AVAIS E FIANÇAS AO CURSO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL


PorEulampio- Postado em 18 abril 2018

Autores: 
EULAMPIO RODRIGUES FILHO

AVAIS E FIANÇAS AO CURSO DA

 RECUPERAÇÃO JUDICIAL

 

 

Eulampio Rodrigues Filho

Graduado pela Universidade Federal de Uberlândia

Professor de Direito Processual Civil pela Universidade de Ribeirão Preto

Doutor em Direito

Pós-Doutor em Direito

Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos

Advogado

 

 

 

 

Certa pessoa jurídica teve deferido pedido de recuperação judicial pelo Juízo da comarca.

 

Ao curso do processo o Banco X promoveu execuções de títulos extrajudiciais contra seus avalistas.

 

Tais execuções foram admitidas em Juízo, rendendo então, azo à interposição de Agravo de Instrumento pela empresa e pelos executados.

 

Distribuído o recurso, e encaminhados os autos ao desembargador relator, que negou-lhe provimento «in limine», com fundamento aliás em uma corrente jurisprudencial já de antemão combatida expressamente pelos agravantes, aspecto que certamente vedava impedimento de submissão do inconformismo à douta Câmara Cível cujos componentes podem adotar a tese contrária.

 

De fato, o mencionado relator deduziu os seguintes fundamentos em apreciando o recurso:

«Inconformados, afirmam os agravantes, em suma, que a referida decisão não merece prosperar, porquanto não seria possível o prosseguimento da execução no tocante aos executados que figurem como avalistas na cédula de crédito bancário. Nesse passo, argumentam que uma vez deferido o pedido de recuperação judicial, com a consequente novação dos débitos, inexistira razão para que o processo executivo continuasse em seu desfavor.

«Pelo exposto, pugna pela atribuição do efeito suspensivo ao recurso.

«Requer, ainda, que seja dado provimento ao agravo de instrumento, reformando, em definitivo, a decisão agravada.

«É relatório. Decido.

«A matéria discutida no recurso se afigura pacificada pelo c. STJ, pela sistemática dos recursos repetitivos, em sentido contrário ao defendido pela parte agravante, senão confira-se o aresto paradigmático correlato: [Gr.]:

«‘RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DIREITO EMPRESARIAL E CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO E CONCESSÃO. GARANTIAS PRESTADAS POR TERCEIROS. MANUTENÇÃO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DE AÇÕES AJUIZADAS CONTRA DEVEDORES SOLIDÁRIOS E COOBRIGADOS EM GERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 6º, CAPUT, 49, § 1º, 52, INCISO III, E 59, CAPUT, DA LEI N. 11.101/2005. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: ‘A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005". 2. Recurso especial não provido.’ (REsp 1333349/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 26/11/2014, DJe 02/02/2015 - g.n.)»

«Do exposto, com o permissivo encartado no artigo 932, inciso IV, letra ‘b’ do CPC, singularmente nego provimento ao apelo interlocutório. Custas pela parte agravante.

«Belo Horizonte, 10 de abril de 2018.

«Des. Otávio de Abreu Portes

«Relator»

 

Todavia, como já verificado, essa não é posição exclusiva adotada pelo referido Egr. STJ.

 

Vejamos.

 

«5. Juízo universal da recuperação judicial. Vinculação aos princípios da universalidade e da unidade. STJ: ‘..., que assim é definido por Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro, ao comentar o art. 3º da Lei n. 11.101/2005, verbis: ‘O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da unidade tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e contradições. Seria inviável mais de uma recuperação,
por isso a exigência da lei de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos relativos ao devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na competência do juízo da recuperação (...)’ (in Curso Avançado de Direito Comercial. 3. ed. RT, 2006, p. 462)’ (CC n. 114.952-SP, rel. Min.Raul Araújo, j. 14.09.2011).

 

No que diz sobre a questão fundamental, a ilustrada Promotora de Justiça da Bahia, Dra. Ana Paula Bacellar Bittencourt (MP do Estado da Bahia – Web) publicou o seguinte texto na revista da sua classe:

 

«Deve-se aqui registrar que a intenção do legislador, quando dispôs no caput do art. 49, da Lei n° 11.101/2005, que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, não foi outra senão a de abranger a totalidade dos créditos já constituídos.

«Nesse sentido, a lição de Manoel Justino Bezerra Filho, ao comentar as disposições da Lei de Recuperação Judicial de Empresas e Falências:

«‘O art. 49 prevê que estão sujeitos à recuperação os ‘créditos existentes’ na data do pedido - quem está pleiteando um crédito não é titular de ‘crédito existente’, tem apenas expectativa de direito.’ (Lei de Recuperação de empresas e Falências Comentada, 4ª edição, revista, atualizada e ampliada, editora Revista dos Tribunais, pág. 64).

«Dessa forma, não é possível a habilitação de crédito constituído posteriormente ao pedido de recuperação judicial.»

 

A insustentabilidade da tese em sentido contrário

 

Tese em contrário encontra-se mesmo em acórdãos e publicações de grande prestígio.

 

Realmente,

 

«Ao analisar a questão, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que a novação prevista na lei civil é diferente daquela disciplinada na lei 11.101/08. Segundo ele, se a novação civil, como regra, extingue as garantias da dívida, inclusive as reais prestadas por terceiros estranhos ao pacto, a novação decorrente do plano de recuperação, ao contrário, traz como regra a manutenção das garantias, sobretudo as reais, as quais só serão suprimidas ou substituídas mediante aprovação expressa do credor, por ocasião da alienação do bem gravado.

«Por outro lado, a novação específica da recuperação desfaz-se na hipótese de falência, quando então os ‘credores terão reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas’ (art. 61, § 2º).

«Daí se conclui que o plano de recuperação judicial opera uma novação sui generis e sempre sujeita a condição resolutiva, que é o eventual descumprimento do que ficou acertado no plano, circunstância que a diferencia, sobremaneira, daquela outra, comum, prevista na lei civil. (...) (Ac. STJ, REsp. 1.333.349-SP (2012/0142268-4, Rel. Min. Felipe Salomão)» (Migalhas, 7/5/2014).

 

Ao que se nota, as decisões em sentido inverso ao desta tese, i. e., que abrem as portas à execução de garantidores de débitos de responsabilidade de firma beneficiária de concessão de Recuperação Judicial mesmo ao curso desta vêm sustentadas com emprego de recursos afastados do sentido das normas jurídicas apropositadas.

 

Observe-se que abertura de cabouco para se admitir execução de títulos de garantias cambiais ou reais ligados a titularidade «objeto» de «concordata» dá-se mediante criação e aplicação de artifício impróprio, desadequado, «ut» se vê em continuação.

 

Indubitável que a justificativa, e não recursos científicos exigidos, que se tem usado para fuga ao sentido legal da norma não têm revelado acerto que permita se dê como correta e justa a análise aí empreendida.

 

De fato, para tanto utilizam-se, por exemplo, da expressão latina: «sui generis»,que na acepção vulgar significa ímpar, característico, i.e., mediante indicação de que a «novação» empregada no caso não é aquela que se extrai da ordem civil, com fundamento reiterado em que nesse caso a «novação» é «sui generis», como se vê do raciocínio expresso pelo Min. Felipe Salomão.

 

Mas parece que assim o fenômeno não se apresenta em determinada «forma jurídica», porque a novação não é consagrada como passível de existência na configuração legal do Código Civil (única) e ao mesmo tempo na forma «sui generis» como «outra categoria».

 

Indaga-se: e se se admitir sinônimo de «sui generis» como «único em sua espécie», que é correto?

 

A operação, à evidência não vem para desnaturar o instituto da recuperação judicial, mas para fazê-lo existente e prestante.

 

Aí se encontra mais segurança na idéia que ora se defende, de que a recuperação judicial susta o vencimento dos débitos da empresa recuperanda e dos respectivos garantes, pois como ocorre na ordem civil, o credor, no caso, não recebe a prestação, mas continua titular do direito de crédito, sujeito aos efeitos da Lei Recuperatória.

 

E, como no caso não há «classificação» a fazer, a interpretação literal nada mais permite que a reprodução do texto legal, que é o quanto basta para se sustentar a «novação» como mola propulsora da suspensão da execução de títulos devidos pela recuperanda e seus garantidores, sobretudo porque a Lei não lhes faz distinção para semelhante efeito.

 

«Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus»

 

Para encerrar o tema, invoca-se lembrança extraída da dissertação de mestrado defendida por Thiago Peixoto Alves, perante banca da USP:

 

«No entanto, ao nosso sentir, essa interpretação não pode ser transportada, de maneira singela, para os efeitos da aprovação do Plano de Recuperação para os garantidores pessoais, pois, neste segundo caso, ocorre o fenômeno da novação, o qual possui consequências próprias previstas em lei, mormente no Código Civil, onde está prevista a extinção das garantias da obrigação principal novada, conforme art. 364 deste diploma legal (vide ...).»

 

Decisão equivocada

 

Ao que se vê da decisão referida «ab initio», ao agravo foi negado seguimento com esteio nas seguintes disposições legais:

 

«CPC

«Art. 932 – Incumbe ao relator:

«(...)

«IV – negar provimento a recurso que for contrário a:

«(...)

«b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recurso repetitivo. (...)

 

Não padece dúvida de que ao profissional do Direito afigura-se claro que os dois fenômenos incidentes na hipótese não são idênticos, e o verdadeiramente incidente não se resolve com emprego da fórmula adotada na referida decisão ceifeira.

 

A matéria submetida ao recurso diz sobre a existência de duas correntes jurisprudenciais antagônicas, e a da previsão legal (CPC, art. 932-IV-b) estabelece regime recursal concernente a decisões repetitivas que não é a da  hipótese carreada à tese.

 

Sobre o tema, então, exsurgem dois aspectos relevantes:

 

  • Apresenta-se para estudo caso em que necessária adoção de matéria jurídica em debate perante 2 (duas) correntes jurisprudenciais, que ao des. relator não cabe impedir à Egr. Câmara Cível de apreciar e julgar e; 

 

  • A decisão «supra referida» resolveu expressamente, e equivocadamente como se a matéria trazida à liça pertencesse à classe dos recursos repetitivos, que traduz fenômeno jurídico diverso.