A civilização mutilada e um mundo em desintegração


PorQuirino Hawerroth- Postado em 23 abril 2011

A paisagem arqueológica da Europa antiga é traumaticamente alterada com as invasões Kurgas. As “Tradições milenares foram mutiladas”, “cidades e aldeias desintegradas, as cerâmicas magnificamente pintadas desapareceram, assim como santuários, afrescos, esculturas, símbolos e manuscritos.” Ao mesmo tempo, surge uma nova arma de guerra, o homem armado sobre um cavalo.

A cultura dos europeus primitivos era “pacífica” e “democrática”, sem traços de “chefes concentrando a riqueza das comunidades”. Mas isso sofreu uma mudança gradativa, à medida que a guerra e, particularmente, o uso de armas de metal foram introduzidos.

O aparecimento de armas nas escavações, os túmulos e casas dos chefes evidenciam a estratificação social, o governo de homens fortes tornando-se a norma. A competição pela terra assumia caráter belicoso, assim “não só a organização social, mas também a ideológica, da sociedade européia sofreram fundamental alteração”.

À medida que a guerra se transforma regra, “a conseqüente preponderância dos membros masculinos das comunidades é responsável pela desaparição geral das estatuetas femininas”. As estatuetas femininas, tão onipresentes nos níveis anteriores, agora não "estão mais em evidência", concluindo-se que: “A antiga ideologia foi modificada, o que pode refletir uma mudança da organização da sociedade, de matrilinear para patrilinear”.

A cada nova onda de invasões, não ocorre só à devastação física, mas também o que os historiadores denominam empobrecimento cultural da Europa antiga. Para a maioria das colônias da Europa antiga as invasões kurgas foram catastróficas. Houve a destruição indiscriminada de casas, santuários e obras-de-arte, os quais nenhum significado ou valor possuíam para os invasores bárbaros. Muitas pessoas foram massacradas, escravizadas ou afugentadas.

Nessa etapa começaram a surgir “culturas híbridas”. Essas culturas baseavam-se na “subjugação dos grupos remanescentes da Europa antiga e na rápida assimilação da economia pastoral e das sociedades estratificadas de parentesco agnático” (agnação - Relação de parentesco [entre indivíduos de qualquer sexo] traçada por linha exclusivamente masculina).

Estas novas culturas híbridas são bem menos desenvolvidas tecnológica e culturalmente do que a substituída. A economia passa a basear-se na criação de gado e a cerâmica se torna incrivelmente uniforme e inferior, mesmo com algumas das técnicas da Europa antiga ainda em evidência.

Em razão das invasões bárbaras, novas crenças sociais começam a surgir, voltadas para as tecnologias de destruição mais eficazes, acompanhada por uma mudança ideológica fundamental. O poder de dominar e destruir através da lâmina afiada suplanta aos poucos a visão de poder como “a capacidade de sustentar e alimentar a vida”. Agora, os homens com maior poder de destruição — os mais fortes fisicamente, mais insensíveis, mais brutais — chegam ao topo, enquanto por toda a parte a estrutura social se torna mais hierárquica e autoritária.

As mulheres — que enquanto grupo são fisicamente menores e mais fracas do que os homens, e mais identificadas com a antiga visão de poder simbolizada pelo cálice que dá e mantém a vida — vão sendo gradualmente reduzidas à condição que deverão manter doravante: tecnologias de produção e reprodução controladas pelo homem.Ao mesmo tempo, a própria Deusa, pouco a pouco se torna simplesmente a esposa ou consorte de deidades masculinas, as quais com seus novos símbolos de poder representados por armas destrutivas ou raios são agora supremos.

Creta em razão de ser uma ilha que ficava ao sul do continente europeu, durante algum tempo foi protegida das hordas belicosas pelo mar mediterrâneo. Mas acabou sendo invadida também, caindo assim a última civilização baseada em um modelo de organização de parceria e não de dominação.O início da decadência de Creta seguiu o padrão do continente Europeu. Nos últimos séculos da civilização cretense, a ilha caiu sob domínio de reis aqueus de língua grega. Embora esses homens adotassem muitas das maneiras minóicas mais civilizadas, também trouxeram consigo uma organização social e ideológica mais orientada para a morte do que para a vida. A queda de Creta, há cerca de três mil anos, pode ser considerada o marco do fim de uma era baseada em um modelo de organização de parceria.

Assim a sociedade tornou-se dominada pelo homem, hierárquica e belicosa. Embora a Deusa ainda fosse cultuada, ela foi sendo cada vez mais relegada à condição de esposa ou mãe de novos deuses masculinos da guerra e do trovão. O modelo era semelhante na Europa, Mesopotâmia e Canaã. Não só a Deusa não era mais suprema, como também foi transformada em padroeira de guerra. A dominação e belicosidade do homem forte "divino" tornaram-se a norma em toda a parte, existindo também evidência de que o período de 1500 a 1100 a.C. foi uma época marcada por um intenso caos cultural e físico.

Em todo o mundo antigo, populações são lançadas contra populações, enquanto homens são lançados contra mulheres e outros homens, massas de refugiados vagam por esse mundo em desintegração, fugiam de suas terras, desesperados à procura de refúgio. No entanto esse refúgio não existia no novo modelo de mundo. Pois agora este é um mundo onde, tendo tirado violentamente todo o poder da Deusa e da metade feminina da humanidade, deuses e homens guerreiros passaram a governar. Esse era um mundo em que a Espada, e não o Cálice, seria o senhor supremo, um mundo em que a paz e a harmonia só seriam encontradas, nos mitos e lendas de um passado há muito perdido.