Dever de Diligência do Conselheiro de Administração: Lições da jurisprudência administrativa nas companhias abertas


Pormarianajones- Postado em 03 maio 2019

Autores: 
Bruno Meyerhof Salama
Vicente Piccoli M. Braga

1 Dever de Diligência do Conselheiro de Administração:

Lições da jurisprudência administrativa nas companhias abertas

Bruno Meyerhof Salama1 e Vicente Piccoli M. Braga2

Resumo

Este trabalho conduz um mapeamento das decisões do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) sobre descumprimento do dever de diligência por conselheiros de administração de companhias abertas entre os anos 2010 e 2014. Primeiro, buscou-se identificar aspectos quantificáveis: natureza e extensão das penalidades aplicadas; percentual de absolvições e condenações na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e CRSFN; frequência da reforma de decisões da CVM pelo CRSFN; e eventual diferenciação entre membros “comuns” e Presidente ou vice-presidente do Conselho. Segundo, buscou-se identificar lições no conjunto de decisões que pudessem indicar o conteúdo do dever de diligência como interpretado em casos concretos. A principal conclusão a que se chega é a de que os contornos do dever de diligência de conselheiro de administração estão razoavelmente bem estabelecidos, e sua aplicação, embora lenta, seja rigorosa.

Palavras-chave: CRSFN, CVM, dever de diligência, Conselho de Administração.

1 Professor Associado, FGV Direito SP. Ex-integrante do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional - CRSFN. 2 Advogado. Mestre em Direito pela FGV Direito SP. 2 1.

Introdução

O conselheiro de administração tem dever de diligência, e nas companhias abertas o descumprimento desse dever pode sujeitá-lo a punições. 3 A dicção da lei é a seguinte: “[o] administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios”.4 Como a jurisprudência administrativa interpreta e aplica esse dispositivo tão sucinto e ao mesmo tempo tão abrangente? A questão tem grande relevância prática. Terá sido diligente o conselheiro que aprovou negócios da companhia cujos detalhes sórdidos desconhecia? Terá sido diligente o conselheiro que, estando em dúvida sobre uma deliberação, achou prudente simplesmente se abster de decidir? Até que ponto tem o conselheiro o dever de tomar conhecimento, de ir atrás da informação? Pode o conselheiro ser responsabilizado quando negócios imprudentes não acarretam danos à companhia? O nível de cuidado exigível é proporcional ao potencial danoso? O conselheiro pode ser responsabilizado por não ter atuado quando um diretor descumpriu reiteradamente uma obrigação própria de seu cargo de diretor? O dever de diligência do presidente de um Conselho de Administração é maior que o dos demais conselheiros? E assim por diante. O presente trabalho busca identificar as respostas que vêm sendo dadas pela nossa jurisprudência administrativa a questões dessa natureza. Especificamente, fizemos um mapeamento das decisões do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) sobre descumprimento do dever de diligência por conselheiros de administração de companhias abertas, e depois as analisamos a fim de encontrar suas “lições”. Enfocamos as decisões de 2010 a 2014. O intervalo temporal de 5 anos foi definido visando buscar decisões atuais, porém em número representativo. O presente ano (2015) foi propositalmente excluído porque muitos dos casos julgados ainda não tiveram acórdãos publicados. O levantamento foi finalizado em agosto de 2015. Logo, acórdãos do CRSFN prolatados em 2014 e eventualmente ainda não disponíveis online não puderam ser incluídos. 3 Lei 6.386/76, art. 11. 4 Art. 153 da lei 6.404/76. 3 Contudo, o prazo de disponibilização online de acórdãos pelo CRSFN costuma ser inferior a oito meses, de modo que é improvável que as ausências, se existirem, sejam significativas. Foram localizados 43 acórdãos do CRSFN discutindo especificamente descumprimento de dever de diligência por conselheiros de administração de companhias abertas. Os resultados estão catalogados na tabela que consta como Apêndice ao presente. Nesses casos, examinamos tanto os acórdãos do CRSFN quanto as decisões da CVM recorridas ou reexaminadas. Realizamos um duplo exercício. Primeiro, buscamos catalogar aspectos quantificáveis dessas decisões, e, especificamente: a natureza das penalidades aplicadas (advertência, multa ou inabilitação); a extensão das penalidades (valor da multa, duração da inabilitação); o percentual de absolvições e condenações; a frequência da reforma de decisões da CVM pelo CRSFN; e a existência (ou não) de diferenciação de tratamento pelos aplicadores da lei entre membros “comuns” do Conselho de Administração e seu presidente ou vice-presidente. Segundo, a partir da leitura dessas decisões, buscamos identificar generalidades que pudessem indicar o conteúdo do dever de diligência como interpretado em casos concretos. Optamos por examinar decisões do CRSFN, em vez de decisões da CVM, por ser aquele o órgão hierarquicamente superior. É ao CRSFN que compete examinar as decisões da CVM e sobre elas dar a palavra final quando instado a fazê-lo. Pesou também a maior familiaridade dos autores com as decisões e trâmites do CRSFN e a maior facilidade de acesso a informações do CRSFN, já que ao tempo da condução dos levantamentos os novos mecanismos de busca online da CVM ainda estavam sendo aprimorados. Aqui é preciso notar que existem processos administrativos iniciados pela CVM que redundam na assinatura de termos de compromisso. Esses termos são públicos e sabe-se que neles por vezes há deliberações específicas sobre os contornos do dever de diligência. Mas como diante de termos de compromisso não há recurso voluntário (porque não há condenação) nem reexame obrigatório (porque não há absolvição), as deliberações contidas nos termos de compromisso jamais chegam a ser apreciadas pelo CRSFN. Contudo, é razoável supor (e a experiência indica ser essa a praxe) que as deliberações da CVM a respeito de dever de diligência contidas nos termos de compromisso sejam em geral reproduzidas nas demais decisões da CVM que de fato chegam ao CRSFN. 4 O restante deste trabalho se divide da seguinte forma. A seção 2 apresenta os resultados quantificáveis. A seção 3 discute especificamente os contornos conceituais do dever de diligência de conselheiros de administração de companhias abertas na nossa jurisprudência administrativa. A seção 4 conclui.

2. Jurisprudência do CRSFN em números

Variação temporal das decisões analisadas. As 43 decisões do CRSFN proferidas entre os anos de 2010 e 2014 apreciaram decisões da CVM proferidas entre 2004 e 2010. Logo, os dois órgãos estão sendo analisados em momentos diversos. De fato, as decisões da CVM levam um bom tempo até serem reapreciadas pelo CRSFN, e isso em boa parte porque, atualmente, exige-se um parecer escrito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em praticamente todos os processos, e a PGFN costuma levar 3 anos para fazê-lo. De qualquer forma, chama a atenção o grande número de recursos julgados na CVM no ano de 2006 e no CRSFN em 2010. Tal anomalia é explicada, em grande parte, por um esforço concentrado da CVM em 2006 de persecução a membros de Conselho de Administração que não teriam atuado de forma diligente frente a Diretores de Relação com os Investidores – DRIs que não cumpriam adequadamente seus de deveres informacionais. 1 3 24 9 4 2 2004 2005 2006 2007 2008 2010 Julgamentos da CVM por ano 25 4 7 4 3 2010 2011 2012 2013 2014 Julgamentos do CRSFN por ano 5 Esse grande número de recursos com uma mesma temática concentrados em anos específicos não tende a contaminar a análise das decisões porque não parece influenciar a discussão sobre a questão de fundo aqui tratada, que é a construção de entendimentos acerca do dever de diligência de conselheiros de administração. Por isso, não nos pareceu necessário segregar essas decisões das demais. Resultado dos julgamentos de descumprimento do dever de diligência. Dos 43 casos de descumprimento do dever de diligência por parte de membros de Conselho de Administração analisados, 32 (74%) resultaram em absolvição pela CVM, com 5 (12%) resultando na condenação de parte dos membros do Conselho de Administração indiciados e outros 6 (14%) resultando na condenação de todos os membros do Conselho de Administração indiciados. No CRSFN, contudo, conforme demonstra o gráfico abaixo, em apenas 18 casos (42%) houve absolvição dos membros do Conselho de Administração, tendo sido estes condenados total ou parcialmente em 23 casos (53%), sendo que em outros 2 (5%) foi reconhecida a prescrição, razão pela qual deixou-se de julgar o mérito dos recursos. Natureza das penalidades aplicadas 18 19 4 2 Resultado dos julgamentos do CRSFN absolvição condenação parcial prescrito 32 6 5 Resultado dos julgamentos da CVM absolvição condenação parcial 6 Se por um lado a CVM demonstrou menor propensão a condenar os acusados que o CRSFN, por outro a natureza das penalidades aplicadas pela CVM tendeu a ser mais rígida. Dos 11 casos nos quais a CVM aplicou algum tipo de penalidade ao membro de Conselho de Administração, em apenas 3 deles optou a CVM pela pena menos gravosa, a de advertência. Nos outros 8 casos, a natureza da penalidade aplicada pela CVM se dividiu igualmente entre multa e inabilitação. Por outro lado, o CRSFN preferiu aplicar somente a pena de advertência em 14 dos 22 casos em que decidiu pela condenação. Em outros 3 casos decidiu pela aplicação da pena de advertência para alguns dos acusados e de multa para outros. Já a pena de multa foi aplicada com exclusividade em 3 casos e a pena de inabilitação em apenas 2 casos. Quanto à razão da opção por uma ou outra natureza de penalidades, um ponto importante precisa ser feito. Conforme visto, a pena de praxe adotada nas decisões analisadas, sobretudo pelo CRSFN, é a de advertência. Mas a CVM, não raro, em vez de advertência aplicou penas de multa em valores relativamente baixos (R$ 5 a 30 mil). Assim, o que se viu foi que, nos casos de descumprimento do dever de diligência que não acarretam prejuízo significativo à companhia, a regra parece ser a aplicação de punição branda. Contudo, quando a conduta impacta significativamente os negócios da companhia, a mão do julgador tende a pesar, pelo que se torna mais comum a aplicação de penas como a inabilitação ou mesmo a propositura de multas em valor mais elevado (como visto nos recursos 77025 e 132246 e na decisão de primeira instância do recurso 123577 ). 5 Os acusados eram conselheiros do Banco Mercantil. A acusação girou em torno de um conjunto de medidas adotadas pelo banco – algumas envolvendo transações com partes relacionadas – com o fim de distorcer a situação contábil do banco, visando a adequá-lo aos limites de imobilização estabelecidos pelo Banco Central e possibilitar a alienação do seu controle acionário. Por se entender que há interesse público na transparência e fidedignidade das informações de companhias que captam recursos junto à poupança popular, e, ainda, em razão da extensão das irregularidades, os conselheiros foram apenados com maior gravidade, tendo sido condenados a penas de multa que chegaram a R$ 200 mil. No mesmo sentido, pesou contra os administradores o fato de que algumas das medidas adotadas envolveram partes relacionadas e se inseriram numa série de operações visando a reestruturação dos ativos, fatos que tornavam essas operações merecedoras de um escrutínio especial. 6 Os conselheiros foram condenados a penas de inabilitação de 3 anos por não terem apurado informações atualizadas relativamente ao valor da companhia em um momento-chave, qual seja, o de fixação do preço de emissão de novas ações. 7 Os administradores do Banco Excel foram condenados por terem efetuado capitalizações em sociedades ligadas à família dos controladores e administradores do banco, em prejuízo da instituição financeira. A pena de multa aplicada de forma conjunta pela CVM para as irregularidades foi de aproximadamente R$ 24 milhões, o mesmo valor dos prejuízos sofridos pelo banco. 7 *Como a contagem se dá por processo administrativo, e em vários processos existem mais de um indiciado, naqueles processos em que parte dos conselheiros foi punida por advertência e parte por multa contabilizou-se a natureza da penalidade como sendo “advertência e multa”. Reforma das decisões da CVM pelo CRSFN. Em 22 (51%) dos casos analisados, houve algum tipo de alteração entre a decisão proferida pela CVM e aquela proferida pelo CRSFN. Não estão incluídas nesse número as decisões dos 2 casos (5%) considerados prescritos, de modo que a decisão da CVM foi mantida em sua integralidade em apenas 19 (44%) dos casos analisados. Ainda que uma análise qualitativa aponte o expressivo papel daqueles casos referentes à responsabilidade do Conselho de Administração sobre a omissão do DRI no alto índice de reforma verificado (houve reforma em 16 dos 22 casos dessa natureza), o número nos parece relevante8 . Contudo, no que se refere à natureza dessa reforma, o impacto dos casos relativos ao DRI precisa ser levado em consideração, pois foi apenas nesses que se verificou reversão da 8 Isso, sobretudo, por dois motivos. Primeiro porque, ainda que esses 22 casos de DRI sejam isolados, continua sendo possível verificar a reforma em 6 de 23 casos, perfazendo um percentual de 26%. Esse percentual de reforma é muito próximo daquele encontrado no estudo de Viviane Prado et alli (de acordo com o qual, entre 2004 e 2011, o CRSFN reformou de algum modo 27% das decisões da CVM. PRADO, Viviane Muller; PALMA, Juliana Bonacorsi de; SILVA, Alexandre Pacheco da & ANDRADE, Luís Antônio de. Pesquisa empírica sobre o CRSFN: resultados e debates. In PRADO, Viviane Muller & PALMA, Juliana Bonacorsi de. Estudos Avançados de Mercado de Capitais: Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 133.), mas possivelmente mais representativo, sobretudo se considerarmos que o estudo de Prado et alli não exclui esses 22 casos de DRI de seu universo de análise (e lembrando que apenas 1 dos 22 casos de DRI foi julgado em 2012, todos os outros tendo sido julgados pelo CRSFN entre 2010 e 2011). Segundo simplesmente porque, em uma análise tão delimitada quanto a presente, em que se examina um tipo de ilícito específico, em uma autarquia específica e referente apenas a uma categoria de agente, não nos parece fazer sentido algum excluir um número tão significativo de decisões. Afinal, esses são casos-chave na construção da jurisprudência administrativa sobre descumprimento do dever de diligência, de modo que sua supressão apenas empobreceria a análise. 3 4 4 advertência multa inabilitação Natureza das penalidades aplicadas pela CVM 14 3 3 2 advertência advertência e multa multa inabilitação Natureza das penalidades aplicadas pelo CRSFN* 8 absolvição. Ou seja, no universo analisado, somente encontramos situações em que o CRSFN deu provimento a recurso de ofício quando se tratava de casos de DRI. Nos demais casos, as reformas verificadas sempre foram no sentido de abrandar ou reverter condenação. Tratamento diferenciado conferido a presidente e vice-presidente do CA. Verificou-se que a diferenciação de tratamento entre membro comum e presidente/vicepresidente do Conselho de Administração ocorre, porém com pouca frequência. Essa diferenciação de tratamento pôde ser verificada em apenas 5 casos (12%), contra 38 (88%) nos quais não houve diferenciação. Contudo, chama a atenção que nesses 5 casos a diferenciação sempre foi no sentido de agravamento da penalidade. Em particular, em 3 deles houve a aplicação diferenciada de dosimetria sem justificativa específica e nos outros 2 fez-se expressa menção à maior reprovabilidade da conduta de um membro do Conselho de Administração que possui posição hierárquica de destaque. 19 22 2 Houve reforma no CRSFN? Sim Não Prescrição 4 2 16 absolvição abrandamento reversão Natureza da reforma 9

3. A Delimitação do conceito de dever de diligência

Os 43 casos apreciados envolvem uma variedade de discussões relativas à existência da quebra de dever de diligência. Foi discutido desde o dever de vigilância sobre o cumprimento das obrigações do DRI (recursos 10112, 10380 e 10554, entre outros) até a responsabilidade do conselheiro pelo laconismo de redação da ata (recurso 13152), passando pela responsabilidade pela não convocação de Assembleia Geral Ordinária quando a Diretoria não apresenta a Demonstração Financeira (recurso 11423). Dessa miríade de decisões, com todos seus debates subjacentes, algumas definições parecem emergir com maior clareza. Mais especificamente, acreditamos que a análise desses casos nos permita extrair 7 lições. (i) A obrigação do conselheiro é de procedimento; não de resultado O conselheiro não é responsabilizável por decisões negociais da Companhia que, ainda que fracassadas, tenham respeitado os procedimentos de deliberação e averiguação esperados do Conselho de Administração (recurso 11832). Mais que isso, há um caso (recurso 11207) no qual se considera impossível a condenação porque a autoridade reguladora deixou de investigar a existência de falha no processo de tomada da decisão. Há por parte do julgador uma presunção de que o conselheiro possui expertise para atuar na administração da companhia, e também um 38 5 Tratamento diferenciado do Presidente ou Vice não houve agravamento 3 2 tácito explícito Tipo de agravamento 10 reconhecimento da álea inerente a qualquer decisão negocial, numa consagração de alguns preceitos que regem o instituto jurídico anglo-saxão da business judgment rule – citado em diversas decisões, inclusive9 . (ii) Um mesmo ato não pode ao mesmo tempo configurar descumprimento dos deveres de lealdade e diligência Conforme tese consagrada nos votos dos recursos 11833 e 12357, uma mesma conduta não pode a um só tempo configurar descumprimento ao dever de lealdade e de diligência. Ou a conduta se classifica com descumprimento do dever de diligência, ou como descumprimento do dever de lealdade. Por exemplo, se o administrador sabe que sua omissão será perniciosa à companhia, mas benéfica a si próprio, a omissão dolosa configura descumprimento do dever de lealdade, mas não descumprimento do dever de diligência. A ideia aqui é que se a omissão é um descuido (omissão pura), não há que se falar de descumprimento do dever de lealdade, esse ocorrendo apenas se a omissão for deliberada (comissão por omissão). (iii) Embora o Conselho de Administração seja um único órgão, há grande importância na diferenciação da conduta dos agentes O Conselho de Administração é órgão da companhia, mas a apuração de responsabilidades é individual e depende das circunstâncias atinentes a cada membro. Para ilustrar, há decisões em que conselheiros foram inocentados por se considerar sua inação justificada em determinada deliberação (recurso 11958), decisões em que conselheiros foram punidos porque tinham uma competência estatutária específica (recurso 1142310) e decisões em que conselheiros foram punidos porque tinham ciência de informações desconhecidas pelos demais (recurso 11628), que permaneceram por isso, inocentados. (iv) A extensão do dever de diligência varia conforme às circunstâncias O nível de escrutínio que se exige de um conselheiro é maior diante de situações particularmente sensíveis para o futuro da companhia. Por exemplo, em momentos-chave da vida 9 Ainda que respeitadas as devidas diferenças. Cf. PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade civil dos administradores e business judgment rule no direito brasileiro. Revista dos Tribunais. v. 953, p. 51-74, 2015. 10 Nesse caso, embora tenha havido absolvição no CRSFN, na CVM só o Presidente do CA havia sido condenado na CVM, pois era ele o responsável pela convocação nos termos do estatuto. 11 societária, como o de alienação de controle acionário (recurso 7702)11 ou de emissão de novas ações (recurso 13224)12, exige-se do conselheiro especial cuidado e atenção. Isso quer dizer, ademais, que quando a situação é particularmente importante para o futuro da companhia não basta que o conselheiro simplesmente se fie nas informações disponíveis, mas, ao contrário, pode ser-lhe exigido solicitar informações adicionais, sob pena de descumprir seu dever fiduciário de diligência (conforme por exemplo recurso 11452)13 . (v) O Conselho de Administração não está vinculado a pareceres técnicos, mas tampouco pode ignorá-los injustificadamente Tal como dispôs o voto vencedor do recurso 12037, até mesmo por uma questão de hierarquia e senioridade, seria absurdo considerar o Conselho de Administração como vinculado a opiniões e pareceres técnicos que lhe não apresentados. Contudo, quando tais pareceres contrariam a avaliação do Conselho de Administração, os conselheiros devem justificar sua discordância dos pareceres, sob pena de, não o fazendo, incorrerem em descumprimento do dever de diligência. Importante notar que aqui o inverso também é verdade, de modo que a mera existência de um parecer técnico também não pode eximir o Conselho de Administração de decidir refletida e fundamentadamente (recurso 7702). (vi) Não se exige onisciência do Conselho de Administração, mas ele deve investigar com zelo as informações que lhe são apresentadas Diversos recursos abordam situações nas quais o Conselho de Administração agiu de forma equivocada. O critério de punição, contudo, não tem sido o êxito da decisão negocial examinada pelo Conselho de Administração, mas o zelo dos conselheiros frente às informações que lhes estavam disponíveis (recursos 12038 e 13224). Assim, parece haver clareza de que o Conselho de Administração está afastado das ocorrências rotineiras da companhia, que estão muito mais próximas dos diretores executivos. Por isso, o conselheiro não pode punido quando essa distância natural lhe obsta o acesso a determinadas informações (recurso 11417). Porém, evidentemente, se um conselheiro se depara com uma dessas informações, já não pode mais 11 Vide nota 5, supra. 12 Vide nota 6, supra. 13 Em caso envolvendo o Conselho de Administração da Tele Centro Oeste Celular Participações S.A. (TCO), entendeu-se que a falta de comprovação da análise diligente de operações que envolviam recursos expressivos da companhia implicava descumprimento do dever de diligência. 12 alegar em sua defesa o desconhecimento. Da mesma forma, se instado a decidir com base em laudos ou demonstrações, exige-se do conselheiro que essas informações sejam avaliadas com zelo. Se houver informações importantes não examinadas o conselheiro pode ser acusado de descumprimento do dever de diligência. (vii) A conduta proativa, ainda que inadequada ou ineficaz, não caracteriza descumprimento do dever de diligência Não há que se falar em descumprimento do dever de diligência quando um administrador, acreditando que está agindo nos interesses da companhia, atua inadequadamente de forma próativa. Tal conduta, por sua inadequação, pode até ser alvo de alguma outra imputação, mas não configura o descumprimento do dever de diligência. Conforme demonstrado no voto vencedor do recurso 11968, em tese que este ano veio a ser novamente consagrada em um recurso julgado em 2015 pelo CRSFN (recurso 13411, que não faz parte formalmente desta análise), o descumprimento do dever de diligência é um tipo de ilícito administrativo que tem suas características próprias. Geralmente, inclusive, ele se consubstancia pela inércia do administrador.

4. Conclusões

A análise das decisões sobre descumprimento do dever de diligência por membros de Conselho de Administração de 2010 a 2014 expôs uma riqueza de situações frente às quais a atividade regulatória, em duas instâncias, teve que subsumir fato a norma, a fim de verificar ou não a ocorrência de ilícito administrativo. Três aspectos chamam particularmente a atenção. O primeiro é a demora no trâmite do processo administrativo. As decisões do CRSFN entre 2010 e 2014 versaram sobre decisões da CVM de 2004 a 2010. Sabe-se que boa parte do problema decorre da demora do processo no próprio CRSFN, tanto por conta da pouca estrutura daquele órgão quanto por conta do tempo que os processos ficam parados na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) aguardando a expedição de parecer. Espera-se que as iniciativas de reforma do CRSFN atualmente em curso prosperem, e que possam lidar melhor com as dificuldades de hoje. 13 O segundo é a frequência de reforma de decisões da CVM pelo CRSFN, que é relativamente elevada. Uma possível explicação pode ser a de que a definição da materialidade, ou não, do delito administrativo depende fortemente das circunstâncias, sendo que essas também impactam a dosimetria das penas. A nosso ver, no entanto, no que toca ao tema do dever de diligência do conselheiro de administração não vivemos simplesmente no mundo do decisionismo e da insegurança jurídica. Isso tanto porque o valor e extensão das punições têm variado conforme a gravidade dos atos, quanto porque os contornos do conceito de dever de diligência nos parecerem bastante razoáveis e a casuística examinada indica consistência entre as diversas decisões. Terceiro, a leitura que se tem dado ao art. 153 da Lei das S.A. nos pareceu de modo geral rigorosa. O dever de diligência possui contornos relativamente bem definidos e sua aplicação na seara administrativa não pode ser tida por permissiva, como às vezes se imagina. Significa que nos casos em que se julga administrativamente eventual quebra de dever de diligência, exige-se do conselheiro não apenas cuidado, mas muito cuidado. Já não vivemos mais o tempo em que qualquer desculpa colava. A “barra” é bastante alta, e para superá-la exige-se hoje do conselheiro grande empenho e grandes cuidados. 14 Apêndice n. do recurso no CRSF N ano da decisão da CVM resultado do julgamento da CVM natureza da pena dosimetria refração ano da decisão do CRSF N resultado do julgamento do CRSFN natureza da pena dosimetria diferenciação para o VP ou Presidente do CA tese 7702 2004 condenação multa R$ 50 a 200 mil (penalidade baseada também em outros descumprime ntos) abrandamento 2010 condenação advertência e multa R$ 200 mil (penalidade baseada também em outros descumprime ntos) agravamento O CA tem dever de vigilância sobre a atuação da Diretoria Parecer técnico não exime responsabilidade do CA 10112 2005 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve CA não pode ser responsabilizado por não divulgação de FR, que era responsabilidade do DRI 10380 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 10554 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 10555 2005 absolvição x x reversão 2010 condenação multa R$ 20 mil não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 10585 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 10975 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 11007 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve O CA só deve responder pelos descumprimentos do DRI se esses forem reiterados. 11144 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência e multa R$ 20 mil agravamento explícito O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11207 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve DDD exige demonstração de falha no processo de tomada de decisão. 11211 2006 absolvição x x reversão 2010 parcial advertência x agravamento O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11215 2006 absolvição x x reversão 2010 parcial advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada 11275 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve Apenas em circunstâncias especiais é que poderia o CA ser responsabilizado pela não prestação de informações por parte do DRI. 11324 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma 15 n. do recurso no CRSF N ano da decisão da CVM resultado do julgamento da CVM natureza da pena dosimetria refração ano da decisão do CRSF N resultado do julgamento do CRSFN natureza da pena dosimetria diferenciação para o VP ou Presidente do CA tese reiterada. 11326 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11414 2007 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve Antes da publicação da ICVM 358/02, não se poderia exigir que o CA fizesse a supervisão do modo pelo qual a companhia prestava informações ao mercado. 11423 2007 parcial multa R$ 10 mil absolvição 2010 absolvição x x não houve O CA não pode ser imputado pelo atraso na convocação da AGO se esse decorrer do atraso da Diretoria em apresentar a DF. 11427 2007 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11428 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11430 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve Apenas em circunstâncias especiais é que poderia o CA ser responsabilizado pela não prestação de informações por parte do DRI. 11432 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve O CA só deve responder pelos descumprimentos do DRI se esses forem reiterados. 11434 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação multa R$ 10 mil não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11452 2007 condenação inabilitação 1 ano abrandamento 2010 condenação advertência x não houve A falta de comprovação da análise diligente de operações que extrapolavam limites de concentração implica descumprimento do dever de diligência. 11645 2006 absolvição x x reversão 2010 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11826 2006 absolvição x x não houve 2010 absolvição x x não houve O CA só deve responder pelos descumprimentos do DRI se esses forem reiterados. 11421 2006 absolvição x x não houve 2011 absolvição x x não houve O CA não pode ser imputado pelo atraso na convocação da AGO se esse decorrer do atraso da Diretoria em apresentar a DF. 11440 2006 absolvição x x reversão 2011 condenação advertência e multa R$ 5 mil agravamento explícito O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 11646 2006 absolvição x x reversão 2011 condenação advertência x não houve O CA possui dever suplementar às obrigações do DRI, sobretudo quando esse descumpre deveres informacionais de forma reiterada. 16 n. do recurso no CRSF N ano da decisão da CVM resultado do julgamento da CVM natureza da pena dosimetria refração ano da decisão do CRSF N resultado do julgamento do CRSFN natureza da pena dosimetria diferenciação para o VP ou Presidente do CA tese 11951 2006 absolvição x x não houve 2011 absolvição x x não houve O CA não é obrigado a perscrutar detalhadamente temas que envolvam valores irrelevantes. 10838 2005 absolvição x x prescrito 2012 prescrito x x não houve O CA só deve responder pelos descumprimentos do DRI se esses forem reiterados. 11415 2007 absolvição x x não houve 2012 absolvição x x não houve O CA de controladora indireta tem que ter atuado ativamente, induzindo uma omissão de prestação de informação, para ser responsabilizado por essa. 11417 2006 absolvição x x não houve 2012 absolvição x x não houve O CA não tem contato com questões diárias da companhia, de modo que não pode ser responsabilizado por ter considerado autêntica uma informação falsa que não aparentava sê-lo. 11628 2007 parcial inabilitação 1 a 2 anos absolvição 2012 absolvição x x não houve Afastada a pretensa irregularidade do ato que deu origem à acusação de DDD, fica afastado o DDD. 11832 2007 absolvição x x não houve 2012 absolvição x x não houve O DD do CA é uma obrigação de meio e não de fim, de modo que uma decisão ponderada e discutida, ainda que errada, não caracteriza DDD. 11958 2007 parcial advertência x não houve 2012 parcial advertência x não houve A avaliação cuidadosa de documentos que impactem de forma relevante nas atividades da companhia é de responsabilidade do CA, que se deixar de reagir a vícios insanáveis e perceptíveis deve ser responsabilizado por DDD. Existindo justificativas adequadas, um membro do CA pode se abster de determinada decisão, deixando de ser responsabilizável por ela. 11968 2008 absolvição x x não houve 2012 absolvição x x não houve Não configura DDD a atuação pró-ativa de um CA no interesse da companhia, ainda que em desacordo com a posição da maioria do CA. 11833 2007 absolvição x x não houve 2013 absolvição x x não houve As irregularidades de desvio de poder e de descumprimento do dever de lealdade pode consumir o DDD. Como o CA não tem contato com questões diárias da companhia, não pode ser responsabilizado pela inação frente a um detalhe que desconhecia e que não foi levado ao seu conhecimento. 12037 2006 parcial inabilitação 1 a 3 anos não houve 2013 parcial inabilitação 1 a 3 anos agravamento O CA não está vinculado a opiniões e pareceres técnicos que lhe não apresentados, mas deve justificar sua discordância desses, sobretudo na existência de indícios que os amparem. 12038 2008 parcial advertência x prescrito 2013 prescrito x x não houve Na existência de circunstâncias de alerta quando da análise de documentos para tomadas de decisão, o CA deve tomar uma postura atividade, sob pena de se caracterizar o DDD. 17 n. do recurso no CRSF N ano da decisão da CVM resultado do julgamento da CVM natureza da pena dosimetria refração ano da decisão do CRSF N resultado do julgamento do CRSFN natureza da pena dosimetria diferenciação para o VP ou Presidente do CA tese 12357 2008 condenação multa R$ 24 milhões (penalidade baseada também em outros descumprime ntos) absolvição 2013 absolvição x x não houve Para uma mesma conduta não pode operar simultaneamente o DDD e o descumprimento do dever de lealdade. Afinal, a omissão dolosa visando proveito próprio não caracteriza DDD. 12359 2008 condenação multa R$ 30 mil não houve 2014 condenação multa R$ 30 mil não houve A não observância de obrigações legais do CA configura DDD. 13152 2010 condenação advertência x absolvição 2014 absolvição x x não houve A redação lacônica de ata do CA não é elemento suficiente a caracterizar DDD. Isso porque, faz parte dos usos e costumes dos CA no Brasil e não é uma prática que tem sido combatida e melhor regulamentada pela CVM. 13224 2010 condenação inabilitação 3 anos não houve 2014 condenação inabilitação 3 anos não houve O CA deve diligenciar para buscar informações patrimoniais atualizadas da Companhia antes de fixar um preço para emissão de novas ações.