CONSTITUIÇÕES ECONÔMICAS BRASILEIRAS


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Floriano de Lima Nascimento

CONSTITUIÇÕES ECONÔMICAS BRASILEIRAS

 

Floriano de Lima Nascimento

Professor de Direito Econômico, membro da Fundação Brasileira de
Direito Econômico e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais

 

1.Panorama do Século XX.2. As Constituições Econômicas brasileiras. 3. A experiência brasileira a partir de 1934.4. A ConstituiçãoEconômica brasileira em vigor.5. A exclusão do título que tratava da Ordem Econômica e Financeira.

 

1.Panorama do Século XX

As importantes mudanças constitucionais do século XX repercutiram no cenário brasileiro a partir da Constituição de 1934, cujo título IV – “Da Ordem Econômica e Social”- enfatiza a justiça e as necessidade de vida nacional como limites à garantia da liberdade econômica, de modo que todos tenham existência digna. Entre outras medidas, admite-se o monopólio, pelo Estado, de determinada indústria ou atividade das minas e das demais riquezas do subsolo de propriedade privada do solo em que se encontra, reconhece a proteção social do trabalhador, incluindo-se preceitos típicos de legislação trabalhista, como salário-mínimo, repouso semanal, férias anuais remuneradas, assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, etc. é instituída, também no texto, a Justiça do Trabalho. Por este relato, resumido ao essencial, pode-se avaliar o impacto da Constituição Econômica brasileira, que iria se expandir e aperfeiçoar nas décadas seguintes, fosse em períodos democráticos ou autoritários. Senão vejamos.

1937: legitima-se a intervenção do Estado no domínio econômico para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção; proíbe-se a usura, exige-se maioria de brasileiros para as empresas concessionárias de serviços público, etc.

1946: dispõe que a Ordem Econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça Social, conciliando a liberdade da iniciativa com a valorização do trabalho humano. É admitida a intervenção do Estado no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, tomado “por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.”

A Constituição de 1967, emendada em 1969, segue a mesma tendência, exigindo a Justiça Social como fundamento, dando destaque à reforma agrária, permitindo o estabelecimento de “regiões metropolitanas”, prevendo a participação de trabalhador nos lucros da empresa e criando o seguro-desemprego, entre outras medidas. Permitiu ao Estado, no dispositivo de intervenção, “a organização de setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa”.

A Constituição de 1988, em vigor no país, aprofundou o conceito de “Constituição Econômica, inovando, quer na técnica e na abrangência da matéria, quer na própria substância. Seu discurso ideológico original recebeu, posteriormente, fundamentais modificações por meio de emendas constitucionais voltadas sobretudo para a modificação de orientação nacionalista e intervencionista das cartas que a antecederam”, conforme acentua o professor Waps, no livro”Primeiras Linhas de Direito Econômico”.

 

2. As Constituições Econômicas brasileiras.

 

As importantes mudanças constitucionais do século XX repercutiram no cenário brasileiro a partir da Constituição de 1934, cujo título IV – “Da Ordem Econômica e Social”- enfatizava a justiça e as necessidades da vida nacional como limites à garantia da liberdade econômica, de modo que todos tivessem existência digna. Entre outras medidas, admitia-se o monopólio, pelo Estado, de determinada indústria ou atividade, das minas e das demais riquezas do subsolo de propriedade privada do solo em que se encontra, reconhecia-se a proteção social ao trabalhador, incluindo-se preceitos típicos da legislação trabalhista, como salário-mínimo, repouso semanal, férias anuais remuneradas, assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, etc. Foi instituída também no texto a Justiça do Trabalho. Por este relato, resumido ao essencial, pode-se avaliar o impacto da Constituição Econômica brasileira, que iria se expandir e aperfeiçoar nas décadas seguintes, fosse em períodos democráticos ou autoritários. Senão vejamos.

1937: legitimou-se a intervenção do Estado no domínio econômico para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção; proibiu-se a usura, passou-se a exigir maioria de brasileiros para as empresas concessionárias de serviços público, etc.

1946: dispôs que a Ordem Econômica deveria ser organizada conforme os princípios da Justiça Social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Foi admitida a intervenção do Estado no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, com base no interesse público, tomando por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição.”

A Constituição de 1967, emendada em 1969, seguiu a mesma tendência, exigindo a Justiça Social como fundamento, dando destaque à reforma agrária, permitindo o estabelecimento de “regiões metropolitanas”, prevendo a participação de trabalhador nos lucros da empresa e criando o seguro-desemprego, entre outras medidas. Permitiu ao Estado, no dispositivo de intervenção, “a organização de setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa”.

A Constituição de 1988, em vigor no país, aprofundou o conceito de “Constituição Econômica, inovando, quer na técnica e na abrangência da matéria, quer na própria substância. “Seu discurso ideológico original recebeu, posteriormente, fundamentais modificações por meio de emendas constitucionais voltadas sobretudo para o reforço da orientação nacionalista e intervencionista das Cartas que a antecederam”, conforme anotou o professor Washington P. Albino de Souza, no seu livro”Primeiras Linhas de Direito Econômico”.

 

3. A experiência brasileira a partir de 1934.

 

Nos dois artigos anteriores, publicados neste espaço, tivemos a preocupação de explicar o conceito de “Constituição Econômica”, desde a elaboração da Constituição mexicana de 1917 e, em seguida, comentar a experiência brasileira nesta área, a partir de 1934. Expressamos, nas duas ocasiões, o ponto de vista de que os parlamentares aliados ao governo brasileiro incorreram em grave equívoco ao mutilar profundamente a Constituição Federal, com a suspensão dos incisos e parágrafos do seu art. 192. Por que fizemos esta afirmação?

As Constituições republicanas brasileiras, de 1934 a 1988, ora sob regime democrático, ora em períodos marcados pela excepcionalidade, mantiveram uma linha de coerência em relação à necessidade de intervenção estatal no domínio econômico. Com a expansão do neoliberalismo, em plena era da globalização, tentou-se inculcar nos desavisados a idéia de que a tarefa do Estado, neste campo, havia-se encerrado. Foram inteiramente ignorados os argumentos de Savy em defesa de intervenção, que, a nosso juízo, não perderam atualidade, uma vez ao Estado caberia, nesta circunstância: “a) garantir os grandes equilíbrios econômicos; garantir o desenvolvimento ou o crescimento econômico; exercer o papel regulador da conjuntura, pelo domínio dos efeitos econômicos cíclicos; prevenir ou reduzir as tensões sociais, geralmente provocadas por crises econômicas; corrigir os efeitos econômicos das disparidade regionais.”

Já no final dos anos 90, o desencanto com a teoria e a prática neoliberal levou à busca de um novo caminho em política e em economia. Com o socialismo também fora de cogitação, esfacelado pela crise que se abateu sobre a ex-União Soviética e os países do Leste Europeu, os críticos e os intelectuais daquele continente, com base nas idéias do sociólogo Anthony Giddens, procuraram alento nas teorias da “Terceira Via”, uma concepção de engenharia política que se empenha em resgatar aspectos da Democracia Social. Há poucas semanas, o presidente Luís Inácio Lula da Silva participou, na Europa, de uma reunião porá discutir este tema. Como ponto de partida, a “Terceira Via” até que não é má idéia.

Mas causa espécie, à vista dos fatos aqui enumerados, que a política brasileira sofra uma recaída neoliberal (assim como que seria estranha uma opção socialista), no momento em que, em muitos países do mundo desenvolvido, volta a ser reconhecida a importância da intervenção estatal mitigada, que apóie a iniciativa privada, ajudando a criar cenário econômico propício ao desenvolvimento.

 

4. A ConstituiçãoEconômica brasileira em vigor.

 

A “Constituição Econômica Brasileira”, assim entendido o conjunto de dispositivos, esparsos ou não, que englobam matéria econômica, no título VII, que se refere à Ordem Econômica e Financeira, é dividida pelos seguintes capítulos: dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, da Política Urbana, da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária e do Sistema Financeiro Nacional. Não é difícil visualizar, nesse conjunto de artigos, uma construção sólida e harmoniosa, à maneira de um edifício, com alicerce e vigas de sustentação dispostas de acordo com um bem amarrado travejamento. Toda a atividade econômica realizada nos país enquadra-se nesta Constituição.

O capitulo inicial dispõe que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observados os princípios da soberania nacional, da propriedade privada, de livre concorrência, da defesa do consumidor e do meio ambiente, de redução das desigualdades regionais e sociais, de busca do pleno emprego, etc. Os princípios da “função social de propriedade” e da “defesa do consumidor” funcionaram como contrapeso aos da propriedade privada e da livre concorrência, completando o seu significado.

A Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária abarca as questões relativas à agricultura e à reforma agrária, inclusive a competência da união para desapropriar imóveis rurais que não estejam cumprindo sua função social. A propósito, é inteiramente descabida a confusão a respeito deste tema, a partir do raciocínio de pessoas mal informadas e desprovidas de conhecimentos básicos de Direito. Compete ao governo, por meio do Incra e atendo-se a critérios fixados pela Constituição, classificar os imóveis que não estejam cumprindo aquela função, para, só então, dar início ao processo legal de desapropriação. Não existe, entre nós, “direito a invasão de terra”, o que só acontece em situações marcadas pela supressão da ordem jurídica num quadro de completa desorganização social.

A última parte da Constituição Econômica, compreendida pelo art. 192, dispõe que “O Sistema Financeiro Nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar”, que disporá sobre vários assuntos (todos suprimidos pela Emenda Constitucional nº 40, de 29-5-2003, promulgada pelo Congresso Nacional). O limite de 12% anuais para a cobrança anual de juros simplesmente desapareceu. Vitória neoliberal, derrota do vice-Presidente José Alencar e do ministro José Dirceu, que têm criticado os juros abusivos.

 

5. A exclusão do título que tratava da Ordem Econômica e Financeira.

 

Afirmamos nos quatro artigos anteriores, que, sob o pretexto de se conceder autonomia ao Banco Central, sabidamente uma exigência do Sistema Financeiro Internacional, o Congresso brasileiro procedeu à amputação radical de um dos pilares de sustentação da Constituição Econômica Brasileira, a saber, os oito incisos do art. 192 da Constituição da República.

O episodio mostra a fragilidade das nossas instituições. Em nenhum país com maturidade política se admitiria que a Constituição fosse mudada, sem mais nem menos, ao sabor de interesses do momento. A força do neoliberalismo, que os ingênuos acreditam estar exaurida, ainda é capaz de se impor aos países que não exercem plenamente a sua soberania.

Neste ponto do artigo, para que não haja dúvida sobre o que estamos afirmando, vamos analisar a estrutura do art. 192, da Constituição Federal, segundo o qual “O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e ao servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá inclusive, sobre: (única parte mantida). Os oito incisos seguintes relacionavam temas relevantes como o sistema financeiro nacional, a autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como as condições para a participação do capital estrangeiro nas instituições acima mencionados (tendo em vista os interesses nacionais e os acordos internacionais), a organização, o funcionamento e as atribuições do Banco Central e demais instituições financeiras, públicas e privadas, entre outros assuntos.

O art. 3o limitava a cobrança de juros, ao dispor que “As taxas de juros reais, neles incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de credito não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar. Deve-se lembrar que os legisladores constituintes, ao darem esta redação ao art. 3o, tomaram por base o que dispõe a chamada Lei de Usura, do governo Vargas, ou seja, o Decreto 22.626, de 7-4-1933, instrumento de defesa da economia popular, que ainda se encontra em pleno vigor.

Isto posto, a quem interessa a revogação dos incisos do art. 192? Ao povo brasileiro é que a medida não aproveita, porque este artigo, redigido de modo competente e eficaz pelos Constituintes de 1988 era uma proteção efetiva contra abusos de toda a natureza. Que a sociedade fique alerta: pelo andar da carruagem, a qualquer hora dessas podem ocorrer novas invertidas contra direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.