Da vinculação do juízo ao pedido de absolvição requerido pela acusação


PorJeison- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
AMARAL, Pablo Luiz.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a adotar o sistema processual acusatório, primando pela garantia dos direitos individuais e coletivos de seus cidadãos contra eventuais atos totalitários praticados pelo Estado.

 

Apesar da revolução apontada, alguns dispositivos previstos no Código de Processo Penalainda exprimem os ideais do sistema inquisitivo, a exemplo daquela contido no art. 385.

 

A solução para o mencionado problema passa pela declaração de inconstitucionalidade das normas vigentes após a CF/88 ou, então, pela não recepção dos dispositivos questionados se anteriores a promulgação do texto constitucional.

 

Com esta temática, o presente artigo defenderá a não recepção do art. 385 do CPP, ao tempo em que proporá limites a atuação do magistrado na lide penal.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

Um novo tempo surge no âmbito das relações processuais, em especial na esfera criminal. O ser humano deixa de ser objeto para ser sujeito de direitos. A divisão de funções entre os personagens principais do processo, notadamente ausente no sistema inquisitivo, revela-se o novo marco apregoado pelo Estado Democrático de Direito. Não se delega mais ao juíz a função de acusar e julgar.

 

Em conseqüência, o papel acusatório foi atribuído pela Constituição de 1988 ao Ministério Público, cabendo a esta instituição a importante missão de dar início a ação penal, fato que ensejou o afastamento do órgão julgador das disputas que porventura surjam entre acusação e defesa no transcorrer da lide.

 

Nesta trilha são os ensinamentos de Eugênio Pacelli de Oliveira[1]:

 

Com efeito, a igualdade das partes somente será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva da função ministerial, não só no que respeita ao oferecimento da acusação, mas também no que se refere ao ônus processual de demonstrar a veracidade das imputações feitas ao acusado. A iniciativa probatória do juiz deve limitar-se, então, ao esclarecimento de questões ou pontos duvidosos sobre o material já trazido pelas partes, nos termos da redação do art. 156 do CPP.

 

Ocorre que a nova sistemática adotada confronta-se com o texto arcaico e retrógrado disposto no Código de Processo Penal, cujos princípios foram sedimentados sob a influência de um período político brasileiro marcado pelo autoritarismo e pela ausência de resguardo aos direitos dos acusados.

 

Tal empecilho, contudo, é prontamente afastado quando a lei ordinária passa a ser interpretada com ênfase nos princípios que irradiam da Constituição Federal, pois esta é o vetor que influenciará os termos e limites da interpretação das normas infraconstitucionais que integram nosso arcabouço jurídico. Eis a doutrina do Professor Luiz Roberto Barroso[2]:

 

O Princípio da Supremacia da Constituição, que tem como premissa a rigidez constitucional, é a ideia central subjacente a todos os sistemas jurídicos modernos. Sua compreensão é singela. Na celebrada imagem de Kelsen, para ilustrar a hierarquia das normas jurídicas, a Constituição situa-se no vértice de todo o sistema legal, servindo fundamento de validade das demais disposições normativas. Toda Constituição escrita e rígida, como é o caso da brasileira, goza de superioridade jurídica em relação às leis, que não poderão ter existência legítima se com elas contrastarem.

 

                   Neste diapasão, a norma contida no art. 385 do Código de Processo Penal não merece ser recepcionada pela CF 88, posto que elaborada sob a influência de modelo inquisitivo que vigia em nossa sociedade quando da publicação do Decreto-lei 3689/1941. Vejamos o seu inteiro teor:

 

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

 

                   Assim, ante a adoção do sistema acusatório, conforme pode se depreender de simples leitura do art. 129, I, da CF, não caberia ao magistrado confrontar o posicionamento pela absolvição exarado pela acusação em sede de alegações finais, sob pena de quebrar sua imparcialidade e afetar o necessário equilíbrio que deve pairar entre sujeitos que compõe a relação processual penal. Compartilha do mesmo pensamento o jurista Paulo Rangel[3]:

 

O art. 385 do CPP não foi recepcionado pela Constituição da República. Não está mais autorizado o juiz a decidir, em desfavor do acusado, havendo pedido do Ministério Público em sentido contrário. O titular exclusivo da ação penal é o Ministério Público e não o juiz. A busca da verdade, pelo juiz, compromete sua imparcialidade na medida em que deseja decidir de forma mais severa para oacusado em desconformidade com o órgão acusador, que é que, exerce a pretensão acusatória.

 

Segundo, ainda, Paulo Rangel[4]:

 

“a ação deflagra a jurisdição e instaura o processo. O processo tem um objeto que é a pretensão acusatória. Se a pretensão deixa de ser exercida pelo MP, não pode o juiz, no sistema acusatório, fazê-lo. Nesse caso, sustentada a desclassificação ou a absolvição do MP, deverá o juiz atender. O exercício da pretensão acusatória é a energia que anima todo o processo. Retirada a pretensão, deve o acusado ser absolvido, ou, conforme o caso, a infração penal ser desclassificada”.

 

Nesta seara, a busca da verdade pelo magistrado resta mitigada, posto que sua atuação ativa no processo não poderá causar prejuízos aoacusado, parte mais fraca da relação processual, sob pena de causar verdadeira agressão ao princípio da isonomia. Sua atuação, quando possível, se restringirá a colher elementos que beneficiem tão somente o acusado, coadunando-se com o princípio da presunção de inocência que vigora em nosso ordenamento jurídico. Ao parquet, pois, a Constituição Federal incumbiu a atividade acusatória, não cabendo ao juiz o exercício da função substitutiva ou supletiva.

 

Compartilha deste entendimento Eugênio Pacelli de Oliveira[5]:

 

“Se de um lado, assim deve ocorrer em relação ao ônus probatório imposto à acusação, de outro lado, a recíproca não deve ser verdadeira. Provas não requeridas pela defesa poderão ser requeridas de ofício pelo juiz, quando vislumbrada a possibilidade de demonstração da inocência do réu. E não vemos aqui qualquer dificuldade: quando se fala na exigência de igualdade de armas, tem-se vista a realização efetiva da igualdade, no plano material, e não meramente formal. A construção da igualdade material, passa necessariamente, como há muito ensinam os constitucionalistas, pelo tratamento distinto entre iguais e desiguais”.

 

 Assim, uma vez que o art. 385 do CPP não foi recepcionado pela Constituição Federal, não caberia ao magistrado, ainda que discordante do pedido de absolvição apresentado pela acusação, apreciar os elementos contidos nos autos de forma desfavorável ao acusado. Se assim o fizer, notadamente, estará rompendo com o sistema acusatório e, em contrapartida, adotando o inquisitivo, remontando-se aos tempos em que todas as funções processuais eram prerrogativas de uma única pessoa.

 

Deste modo, em se posicionando o Ministério Público pela absolvição do acusado, nada mais coerente que o juízo sentenciante acate o pedido em seus termos, em homenagem ao princípio acusatório vigente em nosso ordenamento pátrio.

 

3 CONCLUSÃO

 

Notadamente, inúmeros são os dispositivos contidos no Código de Processo Penal que não foram recepcionados pela Constituição Federal, dentre eles o art. 385.

 

A nova ordem vigente delimitou os papéis dos atores processuais, impedindo, especialmente, que o órgão julgador avocasse funções típicas da acusação.

 

Assim o fez, principalmente, em benefício dos interesses do acusado,que não poderia ter contra si a atuação de um órgão cuja função em essência era de julgá-lo.

 

Neste quadrante, se o órgão acusador se posicionar pela absolvição do acusado, como dominus litis da ação que é, não haverá espaço para o magistrado senão acolher o pedido que lhe foi dirigido.

 

4 REFERÊNCIAS

 

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6ed. rev. e atual. São Paulo, Editora Saraiva, 2006.

 

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 8º ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

 

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal . 16º ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 

 

Notas:

[1] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 8º ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 09

[2]BARROSO, Luiz Roberto.Interpretação e Aplicação da Constituição, 6 ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 67.

[3] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal . 16º ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 65/66.

[4]RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal . 16º ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 66.

[5]OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 8º ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 284.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42153&seo=1>