Direitos transindividuais e humanos: um estudo comparativo da Constituição brasileira de 1988 do Brasil e a Constituição de 1853 da Argentina


Porrayanesantos- Postado em 02 maio 2013

Autores: 
SILVA, Luzia Gomes da

 

RESUMO

 

A investigação acerca do tratamento dado às normas de direitos fundamentais na Constituição Federal brasileira na Constitución de La Nación Argentina tem o escopo de contribuir para a construção de conhecimento sobre o sentido e alcance dados por esses países aos direitos e liberdades fundamentais e de descobrir a quem alcançam as proibições, ações ou omissões que esses direitos comportam concretamente, se somente constituem limites à ação dos poderes públicos, ou se, ao revés, funcionam como meios de imposição de restrições à ação de todos os membros de uma comunidade, inclusive nas relações entre particulares.

 

Palavras-chave: Direitos Humanos; Constituição 1988 Brasileira; Constituição de 1853 da Nação Argentina.


 

1.    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

Um dos problemas contemporâneos do direito, de maior relevo e difícil de ser resolvido, diz respeito às relações entre particulares, espaço onde sempre se aplicou o princípio da autonomia da vontade, sem limites, obstáculo ou qualquer intervenção por parte do Estado. Neste sentido, a questão que emerge é verificar e decidir em que medida os direitos fundamentais funcionam como limites à autonomia privada. Dito de outro modo, o Estado deve intervir para legitimar o resultado da atuação livre dos particulares ou para assegurar que as esferas individuais sejam protegidas pelos direitos fundamentais. Nesta última hipótese o Estado intervém na regulação dos direitos fundamentais com a intenção de protegê-los.

 

As respostas a este dilema hodierno vivido pelo Estado são dadas pelo direito constitucional e dependem da interpretação que se faz dos preceitos contidos nas Constituições.

 

Como decorrência da regra da supremacia constitucional, os princípios gerais do direito constitucional positivo têm aplicação sobre todos os demais ramos da ciência jurídica, inclusive o direito privado[1].

 

Destarte, além de se ocupar com os aspectos da estrutura do Estado, as Constituições contemporâneas passaram a estabelecer limites do exercício do poder e a tratar regulamentação das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas.

 

Com efeito, a Constituição representa para um país, hoje, a base normativa (regras e princípios[2]) de todas as relações que interessam ao direito, sejam elas públicas ou privadas, e é exatamente assim que acontece nas Constituições brasileira e argentina: os interesses públicos e os interesses privados compõem uma visível unificação e sistematização orgânica.

 

De fato, existe de um lado a tendência de progressiva invasão dos mais variados setores da vida privada pelo direito público, na igual medida em que acontece a ingerência do direito privado no direito público. Destarte, a idéia segundo a qual a repartição entre direito público e direito privado é paralela à distinção entre esfera pública e esfera privada está ultrapassada. Na verdade, a propósito da evolução histórica do Estado e da Administração Pública, é incontestável que menos do que nunca, Estado e sociedade formam compartimentos estanques, separados um do outro: a interpenetração ou participação mútua é cada vez mais intensa. Yves Madiot[3] vai mesmo ao ponto de perguntar se hoje em dia “não é tudo misto em direito público e em direito privado”, pois frequentemente as regras de direito público e de direito privado estão estreitamente ligadas.

 

2.    FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DA LITERATURA

 

A constitucionalização dos direitos não subtraiu a importância do direito privado, ao contrário, promoveu sua reconstrução para assegurar sua função social garantir a aplicação de direitos fundamentais também nas relaçõesentre particulares. Roberto Enrique Rodríguez Meléndez[4] sintetiza esse fenômeno da constitucionalização do direito civil do seguinte modo:

 

Será la configuración del Estado como Social de Derecho, la que culmina en alguna forma con una evolución en la consecución de los fines de interés general, la que armoniza una acción mutua entre Estado y sociedad, y difuminará la dicotomía derecho público-derecho privado, lo cual no significa, que esta interacción y la consiguiente “difuminación” antes señalada, implique a su vez la desaparición de las respectivas categorías o ámbitos de público y privado: “Es decir, no puede interpretarse en el sentido de la completa confusión entre Estado y sociedad y la improcedencia de toda distinción funcional y técnica entre derecho público y privado” (grifo do original).

 

Esse processo de constitucionalização do direito privado promoveu uma mudança de paradigma. No passado os pressupostos teóricos do constitucionalismo se assentavam na tradição fundada na idealização de uma esfera de liberdade frente ao poder. Hoje, tende-se para o reconhecimento do efeito horizontal dos direitos fundamentais, ou pelo menos sua garantia constitucional frente a eventuais vulnerações desses direitos efetuadas por particulares. No entanto, é preciso reconhecer que o direito constitucional contemporâneo desse início de século é transitório, já que boa parte das Constituições em vigor ainda não reconhecem, por meio de pronunciamento expresso, a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

 

As violações aos direitos fundamentais nas relações privadas não são incomuns e muito menos banais. A intimidade, a liberdade de expressão e a igualdade[5] são direitos fundamentais facilmente vulneráveis nas relações privadas, por isso da importância e, mais que isso, da necessidade de que sejam previstos, em todo ordenamento jurídico, mecanismos de proteção em caso de sua violação, mesmo quando nas relações jurídicas entre particulares.

 

Os direitos humanos fundamentais são indivisíveis[6], mas para melhor entendê-los na história[7] a doutrina classificou-os em três gerações ou dimensões[8]:

 

a) características da “primeira dimensão dos direitos fundamentais”: são individuais, civis, políticos e penais e divide-se em ramos, a exemplo do direito penal, do direito civil e do direito constitucional.

 

Via de regra os doutrinadores concebem que os direitos definidos como de “primeira dimensão” servem para fortalecer a sociedade civil e a liberdade dos indivíduos na relação com os poderes do Estado. Der acordo com a interpretação de Pietro de Jesús Lora Alarcón[9], “este processo de reconhecimento da liberdade do ser humano, plasmado em declarações ou constituições escritas, foi acompanhado, desde 1770, pelo raciocínio filosófico”, razão pela qual:

 

[...] é significativa a menção ao pensamento de Immanuel Kant [filósofo alemão 1724-1804] que, indubitavelmente, vai ter uma contribuição generosa ao entendimento do conceito de vida humana. É que, enquanto política, jurídica e economicamente trabalhava-se o campo das liberdades humanas, por outra parte, filosoficamente, Immanuel Kant abria o espaço ao entendimento do indivíduo como ser dotado de dignidade, o que gerou, quanto aos raciocínios sobre a liberdade, uma revolução no pensar sobre a razão da vida humana.

 

Essa evolução do conceito de direitos fundamentais é percebida pelo tratamento do indivíduo como sujeito qualificado como “digno”, afastando-o, destarte, das “coisas”, tendo em vista que “não deriva de uma especial dimensão (indivisibilidade, racionalidade e libero arbitrio) senão que se desprende de uma consideração ética”[10].

 

3.    RESULTADOS E DISCUSSÕES TEÓRICAS

 

A consagração dessas liberdades numa primeira dimensão inaugura o caráter de subjetividade desse tipo de direitos, atualmente definidos como “fundamentais”. São direitos do particular, já que indicam e asseguram à situação jurídica do indivíduo, um status jurídico material concretamente determinado ainda que não ilimitado. Na concepção de Pietro de Jesús Lora Alarcón[11]:

 

Assumidos como direitos subjetivos, os direitos fundamentais são direitos de defesa perante os poderes estatais. Como elemento da ordem coletiva, traduzem uma competência negativa dos poderes estatais perante o status do indivíduo, ainda que uma positiva de respaldo à concretização desse mesmo status.

 

Destarte, a primeira dimensão de direitos fundamentais, com destaque para os direitos do indivíduo, sinaliza a separação entre Estado e não-Estado, consagrando, assim, o combate ao absolutismo, a secularização do poder político e o capitalismo.

 

Os direitos fundamentais de primeira dimensão, segundo Alexandre de Moraes,[12] “são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da “Magna Charta”, de 1215”[13], mas que ganharam expressão moderna com John Locke (1632 - 1704), Adam Smith (1723-1790), e do francês Jean-Nicolas Pache (1746-1823), este último autor da frase “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité), proclamada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, decorrente da Revolução Francesa que aconteceu entre 05 de maio de 1789 e 09 de novembro de 1799. Nas palavras de Marcono do Ó Catão[14] sobre o assunto:

 

A primeira geração de direitos fundamentais corresponde aos direitos individuais e políticos e à nacionalidade ou “direitos de liberdade”, típicos do Estado Liberal. Os direitos fundamentais dessa geração são caracterizados pelo estabelecimento, relativamente ao Estado, de um dever de abstenção, isto é, são direitos asseguradores de uma esfera de ação pessoal própria, inibidora da ação estatal, de forma que o Estado os satisfaz por um não atuar. A classificação doutrinária dos direitos fundamentais, quanto à prestação estatal, estabelece que tais direitos são negativos, pois determinam um não-fazer ou uma prestação negativa por parte do Estado[15].

 

Essencialmente, pode-se afirmar que as democracias representativas modernas só se tornaram possíveis e sólidas em razão da aceitação generalizada dos valores existentes na primeira dimensão dos direitos fundamentais do ser humano.

 

b) características da “segunda dimensão dos direitos fundamentais”: são coletivos, sociais e econômicos.

 

Os direitos humanos de segunda dimensão nascem do confronto entre o pensamento liberal e as idéias socialistas no século XIX. Emergem com a acepção do modelo de um novo modelo de Estado, identificado na doutrina como “Estado Social de Direito”, que teve início no começo do século XX em virtude de acontecimentos políticos impulsionados pena necessidade de superação do anterior Estado Liberal[16].

 

Themistocles Brandão Cavalcanti[17] (1899 - 1980), referindo-se aos denominados direitos fundamentais de segunda dimensão, surgidos no início do século passado, analisou que:

 

[...] o começo do nosso século [século XX] viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberdade das nações e das normas da convivência internacional. Entre os direitos chamados sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc.

 

Com efeito, a segunda dimensão de direitos fundamentais acontece no início do século XX:

 

Marcado por convulsões bélicas, crises econômicas, mudanças sociais e culturais e progresso técnico sem precedentes (mas não sem contradições), o século XX é, muito mais que o século anterior, a era das ideologias e das revoluções. [...] É, portanto, um século em que o direito público sofre poderosíssimos embates e em que à fase liberal do Estado constitucional vai seguir-se uma fase social[18].

 

Ainda de acordo com esta doutrina, frente à vida precária dos trabalhadores do início do século XX, a sociedade passou a exigir uma articulação na esfera estatal e no mundo jurídico constitucional, notadamente nos âmbitos dos direitos, liberdades e garantias, emanados dos períodos das revoluções burguesas e que proclamavam a autonomia das pessoas, e os novos direitos sociais, que preenchiam o vazio do Estado como construtor e condutor de condições materiais e culturais dignas para as pessoas. “Passou-se a articular a igualdade jurídica, a igualdade social e a segurança jurídica com segurança social”[19].

 

Conforme Pietro de Jesús Lora Alarcón[20], depois da terceira década do século XX, os Estados, que antes eram liberais, começaram o processo de consagração dos direitos sociais ou direitos fundamentais de segunda geração, que traduzem “uma franca evolução na proteção da dignidade humana”.

 

Assim sendo, de forma diversa do que aconteceu com os direitos de primeira dimensão, os novos direitos se apresentam como “direitos de ter parte”, no sentido de direitos individuais à participação em prestações estatais, subordinadas à reserva do que é possível ser cumprido pelo Por Público em determinadas condições socioeconômicas. Esta afirmação expressa uma natural dicotomia entre o direito declarado e o possível de ser realizado[21].

 

Na síntese de Marcono do Ó Catão[22], “a segunda geração ou dimensão de direitos fundamentais equivale aos direitos sociais ou direitos de igualdade, característicos do Estado Social”. Na opinião do referido autor, esses direitos são qualificados, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como um dever de prestação por parte do Estado, numa perspectiva de suprir carências da coletividade. Os direitos dessa dimensão, de acordo com a classificação dos direitos fundamentais quanto à prestação estatal, são positivos, ou seja, estabelecem um fazer ou prestação positiva por parte do Estado.

 

c) características dos direitos fundamentais de terceira dimensão: são trans-individuais e difusos, formados pelos ramos do direito ambiental, do direito do consumidor, do direito da criança e do adolescente, do direito do idoso, citando-se, como exemplo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito a alimentos de qualidade, o direito à proteção em decorrência da idade etc.

 

Em síntese, diante da expansão do Estado como ente regulador das contradições sociais sobre a base de prestações positivas, características legadas da segunda dimensão de direitos fundamentais, o pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945) veio acompanhado do desenvolvimento da organização da comunidade internacional e o conseqüente agrupamento de Estados autônomos e soberanos entre si, dando origem às organizações internacionais. Dessa maneira, ligada à aparição de entidades como, por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho (com raízes no início do século XIX), a Organização das Nações Unidas[23] (1945), o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (criado no dia 11 de dezembro de 1946) e a Organização Mundial da Saúde (fundada em 07 de abril de 1948), surge à proteção internacional dos direitos humanos, ou seja, “a promoção, por meios jurídico-internacionais, da garantia dos direitos fundamentais relativamente ao próprio Estado de que cada um é cidadão”[24].

 

Ainda nessa época (segunda metade do século XX), foram editadas várias declarações com o intuito de traduzir os direitos não mais para os “homens” (sentido genérico), mas sim fazendo referência a sujeitos específicos, como a mulher, a criança, o adolescente, o idoso, os portadores de necessidades especiais[25].

 

Conforme Paulo Bonavides[26], os direitos tidos como de terceira dimensão são destinados ao gênero humano, “em um momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. Na constatação do citado autor, Karel Vasak[27] identifica cinco direitos que chama de “fraternidade”, ou de “terceira geração”. São eles: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

 

Por sua vez, Etienne-Richard Mbaya[28], entende que os direitos de terceira dimensão se identificam como direitos de solidariedade, e em particular, referem-se ao direito ao desenvolvimento, o qual se traduz na esfera individual como o direito ao trabalho, à saúde e a uma alimentação adequada. De acordo com Marcono do Ó Catão[29]:

 

A terceira geração ou dimensão de direitos fundamentais corresponde aos direitos difusos, sendo também denominados de direitos de fraternidade ou solidariedade, característicos da proteção internacional dos direitos fundamentais. Com efeito, nessa geração de direitos concebem-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim a humanidade. São exemplos de direitos de solidariedade o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente, o direito de co-participação do patrimônio comum da humanidade, o direito à autodeterminação dos povos e direito à comunicação.

 

Pietro de Jesús Lora Alarcón[30] assevera que a aparição dessa terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência contemporânea:

 

[...] destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente ou à vantagem das transnacionais e corporações que controlam a produção de bens de consumo, o que se desdobra na proteção aos consumidores na atual sociedade de massas. Com isso, novamente se modifica o status do ser humano diante do Estado, para o que é “mister” revigorar, então, a idéia de dignidade humana como valor global e eixo de condução da análise jurídica.

 

Para Alexandre de Moraes[31], são direitos de terceira dimensão aqueles denominados de direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso. 

 

Segundo Pietro de Jesús Lora Alarcón[32] “alguns documentos, à maneira de declarações, convertem-se em acicate para fundamentar no plano estatal a aplicabilidade de tais direitos”, como acontece, por exemplo, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Uma das maiores referências quanto a esse espaço de direitos constitui a imagem jurídica dos chamados “direitos trans-individuais”, ou seja, aqueles que transcendem o indivíduo. Compreendem-se, nesta definição, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

 

Informe-se que a par da tradicional tríade das “gerações de direitos”, novas dimensões vão sendo acrescidas,destacando-se a teoria da quarta dimensão dos direitos fundamentais desenvolvida pelo constitucionalista brasileiro Paulo Bonavides. Na sua opinião a quarta dimensão dos direitos fundamentais é composta pelo direito à informação, à democracia direta e ao pluralismo, direitos esses que levariam a uma legítima globalização política[33]. Já Pietro de Jesús Lora Alarcón[34], depois de profunda análise sobre a existência ou não de uma nova dimensão de direitos humanos, chamada de “quarta dimensão dos direitos fundamentais”, conclui que:

 

Tudo indica que nos encontramos perante uma quarta dimensão de direitos fundamentais, e é a função do direito, e primordialmente do direito constitucional, amparar a vida, novamente e como sempre, nesta seqüência sem fim pela dignidade do ser humano. [...]. Assim sendo, se nas décadas do pós-guerra, as principais modificações de sistemas éticos e jurídicos se deram por influência das mudanças de comportamento, neste novo século essa fonte de novidades parece deslocada para o campo da pesquisa e da tecnologia, como resultado da transformação vertiginosa da genética. Estamos, sim, então, perante uma quarta geração de direitos fundamentais[35].

 

Essa amplitude do conceito de direitos fundamentais e sua constante transformação provocaram uma concepção de universalidade dos direitos humanos, razão pela qual não é mais possível conceber um Estado Constitucional sem a existência de direitos fundamentais. Por esse motivo, também, as Constituições estão em constante mutação, eis que funcionam como instrumento jurídico que rege determinada sociedade, em determinado espaço-tempo. Conforme Pietro de Jesús Lora Alarcón[36]:

 

Os direitos individuais passaram a ter cunho social, sem deixar de ser individuais, ou seja, de retirar-se essa possibilidade de exigir-se individualmente; os direitos passaram também a uma dimensão grupal, como direitos difusos ou coletivos. Por isso, quiçá o maior mérito de toda esta evolução seja o caráter da própria evolução que, de uma conceituação de direitos compreendidos em um catálogo fechado, transformou-se, dando lugar a uma concepção aberta e progressiva dos direitos. Nesse sentido, o ser humano procura uma adequação de sua concepção jurídica, da incorporação de novos direitos, que se agregam ao rol dos já existentes, às novas necessidades criadas.

 

Destarte, hoje o tema dos direitos fundamentais deixou de ser assunto de exclusiva aspiração liberal. Como decorrência, a sociedade contemporânea assiste a um fenômeno de universalização desses direitos em paralelo à universalização do direito constitucional e à constitucionalização do direito privado. Tudo isso tem por objetivo a elevação dos direitos fundamentais para que sua eficácia atinja também as relações privadas.

 

De fato, as violações aos direitos fundamentais nas relações interprivadas podem ser tanto ou mais perniciosas que aquelas efetuadas por agentes estatais. A própria discriminação da palavra “privada” pode causar e perpetuar desigualdades sociais que não mais encontram justificativas razoáveis no sistema jurídico contemporâneo, cujas conseqüências são tão danosas como aquelas causadas pela atividade Estatal.

 

Destaca-se que se os indivíduos podem precisar da proteção do Estado porque os próprios agentes estatais podem transgredir alguns de seus direitos fundamentais no exercício do poder do Estado, também podem necessitar, naturalmente, de proteção do Estado contra as violações de seus direitos fundamentais pelo poder privado.

 

Neste momento da pesquisa, dada à delimitação do tema, passa-se a descrever sobre as construções constitucionais acerca da validez e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares até então realizadas na Argentina e no Brasil.

 

A opção pelo estudo comparado do trato normativo sobre a eficácia dos direitos fundamentais na Argentina e no Brasil, para além do intercâmbio acadêmico que já justificaria, de per si, o conhecimento sobre como os textos constitucionais desses países tutelam os direitos humanos nas relações privadas, está na verificação de que se trata de Estados-membros do Mercado Comum do Sul - Mercosul, cuja meta é promover a integração econômica, política e social, sendo que quanto mais estreitas as relações jurídicas maiores tendem a ser os conflitos decorrentes. A dificuldade de destaque no desejo de integração é justamente a harmonização entre o direito interno de cada país com o direito criado no âmbito do Mercado Comum do Sul - Mercosul e o direito internacional dos direitos humanos.

 

Ademais, a discussão em torno das relações entre os direitos fundamentais e o direito privado exige a transposição dos limites do debate interno e se elucide o dilema por meio da aplicação do método e dos procedimentos contínuos de investigação comparada, tanto no panorama histórico, quanto teórico, no caso, entre a Argentina e o Brasil.

 

 

LEIA MAIS EM: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,direitos-transindividuais-e-humanos-um-estudo-comparativo-da-constituicao-brasileira-de-1988-do-brasil-e-a-con,43037.html