Direito das mulheres e seu reconhecimentos como Direitos Humanos


Porwilliammoura- Postado em 14 dezembro 2011

Autores: 
GARCIA, Lucilene

Direito das mulheres e seu reconhecimentos como Direitos Humanos

Um dos temas mais importantes do direito moderno, que tem sido objeto de uma reflexão mais aprofundada ao reconhecimento e à efetivação dos direitos fundamentais, intrinsecamente vinculados à dignidade humana, estabelecendo limitações objetivas à ação do Estado, ou que, em sentido inverso, determinam atuações estatais específicas.

Tais direitos são conhecidos, em gênero, sob a denominação de direitos humanos.

De origem histórica, os direitos humanos surgiram em decorrência de profundas transformações ocorridas, inicialmente na Europa e nos Estados Unidos, a partir do final do século XVII. Contudo, esses direitos foram sujeitos a variações no tempo e no espaço, não podendo ser entendidos como cristalizados, insusceptíveis de transformações.

Bobbio ressalta que tais direitos nascem

[...] quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para suas indigências [...] 1.

Desde os tempos bíblicos que a mulher tem passado por gravíssimas violações em seus direitos mais elementares, como direito à vida, à liberdade e a disposição de seu corpo.

Neste sentido afirma Santos, que o sistema patriarcal2 no decorrer de sua história buscou de todas as formas construir ideologias para obter o controle o corpo da mulher, construindo alguns tabus como o da menstruação, do cinto de castidade, da mutilação de órgãos genitais femininos, homicídios femininos, etc3.

A respeito desse assunto expressa Teles e Melo que

[...] são inúmeros os exemplos da prática de atos de submissão e hostilidade sexuais que, frequentemente, foram levados aos extremos: venda e troca de mulheres, como se fossem mercadorias, mulheres escravizadas, violadas, vendidas à prostituição, assassinadas por ocasião de morte de seus senhores e maridos, ou ainda a mutilação genital feminina (amputação do clitóris) [...]. 4

O tabu do homicídio feminino sempre foi um dos meios de controle do corpo da mulher imposto pelo sistema patriarcal, um exemplo, era o costume hindu, antigo sacramento na lei, quando morria o marido, sua viúva era queimada viva na fogueira junto com seu marido morto, considerado uma forma de continuar servindo seu amo eternamente.

Destaca-se que o tabu do controle genital do corpo feminino, através de instrumentos mecânicos de formato fálicio, era comum no oriente, anterior a chegada do cinto de castidade na Europa no século XI5 .

Na China antiga, os preparativos para o parto incluíam a presença de uma caixa de cinzas ao lado da cama da parturiente, onde se sufocava o recém nascido, caso fosse uma menina6.

Importante mencionar que no período antecedente à fixação do homem a terra, a mulher, passava a maior parte da sua vida destinada à procriação, dependendo exclusivamente da ação masculina para garantir a sua sobrevivência e da sua prole. Ela desempenhava tarefas pesadas, como por exemplo, levar os fardos durante as migrações, por serem os recursos para mantença de sua família7.

Conclui-se, que a mulher tinha pouca expressão, era vista como um reflexo do homem, como objeto a serviço do seu amo e senhor e também como instrumento de procriação.

Na seqüência histórica, verifica-se um segundo momento importante, quando o homem se fixa a terra tornando-se sedentário, vivendo basicamente da agricultura.

Com essa nova organização, a mulher passa ter um valor relevante na comunidade. No trabalho agrícola existia a necessidade de força braçal para desenvolver cultivo junto a terra, vindo assim surgir comunidades de regime matriarcal, pois as mulheres que faziam esse serviço agrícola8.

Por outro lado, a mulher continuava não tendo direitos políticos, cabendo ao homem o poder de decisão, ou seja, em termos de avanços a mulher não obteve muito ganhos em relação a sua condição de sujeito9.

Como sempre legada a procriação e ao valor que se dava aos filhos, à mulher reinou durante um curto período de tempo enquanto chefe do clã. Na busca do homem superar as dificuldades da realidade matriarcal e de seu futuro, verificou-se a passagem do sistema matriarcal ao patriarcal, ocorrendo quando o homem passou a exercer plenamente o poder de decisão da comunidade e da família.

Por sua vez, na esteira da história, a mulher grega era vista como uma criatura subumana foi relegada à igual situação dos servos, ocupadas com trabalhos manuais, atividades altamente desvalorizadas. A função principal da mulher estava ligada à reprodução da espécie humana, além de ter toda responsabilidade de criar os filhos e, ainda, produzir o necessário para subsistência do homem como fiação, tecelagem e alimentação. A mulher era menosprezada socialmente e moralmente não tendo direito algum10.

Na idade média foi oferecido um espaço maior para as mulheres, tanto em nível educacional como no profissional. Em relação ao trabalho, as mulheres atuavam mais do que os homens tendo em vista estarem os mesmos envolvidos nas atividades de guerra, viagens ou recolhidos à vida monástica. Assim, as mulheres acabaram assumindo os negócios da família e as corporações de ofício11.

Com o surgimento do Cristianismo a mulher associou-se de maneira mais restrita ao marido. O casamento e a monogamia concretizaram-se, de forma que a mulher constituiu-se como objeto do marido.

Convém ressaltar as palavras de Beauvoir

Numa Sociedade em que toda capacidade encontra sua fonte na força brutal, a mulher era de fato inteiramente impotente; mas reconheciam-lhe direitos que a dualidade dos poderes domésticos de que ela dependia lhe assegurava; escravizada, era contudo respeitada; o marido comprava-a mas o preço da compra constituía uma renda de que ela era proprietária; além disso seu pai dotava-a; recebia sua parte da herança paterna,e, em caso de assassínio dos pais, uma parte lhe era paga pelo assassino. A Família era monogama, o adultério severamente punido e o casamento respeitado. A mulher pertencia sempre sob tutela, mas era estreitamente associada ao esposo. 12

Outro fato marcante deste período medieval foi à perseguição às mulheres, conhecida mais comumente como “caça as bruxas”. Esse fato representa o mecanismo usado pela igreja católica e pelos senhores feudais contra as formas de resistência usadas pelas mulheres diante das discriminações sofridas. Pois muitas parteiras em caso de necessidade optavam por sacrificar a vida da criança para salvar a mãe, daí a acusação de feitiçaria proferida pela Inquisição13.

Na Idade Moderna, com a passagem da economia feudal para a economia industrial, grandes transformações passaram a ocorrer. Além desse fator a diferenciação entre os sexos continuou ficando demonstrada na prática por meio da questão salarial entre os homens e as mulheres (sendo muito inferior o salário das mulheres),pelas péssimas condições e jornadas de trabalho às quais eram submetidas14 .

Nesse diapasão, Beauvoir15, destaca que “como o súbito desenvolvimento da indústria exige uma mão de obra mais considerável do que a fornecida pelos trabalhadores masculinos, a colaboração da mulher é necessária”, e “esta é a grande revolução que, no século XIX transforma o destino da mulher e abre para ela uma nova era”, lançando a mulher no trabalho industrial.

Percebe-se que durante muitas décadas as mulheres continuaram a ser condicionadas pelos conceitos religiosos, sociais e legais que a consideravam inferior ao homem. “A maioria das mulheres concordava com esses conceitos, e passava a pensar em si mesma como um bichinho que precisava ser treinado e domesticado”16.

Destarte, apesar de tudo, as mulheres da Europa e dos Estados Unidos iniciaram na segunda metade do século XIX um movimento por seus direitos políticos e sociais, que prontamente repercutiu nas mulheres brasileiras e latino-americanas 17 fazendo surgir os movimentos feministas.

MOVIMENTO FEMINISTA NO BRASIL

Ao iniciar este tópico, será feito breve retrospectiva, aos tempos do Brasil império, para melhor compreensão do tema.

Por volta de 1830, o Brasil viu-se mergulhado em uma série de revoltas sociais. A situação econômica e financeira era desordenada e Dom Pedro I, terminou renunciando. Nesse contexto destaca-se a figura de Anita Garibaldi, catarinense, que se unindo a Giuseppe Garibaldi, participa das lutas republicanas durante a Guerra dos Farrapos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, e posteriormente luta pela unificação da Itália, na Europa18.

Segundo Teles, na metade do século XIX, algumas mulheres começaram a reivindicar por seu direito à educação. O ensino proposto, só admitia meninas à escola de 1º grau, sendo que estudos de grau mais alto eram somente destinados aos meninos. As professoras sempre ganhavam menos. Algumas pensavam até em fugir e era severamente criticadas, como foi o caso da Professora Maria da Glória Sacramento, que teve seu ordenado suspenso por não ensinar prendas domésticas19.

Ainda, Teles entende que, com o desenvolvimento da industrialização, começaram as mudanças no Brasil. A partir de 1850, foi proibido o tráfico negreiro e acelerou-se a luta pela libertação dos escravos. Tivemos, então, a urbanização e imigração em larga escala. Apareceram mudanças em relação à economia, a política e a imigração, fazendo surgir espaço para idéias novas que incluíam a mulher e sua participação social20.

Sem dúvida era um grupo muito pequeno dessas mulheres, mas nessa época já se registraram as primeiras formulações sobre o papel de submissão imposto às mulheres. No final do império, eclodiram os movimentos abolicionistas, que se estenderam por diversos centros urbanos. Por volta de 1860, algumas mulheres brasileiras organizaram Sociedades abolicionistas que esporadicamente receberam alguma atenção da imprensa da época: a Sociedade de Libertação (instalada no RJ em 1870); a Sociedade Redentora (fundada em 1870) e Ave Maria (criada em Recife, no ano de 1884)21.

A Situação das mulheres na Sociedade trouxe reflexos na campanha abolicionista. Nessa época, surge a primeira mulher brasileira a defender publicamente a emancipação feminina, Nísia Floresta Augusta22, também a primeira romancista brasileira, Maria Firmina dos Reis23 e a primeira compositora popular brasileira, Chiquinha Gonzaga24.

Teles afirma que, em meados do século XIX, surgiram no Brasil diversos jornais editados por mulheres, que, certamente, tiveram grande papel para estimular e disseminar as novas idéias a respeito das potencialidades femininas. Várias brasileiras recorriam à imprensa para informação e trocas de ideais sobre suas crenças e atividades25.

O Brasil foi o país, onde existiu o maior empenho do jornalismo feminista. O primeiro desses jornais foi O Jornal das Senhoras, que saiu às ruas em 1852, e foi editado por Joana de Paula Manso. Esse Jornal alertava as mulheres de suas necessidades e capacidades, embora ressaltasse que o papel principal da mulher era “amar e agradar aos homens”. A revista a Mensageira, circulou na cidade de São Paulo, em 1879, e foi dirigida por Priciliana Duarte Almeida. Era fruto de um momento bem determinado na história do feminismo brasileiro quando este tateava em busca do seu caminho, difícil tarefa, pois a Sociedade era muito conservadora e preconceituosa.26

No intervalo das duas grandes guerras, o Brasil ficou marcado pela criação do partido Comunista Brasileiro, pela semana da arte moderna e outros eventos, que geraram intensas discussões sobre o destino da Sociedade brasileira, na ordem política e social. Nesse contexto que Berta Luz, fundou no rio de Janeiro a Liga para Emancipação Internacional da mulher, um grupo de estudos com objetivo de batalhar pela igualdade política das mulheres27.

A década de XX foi privilegiada no que diz respeito às lutas e propostas de mudança. A república dos coronéis não dava mais conta da ebulição social e política do país. O direito de voto só se tornou realidade para as mulheres depois da Revolução de 3028.

A União Feminista nasceu em 1934, como parte integrante da aliança Libertadora, um movimento organizado, em 1936, sob a direção dos comunistas com objetivo de derrubar o governo de Vargas e implantar um governo popular. Suas adeptas eram principalmente intelectuais e operárias29.

Continuando, Teles expõe que, com o fim da segunda guerra, no Rio de Janeiro, surgiu o Comitê de Mulheres pela Democracia, num esforço destas efetivarem de fato suas participações nas conquistas pela igualdade profissionais, administrativas, culturais e políticas. Em 1952, realizou-se a primeira Assembléia Nacional de Mulheres, dirigida por Nuta James30, com objetivo de alcançar a igualdade em seus direitos31.

Além disso, com relação às questões políticas, destaca-se que as mulheres lutaram pela anistia, democracia e, em prol da paz mundial, tendo até mesmo realizado em 1954, uma conferência sobre os direitos da mulher na América Latina.

Enfim, relata Teles que entre 1960 e 1964, eclodiu no Brasil um vigoroso movimento de massas, que incorporou expressivas parcelas dos diferentes segmentos sociais. Mas, foi a partir dos primeiros anos da década de 70, que as mulheres, resolveram não mais ficarem caladas. Falavam do custo de vida, dos baixos salários e das creches. Algumas mães chegavam a ir até algumas autoridades para exigir as soluções necessárias. O importante é que corajosamente, elas começaram a falar de seus problemas32.

No ano de 1975, as Nações Unidas instituem o Ano Internacional da Mulher, após a Conferência do México, promovendo no Brasil, várias atividades públicas reunindo mulheres para discutir a condição feminina, fomentar debates Políticos33.

Para Silva, no mesmo ano, no Rio de Janeiro, um grupo de intelectuais, universitárias e donas-de-casa, articularam comemorações que culminaram com a criação do Centro da Mulher Brasileira (CMB), as quais realizaram um seminário sobre a mulher, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), “ocupando-se principalmente das temáticas, planejamento familiar e da violência contra as mulheres”34.

Em São Paulo outro grupo de mulheres dá origem ao Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira (CDMB) e o Movimento pela Anistia (MFA), unido pela luta da redemocratização do país35.

Alves acredita que, a partir desse ano, surgem novos grupos de mulheres em todo o país. É criado o jornal Brasil-Mulher em Londrina, Estado do Paraná, e no começo do ano de 1976, aparece o jornal Nós Mulheres em São Paulo36.

Em 1970 no Rio de Janeiro surgiu a Comissão de violência, e aproximadamente um ano depois, preocupados com a violência contra a mulher, cria-se o Centro de defesa dos Direitos da Mulher, em Belo Horizonte, sendo uma iniciativa pioneira, em termos de atendimento à mulher37.

Outra contribuição do movimento feminista foi no final dos anos 80, a criação do SOS Mulher38, em alguns estados brasileiros.

Silva39 destaca em relação ao SOS Mulher, que os serviços tinham objetivo de prestar atendimento jurídico, psicológico e social às mulheres vitimas da violência. Os SOS’s trabalhavam na perspectiva de estabelecer vínculos entre as militantes e as mulheres vitimas. A autora destaca, que o SOS era desenvolvido por feministas voluntárias e ofereciam serviços de plantões para o recebimento dos fatos ocorridos.

Ainda, nos anos 80, os movimentos feministas lançaram o slogam “QUEM AMA, NÃO MATA”, desencadeando ampla campanha nacional para denuncias publicamente de “assassinatos de mulheres e absolvição dos culpados sob alegação de legitima defesa da honra”, também lançaram a campanha “O Silêncio é Cúmplice da Violência”40.

No ano de 1993, criou-se o Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), pelo poder público, visando tratar políticas públicas para as mulheres, impulsionando o Estado a reconhecer a violência e discriminação contra a mulher.

Paralelo a isso, o Ministério da Saúde cria o PAISM - Programa de Atenção à Saúde da Mulher, resultado da forte mobilização empreendida pelos movimentos feministas, com objetivo fundado nas necessidades físicas e mentais das mulheres.

Teles e Melo41, revelam que no ano de 1985,

[...] foi criado o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres pela Lei nº 7353 de 29/08/1985, um órgão consultivo e sem caráter executivo, com objetivo de promover políticas públicas em âmbito nacional, para eliminar todas as formas de discriminação contra a mulher, constituindo condições de igualdade de direitos para o pleno exercício da cidadania[...]

Para Silva, um dos avanços significativos, obtidos em relação ao atendimento à mulher violentada foi a criação do COJE – Centro de Orientação Jurídica – Encaminhamento da Mulher, visando oferecer serviços jurídicos, psicológicos e sociais42.

Foi através do “Lobby do Batom”, em 1988, que o movimento feminista obtém importantes e significativos avanços na Constituição Federal, sendo estes direitos históricos, quais sejam: garantiu a igualdade, perante a lei, sem distinção de qualquer natureza entre homens e mulheres, a licença maternidade foi ampliada para 120 dias e buscando a igualdade obteve-se a licença paternidade. Também foi reconhecida a necessidade de coibição à violência que ocorre no âmbito familiar.

A instalação da CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito - em 1992, mostrou pela primeira vez números da violência em âmbito Nacional. Em março de 1993, no I Encontro de Entidades Populares de Combate à Violência contra a Mulher, em Santos (SP), que reuniu 75 entidades, foi aprovada a Campanha “A Impunidade é Cúmplice da Violência”.

O Comitê Latino-americano e do Caribe – CLADEM, em 1988, lança a campanha “Sem as Mulheres, os Direitos não são Humanos”, em ocasião ao cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Brasil lança-se a campanha “Viver sem Violência é um Direito Nosso”.

Passando para o ano de 2004, realizou-se a I Conferencia Nacional de Políticas Publicas para mulheres, objetivando diretrizes para fundamentação do plano Nacional de políticas para mulheres.

Estas campanhas favoreceram muitas as mulheres, e sempre procurando reivindicar por melhores condições de vida, liberdade de expressão, inserção da mulher no âmbito do mercado de trabalho, no cenário político e buscando acima de tudo o respeito e a dignidade.

No ano de 2006, foi sancionado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Lei Maria da Penha, assunto explanado no próximo tópico detalhadamente.

A LEI Nº 11340/2006 - MARIA DA PENHA

A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, foi sancionada em 07 de agosto de 2006, podendo ser considerada uma importante conquista na luta pela implementação “real” dos direitos humanos para a sociedade e em especial para as mulheres brasileiras, tornando-se um direito destas e dever do Estado.

Esta lei cria e estabelece mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres, uma das formas mais graves dos direitos humanos, como já demonstrado anteriormente.

Conforme a Constituição Federal Brasileira, especificamente no artigo 226 parágrafo 8º, a Lei Maria da Penha vem reafirmar o que as mulheres brasileiras tem alertado o Estado e a Sociedade sobre a importância das políticas públicas que coloca fim a este comportamento absurdo, que leva várias mulheres à morte dentro e fora de seus lares.

A criação da Lei Maria da Penha cumpre também determinação da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher. Foram muitas as mudanças: inovações no processo judicial, nos papéis das autoridades policiais e do Ministério Público, alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei de Execuções Penais. Trata-se de um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica e familiar.

A aplicação da Lei sobre a violência contra as mulheres aponta mecanismos que possibilitam um maior encorajamento das mulheres para denunciar e formalizar as agressões ou qualquer outro tipo de violência sofrida por elas.

Meritório destacar que essa legislação prevê medidas inéditas de proteção para as mulheres em situação de violência ou sob risco de morte. As penas pecuniárias, por exemplo, que apenas puniam os agressores com multas ou cestas básicas foram punidas. Agora, dependendo da gravidade do caso, o agressor pode ser proibido de se aproximar da mulher e dos filhos.

Salutar, o combate à violência não restringe a tornar mais severa as medidas contra os agressores, mas estabelece medidas de assistência social, como por exemplo, a inclusão da mulher em situação de risco no cadastramento de programas assistenciais dos governos municipais, estaduais e federais.

A RESPOSTA DO SISTEMA PENAL ÀS DEMANDAS DO MOVIMENTO FEMINISTA

O surgimento da mobilização feminina em prol do alcance da justiça tem revelado falha brutal na vida social. Foi na luta no campo penal que as feministas priorizaram seus interesses por vários tempos. Reclamavam da ausência de uma lei específica para punição da violação dos direitos das mulheres. O assédio sexual e a violência doméstica eram os pedidos que melhor expressavam a posição dos movimentos das mulheres frente ao direito penal 43.

De igual forma Andrade expressa que:

Pode-se constatar que o movimento feminista se debate, de longa data, em torno de duas vias mestras e um dilema básico: devemos buscar a igualdade ou devemos marcar, precisamente, a diferença em relação ao “masculino”? Seja, como for, tanto na busca da igualdade ou da diferença, ambas ancoradas na luta pela emancipação feminina, o movimento não fala uma só voz tendo se mostrado dividido, em diversos lugares do mundo, na sua opção em recorrer ou não ao sistema penal para proteger as mulheres44.

Para Campos, as feministas têm buscado o mesmo estatuto penal conferido aos homens para punição dos crimes contra as mulheres. “Mas, qual é a igualdade possível no campo penal?”45.

Verifica-se que o Código Penal (CP), não possui nenhum capítulo ou “tipos penais de proteção específica às mulheres”46. Tipifica os delitos ocorridos, como, ameaça, lesões corporais, como já verificado anteriormente.

A Constituição Brasileira de 1988 fez referência à violência doméstica, no art. 226, in verbis: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado [...], § 8º “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” Sendo uma das poucas, no mundo que se refere de forma explícita, a violência doméstica, incentivando o Estado a atuar nesta esfera. Também, prevê igualdade a todos perante lei, sem distinção de qualquer natureza, proclamado igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. (artigo 5º, I).

A Lei 9.099 de 26/09/95 institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais tendo em vista a existência de crimes considerados de menor potencial ofensivo. Foi instituída com a finalidade de garantir o acesso mais ágil e efetivo à justiça. Segundo o art. 61:

São considerados crimes de menor potencial ofensivo pela dogmática penal àqueles crimes e contravenções abrangidos pela Lei 9.099/95, a que a lei comine pena máxima não superior a 01 (um) ano, executando-se os casos em que a lei preveja procedimento especial.

Telles e Melo47 esclarecem que:

[...] a criação dos Juizados Especiais foi saudada pela comunidade jurídica como um avanço dentro do sistema judicial penal, que possibilitaria maior acesso à justiça, para a resolução dos conflitos de natureza penal, quando o crime fosse de menor potencial ofensivo, que acabou sendo definido pela pena máxima de um ano. (Posteriormente entra em vigor a Lei Federal 10.251/01 que aumenta essa pena máxima para dois anos).

Ainda segundo as antropólogas acima, uma vez que a competência para processar crime de menor potencial ofensivo foi inserido aos JECRIMs, pode-se observar que os réus quando condenados “eram obrigados apenas a pagarem uma cesta básica alimentar ou prestar serviços à comunidade. Tal situação tem levado à banalização da violência doméstica, desestimulando as vitimas a denunciar esses crimes e dando aos agressores um sentimento de impunidade”48.

Machado discorre sobre o assunto:

A Lei 9.099/95 dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais e propõe penas não privativas de liberdade a determinados delitos “de menor potencial ofensivo”. Estes crimes são definidos pela pena a eles aplicada: crimes com penas não superiores a um ano e contravenções penais como crimes de lesão corporal de natureza leve e o de ameaça. São assim entendidos como não causando danos graves ás pessoas, destinando-se os encarceramentos aos crimes graves, tal como proposto em um amplo contexto de debate internacional [...]49

A atuação deficitária dos juizados nos tratos da violência doméstica, juntamente com a classificação deficiente do crime de lesão corporal pelo Código Penal e as penas aplicadas, quase que estimulam novas agressões50.

Para Campos,51 também ocorre que a violência denunciada pelas mulheres e julgada nos Juizados Especiais tem, por força da Lei, a solução da conciliação, no que se refere ao delito, além da tentativa de reconciliação do casal, levando a mulher desistir de levar o caso adiante, mediante o compromisso verbal do agressor, de não mais praticar atos violentos.

Segundo Hemann:

A Lei 9.099/95 deu ao cidadão a opção de livrar-se do ônus do processo sem mesmo ter que discutir a culpabilidade, ainda que, à luz da política de consenso que a orienta, tenha ele de realizar certas concessões, como submeter-se a medida alternativa ou a período de prova52.

Em relação ao tratamento legislativo dado à questão da violência doméstica, identifica-se a alteração do art. 69 da Lei 9.099/95, relativo à lavratura do termo circunstanciado por parte da autoridade policial e do seu encaminhamento à autoridade judicial (o termo circunstanciado substitui o Inquérito e o Auto de Prisão em flagrante e que o referido não é o mesmo que o Boletim de Ocorrência (BO), que é um termo bem simples, feito tão-somente para registrar o fato).

Para Dias, a referida Lei determina o seguinte procedimento: é feita a comunicação do delito na delegacia de polícia, lavra-se o termo circunstanciado de Ocorrência, do qual consistem a qualificação do ator e da vítima, a relação de testemunha e um breve relato do fato ocorrido, em substituição ao tradicional Boletim de ocorrência53.

Segundo Hermann, remetido o temo circunstanciado à esfera judicial, o primeiro ato a ser praticado é a audiência preliminar de que trata o art. 72, na qual acontecerá a atividade conciliatória. É na fase preliminar que têm lugar as seguintes hipóteses:

1) A composição dos danos, que resulta na extinção da punibilidade (art. 74 e § único);

2) a transação penal, configurada a partir da aplicação imediata de pena alternativa (restrição de direitos ou de multa – art. 76);

3) a necessidade de representação para os crimes de lesões corporais leves ou culposas (art. 88) e

4) a possibilidade de suspensão condicional do processo nos crimes onde a pena mínima seja igual ou inferior a um ano (art. 89)54.

Para Hermann a audiência preliminar é conduzida por juiz togado ou leigo, ou ainda por conciliador, e deve servir primeiramente para promover a solução do conflito entre autor e vítima, através da composição dos danos. Essa composição opera, com efeito, duplo, o primeiro incide na esfera cível, posto que, “reduzida a escrito e homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente” (art. 74). O segundo ocorre na esfera criminal, já que o “acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação”. (parágrafo único do art. 74)55.

A audiência preliminar não surte efeitos conciliatórios, imediatamente dá-se inicio a segunda etapa alternativa que é a transação penal, prevista na lei, aonde a vítima oferece representação dentro do prazo decadencial para o Ministério Público, incumbindo lhe a análise do caso concreto para optar entre o oferecimento imediato de proposta de transação penal ou não, já que pode ocorrer a hipótese de arquivamento da peça informativa56

Finalmente, o parágrafo 4º do art. 76 menciona “aplicação de pena restritiva de direitos ou multa”, mas não existe cunho condenatório nessa decisão, tanto que não importa em reincidência. As penas restritivas de direitos constituem em prestação de serviços à comunidade ou em limitação de fim de semana, como não sair de casa, voltar em certos horários, etc57.

Todavia, segundo Dias, para a aplicação destas penas é necessário o consentimento do agressor, não importando mais à vontade da vítima. Porém, em caso de novas agressões, o agressor não poderá mais ser beneficiado. (art. 76 da Lei 9.099/95), e em situação de perigo para vitima o juiz poderá determinar o afastamento do agressor do lar58.

As várias mudanças ocorridas com esta lei foram polemizadas no âmbito do debate a respeito do tratamento judicial aos casos de violência contra a mulher. A primeira questão é a possibilidade de conciliação. “O principal argumento é que, depois de tanta luta para que a violência contra a mulher fosse tratada como crime, e como violação de direitos, os novos procedimentos processuais afastam a possibilidade de uma condenação e permitem que estes agressores nem cheguem a julgamento”59.

Outra crítica constante em relação a transação penal é de que o critério utilizado no art. 61 para definir infrações de menor potencial ofensivo não levou em conta o bem jurídico a ser tutelado, permitindo a transação para delitos que tem sido alvo de movimentos sociais por um maior rigor punitivo, em face de sua natureza potencialmente danosa. A lei é importante, pois visa buscar mais a reparação do dano sofrido, que o eventual encarceramento do autor do fato60.

O que não pode ocorrer, seguramente é o descomprometimento dos agentes formais de controle com a eficácia e adequação da medida transacionada.

Para Izumino, outro aspecto é a forma do preparo das policiais e dos membros do Judiciário e do Ministério Público para fazerem o encaminhamento das mulheres através dos procedimentos propostos pela lei, sempre as informando sobre as possibilidades existentes e seus resultados. Visivelmente, várias mulheres deixam de representar criminalmente contra seus agressores porque desconhecem os procedimentos que serão adotados nas etapas seguintes até o final do desfecho judicial61 .

Por outro lado, Silva Júnior relata:

[...] a Lei dos Juizados Especiais Criminais não está sendo aplicada. Para desespero das mulheres agredidas e angústia da autoridade policial, que toma conhecimento da ocorrência, a audiência preliminar chega a ser marcada até para seis meses depois da agressão. E quando ocorre, pelo acúmulo de serviço, tem que ser rápida: não há tempo para se conhecer o problema familiar e muito menos para tentar uma solução efetiva que pacifique as partes e proteja a mulher agredida62.

Em decorrência desses vários fatores da má aplicação da lei aos casos que envolvem violência contra a mulher, tentou-se melhorar com a introdução de novos artigos em leis existentes, ou até mesmo, a criação de novas leis específicas contra esse delito.

Por outro lado, verifica-se que no direito processual penal, a posição da mulher, até pouco tempo atrás, vinculava submissa ao homem. A lei 9.520 de 28 de novembro de 1997 revogou o art 35 do Código Processo Penal que dizia: “A mulher casada não poderá exercer o direito de registrar ocorrência sem o consentimento do marido, salvo quando estiver separada ou quando essa reclamação for contra ele”63.

Dentre outras inovações, observa-se a implementação da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, que “altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual e dá outras providências.” Define o assédio sexual como: constranger alguém com o intuito de obter vantagem, ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior, hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função. Estabelece, ainda, a pena de detenção de três meses a um ano e multa para o crime de assédio sexual, podendo ser aumentada em até dois terços conforme o grau da relação entre o agente e a vítima.

Igualmente, não estabeleceu respostas ao problema social da violência contra a mulher.

Em maio de 2002, foi sancionado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o Projeto nº 76, de 2001, convertido na Lei 10.455, a qual especificou que em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, afastamento do agressor do lar, do domicilio ou do local de convivência com a vítima. Essa lei também não definiu a violência doméstica.

No ano de 2002, a Lei 10.778 impôs a todos os serviços de saúde pública e privada a obrigação de proceder à notificação de casos de violência doméstica e apresentou uma definição legal ao termo, preenchendo lacuna deixada pela Lei 10.455/02. Em seu artigo 1º tem-se a definição da violência contra a mulher considerando o lar como um dos possíveis lugares de sua incidência:

Para efeito desta lei deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

Em seguida, o § 2º, I específica que a violência contra a mulher inclui a violência física, sexual e psicológica que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido com a mulher, compreendendo entre outros atos o estupro, a violação, os maus-tratos e o abuso sexual.

A situação modificou-se em virtude da mobilização intensa das feministas. O Poder Legislativo finalmente alterou o Código Penal de 1940 com a edição da lei nº 10.886, de 17/06/2004, que “acrescenta parágrafos 9º e 10º ao art. 129 do Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado: “Violência Doméstica”64 nos seguintes termos:

Art. 129

Violência doméstica

[...] § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hostilidade:

Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

§ 10 Nos casos previstos nos §§ 1º e 3º deste artigo, de as circunstâncias são as indicadas no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).

Mas, ocorre que a pena aplicada a esse delito, ainda possibilita a inserção entre os delitos de menor potencial ofensivo, em razão da lei dos Juizados especiais (9.099/95) não distinguir os crimes, e somente levar em consideração a pena65.

Finalmente após muita luta, o sistema penal brasileiro inovou ao aprovar o Projeto-Lei nº 4559/04, o qual originou a uma lei específica, de nº 11340/06, que recebeu o nome de Maria da Penha66, Essa lei foi assinada pelo Presidente da Pública, Luis Inácio Lula da Silva, no dia 07 de agosto de 2006 e,

[...] cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas das Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de execução Penal; e dá outras providências.

O projeto divide-se em 46 artigos, distribuídos ao longo de 7 títulos:

1. Título I – Disposições Preliminares;

2. Título II - Da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;

3. Título III – Da Assistência á Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar;

4. Título IV – Dos Procedimentos;

5. Título V – Da Equipe de Atendimento Multidisciplinar;

6. Título VI – Disposições transitórias; e

7. Título VII – Disposições Finais.

Para Alves, segundo o caput do Art. 5º, violência contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.“ O artigo inaugura a disciplina normativa dos destinatários primeiros desse lei: a vítima – sempre mulher, e o agressor pode ser homem ou outra mulher 67.

Continuando, Alves entende que os avanços foram significativos, por exemplo, devolveu-se à autoridade policial a prerrogativa de investigatória, podendo ouvir a vítima, o agressor e instalar inquérito policial, com base no art. 12 da Lei 11.340/06, “antes a figura do inquérito policial, ficou afastada pela lei 9.099/05, que o substituiu pelo Termo Circunstanciado aplicável às infrações de menor potencial ofensivo”68:

Dispõe expressamente o artigo 12 da lei 11.340/06:

Art. 12 em todos os casos de violência doméstica e familiar contra mulher feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

I – ouvir a fendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V – ouvir o agressor e as testemunhas;

VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

Segundo Dias,

A lei proibe induzir o acordo bem como aplicar pena multa pecuniária ou a entrega de cesta básica. Serão criados Juizados Especiais contra a Violência Doméstica e Familiar, com competência cível e criminal. Assim, a queixa desencadeará tanto ação cível como penal, devendo o juiz adotar de ofício medidas que façam cessar a violência: o afastamento do agressor do lar; impedi-lo que de se aproxime do lar; vedar que se comunique com a família, ou encaminhar a mulher e os filhos a abrigos seguros69.

O artigo 14, que autoriza a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, assim dispõe:

Os Juizados de Violência Doméstica e familiar contra a mulher, órgãos da justiça ordinária competência civil e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Estas varas especializadas terão competência cível e criminal. Sendo que os atos processuais poderão ser realizados em horário noturno, conforme dispuser a lei de organização judiciária local.

Sobre esse assunto Teles, elucida:

Impõe-se a necessidade de se criar um Juizado Especial para Crimes de Violência de Gênero para que o Estado possa oferecer serviços adequados à mulher que vive a situação de violência em suas relações interpessoais no cotidiano. Previdências desse caráter facilitam a implementação dos tratados e convenções os quais o Brasil assinou e ratificou70.

No entendimento de Alves, o artigo 20 da Lei 11.340/06 determina que cabe a prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, neste caso, visa à proteção da mulher71.

Sobre a prisão preventiva, cabe ressaltar a crítica exposta nas palavras de Cabette:

Imagine-se um caso de prisão em flagrante no qual a mulher tenha afirmado não desejar representar. Mesmo assim, a autoridade policial formalizaria a prisão. Considere-se que, naquele caso concreto, o autor do crime não fizesse jus à fiança ou não pudesse satisfazê-la por qualquer motivo. Ofertada a denuncia e designada a audiência do artigo 16 da lei enfocada, a mulher confirmaria seu desinteresse pela ação penal, operando-se a suposta “renúncia”. Resultado: o Estado por meio de seus órgãos (Polícia, Ministério Público e Judiciário) teria se mobilizado sem justa causa. E o pior, alguém teria sido recolhido ao cárcere inultimente!72

Art. 21 da Lei 11.340/06, determina que a ofendida seja “notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão”. Isso revela ao uma preocupação do legislador com a segurança pessoal da mulher vitimizada, que não deve ser surpreendida pelo algoz liberado da prisão e revoltado com suas denúncias. “Traduz um verdadeiro progresso da legislação ruma à reintegração da vítima e de seus interesses ao universo do processo penal, de onde permaneceu alijada por muito tempo”73.

CONCLUSÃO

Historicamente, a mulher ficou subordinada ao poder masculino, tendo basicamente a função de procriação, de manutenção do lar e de educação dos filhos. Numa época em que o valor era a força física. Com o passar do tempo, porém, foram sendo criados e produzidos instrumentos que dispensaram a necessidade da força física, mas ainda assim a mulher içou numa posição de inferioridade, sempre destinada a ser um apêndice do homem, jamais seu semelhante. Esta compreensão acorrentou culturalmente a mulher, moldando-lhe sua existência conforme estas possibilidades apresentadas.

No século XX, depois das grandes guerras mundiais, dos avanços científicos e tecnológicos, surge irrevogavelmente a possibilidade de um outro espaço para a mulher. Por volta da década de 40, o feminismo dá seus primeiros passos, e com isso começa a pensar na possibilidade de um futuro diferente daquele que lhe reservaram culturalmente e históricamente. As mulheres já vinham em um processo, lento e gradual de conquistas sociais, econômicas e jurídicas, mas é a partir de então que se intensificam as discussões e lutas pela superação da situação das mulheres.

Se comparados a milênios de inferiorizarão, submissão e desqualificação, os avanços conquistados, arduamente, nas últimas décadas são pequenos, mas fundamentais para a consolidação do processo histórico e cultural da mulher ao lado do homem com as mesmas possibilidades de ser na sociedade.

A mulher se depara ainda, hoje com esta contradição: por um lado, uma herança histórica que a limitou a ser mãe, esposa: o segundo sexo; por outro, a possibilidade de escolher seu futuro e se fazer sujeito de sua história, bem como da humanidade, em pé de igualdade com o sexo masculino. Porém, é no interior dos lares que vem à tona o lado mais obscuro e cruel desta contradição, muitas vezes com a conivência da própria vítima: a violência doméstica do marido ou companheiro contra a mulher.

Finalizando, verifica-se que existe um grande canal entre a lei e a vida. No entanto, mais difícil do que mudar a lei é mudar as mentalidades. Muitas coisas em nossa legislação precisam ser transformadas, mas, antes de tudo, é fundamental que se mudem as relações assimétricas entre mulheres e homens. Somente tais mudanças conduzirão à igualdade, a liberdade e a autonomia das mulheres, cujo resultado será uma transformação social, com homens e mulheres livres, construindo um mundo mais justo.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1 BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de janeiro: Campus, 1992, p. 06.

2 Sustenta que o Estado surgiu de um núcleo familiar, cuja autoridade suprema pertencia ao ascendente varão mais velho, o qual possui todo o poder e domínio sobre as pessoas da família. (www.profpito.com/ead6.doc)

3 SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: sujeito ou objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na História dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006, p. .58

4 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher, p.29.

5 SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: sujeito ou objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na História dos direitos humanos das mulheres. Florianópolis: OAB/SC, 2006 p. 68

6 SANTOS, Sidney Francisco Reis dos. Mulher: sujeito ou objeto de sua própria história? Um olhar interdisciplinar na História dos direitos humanos das mulheres, p. 71.

7 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 87.

8 Defende que a primeira organização familiar teria sido baseada na autoridade da mãe. (www.prolipito.com/ead6.doc).

9 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, p . 87.

10 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, p. 111.

11 ALVES, BRANCA Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é o feminismo. Brasiliense. São Paulo. 1985, p 18.

12 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, p.119.

13 ALVES, BRANCA Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é o feminismo. Brasiliense. São Paulo. 1985, p 20-21.

14 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, p.149.

15 BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, p.171.

16LANGLEY, Roger. LEVY, Richard. Mulheres espancadas fenômeno invisível. São Paulo: Hucitec, 1980, p. 63.

17 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1993 p. 07.

18 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p.11.

19 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p.13.

20 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p.15.

21 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p.18.

22 Escritora, poetisa, nascida em 12 em outubro de 1810, em Papari, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte. No que se refere às questões femininas, deu os primeiros passos em 1831, publicando em um jornal pernambucano uma série de artigos sobre a condição feminina. Em 1853, publicou Opúsculo Humanitário, uma coleção sobre a emancipação feminina, entre muitos outros. Nísia faleceu em Roen, na França aos 75 anos, em 24 de abril de 1885. (www.wikipedia.org)

23 Primeira poetisa maranhense nasceu em 1825 e morreu em 1917. aos 92 anos de idade. Em 1859 publicou Úrsula, primeiro romance brasileiro anti-escravagista e primeiro escrito por uma mulher no Brasil, e, em 1871, Contos a Beira Mar. (www.revista.agulha.nom.br)

24 Chiquinha Gonzaga - Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1847Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1935) foi uma compositora e pianista brasileira. Foi a primeira chorona, primeira pianista de choro e também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. (www.wikipedia.org)

25 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, p.23.

26 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p, 26

27 TOSCANO, Moema; GOLDENBERG, Mirian. A revolução das mulheres. Rio de Janeiro; Revan, 1992, p.27.

28 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p. 27.

29 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p. 28

30 Nasceu em 08 de maio de 1885, em Alegrete, no Rio Grande do Sul. Era devota à reforma social do Brasil, participou do movimento revolucionário de São Paulo em 1924. Somente em 1954, com a redemocratização do país, imposta pela vitória da democracia contra o facismo, Nuta voltou ao cenário político, participando da fundação da União Democrática Nacional, pela qual disputou uma cadeira de Deputada Federal, sem êxito, embora tenha obtido expressiva votação. Sua ultima presença na vida política foi em 1974, quando defendeu a eleição de seu filho Victorino James. A brava Senhora James faleceu em 6 de abril de 1976.

31 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p. 31

32 TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil, p. 36.

33 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo: Cortez, 1992, p.82.

34 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher?, p.85.

35 ALVES, BRANCA Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é o feminismo. Brasiliense. São Paulo. 1985, p.71.

36 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? p.72.

37 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? p.87.

38 SOS foi criado em outubro de 1980 em São Paulo, logo em seguida em Campinas e no Rio de Janeiro. Todas entidades eram autônomas e tinham como objetivo atender as mulheres vitimas de violência, com um serviço de voluntárias que incluía psicólogas e advogadas.

39 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? p.88.

40 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher, p.103

41 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher, p.101-102.

42 SILVA, Marilise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? p. 96

43 CAMPOS, Carmen Hein de. O discurso feminista criminalizante no Brasil. 1998. 165 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1998, p.89.

44 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.92.

45 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima, p.89.

46 CAMPOS, Carmen Hein de. O discurso feminista criminalizante no Brasil, p.90.

47 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003, p.86.

48 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher, p.88.

49MACHADO, Lia Zanotta. Atender vítimas, criminalizar violênias: dilemas das delegacias da mulher. 2002. Disponível em: <http//www.unb.br/ics/dan/Series319empdf.pdf>. Acesso em 24 dez.2008,p.51

50 DIAS, Sandra Pereira Aparecida. Bem vinda, Maria da Penha! Jus Vigilantibus, Vitória, 08 ago. 2006. Disponível em <http: //jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22173. Acesso em: 09 dez. 2008, p.3.

51 CAMPOS, Carmen Hein de. O discurso feminista criminalizante no Brasil, p.91.

52 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95. São Paul: Cel-Lex, 2000, p.128

53 DIAS, Sandra Pereira Aparecida. Bem vinda, Maria da Penha! p.5

54 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95, p.105.

55 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95, p.105.

56 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95, p.106-107.

57 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95, p.109.

58 DIAS, Sandra Pereira Aparecida. Bem vinda, Maria da Penha! p.5.

59 IZUMINO, Wânia Pasinato. Delegacias de defesa da mulher e juizados especiais criminais: contribuições para a consolidação de uma cidadania de gênero. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 40, 2002, p.291.

60 HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei nº 9.099/95, p.123.

61 IZUMINO, Wânia Pasinato. Delegacias de defesa da mulher e juizados especiais criminais: contribuições para a consolidação de uma cidadania de gênero. p.292.

62 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Violência doméstica e lei nº 9.099. Jus Navegandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.oul.com.br/doutrina/texto.asp?id=2027>. Acesso em 26 jan. 2009, p.03.

63 CAMPOS, Carmen Hein de. O discurso feminista criminalizante no Brasil, p.91.

HERMANN, Leda. A dor que a lei esqueceu comentários à lei , p.106.

64 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 08 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uoal.com.br/doutrina/texo.asp?id =8764>. Acesso em 08 jan. 2009.

65 CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 1995. Disponível em: <http:// jus2.oul.com.br/doutrina/texto.asp?id=7753>. Acesso em 07 jan. 2009, p. 13.

66 A lei 11.340 também é chamada de Lei Maria da Penha Maia. O nome foi dado em homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha que lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado, virando um exemplo de luta contra a violência doméstica. Em 1983, o seu marido, o professor universitário Marco Antônio Herredia tentou matá-la duas vezes. Ela, na primeira vez, atirou contra ela, acertando um tiro. Da segunda vez, ele tentou eletrocutá-la. Por conta das agressões sofridas, Penha ficou tetraplégica. Em 1984, um ano depois da denúncia, o caso chegou ao Ministério Público. Nove anos depois seu agressor: Marco Antônio foi condenado a oito anos de prisão, mas conseguiu recursos para protelar o cumprimento da pena. O caso chegou à Comissão Interamericana dos Direitos Humanos dos Estados Americanos (OEA) - primeira vez que o órgão acatou um caso de violência contra a mulher. Herredia foi preso em 2002, mas só cumpriu dois anos da pena e hoje está em liberdade (www.ciranda.net).

67 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, p.10.

68 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, p.15.

69 DIAS, Sandra Pereira Aparecida. Bem vinda, Maria da Penha! p.1

70 TELES, Maria Amélia de Almeida. Por que criar um juizado especial para crimes de violência doméstica? Direitos humanos net. Disponível em <http://www.dhnet. org.br. Acesso 10 jan. 2009 p.01

71ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, p.18.

72 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, nº 1146, 21 ago.2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/terxto.asp?id=8822. Acesso em: 08 out. 2008, p.04

73 CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Anotações críticas sobre a lei de violência doméstica e familiar contra a mulher., p.09