fato os "inaptos".

Que libertem das esteriotipações e insiram os sujeitos paridade de posicionamento e reconhecimento, independente da sua qualificação, posição ou renda. A cidadania se desenvolverá justamente nos processos de constituição e firmamento das identidades dentro de espaços adequados para a deliberação, formulação, fiscalização e acompanhamento das políticas públicas. Enfim, para a prática democrática.

Segundo Souza (2006) a população que se situa dentro desta precarização social, ou do "habitus precário", continua não incorporada ao processo de desenvolvimento da nossa sociedade. Os mesmos negros e trabalhadores rurais que não possuíam qualidades essenciais para se inserirem a estrutura burguesa, que se apresentava como solução pra o nosso atraso no início do século XX, permanecem a margem de todo processo. Continuam não atendendo às demandas que uma sociedade de tipo moderno e competitivo precisa para crescer e se desenvolver como "celeiro do mundo no século XXI". E assim continuamos acreditando no "fetiche" do crescimento econômico como solução do nosso atraso secular, como se este fosse por si só resolver o grave problema de distribuição de renda do país.

Souza (2003), para justificar seu argumento, se utiliza da obra de Florestan Fernandes (1978) - A integração do negro na sociedade de classes – para mostrar que o projeto burguês para desenvolvimento do país, que se apresentou como alternativa à política dos grandes coronéis, não foi capaz de absorver grande parcela da nossa sociedade, principalmente descendentes de escravos e trabalhadores rurais, configurando ambiente propício para perpetuação de tais relacionamentos assimétricos.

Segundo Florestan, negros e mulatos tiveram o pior ponto de partida rumo ao "progresso", na transição da ordem escravocrata para a ordem competitiva. Foram abandonados a própria sorte pela Igreja e pelo próprio Estado. Consequentemente gerou-se um cenário de drama social sobre os processos de adaptação do liberto a nova conjuntura que se apresentava.

Não só os negros, como todos os indivíduos que viviam em função de uma estrutura rural e se viam neste momento numa nova realidade. Onde os valores do progresso e da modernidade estavam longe de suas realidades cotidianas. De certa forma, se incorporarmos os estratos "despossuídos" e os "dependentes" em geral, de qualquer cor, às condições de inadaptação ao novo modelo de organização social, podemos afirmar que a população negra estava compatível com a dos dependentes rurais brancos.

Contudo, por outro lado, se pensarmos que da mesma forma que seus corpos e mentes não foram enxergados como aptos para o desenvolvimento destas atividades que configurariam este mundo moderno do trabalho, também suas intersubjetividades e seus valores organizacionais não foram enxergados, assimilados e entendidos por aqueles que detinham no momento maior grau de relevância no mercado e na política.

É justamente este ponto que considero importante para me contrapor à perspectiva de Souza. É evidente que sujeitos que estão em espaços onde a vida se apresenta cada vez mais precária tendem a provocar o desconforto social das classes média e alta da sociedade, e na maioria das vezes, como afirma o sociólogo brasileiro, a indiferença [18].

Sem dúvida que Souza apresenta argumentos fortes e pertinentes para legitimar sua idéia sobre "invisibilidade da pobreza". Contudo, é importante definirmos bem de quem estamos falando, de que local as construções ideais surgem e para quem, ou com que grupo estamos dialogando.

Quando consideramos que parcelas da sociedade não possuem um "tipo de personalidade e de disposições de comportamento que não atendem às demandas objetivas para que, seja um indivíduo, seja um grupo social, possa ser considerado produtivo e útil em uma sociedade de tipo moderno e competitivo, podendo gozar de reconhecimento social com todas as suas dramáticas conseqüências existenciais e políticas" (SOUZA, 2003), estamos falando de um lugar burguês da vida.

É neste sentido que talvez possamos utilizar o conceito de habitus utilizado por Bourdieu. O habitus que traz a noção de ação, seu caráter ativo, a héxis que constitui o "primado da razão prática", já identificado na obra de Aristóteles. A sua "disposição prática", que mesmo que seja permanente e costumeira, automática, não se desconsidere a possibilidade de mudança e transformação.

Como foi dito, e que vale a pena ressaltar, considerar o ‘lado ativo’ do conhecimento prático... sair da filosofia da consciência sem anular o agente na sua verdade de operador prático de construção de objeto". (BOURDIEU, 1989:61)

Na teoria de Souza, não se considera qualquer outro tipo de conjunto de valores que organize, construa, permeie as relações intersubjetivas e mais, que se contraponha a ditadura das formas de pensar do mundo "moderno". Isso porque, o autor considera essencialmente o olhar "de fora" como referência para construção de um entendimento "de dentro".

Jessé afirma que os sujeitos do habitus precário estariam condenados a uma "não-civilidade" permanente, uma condição natural de "selvagens", pois, a naturalização da desigualdade periférica não chega à consciência de suas vítimas, precisamente porque está construída sob os pilares valorativos da impessoalidade, peculiarmente, opacas e intransparentes (SOUZA, 2003:179).

Como nossa sociedade faz-se sob valores da modernidade, instrumentalizados pela individualidade impessoal e sedimentados sobre a tal "tríade meritocrática", os próprios "precários" reproduziriam tais comportamentos, e se enxergariam de fato como "subcidadãos", reificando relações de dominação e distinção, tornando-as inalteradas e fadadas à eternidade.

Contudo, poderíamos pensar também que estes espaços estruturam e são estruturados sob um conjunto de valores – como a solidariedade, o compromisso e a parceria – justamente por estarem nesta condição "precária". Poderíamos pensar em um habitus solidário...

Este habitus seria o espaço de trocas mais comunitaristas, que emprega outra dinâmica social de compromisso coletivo dentro da precariedade de serviços. No habitus solidário poderíamos inserir comunidades ribeirinhas, favelas do Rio de Janeiro - da Zona Sul ou do Subúrbio -, comunidades indígenas, quilombolas e todos os agrupamentos que de certa forma não estão inseridos, segundo Souza, no entendimento do que seria o "homem moderno", autocontrolado, equilibrado e prospectivo.

É claro que precisamos sempre levar em consideração as especificidades de cada agrupamento, dentro dos seus conjuntos valorativos, culturas e percepções. E também é óbvio que estes espaços não estão descolados do tempo e espaço que se vive, com todos os seus prós e contras da modernidade (ou pós-modernidade, para os autores modernos...). No entanto, identifico neles possibilidades para organização que se contrapõem aos determinismos comunitários e identitários da classe média brasileira.

Talvez Souza, em grande parte da sua construção teórica se remeta a parcelas sociais onde precarizaçãoda vida chegou a estágios extremos – como em casos de moradores de rua em situação de dependência química, alcoolismo etc., onde a tendência dos que olham seja a de ignorar ou até mesmo "naturalizar" tal situação.

Contudo, até mesmo dentro desta "ralé" ainda se constituem vínculos de solidariedade, compromisso e parceria, valores cada vez mais distantes do mundo burguês. Estes sujeitos e seus grupos não estão condenados. Faz-se necessário o reconhecimento por toda sociedade das relações de coesão que os sujeitos se utilizam para amenizar as dificuldades da vida.

Participação e controle social na política institucional

Mas uma questão ainda permanece: como fazer com que as assimetrias sociais sejam superadas nos processos de formulação das políticas públicas e no atendimento das demandas sociais? Como superar as relações clientelistas, e que consequentemente, impede que os sujeitos sejam incorporados aos processos de participação política mais equânime?

Um dos pontos que dificultam a formação de uma esfera pública capaz que superar as questões mencionadas, e consequentemente, reformular o conceito de participação efetiva dos cidadãos de forma menos assimétrica, é justamente o modelo democrático liberal como padrão de democracia moderna.

A idéia de participação ainda está muito restrita ao modelo liberal, onde processo democráticocumpre o dever de fazer do Estado um corpo burocrático e técnico, programado para "agregar e impor os interesses sociais privados", estruturado em termos de uma "economia de mercado e de relações entre pessoas privadas", entendendo a sociedade como um sistema.

Além disso, uma democracia pautada na competição eleitoral, onde o mercado impõe as regras de disputa, distinguindo e impossibilitando que o processo se desenvolva de maneira equânime e justa.

Para este cenário, na tentativa de se imprimir outro tipo de relação entre os sujeitos assimétricos, Telles (1994) traz como contribuição para o desenvolvimento de uma nova esfera pública a necessidade se constituir espaços públicos onde as diferenças poderão se expressar, onde "valores circulam, argumentos se articulam e opiniões se formam", trazendo para dimensão da vida "uma moralidade pública" que se constitui a partir de uma "convivência democrática com as diferenças e os conflitos que elas carregam", exigindo a cada momento "o exercício dessa capacidade propriamente moral de discernimento entre o justo e o injusto".

Neste sentido, podemos apresentar os conselhos municipais [19], fóruns, conferências, colegiados etc. como espaços da recente democracia brasileira que possibilitam a deliberação, a participação e controle social dos "cidadãos comuns" [20].

Para a superação das relações assimétricas nestes espaços será fundamental que os padrões de reconhecimento dos atores com maior capital econômico político, social e cultural também se alterem, proporcionando maior equidade da participação política, consequentemente, ampliando e aprofundando o controle social por parte da população que historicamente esteve alijada do processo de participação.

Neste sentido, reitero o argumento de Nunes (1997) sobre a necessidade de construção de um sistema de valores que promova mecanismos de acesso aos bens e serviços públicos a partir de critérios universalistas, e não, pessoais. As práticas políticas precisam se constituir sob caráter institucional, onde a cidadania não será vista como dádiva, mas como valor conquistado.

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Notas

  1. Há um amplo debate nas ciências sociais a respeito deste termo. De acordo com YWATA (et al) (2002) "ao longo da história da proteção social, os ‘mínimos sociais’, estiveram presentes em idéias e tradições religiosas, ou conforme os interesses econômicos vigentes, como sinônimos de mínimos de subsistência". No Brasil, a discussão foi incorporada pela primeira vez no processo de elaboração da Lei Orgânica da Assistência Social, Lei n.º 8.742 de 7 de dezembro de 1993, onde diz: "A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas".
  2. Utilizado por BEZERRA (1999) para destacar a dimensão política e particularista de um pedido encaminhado a uma autoridade política. Os pleitos seriam todos esses bens de serviço e consumo que em parte seriam providos pelo Estado – como educação, saúde, emprego etc - e outra pela própria capacidade econômica e social que os indivíduos teriam para consumir o que está na dimensão dos bens de consumo privado.
  3. Máquina política também pode ser entendida segundo Raymond E. Wolfinger como "... o lado perverso da prática política, procurando conquistar e manter o poder através basicamente do recurso a métodos pouco lícitos, quando não abertamente ilegais". Em uma concepção menos moralista, Merton define as máquinas como mecanismos que encaram "o eleitor, não como uma abstração, porém, como um ser real com problemas e aspirações pessoais e concretas". Ver capítulo I "Máquinas Políticas: Algumas Considerações Teóricas". Pg. 23 (DINIZ, 1982).
  4. Podemos utilizar "conhecimento" como aquele que possui uma posição de facilitador e intermediário entre indivíduos, ou grupos, com suas demandas e os que de fato atenderão seus pedidos. Não necessariamente este conhecido é um político ou liderança política. Este papel pode ser feito por um assessor ou por uma pessoa influente dentro dos órgãos públicos, como hospitais e escolas. São os "conhecidos" que fazem tais "favores".
  5. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Foi desenvolvido com o objetivo de aferir o avanço de uma população não considerando apenas sua dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a qualidade da vida humana. Este índice está pautado em três indicadores: escolaridade, longevidade e renda.
  6. BEZERRA (1999).
  7. De acordo com José Murilo de Carvalho, no artigo "Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: uma discussão conceitual", ao longo do processo histórico nas ciências sociais tais conceitos foram trabalhados de forma confusa, ou mesmo utilizados de maneira "frouxa". Coronelimo – utilizado por Victor Nunes Leal, em sua obra clássica "Coronelismo , enxada e voto" - seria "um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos". No mandonismo, "o mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional". No clientelismo – muitas vezes chamado de "coronelismo urbano" – segundo o autor, dispensa-se a figura do coronel, pois, "as relações clientelísticas... (dão-se) entre governo, ou políticos, e setores pobres da população".
  8. Edson Nunes mantém a expressão patron na tradução em português. O termo abrange o que no Brasil é compreendido nas expressões "coronel", chefe de máquinas políticas urbanas, pequenos chefes locais ou mesmo líderes que controlam máquinas sindicais. O importante é observar que a relação patron-cliente define um tipo especial de relação de troca assimétrica.
  9. Essas estruturas são acompanhadas de um número considerável de assessores que trabalham diretamente com o parlamentar. Estes "funcionários" são alocados em diversas funções, como bem expostos no trabalho de KUSCHINIR sobre a vereadora Marta no bairro de "Roseiral". Diz ela: "A assessoria de Marta se divide entre os que atuam no gabinete da Câmara e os que estão ligados ao trabalho na clínica e no escritório. Neste último, trabalham seis colaboradores diretos: duas secretárias, uma assessora de imprensa e jornalista, um operador de computador, um recepcionista, um cozinheiro / faxineiro e um motorista. Onze assessores dedicam-se ao chamado ‘trabalho de rua’, fazendo contatos com moradores de Roseiral e dos bairros mais próximos, levantando problemas, marcando e acompanhando reuniões com Marta. Dois advogados prestam atendimento gratuito no escritório duas vezes por semana. Há também uma assessora que atende uma vez por semana pessoas que pedem emprego. Na clínica, há médicos de diversas especialidades em horários variados, além de secretárias e assistentes. (KUSCHINIR, 1993:76)
  10. KUSCHNIR (1993)
  11. KUSCHNIR (1993:88)
  12. BEZERRA (1999:11)
  13. O trabalho de Eli Diniz se desenvolveu tendo como base os aspectos que fundamentaram as ações político-partidárias dentro do antigo MDB e as conseqüências da montagem e consolidação de uma complexa máquina partidária, que ganhou maior expressão após a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, estendendo-se em ramificações pelos municípios do interior fluminense. (DINIZ, 1982)
  14. Bourdieu contrapõe-se à perspectiva dualista kantiana no qual, assim como o ideal hegeliano, tenta romper com o moralismo abstrato da moral pura e formal do dever, assim como em Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty, que tentam restabelecer "uma relação de cumplicidade ontológica com o mundo... (no) qual (se) reconhece a dimensão corporal da hexis como porte ou postura... (onde) a noção serve para referir o funcionamento sistemático do corpo socializado".
  15. Florestan Fernandes supõe como causa primeira da carência e marginalidade do negro, tanto a "escravidão interna" dentro do homem, que o impede de pensar e agir segundo os imperativos da nova ordem social, quanto o preconceito de cor, visto como uma realidade "inercial", representando "resíduos" do passado e que penetravam na sociedade competitiva. Logo acreditava que, a partir do avanço e desenvolvimento desta nova ordem social, toda esta herança estava destinada a desaparecer. É nesse ponto que SOUZA (2003) aponta para a ambigüidade da análise, onde as duas concepções, negros e "despossuídos", por mais que estejam interligadas, se apresentam como ordens de análise distintas.
  16. Dados secundários, coletados do Instituto Pereira Passos (IPP), via site da Secretaria Municipal de Urbanismo.
  17. O Plano Estratégico da Cidade, segundo definição da Prefeitura do Rio de Janeiro, é o resultado de uma parceria entre o Município e a iniciativa privada. Consiste na identificação própria que cada região faz sobre "o seu papel específico na cidade e as formas de desempenhá-lo, definindo as suas estratégias e formulando propostas para a consecução de seus Objetivos Centrais". De acordo com o site este plano "além de introduzir na cidade a cultura estratégica, passou a ser uma referência nacional como forma inovadora de planejar, ultrapassando os limites das intervenções urbanísticas anteriores e indicando novos caminhos, tendências e aspirações - nunca antes pensadas para a cidade - a serem seguidos".
  18. Jessé aponta para a falta de "acordo intersubjetivo e transclassista" na sociedade brasileira que considere todos os sujeitos dignos de serem reconhecidos como "gente". No exemplo utilizado em "A construção social da subcidadania...", ele afirma que um animal ao ser atropelado causaria mais comoção do que um sujeito reconhecido como "não-cidadão" na mesma situação. (pp. 173, 174 e 177).
  19. Um bom exemplo neste sentido é o Conselho Municipal de Assistência Social embasado pela Lei 8.742 de 07/12/93 como instância local de formulação de estratégias e de controle da execução da política de assistência social, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. Tem como funções: atuar na formulação e controle da execução da política de Assistência Social; deliberar sobre o planejamento local de assistência social, resultando no Plano Municipal de Assistência Social; fiscalizar o Fundo Municipal de Assistência Social; propor medidas para o aperfeiçoamento da organização e funcionamento dos serviços prestados na área de assistência social; examinar propostas e denúncias sobre a área de assistência social; somar-se ao Poder Executivo na consecução da política de descentralização da assistência social; atuar na política de assistência social e não na política partidária; acompanhar e avaliar os serviços prestados, a nível local, na área da assistência social; fiscalizar os órgãos públicos e privados componentes do sistema municipal de assistência social.
  20. Nos dias 27, 28 e 29 de outubro de 2009 aconteceu a VII Conferência Estadual de Assistência Social no Estado do Rio de Janeiro. Assim como nas conferências municipais, por orientação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, o tema deste ano foi "Controle Social e Participação Popular no SUAS", onde o objetivo era estimular a participação dos usuários da assistência nos processos de formulação e controle social das políticas nas conferências.