Análise comparativa da sistemática do recurso especial repetitivo e da repercussão geral do recurso extraordinário


PorJeison- Postado em 01 abril 2013

Autores: 
CASSEPP, Alexandre Azambuja.

 

A sistemática dos “recursos especiais repetitivos”, também chamada de “julgamento por amostragem de recursos especiais”, foi inaugurada pela Lei Federal 11.672/2008, que acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil.

 

Trata-se de mecanismo para julgamento de demandas de massa, através da qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisa, por amostragem, questão de direito posta em uma multiplicidade de recursos com idêntico fundamento. Cabe, primordialmente, aos presidentes dos tribunais de segunda instância, a seleção dos recursos mais representativos da controvérsia, sobrestando os demais até o julgamento definitivo do STJ (art. 543-C, § 1°, do CPC). Nos termos do art. 1º, § 1º, da Resolução n.º 08/2008 do STJ, entendem-se como “mais representativos da controvérsia” os processos que contiverem a maior diversidade de fundamentos no acórdão e de argumentos no recurso especial.

 

Caso os tribunais não procedam na seleção dos recursos especiais repetitivos, poderá o relator no STJ determinar, ex officio, a suspensão dos processos nos tribunais de segunda instância, nos casos em que já exista jurisprudência dominante ou que a matéria já esteja afeta ao colegiado a que pertence. Contra a decisão do tribunal de origem que determina a suspensão dos demais processos não selecionados para encaminhamento ao STJ, segundo Freddie Diddier[1]e Marinoni[2](fl. 572), cabe reclamação ou agravo de instrumento, diante do princípio da instrumentalidade das formas (princípio da fungibilidade). Segundo o primeiro doutrinador, até mesmo medida cautelar seria admissível.

 

Julgados os recursos especiais destacados, os que ficaram sobrestados terão seguimento denegado, caso a decisão recorrida coincidir com a decisão do STJ ou serão novamente analisados, caso divergir da decisão da Corte Superior (art. 543-C, § 7º, do CPC).

 

Feitas essas breves considerações acerca dos recursos especiais repetitivos, ingressa-se NA comparação entre os “recursos especiais repetitivos” e a repercussão geral do recurso extraordinário.

 

Os “recursos especiais repetitivos” se assemelham à repercussão geral do recurso extraordinário principalmente porque ambos são metodologias através das quais se busca a construção de um processo justo, mediante a prestação de uma tutela jurisdicional em prazo razoável, com uma racionalização da atividade judiciária. São medidas integrantes do conjunto de alterações legislativas que se iniciaram com a Emenda Constitucional n.º 45/2004[3]e que têm a sua constitucionalidade respaldada no direito fundamental à celeridade processual e à razoável duração do processo. Nessa linha, é o entendimento do Ministro Gilmar Mendes: “Estes mecanismos buscam prestar uma jurisdição mais célere e é uma das soluções propostas para minimizar a crise do recurso especial instaurada” [4].

 

Nesse diapasão, as sistemáticas visam, primordialmente, a redução de recursos extraordinários a serem analisados no Supremo Tribunal Federal (STF) e de recursos especiais no Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso do STF, a redução diz respeito ao exame do mérito dos recursos extraordinários, haja vista que a definição quanto à repercussão geral da questão constitucional discutida cabe à Corte Constitucional, ao contrário do que ocorre nos recursos especiais repetitivos, em que apenas alguns são selecionados para apreciação no STJ, permanecendo os demais sobrestados nos tribunais de origem.

 

Por representarem “órgãos de superposição”, ou seja, “embora não pertençam a qualquer Justiça, as suas decisões se sobrepõem às decisões proferidas pelos órgãos inferiores das Justiças comum e especial” [5], entende-se que o STF e o STJ devem dispor de mecanismos como esses para que a guarda da Constituição Federal e das Leis Federais se efetive de maneira qualificada e eficaz. Com a aplicação desses institutos, as decisões, teoricamente, passam a ter uma maior qualidade, uma vez que as Cortes poderão concentrar seus empenhos em um número mais reduzido de processos. A redução dos recursos tramitando no STJ após a instituição da sistemática dos “recursos repetitivos” já pode ser demonstrada estatisticamente, consoante se depreende de reportagem divulgada pela Corte no endereço http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93018.

 

Além disso, dentro da repercussão geral do recurso extraordinário, resta estabelecido um procedimento que guarda uma evidente similitude com os “recursos especiais repetitivos”: trata-se dos “recursos extraordinários repetitivos”. Ele está previsto no art. 543-B do CPC (introduzido pela Lei 11.418/2006) e teve suas regras reproduzidas pelos “recursos especiais repetitivos”. Em especial, no tocante à determinação para que, em caso de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia: 1) o tribunal de origem proceda na seleção dos recursos mais representativos das discussões em questão, cujo julgamento se dará por amostragem (art. 543-B, § 1º e art. 543-C, §1º, CPC); 2) julgado o recurso selecionado, os outros que foram sobrestados na origem, tenham seguimento denegado, caso a decisão recorrida coincidir com a posição da Corte Superior, ou sejam novamente examinados, caso o acórdão divergir da orientação da Corte (§ 3º e §7º); 3) em caso de sobrestamento equivocado, o meio de impugnação seja a reclamação, o agravo de instrumento ou, segundo Fredie Didier, medida cautelar. Há também identidade procedimental entre os institutos relativamente à admissão do ingresso do amicus curiae (art. 543-A, § 6º e art. 543-C, § 4º, CPC).

 

Em que pese os recursos especiais e extraordinários veiculem questões de interesse particular das partes, a partir da instituição dessas sistemáticas de racionalização judiciária, os procedimentos passaram a ter caráter objetivo e de profundo interesse público. Isso porque, as decisões tomadas pelas Cortes Superiores atingirão inúmeros indivíduos: além daqueles que são partes no processo, os que tiveram os processos sobrestados, no caso dos “recursos especiais repetitivos”, ou os que não terão o seu recurso extraordinário apreciado pelo STF, por não ter sido reconhecida a repercussão geral na questão de direito idêntica a sua.

 

Sucintamente, são esses os pontos de convergência entre os institutos dos “recursos especiais repetitivos” e da repercussão geral do recurso extraordinário.

 

Além disso, pode-se afirmar que a Lei 11.672/2008, que instituiu os “recursos especiais repetitivos”, não alterou as hipóteses de cabimento dos recursos especiais. Até porque, as hipóteses de cabimento dos recursos especiais têm assento constitucional (art. 105, inciso III, da Constituição Federal) e não podem ser modificadas por normas infraconstitucionais. Nesse sentido, o ensinamento de Araken de Assis[6]:

 

A disciplina do cabimento do recurso especial deriva diretamente da CF/1988. Leis de hierarquia inferior não podem restringir, modificar ou ampliar, no todo ou em parte, o regime constitucional. Todavia, o procedimento do recurso especial e as demais condições de admissibilidade (...) podem ser legitimamente estipuladas na lei ordinária, seja a geral (CPC), seja a extravagante (...).

 

Em síntese, conclui-se que a Lei 11.672/2008 não alterou as hipóteses de cabimento dos recursos especiais e que são inúmeros os pontos de semelhança entre os “recursos especiais repetitivos” e a repercussão geral do recurso extraordinário, sobretudo o propósito de redução da demanda no STF e no STJ, em paralelo com a busca de uma Justiça mais célere e racional.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Juspodivum, Salvador, 2009.

 

MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil. São Paulo: RT, 2008.

 

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

 


[1] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 7. ed. – São Paulo: Juspodivum, Salvador, 2009, p.319.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 572.

[3] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 1.493.

[4] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p.1019.

[5] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 465.

[6]ASSIS, Araken. Manual dos recursos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42720&seo=1>