Breve súmula do regime da amortização nas sociedades por quotas e sua distinção do regime da exclusão


Portiagomodena- Postado em 10 junho 2019

Autores: 
Heraclito Albino Pedro

Diferentemente, na linguagem técnico-jurídica própria das sociedades comerciais e, em particular, para as sociedades por quotas, amortizar uma quota é extingui-la por deliberação dos sócios, restituindo ao titular da quota amortizanda o seu valor, sem que haja, necessariamente, a redução do capital social([1]).

A inclusão de cláusulas amortizatórias nos contratos de sociedade, pode ter em vista ou satisfazer vários interesses. E esses interesses vão desde a satisfação de interesses financeiros dos sócios cujas quotas vão ser amortizadas, possibilitando-lhes a percepção de maiores lucros; a simplificação para a sociedade da redução do capital que fica facilitada com a prévia amortização de quotas; permite a saída de sócios sem que haja necessidade de os substituir por outros; a satisfação do direito de dado sócio à amortização da sua quota; evita a entrada de estranhos para a sociedade (v.g, no caso de falecimento de sócio); sana conflitos no seio da sociedade, permitindo a exclusão dos sócios cuja a presença, por razões inerentes às suas condições pessoais ou por violação de obrigações que, legal ou estatutariamente, sobre eles impendam, se torne prejudicial à realização do fim comum; entre outros. Mas é, sobretudo, nesta última vertente que funciona.

O art. 255º/1, in fine[2], contém a ressalva de que apesar da amortização provocar ou ter como efeito directo a extinção da quota, não se extinguem com ela os direitos adquiridos pelo titular e as obrigações já vencidas. E a razão desta ressalva prende-se com a autonomia que caracteriza estes em relação à quota. Ou seja, os direitos adquiridos e as obrigações vencidas são independentes da quota.

Para que possa haver amortização de quotas, em qualquer das suas formas, requisito prévio é que seja permitida ou pela lei ou pelo contrato de sociedade (art. 255º/1). Em dadas situações, como as dos arts. 248º/2, 264º/3, 266º/2, é a lei que confere à sociedade o direito (ou até impõe um dever) de amortizar as quotas sociais[3]. É assim dispensada, nestas situações, a autorização do contrato de sociedade.[4]

Aproveitando esta última deixa, é oportuno dizer que o mecanismo de amortização está apenas ao dispor da sociedade. Quem amortiza as quotas, formalmente, são as sociedades e não os sócios que a compõem; embora, materialmente a deliberação de amortização seja tomada pelos sócios – e doutro modo não poderia ser –.

b)Tipologia

A amortização pode assumir dois modelos. Sendo:

  • Compulsiva ou coerciva (art. 256º)[5], que é amortização sem o consentimento do titular da quota amortizanda e que só funciona quando ocorra um facto descrito no contrato social como fundamento de amortização compulsiva, salvo disposição legal em contrário;
  • Com o consentimento do sócio ou voluntária (artigo 257º), que prescinde da existência ou verificação do facto descrito no contrato social, bastando, para tal, uma autorização estatutária genérica.

Brito Correia[6] tem um entendimento diverso e expressamente diz que “A sociedade pode, em qualquer caso[7], amortizar uma quota com o consentimento do respectivo titular – sendo desnecessário qualquer cláusula contratual a permiti-lo, uma vez que a própria lei o permite”. Isto, numa interpretação “acontrário”.

E o consentimento do sócio titular da quota amortizanda pode ser dado em distintos momentos. Pode ser prévio a deliberação – em documento à parte –; pode ser na própria deliberação – e neste caso o sócio vota a favor – e pode ser posterior à deliberação, funcionando aqui como ratificação (art. 257º/1).

c)Pressupostos da Amortização

O primeiro pressuposto da amortização – exceptuando a amortização ope legis – é o de que o pacto social a permita. Ou seja, só poderá haver amortização total ou parcial de uma quota, se este mecanismo estiver previsto nos estatutos. Se não existir uma cláusula estatutária que assim o permita, a amortização não pode funcionar. E este pressuposto é extensivo às duas formas de amortização.

Um segundo pressuposto comum às duas formas de amortização resulta da necessidade da quota a amortizar estar totalmente liberada (art. 255º/2 a)], salvo se se reduzir o capital social, num montante que corresponda no mínimo, ao valor da quota (entrada) não realizado.

O terceiro pressuposto, também comum, tem a ver com o facto de a sociedade só poder amortizar quotas quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização (de que falaremos mais adiante), não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal – [art. 255º/2 b) e 260º/1][8].

Visando proteger o interesse dos credores sociais, estas disposições são fundamentais para compreendermos a possibilidade de se reembolsar os sócios das suas entradas, mantendo o capital social intacto. Assim compreendemos que a amortização sem redução do capital social se faz não à custa deste, mas à custa de outras parcelas do capital próprio, como sendo, reservas não legais (fundos de reservas de amortizações, por exemplo) ou lucros transitados de exercício. Sem estes meios, a operação de amortização é ilícita.

Há ainda outros pressupostos próprios de cada uma das formas de amortização.

O consentimento do sócio é um pressuposto para a amortização voluntária e pode ser dado na deliberação de amortizar ou separadamente em momento anterior ou posterior, como acima dissemos. Atente-se que, o consentimento de que aqui falamos nada tem a ver com a aceitação pelo sócio da amortização da sua quota, quando imposta pela sociedade, em escrupulosa obediência dos cânones legais e contratuais. Neste caso, há somente um reconhecimento da licitude da deliberação social.

Para amortização compulsiva existe também um quarto pressuposto e que é de suma importância. Este pressuposto é o de nesta forma de amortização a deliberação tendente a este fim ter de se basear em facto detalhadamente prescrito no contrato social como fundamento de amortização compulsiva – art. 256º/1. Não basta a autorização genérica[9].

A lei, para prevenir abusos e proteger os sócios, define as condições em que considerar-se-á válida ou eficaz para os sócios a existência, nos estatutos, de cláusulas que descrevam os factos fundamentantes da amortização compulsiva (art. 256º/2) [10].

d) O destino da quota amortizada

Importa dizer, em primeiro lugar, que em hipótese alguma a sociedade adquire a quota amortizada.

O destino da quota amortizada fica dependente do que estiver estipulado no contrato social. A primeira hipótese (legal) possível, salvo estipulação diversa do pacto social, é de a amortização conduzir ou ser acompanhada da redução do capital social. E isto se compreende, já que o capital social representa a soma das entradas dos sócios. O que não quer dizer, conforme diz Raul Ventura[11], que a redução do capital social seja um efeito necessário da amortização, como veremos.

Se não houver redução do capital social, na proporção das originariamente ou até aquele momento detidas, as quotas dos restantes sócios devem ser aumentadas (art. 261º/1). E assim o capital social passaria a ser igual a soma das quotas supérstites[12].

É lógico que assim seja. Ora, não poderia deixar de haver uma participação social (porque foi extinta) e em seu lugar criar-se um espaço vazio, uma quota de ninguém. Afinal o capital social é a soma representativa das participações dos sócios.

No entanto, pode o contrato de sociedade, em derrogação do disposto na parte final do art. 261º/1, estipular que a quota figure no balanço como quota amortizada e bem assim permitir que, posteriormente e por deliberação dos sócios, em vez da quota amortizada, sejam criadas uma ou várias quotas destinadas a serem alienadas aos sócios ou a terceiros (art. 261º/3)[13]. Neste caso, já não haverá o aumento proporcional das quotas supérstites.

Vê-se, pois, que neste último caso, a ratio legis é a aquisição das novas quotas pelos sócios e/ou por terceiros. E não que a nova ou as novas quotas criadas venham a pertencer à sociedade. Porque tendo a sociedade a faculdade de, em vez de amortizar uma quota, adquiri-la como quota própria, de nenhuma lógica e coerência seria a sociedade extinguir a quota, para em seu lugar criar uma outra e fazê-la sua.

e)A prestação retributiva na amortização

A contrapartida, na amortização, é o valor de liquidação da quota, apurado em balanço especialmente elaborado para o efeito (art. 259º/1)[14]. Mas, diferentemente do que possa parecer, não é um elemento essencial ou conformador deste mecanismo. Ou seja, não é imperativo que o titular da quota amortizanda receba uma contrapartida em razão da amortização. Ou ainda, noutros termos, a amortização não implica, necessariamente, a existência, a favor do titular da quota amortizanda, de uma contrapartida.

Existirá sim e sempre que o contrato social não estabeleça regime diverso ou sempre que a sociedade e o titular da quota amortizanda acordem em termos distintos (art. 259º/1[15]).

E os termos distintos podem significar o afastamento quer da obrigação de retribuição, quer da prestação de contrapartida. Diz-se, neste caso, que a amortização é gratuita, sendo válida para qualquer dos tipos ou forma de amortização. António Soares[16] instando-se se a contrapartida é um elemento essencial ou elemento natural da amortização, ao contrário da posição acima enunciada, abraçada por Coutinho de Abreu e Raul Ventura[17], considera ser prévia a distinção entre amortização compulsiva e amortização voluntária. E em função desta distinção, a contrapartida será na amortização elemento essencial ou natural.

Considera este autor, que em razão de não haver uma sujeição do sócio perante a sociedade, nada obsta que na amortização voluntária seja possível a amortização gratuita. Já para a amortização compulsiva, a gratuitidade não seria possível. Aqui a amortização é elemento essencial da amortização.

Deixando de parte este autor, importa frisar que esta possibilidade de amortização gratuita só não existirá quando, por imposição legal, seja afastada. É o caso do art. 265º/1 e 3, relativo a contrapartida da exoneração, para a qual os estatutos não podem fixar contrapartida inferior ao valor real das quotas, sendo o seu critério de fixação o estabelecido no art. 1021º do C.Cv., por remissão do art. 109º/2.

Diferentemente do C.S.C.P (art. 255º), a L.S.C angolana (art. 259º/3) define em termos menos rígidos o prazo dentro do qual deve ser satisfeita a contrapartida, quando a ela houver lugar. Quando houver amortização de uma das quotas, sem que o contrato social ou o acordo das partes afastem a contrapartida, no prazo de um ano, a contar da data da sua fixação, a sociedade deverá liquidá-la totalmente, podendo esta liquidação ser fraccionada em duas ou mais prestações, de acordo com o fixado na deliberação que aprovou a amortização. E não estão previstos na lei, juros dessas prestações.

Por último, importa referir que da onerosidade da amortização nasce para o então sócio, contra a sociedade, um direito de crédito. E caso se verifique a falta de pagamento tempestivo da contrapartida, o ex-sócio, agora credor, tem duas opções: ou efectiva o seu crédito, com recurso à execução nos termos gerais do direito, ou, caso já tenha percebido parte da contrapartida, opta pela amortização parcial da quota, dentro dos trinta dias seguintes àquele em que lhe seja comunicada a impossibilidade de liquidação total (arts. 259º/4 e 260º/3).

f) A deliberação de amortização

Ponto assente é o de que a amortização se realiza por deliberação dos sócios, quando se verifiquem determinados pressupostos legais ou contratuais que a permitam (art. 258º/1). É, portanto, um acto da sociedade manifestado numa declaração de vontade.

Não basta que se verifiquem os factos de que a lei ou os estatutos fazem depender o funcionamento ou o despoletar deste mecanismo, mas, mais do que isso, é necessário que a seguir a estes, a sociedade se manifeste no sentido de que àqueles factos deverá se aditar dada consequência ou dado efeito.

Daí que a extinção de uma quota operada “directamente” por força da lei, por força do contrato, por decisão judicial ou por acto dos sócios, não seja considerada como amortização. Exactamente, pela falta do requisito consubstanciado na emissão, pela sociedade, de uma declaração de vontade.

A realidade nos mostra que, em muitos contratos, se têm inserido cláusulas em que se estipula a extinção das quotas directamente pela ocorrência de certos factos. E os autores que defendem a legalidade dessas cláusulas procuram explicá-la por duas vias:

1. Ou considerando que existe uma “amortização strictu sensu”, acto da sociedade, e que marginalmente a esta existe um outro meio de extinção da quota não qualificado como amortização e que dispensa a posterior deliberação social;

2. Ou que a lei, genericamente, regula a amortização, cabendo nesta, quer a amortização por acto da sociedade (com deliberação), quer a amortização por força do contrato.

E para fazer valer a sua posição, os autores da escola alemã que propugnam a existência legal da amortização directa por força do contrato, procuram demonstrar que nesta também existe uma expressa declaração de vontade social, que corresponde a deliberação de amortizar, própria da “amortização strictu sensu”. Só que aqui (na segunda hipótese), a declaração de amortização, sendo feita no contrato social, antecede aos factos que a ela dão substracto. Pelo que, preferencialmente, dever-se-ia falar em “amortização antecipada”, em que não deixariam de se verificar os elementos componentes ou estruturais do mecanismo da amortização:

1.A declaração de vontade[18](naquela chamada por deliberação);

2. Os factos previstos no contrato.

 Apesar da argumentação apresentada, esta não é, com certeza, uma posição defensável a nível da melhor doutrina seguida, essencialmente, por razões de incerteza que causaria em prejuízo da sociedade e dos sócios. Não é este o conceito de amortização que o direito angolano abraça. Para nós, a amortização não abarca a dita “amortização por força do contrato ou amortização antecipada”. É essencial, para o mecanismo da amortização a existência, posterior aos factos que a ela dão substracto, de deliberação social que lhe dê efectivação.

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E poderá o pacto social fixar ou atribuir a um sócio a faculdade de amortizar a quota de outro sócio?

Resposta: Não!

Cláusulas que assim o estipulem serão ilícitas. É o que se pode depreender dos arts. 258º/1 e 272º/1 b). Individualmente considerado, nenhum sócio tem a faculdade, melhor, pode amortizar a quota de outro, independentemente do número de sócios que a sociedade detenha. O que difere de a questão da sociedade ter apenas dois sócios e, para o efeito, ser apenas um deles a deliberar a amortização da quota do outro. Ou seja, desde que respeita a forma de deliberação social, mesmo que aprovada apenas pelo voto de um dos sócios, a decisão de amortizar a quota de um sócio numa sociedade de apenas dois sócios, é válida.

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Outra questão importante é a de saber se o sócio titular da quota amortizanda pode votar na deliberação tendente àquele efeito. Na Alemanha, por exemplo, o titular da quota amortizanda pode sempre votar na deliberação que visa a amortização. Na actual L.S.C angolana, o regime consagrado segue, à risca, o prescrito no C.S.C.P. Segundo a nossa lei, nos casos de amortização voluntária ou com consentimento do sócio, o titular da quota amortizanda pode votar (art. 257º/1).

Assim já não será quando se trate dos casos de amortização por falecimento do sócio (art. 250º/2), de amortização para exclusão de sócio [art. 280º/2 d) e 266º/2] e no caso de amortização de quota penhorada (art. 263º/2)[19]. À este respeito, Raul Ventura[20] considera que uma vez que a hipótese de amortização não consta de modo expresso entre as alíneas do art. 280º/2, em que se determinam os casos em que há conflito de interesses entre o sócio e a sociedade, haverá que se decidir se o titular da quota amortizanda está, por este facto, em conflito de interesses com a sociedade. E este professor é de opinião que para o caso de amortização não existe o tal conflito. Pelo que, excepcionando as duas últimas hipóteses aventadas (amortização para exclusão de sócio e amortização de quota penhorada), o titular da quota amortizanda tem o direito de votar.

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Um último aspecto a que nos iremos reportar tem a ver com a maioria exigida para a tomada de deliberação que aprova a amortização. Do que resultará, igualmente, a consideração da questão de a amortização ser vista ou não como alteração do contrato de sociedade. São, digamos, questões interligadas.

Autores há, como Raul Ventura e também Brito Correia (que segue o primeiro à risca) que consideram a amortização de quota como alteração do pacto social. Diz o Raul Ventura[21], que apesar de existirem requisitos de forma e de deliberação distintos dos que vigoram, no geral, para as alterações do contrato social, a amortização não deixa de ser uma alteração deste género; “Sendo uma alteração com regime especial”.  E porque a deliberação de amortização extingue uma quota, não pode ser equiparada a uma qualquer outra deliberação tomada por maioria simples. Além de que, se a quota amortizada não passar a vigorar no balanço, haverá ou o aumento proporcional do valor nominal das restantes quotas, ou a redução do capital social. O que implicará, em qualquer dos casos (dois últimos), portanto, uma alteração do contrato social. Por estas razões e porque a lei explicitamente não resolve esta questão, consideram estes autores que a amortização dever ser deliberada por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social ou por um número mais elevado de votos quando assim estipule o contrato de sociedade (art. 295º/1). Não é este o entendimento que Coutinho de Abreu tem por mais aceitável[22]. Para si, a amortização de quota não constitui alteração do contrato social. E isto se deve ao facto da deliberação de amortizar não se destinar, concretamente, a provocar qualquer alteração estatutária. O fim visado por este mecanismo é outro: a extinção de uma quota. Ou seja, não há modificação do pacto social que, directamente, seja visada pela deliberação de amortização. O efeito em vista é outro – a extinção de quota –; sendo este permitido, a priori, por uma cláusula estatutária. Daí que para a tomada a da deliberação de amortização baste a maioria simples dos votos emitidos, salvo se, estatutariamente, tiver sido disposto em contrário (art. 279º). E mesmo quando a quota amortizada não passar a figurar no balanço da sociedade e os sócios optarem pela redução do capital social, se deve compreender que a deliberação de redução do capital e a de amortização da quota são autónomas uma da outra, mesmo quando tomadas na mesma assembleia. A primeira, sim, é alteração do pacto social e para ela é exigida a maioria qualificada (arts. 90º e 100º).

 

 g) Conteúdo da deliberação de amortização

O primeiro requisito da deliberação de amortização é a declaração de vontade dirigida a este fim. A este requisito segue-se a indicação da quota amortizanda, identificando-se o sócio titular da quota ou o seu valor nominal ou a data e/ou outras circunstâncias da aquisição da quota pelo sócio.

O terceiro requisito, com respaldo legal no artigo 260º/1, tem a ver com a exigência da deliberação expressamente mencionar, na sua data, que a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não se torna inferior à soma do capital social e da reserva legal, salvo se, simultaneamente, se deliberar a redução do capital. Há conveniência, que a deliberação se refira ao facto que dá substracto à amortização, embora não seja um requisito indispensável. E essa conveniência deriva do facto de “a sociedade não poder fazer valer como amortização compulsiva a deliberação que não especifique um daqueles factos[23].

Quanto a contrapartida, não é imperioso que a deliberação a ela se refira.

 

TRAÇOS PRINCIPAIS DO REGIME DA EXCLUSÃO DE SÓCIO E DISTINÇÃO DO MECANISMO DA AMORTIZAÇÃO DE QUOTAS

A exclusão de sócio pode ser entendida, lato sensu, como a saída do sócio de uma sociedade, imposta por deliberação da sociedade ou por decisão judicial (sentença), tendo por base factos previstos na lei e/ou respeitantes à pessoa do sócio ou ao seu comportamento, fixados estatutariamente.

É esta uma figura que não estava regulada expressamente pela LSQ de 1901[24], mas que encontrou regulação na actual LSC Angolana.

O principal traço característico desta figura, prende-se ao facto de ela operar independentemente e até contra a vontade do sócio visado, cabendo à sociedade[25] o direito de excluir ou promover a exclusão. A este respeito e diferentemente da posição abraçada por Coutinho de Abreu[26] e Raul Ventura, Brito Correia[27] considera que, em alguns casos – sendo a regra o contrário –, “a exclusão de sócio se configura como um dever da sociedade, cujo incumprimento pode mesmo constituir justa causa de exoneração para outros sócios”.

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Tal como para a amortização, a exclusão de sócio também pode ter como substracto factos legalmente previstos ou enunciados nos estatutos. Apesar da possível multiplicidade de factos legais ou estatutários que a ela possam dar lugar, todos eles acabam por se reduzir a um fundamento que é “o comportamento ou a situação pessoal do sócio que impossibilite ou dificulte a prossecução do fim social[28], tornando-se, por isso, inexigível que o ou os restantes sócios suportem a permanência daquele na sociedade. No dizer de Menezes Leitão[29], a exclusão de sócio acaba por ser o mecanismo que a lei atribui às sociedades para dirimir um conflito de interesses; conflito este entre, por um lado, a permanência de um sócio numa sociedade e, por outro, os interesses superiores da sociedade – o chamado interesse social.

Para dar firmeza ao afirmado, pedimos permissão para citar Avelãs Nunes[30] que, em termos muito próximos, diz que “impende sobre o sócio, em qualquer sociedade, a necessidade de colaborar com vista a prossecução do escopo comum, que se traduz na exploração da empresa comum em termos economicamente vantajosos”. Daí que conclua este professor[31] que “Todos os casos de exclusão traduzem outros tantos casos de não cumprimento do fundamental dever de colaboração”. E nas sociedades por quotas o dever de colaboração implicará não só a obrigação de promover a realização dos interesses ligados ao fim comum, como também o dever de evitar qualquer tipo de dano que possa recair sobre os interesses envolvidos pelo escopo social.

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A exclusão de um sócio pode derivar quer de causas descritas na lei, quer de causas estatutárias.

Quanto as cláusulas legais[32] – que não podem ser afastadas por estipulações contratuais, mas que também não significam uma imposição do exercício do direito de exclusão – podem ser específicas ou pode haver uma causa genérica de exclusão.

As causas legais específicas permitem que seja a sociedade a deliberar a exclusão de sócios. E o sócio de uma sociedade por quotas poderá excluído com fundamento em causa legal específica se (i) for sócio remisso (art. 225º/1 e 2 )[33](ii) se não efectuar a prestação suplementar a que está obrigado (art. 234º) e ainda (iii) se utilizar, em prejuízo injusto da sociedade ou dos outros sócios, as informações que obtenha no exercício do seu direito à informação (art. 236º/8).

Já a causa legal genérica – que só funciona quando hajam ou possam ser causados prejuízos à sociedade – permite que seja apenas o tribunal, por sentença[34], a determinar a exclusão do sócio. A preceder a acção de exclusão deverá a sociedade deliberar nesse sentido (art. 267º/2)[35]. E esta causa tem por base a deslealdade ou perturbação da vida da sociedade pelo comportamento do sócio.

A lei (art. 267º/1) não discrimina – pelo menos a título exemplificativo – as situações que poderão preencher ou fazer com que o comportamento do sócio possa ser subsumido à norma em referência.

No entanto, é entendimento firmado que esta abarca situações como a utilização de bens do património da sociedade em proveito próprio ou para fins estranhos à sociedade, a concorrência desleal contra a sociedade, a apropriação ilícita de bens sociais, a provocação de discórdia entre os sócios, a ausência durante longos períodos sem autorização da sociedade, a oposição injustificada e sistemática aos actos dos gerentes, entre outras[36].

Além das causas legais, existem ainda as causas de exclusão que operam por deliberação da sociedade[37]. Ficamos com a honesta impressão de que este preceito seria mais completo ou mais abrangente se tivesse sido decalcado tal como se encontra no C.S.C.P. É que neste, o preceito distingue entre casos respeitantes à pessoa do sócio e casos atinentes ao seu comportamento. Nos casos respeitantes à pessoa do sócio, se integrarão, entendemos, as situações que escapam ao normal controlo do sócio. Ou seja, situações em que o sócio se encontra numa situação de debilidade que o impede de reger suficiente, controlada e coerentemente a sua pessoa e/ou os seus bens. De modos que não pode prestar a sua contribuição à sociedade. E são estas situações derivadas da senilidade, do alcoolismo, da inabilitação ou da falência declaradas judicialmente, por exemplo.

Os casos atinentes ao comportamento serão aqueles em que o sócio tendo domínio normal e completo sob a sua pessoa, incorre em acções prejudiciais à prossecução do interesse social. Aqui é o sócio que não quer prestar a sua contribuição à realização do escopo comum. Serão as situações cobertas pelo art. 267º/1 que acima exemplificamos.

Atente-se que não deve existir qualquer confusão derivada do facto das situações que preenchem a causa legal genérica poderem constar nos estatutos. E quando assim for a sociedade avocará a “competência” para determinar por deliberação a exclusão do sócio; o que não ocorreria – competindo aos tribunais – se tais situações não estivessem descritas nos estatutos. Em atenção a segurança e a defesa dos sócios, as deliberações de exclusão fundadas no contrato de sociedade, nunca deverão assentar em cláusula estatutária que, genericamente, confira à sociedade este direito. Ou, dito doutro modo, é necessário que os estatutos, de modo específico, descriminem as causas de exclusão. Não valerá socorrer-se de “justa causa”, “motivo grave”, “causas legítimas”, etc. Podemos retirar esta ideia do número 2 do art. 266º[38].

Ainda em relação a discriminação das situações que constituam causas de exclusão estatutária, importa dizer que não é imperativo que sejam constituídas por factos de tal modo perturbadores do normal funcionamento da sociedade, que outra solução não haveria, senão excluir o sócio. É que diferentemente da causa legal genérica, aqui, não é, com certeza, a ideia de “ultima ratio” que está subjacente à exclusão.

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Realcemos agora alguns aspectos da figura da exclusão que a distinguem e também os que a aproximam da amortização de quotas, que é exactamente o que neste ponto queremos dar maior enfoque.

  1. A amortização pode ser parte do processo de exclusão de um sócio. Quando a exclusão se operar por força do contrato ela efectiva-se com a amortização da quota do sócio (art. 266º/2). Mas, poderá a sociedade, tendo este direito, não decidir pela amortização e, em lugar desta, adquirir a quota ou fazê-la adquirir por qualquer sócio ou terceiro (art. 255º/4).

E para a exclusão judicial existem as mesmas nuances. A amortização pode integrar o processo de exclusão, como fase terminal deste processo. Mas se a sociedade preferir não amortizar a quota, ou adquire-a ou faz com que outrem a adquira (art. 267º/2).

2. A amortização não implica necessariamente a exclusão. Serão os casos de amortização parcial, de amortização com o consentimento do sócio, de amortização de uma entre várias quotas de um sócio.

3. Apesar da amortização compulsiva – quando tenha por base factos previstos nos estatutos, relativos à pessoa ou ao comportamento do sócio – se identificar com a exclusão por causa estatutária[39], aquela poderá ter por base fundamentos como a penhora ou o arresto de quotas.

4. Como já antes dissemos (art. 258º) a amortização opera ou se realiza por deliberação de sócios, sendo um acto da sociedade manifestado numa declaração de vontade. Já a exclusão só se efectua por deliberação dos sócio se se basear em facto específico constante na lei (v.g., art. 225º/1 e 2 e 234º) ou no contrato social. Terá de se efectuar por decisão judicial se tiver por base uma causa genérica, embora haja a necessidade de ser precedida e depois seguida de deliberação dos sócios.

5. Ainda sobre a deliberação, sendo a lei omissa, nos preceitos relativos a exclusão, quanto a maioria necessária para a tomada daquela, é suficiente a maioria simples dos votos emitidos, não se computando as abstenções, a não ser que a lei ou os estatutos fixem regime diverso (art. 279º). Brito Correia[40] entende que pelo menos quando houver a amortização de quotas (com a redução do capital social), por se tratar de alteração do contrato de sociedade, é necessária maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social.

6. Na exclusão há claramente conflito de interesses entre o sócio a excluir e a sociedade. Daí que haja o impedimento legal daquele sócio votar [art. 280º/2 d)].

7. Se não existir cláusula estatutária ou acordo das partes que distintamente disponham, o sócio a excluir tem o direito a receber o valor de liquidação da quota. Isto nos termos dos arts. 267º/3, 266º/2 e 259º/1.

8. A última questão que iremos abordar prende-se com o processar do mecanismo da exclusão tendo por fundamento causa específica da lei ou do contrato social, nas sociedades de apenas dois sócios.

A este respeito, Raul Ventura[41] considera que, em atenção aos preceitos dos arts. 188º/3[42](aplicável às sociedades em nome colectivo) e 1005º/3 do C.Cv[43], que visam a protecção do sócio excluendo, forçando o outro a recorrer às instâncias judiciais, por analogia, se deverá induzir que a orientação legislativa é no sentido de nas sociedades de dois sócios a exclusão ter de se efectuar por via judicial; Só assim não sendo quando exista causa legal específica, como a do art. 225º/1 e 2.

Diferentemente, entende Coutinho de Abreu[44] que não é forçoso que assim seja – dando exemplos nas páginas 435 e 436 da obra citada –, podendo as deliberações de exclusão serem tomadas apenas com o voto de um dos dois sócios quando tenham fundamento em factos especificados na lei ou nos estatutos.

Opinião próxima a esta é a de Avelãs Nunes[45], que não vê também objecção a validade da deliberação social tomada por apenas um dos sócios, desde que possua a maioria necessária para se poder validá-la. Mesmo quando o sócio excluendo seja o maioritário, o minoritário, usando da unanimidade de voto, e quando se trate de situações de exclusão respeitantes à pessoa do sócio, poderá validamente deliberar a exclusão. No entanto, por uma questão de prudência, será sempre preferível que o sócio minoritário recorra ao tribunal para que este se pronuncie sobre a exclusão.

 

Heráclito Albino Pedro

 

 

[1] Vide Art. 255º/1 da LSC

[2] O mesmo regime do Art. 232º/2 do C.S.C.P..

[3] O Prof. Avelãs Nunes, O Direito de Exclusão de Sócios nas Sociedades Comerciais, Colecção Teses, Almedina, 2002, 202, cita autores que configuram o direito de amortização como um direito potestativo. Pensamos se dever fazer aqui a ressalva, que este entendimento só será válido para a amortização compulsiva, como adiante veremos.

[4] Tudo isso significa dizer, noutros termos, que se não houver uma cláusula contratual que permita a amortização, este mecanismo não pode funcionar; salvo quando a lei o autorize ou imponha.

[5] Ou forçada, no dizer do Prof., RAÚL VENTURA, Sociedades por Quotas, Volume I, 2ª Edição, Livraria Almedina, 1989, p.681.

[6] “Direito Comercial – Sociedades Comerciais”, 2º Volume, p. 420.

[7] O sublinhado é nosso.

[8] A deliberação de amortizar uma quota, apesar de validamente tomada, ficará sem efeito, se, em momento posterior, melhor, no momento do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida, se verificar que em razão desse pagamento, a situação líquida da sociedade se torna inferior à soma do capital social e da reserva legal (art. 260º/2). Assim só não será, se o titular da quota amortizanda decidir, num prazo de 30 dias a contar da data em que lhe tiver sido comunicada aquela impossibilidade, ou esperar pelo pagamento até que este se possa efectuar sem afectar o capital social e a reserva legal, ou optar pela amortização parcial, na proporção do que já recebeu, mas sempre respeitando o valor mínimo da quota [art. 260º/2 b) e c)].

[9] RAÚL VENTURA, ob. cit., p. 681, considera que a licitude da amortização de quotas depende de um destes dois factores.

[10] “Pela sua natureza, estas cláusulas têm um carácter excepcional e são, por isso, insusceptíveis de aplicação analógica.” – RAÚL VENTURA, “Ibidem”, p. 687.

[11] ob.cit, p.749.

[12] Se não ocorrer a redução do capital social, pode criar-se uma situação de desigualdade entre a soma dos valores nominais das quotas subsistentes e o montante do capital.” – Ibidem , p.750.

[13] V. RAUL VENTURA, ob.cit., p. 756.

[14] Podendo servir de base para determinação do valor da quota amortizanda, um balanço que tenha sido aprovado pela sociedade há menos de 3 meses (art. 259º/2).

[15] Como acima já nos referimos, quem amortiza é a sociedade e não os sócios – pelo menos directamente. Daí que o acordo tenha de ser entre aquela e o titular da quota.

[16] “O novo regime da amortização de quotas”, AAFDL, Lisboa, 1988, pág. 125 e ss.

[17] Obras referenciadas.

[18] Aqui havendo a equiparação da vontade de amortizar expressa no contrato social à vontade expressa na deliberação social. O que não é rigoroso, nem legítimo

[19] Entende a nossa lei, que nestes casos há conflito de interesses entre o sócio e a sociedade.

[20] Ob.cit., p.711.

[21] Ob.cit, p. 712.

[22] Havendo muitos outros autores, como FERRER CORREIA, AVELÃS NUNES e ANTÓNIO SOARES que perfilham a mesma posição.

[23] RAUL VENTURA, ob.cit, p.714.

[24] O art.25º daquela lei só permitia a amortização.

[25] Ou ao outro sócio, nas sociedades de dois sócios.

[26] Ob.cit, p. 426.

[27] Ob.cit., p.464.

[28] COUTINHO DE ABREU, ob.cit., p.426.

[29] “Pressupostos da Exclusão de Sócio nas Sociedades Comerciais”, AAFDL, 1988, P. 15 e ss.

[30] Ob.cit., p.81 e ss.

[31] Ibidem

[32] E falar em causas legais não quer significar que haja uma exclusão automática ou ipso jure.

[33] Neste caso o sócio remisso está sujeito a perda da sua quota e dos pagamentos já realizados por conta da respectiva entrada.

[34] “... a sentença, por si só, não basta para o sócio ser excluído; ela é, contudo, indispensável elemento habilitante para que a sociedade efective a exclusão...” – RAÚL VENTURA, ob.cit., 2º Volume, p.64.

[35] É interessante notar, que tal como a lei – quase na sua plenitude – este art. 267º/1 foi decalcado do C.S.C.P (art. 242º/1). O legislador angolano, para dar azo a sua “criatividade”, preferiu suprimir a relevância dos prejuízos.

[36] Segundo RAÚL VENTURA, ob.cit., 2º Volume, p.60, a gestão danosa de um sócio–gerente não deverá constituir causa de exclusão. Há que se separar o comportamento do sócio como gerente – para o qual a sanção é a destituição da gerência – do comportamento como sócio, para o qual a sanção poderá ser a exclusão.

[37] Aqui também, o legislador angolano não se coibiu de dar mostras da sua originalidade. Tratou de ir ao C.S.C.P. buscar o preceito, mas resolveu comprimi-lo – ou talvez melhor seja dizer (des)conformá-lo – a seu jeito.

[38] AVELÃS NUNES, ob.cit, p.253 e ss, pelo contrário, admite a validade de cláusulas autorizativas da exclusão de sócios por justa causa, motivo grave e causas legítimas, embora não deva entender-se que elas confiram um “direito de exclusão ad nutum”. À luz da anterior Lei das Sociedades por Quotas (art. 25º), considerava-as válidas.

[39] E as cláusulas que tenham esta conformação designar-se-ão por cláusulas de amortização–exclusão.

[40] ob.cit., p.482.

[41] ob.cit., 2º Volume, p.56 e ss.

[42] Correspondente ao art. 186º/3 do C.S.C.P.

[43] RAUL VENTURA refere-se também a norma do art. 257º/5 do C.S.C.P, que na lei angolana não tem correspondência.

[44] ob.cit..

[45] ob.cit., p. 299 e ss.