As crises, os protestos e o enfrentamento deles


PorSara- Postado em 26 junho 2013

Com todos os acontecimentos dos últimos dias, trago aqui algumas considerações sobre o livro “O Buraco Branco do Tempo”, em especial da parte que aborda as crises como oportunidades para transpor as dificuldades. Além disso, transcrevi partes da matéria “Milhares de pessoas tomam as ruas do Brasil em sete dias de protesto que entraram para a história”, para relacionar as crises vividas, as manifestações que elas têm gerado, e a necessidade de direcionamento para que haja mudança para um sistema de organização mais harmônico, nas esferas política, econômica, ambiental e social.

 

 

CRISE: AMEAÇA OU OPORTUNIDADE?

“Quando uma semente – ou um animal – está maduro precisa passar para a próxima fase. Senão, apodrece.” (Stewart Edward White)

O livro “O Buraco Branco do Tempo”, de Peter Russell, aborda os vários problemas ambientais, econômicos e sociais com que nos defrontamos, sendo estes sintomáticos de uma crise mais profunda – uma crise em nosso pensamento, em nossa percepção, em nossos valores. Conforme o autor expõe na obra, a palavra chinesa para “crise”, wei-chi, é uma combinação de dois caracteres: wei (“perigo”) e chi (“oportunidade”). A oportunidade está sempre ao lado da crise, apesar de nem sempre ser percebida. A crise deve ser levada como um impulsor, uma oportunidade para remediar o que estava errado e mover-se para um novo modo de ser. Nesse aspecto, as crises são um desafio: reconhecer o que deixou de funcionar e aproveitar a oportunidade para aprender, mudar e progredir. Como tal, as crises podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento. Essa é a oportunidade real que se oculta dentro da nossa crise global: a oportunidade de desenvolvermos uma nova consciência, um novo modo de ver e um novo modo de pensar.

 

Milhares de pessoas tomam as ruas do Brasil em sete dias de protesto que entraram para a história

http://globotv.globo.com/globo-news/sem-fronteiras/v/milhares-tomam-as-ruas-do-brasil-em-sete-dias-de-protesto-que-entraram-para-a-historia/2646682/

Ocuppy Wall Street começou como um eco dos protestos da Praça Tahrir, no Egito. O movimento concentrou sua atenção, nos EUA pelo menos, na igualdade e na maneira que alguns indivíduos muito ricos e algumas corporações conseguem manipular o jogo. Esses protestos já mostraram ao governo a vontade pública de que algo tem que mudar, mas ainda há um trabalho longo para resolver qual será a mudança. E as mesmas técnicas que são usadas para levar pessoas para a rua não podem ser usadas para negociar essas mudanças. 

No Egito, as pessoas que mais se beneficiaram com as mudanças decorrentes dos protestos não foram as que mais estiveram engajadas durante a revolta, mas sim as que estavam mais organizadas para a política. No Brasil, é bem provável que as pessoas que mais se beneficiarão serão as que estiverem em melhor posição para conseguir uma nova negociação política. Se as pessoas na rua querem ter algum efeito nisso, elas têm que entender que, simplesmente estar presente nas ruas apenas não é o suficiente. É suficiente para mudar o sistema atual, mas não é suficiente para direcionar quais serão essas mudanças.

Os protestos de rua na Europa se alimentaram da crise econômica que assola o continente, impõe austeridade e desemprega gente, sobretudo jovem. Assim foi com “Los indignados”, na Espanha, e seus repetidores na França, Portugal, na Itália e na Grécia. Só que logo surgiram as explosões populares na Turquia, que não passa por austeridade e a economia cresce 5% ao ano e cria empregos. O povo na rua em Istambul começou reclamando dos planos de transformar uma área pública em um shopping. Mas logo o protesto passou a atacar o autoritarismo do primeiro ministro e suas supostas intenções de impor valores islâmicos a uma sociedade laica, onde há 100 anos se cultiva a separação entre Estado e religião. Os protestos cresceram e geraram uma repressão intensa sobre o movimento, ainda sem conclusões sobre o seu destino.

Já no Reino Unido, em torno do encontro do G8 e mesmo antes dessa reunião, os protestos populares se voltaram contra a evasão de impostos por empresas multinacionais, que se aproveitam de paraísos fiscais para evitar mordidas do governo em seus lucros. Pauta comum, portanto, na manifestações europeias não há. Existem, porém, semelhanças na maneira de conduzir o movimento, mobilizar as massas, reunir grupos diferentes. Primeiro sinal, não há líderes, no máximo porta-vozes para divulgar umas ou outras causas, entre várias. Neste aspecto, os protestos europeus se assemelham à chamada “Primavera Árabe”, que explodiu entre países como Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen, e ainda solta fagulhas na região sem que líderes se destaquem.

O sociólogo Paulo Gerbaldo, do Kings College, Londres, examinou os protestos de rua na Europa, no mundo árabe, na Turquia e nos EUA. Comparados aos movimentos dos anos 60 e 70, os atuais se diferem por terem uma identidade mais diluída, mais social e civil, e não a identidade política partidária de esquerda daqueles. Muitos desses movimentos, incluindo o brasileiro, não querem ser vistos como de esquerda ou direita, pois são cidadãos contra o sistema como um todo.

Não possuem uma liderança aparente, pessoal.  Não tem um único líder carismático no estilo de Gandhi ou Martin Luther King. O quê esses movimentos têm é uma liderança coletiva. São as pessoas que administram as páginas do facebook, do twitter. São as pessoas que constroem o discurso do movimento, que chamam para o protesto. E isto não é feito por uma pessoa, mas muitas. Ao mesmo tempo, não é verdade que não há liderança tradicional. Existe um tipo de liderança, uma iniciativa nesses movimentos que é mais complexa que em movimentos anteriores. Do mesmo jeito que a mídia é muita mais complexa do que era em outros movimentos. 

Esses movimentos normalmente se iniciam com uma causa identificável? Existe um processo onde uma causa se torna a primeira conexão em uma cadeia de equivalências. É o que o filósofo político Ernesto Laclau chama de “cadeia de equivalências” entre questões distintas. Começa com algo concreto, algo muito específico. Mas esse caso representa mais do que uma história individual, vem a ser o exemplo das dificuldades com as quais a sociedade, em todos seus níveis, sofre. Começa com brutalidade policial, e depois também com corrupção, a ineficácia do Estado, a falta de liberdade,... No Brasil, começou com algo concreto, um pequeno aumento nas tarifas dos ônibus, mas que se tornou um símbolo de tudo o que está errado no sistema. São questões individuais que se tornam ímãs para muitas outras.

A vitória para um movimento como esse? A palavra movimento diz exatamente isso, coisas que se mexem, que se espalham e depois desaparecem. Todos os movimentos sociais são assim. É onde novas questões, valores e identidades aparecem para a atenção pública.  Esses movimentos proporcionam uma grande mudança que é cultural. Divulgam o fato de que muitas pessoas acreditam que o capitalismo contemporâneo e neoliberal não está funcionando.  Eles estão reiterando o fato de que, como na Turquia, é mais valioso ter árvores do que um shopping. Reforçando que a qualidade de vida é importante, que existe o direito à cidade, a um espaço público onde as pessoas podem dividir seu dia-a-dia.

Nesse nível, os movimentos resultaram em uma grande mudança cultural. A próxima batalha será quem, em termos das novas organizações sociais, das novas organizações políticas, das novas partes, estará apto a construir nesse trabalho cultural feito por esse movimento, para realmente afetar a estrutura a longo prazo. Ou seja, conseguir mudanças econômicas, políticas, jurídicas e assim por diante.