Bens jurídicos no código civil de 2002


Porwilliammoura- Postado em 01 junho 2012

Autores: 
RIBEIRO, George Wendell Chaves

Bens jurídicos no código civil de 2002


 

Nosso estudo se iniciará com a definição de bem jurídico, seguido pela indispensável distinção entre bem e coisa, pois essa diferenciação é ponto de partida para podermos alicerçar a discussão sobre tema. Não menos importante e que por nós será tratado de forma objetiva é a importância do estudo dos bens jurídicos, isto é, o porquê da necessidade de classificá-los e de pô-los sobre uma tutela jurisdicional. Passado estes aspectos introdutórios discorremos sobre as diversas categorias de bens e suas subdivisões definidas em nosso Código Civil, a saber: a) Bens considerados em si mesmos: bens corpóreos e incorpóreos, bens móveis e imóveis, coisas fungíveis e consumíveis, coisas divisíveis e indivisíveis, coisas singulares e coletivas; b) Bens reciprocamente considerados: bem principal e bens acessórios; c) Bens públicos e particulares; d) Coisas que estão fora do comércio. Abordaremos como ultimo tópico do trabalho aspectos relevantes sobre bens de família, que muito embora no Código Civil de 2002 tenha sido deslocado para o Livro de Direito de Família, será alvo do presente estudo juntamente com as demais classes de bens, pois assim o fazem inúmeros e renomados doutrinadores brasileiros, e nesse tópico analisaremos algumas divergências doutrinárias bem como o posicionamento jurisprudencial atualizado acerca do tema.

Palavras-chave: Bens. Bens Jurídicos. Coisas. Patrimônio.

1. INTRODUÇÃO

No estudo da parte geral do Código Civil já somos capazes de entender que os sujeitos do direito, são as pessoas, tanto as físicas quanto as jurídicas. São sujeitos de direito, pois tem perante a lei direitos assim como obrigações. Também já é cristalino o entendimento que os fatos jurídicos são os originadores das relações jurídicas, pois da sua definição temos que são todos os acontecimentos naturais ou humanos capazes de criar, modificar ou extinguir direitos ou obrigações para as partes envolvidas no negócio jurídico. O bem jurídico é justamente o objeto dessas relações ou negócios jurídicos, é ele que é alvo do interesse das partes, pois despertam o interesse humano pelo seu domínio.

Sendo os bens fruto de disputa, cabe ao direito regulamentar as relações entre as pessoas (naturais ou jurídicas) para normatizar a forma para a apropriação, bem como para a tutela jurisdicional desses bens.

É certo que todo e qualquer objeto que possua valor econômico pode figurar como objeto de direito, entretanto, o fator primordial para sua caracterização como centro de uma relação jurídica é o interesse que ele desperta nos sujeitos. É importante também dizer que também há bens jurídicos que não possuem valor econômico, apesar de figurarem como objetos de interesses protegidos pelo direito, como exemplo poderíamos citar alguns direitos da personalidade como a vida, a honra, integridade física e psíquica, etc., bens estes que, dada sua grande importância para o homem, são resguardados pelo direito.

Como sabemos o direito é uma ciência, e toda ciência tem sua metodologia de classificação e estudo do seu objeto, e, portanto, sendo os bens o objeto do direito há necessidade de criar meios sistemáticos para classificar esses bens levando em consideração o interesse que desperta em decorrência do seu valor econômico, sua forma, a abundância ou escassez, sua mobilidade, entre outras inúmeras características.

O Código Civil de 2002 institui três classes de bens que por sua vez trazem outras subdivisões. O legislador ao classificá-los, leva primordialmente em consideração o caráter econômico que se reflete na valorização das diversas categorias de bens, implicando dizer que existem classes de bens mais e menos importantes para o sistema jurídico dado o caráter valorativo que lhes são atribuídos.

Desta forma, tem-se assim a seguinte divisão em nosso código: a) Bens considerados em si mesmos: bens corpóreos e incorpóreos, bens móveis e imóveis, coisas fungíveis e consumíveis, coisas divisíveis e indivisíveis, coisas singulares e coletivas; b) Bens reciprocamente considerados: bem principal e bens acessórios; c) Bens públicos e particulares; d) Coisas que estão fora do comércio. Temos ainda importante tema a ser estudado que são os bens de família, que na mudança do código de 1916 para Código Civil de 2002 foi deslocado para Livro de Direito de Família, sobre o fundamento legislativo de ter grande relevância social, merecendo assim proteção especial no ordenamento jurídico.

2. BEM E COISA: CONCEITOS E DIFERENÇAS

Bem jurídico pode ser definido como toda a utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo.

César Fiúza diferencia os dois elementos da seguinte forma: “Bem é tudo aquilo que é útil às pessoas”. “Coisa, para o Direito, é todo bem econômico, dotado de existência autônoma, e capaz de ser subordinado ao domínio das pessoas”. (2004, p.171). É ainda César Fiúza que define como requisitos necessários para um bem ser considerado coisa o interesse econômico; a gestão econômica, ou seja, a possibilidade do bem ser individualizado e valorado, e por último a subordinação jurídica, melhor explicando, deve haver a possibilidade do bem ser subordinado a uma pessoa. Acerca deste entendimento e conceituação cabe-nos dizer que sobre ele repousa acesa polêmica e divergência doutrinária que se arrasta ao longo dos tempos.

Sustentam que bem é gênero e coisa é espécie, autores como Orlando Gomes, Teixeira de Freitas, Pablo Stolze e Rodolpho Pamplona Filho. Em sentido contrário posicionam-se Maria Helena Diniz e Silvio Venoza. Existem ainda aqueles que seguem o pensamento de Washington de Barros, que diverge das duas correntes anteriores e leciona que às vezes coisas seriam gênero, outras vezes seriam espécies, e em algumas ocasiões existe na verdade uma sinonímia. Em suas palavras:

“Às vezes, coisas são gênero e bens, a espécie; outras estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras, finalmente, são os dois termos usados como sinônimos, havendo então entre eles coincidência de significação.”

Para fins do presente estudo consideraremos como mais razoável a opinião doutrinária dos três primeiros autores citados, que afirmam que bem é gênero, no qual coisa é a espécie. A identificação por essa corrente doutrinária funda-se nos argumentos de Pablo Stolze (2007, p.256) inspirados nos ensinamentos de Orlando Gomes quando diz que:

“Preferimos, na linha do Direito alemão, identificar a coisa sob o aspecto de sua materialidade, reservando o vocábulo aos objetos corpóreos. Os bens, por sua vez, compreenderiam os objetos corpóreos ou materiais (coisas) e os ideais (bens imateriais). Dessa forma, há bens jurídicos que não são coisas: a liberdade, a honra, a integridade moral, a imagem, a vida.”

Assim, concluímos que bem está ligado à idéia de direitos sem caráter econômico e coisa está diretamente ligada à idéia de utilidade patrimonial. Por fim, concluímos que para esta corrente, a materialidade é o fator que essencialmente diferencia o bem de coisa e vice-versa. Assim, os bens com expressão patrimonial são, portanto, materiais, são coisas (p. ex. casa, carro, notebook, etc.), mas há aqueles bens que não possuem valor econômico e são abstratos (p. ex. a vida, honra, moral, imagem, etc.)

3 DAS DIFERENTES CLASSES DE BENS

No Código Civil de 2002 os bens jurídicos são tratados no livro II, que por sua vez encontra-se dividido em três capítulos dispostos da seguinte forma: Capítulo I - os bens considerados em si mesmos; Capítulo II - os bens reciprocamente considerados e o Capítulo II - os bens públicos.

Notemos que esta classificação traz duas diferenças pontuais em relação ao código de 1916, uma vez que este trazia textualmente em seu capítulo IV – as coisas que estão fora do comércio e no capítulo V – os bens de família. No código de 2002 o primeiro foi suprimido e o segundo foi transportado para o livro IV que trata do direito de família, entretanto, para a doutrina, as coisas fora do comércio ainda guarda relevância e o bem de família teve sua importância social elevada.

É importante consignarmos que o fato de um bem se enquadrar em uma categoria não o exclui de outra, podendo um único bem pertencer ao mesmo tempo em mais de uma categoria classificatória. Assim, passemos agora a analisar detalhadamente cada um dos grupos citados.

3.1 Os bens considerados em si mesmos

Os bens considerados em si mesmo, encontram sua normatização legal entre os artigos 79 a 91, no Capítulo I do Título Único de CC e se apresentam subdivididos da seguinte maneira: a) Bens imóveis e móveis; b) Bens fungíveis e infungíveis; c) bens consumíveis e inconsumíveis; d) bens singulares e coletivos; e) divisíveis e indivisíveis.

3.1.1 Bens móveis e imóveis

3.1.1.1 Bens móveis

Os bens móveis são aqueles que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro. Enquadram-se ainda nessa classe os bens dotados de movimento próprio, são os chamados semoventes (os animais), e aquele que se movem também por força alheia também estão inclusos nessa classificação (coisas inanimadas ). Vejamos a seguir as subclasses dos bens móveis.

3.1.1.1.1 Móveis por sua própria natureza

Bens móveis por natureza são as coisas corpóreas que podem ser removidas sem dano, por força própria ou alheia, com exceção das que acedem aos imóveis, logo, os materiais de construção, enquanto não forem nela empregados, são bens móveis.

3.1.1.1.2 Móveis por antecipação

Bens móveis por antecipação são bens imóveis que a vontade humana mobiliza em função da finalidade econômica; ex: árvores, frutos, pedras e metais, aderentes ao imóvel, são imóveis; separados, para fins humanos, tornam-se móveis; ex: são móveis por antecipação árvores convertidas em lenha.

3.1.1.1.3 Móveis por determinação legal

Os bens móveis por determinação legal são os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes, os direitos de obrigação e as ações respectivas e os direitos de autor. Estão classificados por força legal no art. 83 de CC, que assim dispõe:

“Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

I - as energias que tenham valor econômico;

II - os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;

III - os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.”

A título exemplificativo, para as energias podemos citar a elétrica e nuclear, no rol dos bens móveis por determinação legal podemos citar ainda as quotas de ações de sociedades mercantis e os créditos em geral. A propriedade industrial, segundo o art. 5º da Lei n.9.279/96 , também é coisa móvel, abrangendo os direitos oriundos do poder de criação e invenção do indivíduo, assegurando a lei ao seu tutor as garantias expressas nas patentes de invenção, na exclusiva utilização das marcas de indústria e comércio e nome comercial.

3.1.1.1.4 Semoventes

Os semoventes são bens que se movem de um lugar para outro por movimento próprio, como é o caso dos animais.

Sua disciplina é a mesma dos bens móveis por sua própria natureza, sendo-lhes aplicáveis todas as suas regras correspondentes, ou seja, aquelas previstas no art. 82 do Código Civil de 2002.

3.1.1.2 Bens imóveis

3.1.1.2.1 Imóveis por sua própria natureza

Entende-se que os bens imóveis por sua natureza conforme são o solo com sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.

Há que se considerar que, a rigor, o único imóvel é o solo. No entanto, o Código Civil entendeu por incluir nesse conceito os seus acessórios e adjacências naturais, as árvores e seus frutos pendentes, bem como o espaço aéreo e o subsolo.

No componente do solo, algumas partes são sólidas, outras líquidas, umas formam a superfície, outras o subsolo. Se alguma das partes é separada pela força humana passa a se constituir em unidade distinta, mobilizando-se, como a árvore que se converte em lenha, e assim por diante. A água, enquanto pertencente a um imóvel, será imóvel; destacada pelo homem, torna-se móvel.

As árvores e arbustos, ainda que plantados pelo homem, deitando suas raízes nos solos, são imóveis. Não serão assim considerados se plantados em vasos e recipientes removíveis, ainda que de grandes proporções.

As riquezas minerais ou fósseis, que no regime do Código pertenciam ao proprietário do solo, passaram a constituir propriedade distinta do patrimônio da União, a qual pode outorgar ao particular mera concessão de exploração de jazidas.

Portanto, embora se considerem propriedade o subsolo e o espaço aéreo, tais pontos apenas se consentirão presos à propriedade na medida de sua utilização pelo proprietário do solo.

3.1.1.2.2 Imóveis por acessão física, industrial ou artificial

Previstos no art.79 do Código Civil, nesta classe incluem-se tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada a terra, os edifícios e construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou causar dano.

O termo acessão designa aumento, justaposição, acréscimo ou aderência de uma coisa a outra.

Abrangem os bens móveis que, incorporados ao solo, pela aderência física, passam a ser tidos como imóveis, como ocorre com tijolos, canos, porta, madeiras, concreto armado, etc., que não poderão ser retirados sem causar dano às construções em que se acham. Se os prédios forem demolidos esses materiais serão considerados móveis, se não forem mais empregados em reconstruções

3.1.1.2.3 Imóveis por acessão intelectual

Estes bens podem ser definidos como tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado na sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade.

O art. 43, III do Código Civil de 1916 trazia expressamente esta categoria de bens, o que já não persiste no novo código e segundo o Enunciado nº 11 emitido na I Jornada de Direito Civil promovida pelo CEJ – Centro de Estudos Jurídicos do CJF – Conselho da Justiça Federal tal categorização realmente não mais persiste em nosso ordenamento jurídico, como vemos:

“Enunciado nº 11– Art. 79: não persiste no novo sistema legislativo a categoria dos bens imóveis por acessão intelectual, não obstante a expressão “tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”, constante da parte final do art. 79 do CC.”

Ainda assim, para Venosa são 3 as espécies de acessão intelectual:

a) Objetos mantidos intencionalmente no imóvel para sua exploração industrial como máquinas, ferramentas, adubos. O simples fato de esses objetos serem encontrados no imóvel não leva à automática conclusão de que foram imobilizados. É a circunstância de cada caso que define sua situação.

b) Objetos empregados para o aformoseamento do imóvel a exemplo de vasos, estátuas e estatuetas nos jardins e parques, quadros, cortinas, etc nos prédios em geral.

c) Objetos destinados à comodidade do imóvel como geradores, escadas de emergência, ar condicionado, equipamentos de incêndio, etc.

3.1.1.2.4 Imóveis por determinação legal

Para fins legais são bens imóveis aqueles compreendidos no art. 80 do CC, como vemos:

Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I —os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;

II—o direito à sucessão aberta.

Com o escopo de garantir a segurança das relações jurídicas, o art. 80 considera como imóvel o direito real sobre imóveis e as ações que o asseguram, e o direito à sucessão aberta.

Tais bens incorpóreos são considerados pela lei como imóveis para que possam receber proteção jurídica.

São direitos reais sobre imóveis (usofruto, uso, habitação, enfiteuse , anticrese , servidão predial ), inclusive o penhor agrícola e as ações que o asseguram; o direito à sucessão aberta, ainda que a herança só seja formada de bens móveis.

Direito à sucessão aberta para os casos de alienação e pleitos judiciais a legislação considera o direito à sucessão aberta como bem imóvel, ainda que a herança só seja formada por bens móveis ou abranja apenas direitos pessoais. Ter-se-á a abertura da sucessão no instante da morte do de cujus; daí, então, seus herdeiros poderão ceder seus direitos hereditários, que são tidos como imóveis.

3.1.2 Bens fungíveis e infungíveis

Fungíveis são os bens móveis que podem ser substituídos por outros de mesma espécie, qualidade e quantidade. Tomemos o seguinte exemplo: Quando você empresta dinheiro a alguém, você não irá receber aquelas mesmas cédulas de volta, mas sim, outras cédulas que podem estar dispostas de diversas formas ou até mesmo em moedas, mas corresponderão ao valor emprestado.

Infungíveis são os insubstituíveis, por existirem somente se respeitada sua individualidade. A título exemplificativo vejamos: Uma obra de arte exclusiva ou uma jóia de valor original e única. Esta obra de arte e esta jóia jamais poderão ser substituídas, pois não existem outras com o mesmo valor e da mesma espécie.

3.1.3. Bens consumíveis e inconsumíveis

Consumíveis são os que se destroem assim que vão sendo usados (alimentos em geral); inconsumíveis são os de natureza durável, como um livro.

3.1.4 Bens divisíveis e indivisíveis

Bens divisíveis e indivisíveis: divisíveis são aqueles que podem ser fracionados em porções reais; indivisíveis são aqueles que não podem ser fracionados sem se lhes alterar a substância, ou que, mesmo divisíveis, são considerados indivisíveis pela lei ou pela vontade das partes.

3.1.5 Bens singulares e coletivos

A Seção V, traz nos artigos 89 a 90 os bens singulares e coletivos, dispondo:

“Art. 89. São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independentemente dos demais.

Art. 90. Constitui universalidade de fato a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária.

Parágrafo único. Os bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias.

Art. 91. Constitui universalidade de direito o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico.”

Os bens singulares são as que, embora reunidas, se consideram de per si, independentemente das demais; são consideradas em sua individualidade; coletivas são as constituídas por várias coisas singulares, consideradas em conjunto, formando um todo único, que passa a ter individualidade própria, distinta de seus objetos componentes, que conservam sua autonomia funcional.

3.2 Bens reciprocamente considerados

Quanto a presente classe, integrante do capítulo II, do Livro II do Código Civil Brasileiro, divide-se em bens principais e acessórios.

Seguindo o pensamento de César Fiúza “principal é o bem que existe por si mesmo, abstrata ou concretamente, como a vida ou um terreno. Não depende de nenhum outro para existir. Acessório é o bem cuja existência depende do principal. Os bens acessórios não existem por si mesmos”. (FIÚZA, 2004, p.177).

Podemos inferir, então, que para classificarmos um bem considerado em si mesmo como principal ou acessório, devemos estabelecer um liame, uma relação de um em relação ao outro, pois considerados de forma isolada não há como enquadrar os bens dentro deste critério. Importante ressaltar que este liame, que forma um vínculo de subordinação pode ser estabelecido pela natureza, pelas leis ou pela vontade humana.

3.2.1 Bem principal e bens acessórios

3.2.1.1 Bem principal

Principal é o bem que existe por si mesmo, abstrata ou concretamente, como a vida ou um terreno, não dependendo de nenhum outro para sua existência.

3.2.1.2 Acessórios

Acessório é aquele cuja existência depende do principal. Não existindo por si mesmos.

Os bens serão acessórios ou principais, uns considerados em relação aos outros. O conceito é, portanto, dotado de relativismo. Uma casa é acessória em relação ao solo, que é principal em relação a ela. Mas será principal em relação a suas portas e janelas, que serão acessórias dela.

Os bens acessórios tem ainda a seguinte subdivisão: Frutos; Produtos; Pertenças e Benfeitorias.

3.2.1.2.1 Frutos;

É uma utilidade renovável que a coisa principal periodicamente produz e cuja percepção não diminui a sua substância (ex: grãos, frutas, bezerro, juros, aluguel).

Quanto à natureza, os frutos podem, ainda, ser classificados em: a) Naturais: gerados de per si pelo bem principal, sem que haja intervenção humana direta. São resultado do desenvolvimento orgânico vegetal ou animal; b) Industriais: Resultantes da atividade industrial humana (bens manufaturados); c) Civis ou Rendimentos: Originados de uma relação jurídica ou econômica (juros, aluguel, dividendos).

Quanto ao estado em que se encontram, os frutos, segundo Flávio Tartuce, também podem ser classificados em: a) Pendentes: são aqueles que estão ligados à coisa principal, e que não foram colhidos; b) Percebidos: são os já colhidos do principal e separados; c) Estantes: são aqueles frutos que foram colhidos e encontram-se armazenados; d) Percipiendos: são os frutos que deveriam ter sido colhidos, mas não foram; e) Consumidos: são os frutos que foram colhidos e não existem mais.

3.2.1.2.2 Produtos;

Produto: é uma utilidade não renovável, cuja percepção diminui a substância da coisa principal (Ex: minerais extraídos de minas e pedreias; petróleo extraído de um poço).

3.2.1.2.3 Pertenças

Para César Fiuza (2004,p.68) usa a seguinte definição:

“Bens acessórios destinados. de modo duradouro, a conservar ou facilitar o uso ou prestar serviço ou, ainda, a servir de adorno ao bem principal sem ser parte integrante. Apesar de acessórios, conservam sua individualidade e autonomia, tendo apenas com o principal uma subordinação econômico-jurídica, pois sem haver qualquer incorporação vinculam-se ao principal para que este atinja suas finalidades. São pertenças todos os bens móveis que o proprietário, intencionalmente, empregar na exploração industrial de um imóvel, no seu aformoseamento ou na sua comodidade, como, p. ex., molduras de quadros, acessórios de um automóvel, máquinas de uma fábrica. São imóveis por acesso intelectual.”

O mesmo autor segue alertando para a diferença existente entre pertença e parte integrante:

“Partes integrantes: São acessórios que, unidos ao principal, formam com ele um todo, sendo desprovidos de existência material própria, embora mantenham sua identidade. por. ex.: as lâmpadas de um lustre; frutos e produtos enquanto não separados da coisa principal.”

De forma resumida podemos dizer que “são pertenças os bens que não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro.” (art. 93 do CC).

3.2.1.2.4 Rendimentos;

Em síntese, rendimentos são os frutos civis, as prestações periódicas em dinheiro, decorrentes da concessão do uso e gozo, a exemplo do aluguel de um apartamento, carro, etc.

3.2.1.2.5 Benfeitorias

Pablo Stolze (2007, p. 272) define benfeitoria como “a obra realizada pelo homem, na estrutura da coisa principal, com o propósito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la”.

Segundo o art. 96 do CC em seus parágrafos 1º, 2º e 3º, respectivamente, as benfeitorias podem ser: a) Voluptuárias: As de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor; b) Úteis: As que aumentam ou facilitam o uso do bem; c)Necessárias: As que tem por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

3.3 Bens públicos e particulares

Bens particulares e bens públicos: são respectivamente, os que pertencem a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado e os que pertencem as pessoas jurídicas de direito público, políticas, à União, aos Estados a aos Municípios.

Bens públicos de uso comum do povo: são os que embora pertencentes as pessoa jurídica de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição e gratuitamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial.

Bens públicos de uso especial: são utilizados pelo próprio poder público, constituindo-se por imóveis aplicados ao serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal, como prédios onde funcionam tribunais, escolas públicas, secretarias, ministérios, etc; são os que têm uma destinação especial.

Bens públicos dominicais: são os que compõem o patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios, como objeto do direito pessoal ou real dessas pessoas; abrangem bens móveis ou imóveis.

3.4 Coisas fora do comércio

Bens que estão fora do comércio: os bens alienáveis, disponíveis ou no comércio, são os que se encontram livres de quaisquer restrições que impossibilitem sua transferência ou apropriação, podendo, portanto, passar, gratuita ou onerosamente, de um patrimônio a outro, quer por sua natureza, quer por disposição legal, que permite, por exemplo, a venda de bem público; os bens inalienáveis ou fora do comércio são os que não podem ser transferidos de um acervo patrimonial a outro ou insuscetíveis de apropriação.

3.4.1 Inapropriáveis pela própria natureza

Bens inalienáveis por sua natureza: são os bens de uso inexaurível, como o ar, o mar, a luz solar; porém a captação, por meio de aparelhagem, do ar atmosférico ou da água do mar para extrair certos elementos com o escopo de atender determinadas finalidades, pode ser objeto de comércio.

3.4.2 Legalmente inalienáveis

Bens legalmente inalienáveis: são os que, apesar de suscetíveis de apropriação pelo homem, têm sua comercialidade excluída pela lei, para atender aos interesses econômico-sociais, à defesa social e à proteção de determinadas pessoas; poderão ser alienados, por autorização legal apenas em certas circunstâncias e mediante determinadas formalidades; entram nessa categoria: os bens públicos; os dotais; os das fundações; os dos menores; os lotes rurais remanescentes de loteamentos já inscritos; o capital destinado a garantir o pagamento de alimentos pelo autor do fato ilícito; o terreno onde está edificado em edifício de condomínio por andares; o bem de família; os móveis ou imóveis tombados; as terras ocupadas pelos índios.

3.4.3 Inalienáveis pela vontade humana

Bens inalienáveis pela vontade humana: são os que lhes impõe cláusula de inalienabilidade, temporária ou vitalícia, nos casos e formas previstos em lei, por ato inter vivos ou causa mortis.

3.5 Bens de família

O bem de família é o prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger também valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Podemos classificá-lo como voluntário (convencional) e legal. O primeiro tem previsão legal nos artigos 1711 a 1722 do Código Civil de 2002. Se a entidade familiar desejar tornar um de seus imóveis impenhoráveis, poderá fazê-lo através do instituto do bem de família convencional. Este instituto exige a manifestação de vontade, feita através de escritura pública registrada no Registro Geral de Imóveis, com o intuito de tornar pública esta vontade. Com este ato, o imóvel torna-se impenhorável e inalienável. O bem de família legal é dado por força da lei Lei nº 8.009/90 , e tem por objeto tornar o bem impenhorável, fazer com que ele não seja suscetível de uma apreensão judicial, que não responda pelo não pagamento de uma dívida. O bem de família legal independente da expressão da vontade de seu proprietário. Ante a classificação citada, vejamos o que dizem o Código Civil e a lei 8.009/90 respectivamente:

“Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.”

“Art. 1 O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações,as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

Nas alterações trazidas pelo novo código O bem de família ganhou importância e especial proteção fundada no Princípio da Dignidade da pessoa humana, que determina que toda pessoa deve ter o mínimo necessário para viver com dignidade. Reconhecendo que a moradia é um desses pontos que deve ser garantido minimamente, o legislador o fez constar no rol de direito sociais garantidos pela CF, através da EC nº 26/2000, como vemos:

Art. 1º O artigo 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Diante do que foi acima demonstrado de forma sintética , podemos concluir que o bem de família é o instituto que visa proteger a entidade base da sociedade, que é a família, com os dispostos na Constituição Federal, Código Civil e Lei n. 8009/90, através da proteção de um imóvel para residência familiar, representando segurança e desenvolvimento dos membros que ali residem.

CONCLUSÃO

Não há como ignorar o estudo dos bens jurídicos uma vez que são estes o objeto do direito. Todo negócio jurídico tem por objeto uma pretensão, sendo esta invariavelmente um bem, desta forma, fica claro o porque da imprescindibilidade em conhecermos estes alvos de nossas pretensões e de que forma a direito os classifica e lhes protege.

Em âmbito introdutório foi possível conhecermos a divergência doutrinária existente entre o conceito de bem e coisa, através do posicionamento de alguns dos principais doutrinadores civilistas brasileiros, como Maria Helena Diniz, Ricardo Fiuza, Pablo Stolze, Orlando Gomes e Washington Monteiro de Barros.

Também ficou demonstrado que ao classificar os diversos tipos de bens o legislador leva primordialmente em consideração o caráter econômico que se reflete na valorização das diversas categorias de bens, implicando dizer que existem classes de bens mais e menos importantes para o sistema jurídico dado o caráter valorativo que lhes são atribuídos. Assim observamos que o nosso Código Civil, juntamente com doutrina apresenta diversas classes de bens levando em consideração o referido caráter econômico, e assim temos: a) Bens considerados em si mesmos: bens corpóreos e incorpóreos, bens móveis e imóveis, coisas fungíveis e consumíveis, coisas divisíveis e indivisíveis, coisas singulares e coletivas; b) Bens reciprocamente considerados: bem principal e bens acessórios; c) Bens públicos e particulares; d) Coisas que estão fora do comércio e e) Bens de família.

Por fim, ao estudo da classificação apresentada acima vimos que o Código de 2002 traz duas diferenças pontuais em relação ao código de 1916, uma vez que este trazia textualmente em seu capítulo IV – as coisas que estão fora do comércio e no capítulo V – os bens de família, e no atual o primeiro foi suprimido e o segundo foi transportado para o livro IV que trata do direito de família.

REFERENCIAS

DINIZ, Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

FIÚZA, Cezar. Direito Civil: Curso Completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona, Novo Curso de Direito

Civil, Parte Geral, 8º edição. Volume 1. Saraiva. São Paulo, 2007

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18. ed. Atualizada por Humberto Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V.1: parte geral. 40. ed. Ver. e atual. Por Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

Data de elaboração: outubro/2011