BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO


PorAnderson Miotto- Postado em 05 novembro 2012

 

BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

 

Anderson Miotto

 

 

O duplo grau de jurisdição, princípio ora discutido, deve ser caracterizado pelo simples reexame do processo, ainda que essa nova análise seja feita no mesmo órgão que prolatou a decisão questionada e em uma mesma hierarquia.

Sua adoção no sistema jurídico pátrio tem como finalidade precípua garantir a consecução da justiça a todos os cidadãos, possibilitando a correção de eventuais erros judiciais cometidos em um primeiro julgamento ou simplesmente assegurando ao sucumbente o direito de manifestar sua indignação ante um resultado desfavorável e solicitar uma reapreciação do processo.

Discute-se, na doutrina, um conceito mais adequado para o duplo grau de jurisdição, alterando tais concepções, basicamente, em relação à obrigatoriedade do reexame ser realizado por um órgão distinto do primeiro e também da necessidade de que esse segundo órgão seja hierarquicamente superior ao anterior.

Para Djanira Maria Radamés de Sá (1999, p.88), o duplo grau de jurisdição consiste na “[...] possibilidade de reexame, de reapreciação da sentença definitiva proferida em determinada causa, por outro órgão de jurisdição que não o prolator da decisão, normalmente de hierarquia superior”.

Dessa forma, a revisão deve, obrigatoriamente, ser feita por órgão diverso daquele que sentenciou a lide em primeira instância, não obstante não ser imperioso que este segundo órgão pertença à hierarquia superior em relação ao primeiro, posicionamento evidenciado pela utilização do termo “normalmente”.

O duplo grau de jurisdição, também chamado de instituto da recursividade, surgiu nos ordenamentos jurídicos primitivos, permanecendo nos sistemas contemporâneos, inclusive no nosso, em decorrência principalmente de três fatores: a) a falibilidade do juiz; b) o inconformismo da parte vencida e c) a constante preocupação em se evitar a existência do despotismo por parte dos membros do magistrado.

No tocante à falibilidade do juiz, é auto explicativa sua necessidade, haja vista se tratar de um ser humano, o juiz não está imune a eventuais falhas, sejam errores in procedendo ou errores in judicando, ou seja, erros cometidos no procedimento utilizado ou na fundamentação descabida de sua decisão, permitindo, assim, futuras discussões quanto a seus atos e decisões.

Quanto ao inconformismo da parte sucumbida, esclarece pontualmente Nelson Nery Junior (1997, p.37) que:

De outra parte, nosso subjetivismo nos coloca naturalmente contra decisão desfavorável, de sorte que o sentimento psicológico do ser humano faz com que tenha reação imediata à sentença desfavorável, impelindo-o a pretender, no mínimo, novo julgamento sobre a mesma questão.

Por fim, ao prever a revisão de decisões judiciais, pretenderam os legisladores afastarem a possibilidade de o autoritarismo acometer os juízes, pois sem o referido instituto, estes ficariam imbuídos da certeza de que suas decisões seriam imutáveis, o que desviaria o principal escopo da jurisdição, que é promover a pacificação social, a justiça e a ordem pública de maneira imparcial.

Por sua grande importância, o legislador pátrio conferiu a esse princípio status constitucional, mesmo que isso tenha ocorrido de modo tácito, seja por estar ligado umbilicalmente ao princípio do devido processo legal, expresso em nossa Constituição, ou por estar explícito na Lei Maior a garantia de meios e recursos necessários aos litigantes ou ainda por se configurar no objetivo precípuo do Estado, qual seja, a promoção da justiça.

Faz-se mister ressalvar que a recursividade deve ser limitada única e exclusivamente quando o requerente agir em desrespeito à lealdade processual ou quando o mesmo litigar de má-fé.

 

ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

 

Em busca procedida no sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, verificou-se a existência de julgados referentes ao princípio objeto deste artigo.

Tomarei como exemplo a Apelação Civel n. 2012.063683-3, cujo modelo foi utilizado em varios outros julgados. O Relator Nelson Schaefer Martins, em seu voto, invoca o artigo 475, do Código de Processo Civil, o qual prevê a obrigatoriedade do reexame para causas em que a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público forem condenados ao pagamento de valores superiores a 60 (sessenta) salários mínimos nacionais. Segue a Ementa:

 

REEXAME NECESSÁRIO. SENTENÇA ILÍQUIDA PROFERIDA CONTRA O INSS. SUJEIÇÃO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NOS TERMOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 475, § 2º. SÚMULA N. 490 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

 

Tal entendimento é pacífico e repete-se em inúmeras outras decisões prolatadas por aquele tribunal, haja vista estar o referido princípio expresso na atual legislação.

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

LOPES, Alexandre Eduardo Bedo, Princípio do Duplo Grau de Jurisdição: aspectos gerais e as contradições inerentes a sua natureza jurídica. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15190-15191-1-PB.pdf>. Acesso em 02/11/2012.

 

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais: Teoria Geral dos Recursos. 4

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 535p. 

 

SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: Conteúdo e Alcance

Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. 132p.