AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ENQUANTO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS1


Pormarianajones- Postado em 02 junho 2019

Autores: 
Magno Federici Gomes
Igor Jotha Soares

A matéria publicada nesse periódico é licenciada sob forma de uma Licença Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/ Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index ISSN on-line: 1982 - 9957 DOI: 10.17058/rdunisc.v3i56.11465

AÇÃO POPULAR AMBIENTAL ENQUANTO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS1

POPULAR ENVIRONMENTAL ACTION AS AN INSTRUMENT FOR THE PROMOTION OF SUSTAINABILITY IN PUBLIC CONTRACTS

Magno Federici Gomes2

Igor Jotha Soares2

Recebido em: 13/12/2017 Aceito em: 10/01/2019

Resumo: A sustentabilidade ambiental é princípio vinculante nas atividades administrativas desde a promulgação da Constituição da República de 1988 (CR/1988). No entanto, depois de inserido no art. 3° da Lei nº 8.666/1993 pela Lei nº 12.349/2010, a sustentabilidade é premissa cogente nas contratações públicas. Nessa senda, a ação popular, como medida de controle do ato administrativo, pode viabilizar a implantação das licitações sustentáveis. É o que este artigo se propõe a investigar. Adota-se o método analítico e interpretativo, bem como pesquisa descritiva e de levantamento bibliográfico. Conclui-se que é possível ação popular ambiental para implantação da sustentabilidade nas licitações.

Palavras-chave: Sustentabilidade ambiental. Contratações públicas sustentáveis. Ação popular ambiental. Controle do ato administrativo. Possibilidade. federici@pucminas.br igorjotha@gmail.com

Abstract: Environmental sustainability has been a binding principle in administrative activities since the promulgation of the Constitution of 1988. However, after being inserted in art. 3 of Act 8.666/93 by Act 12.349/2010 sustainability is a cogent premise in public contracting. In this way, popular action, as a measure of control of the administrative act, can make feasible the implementation of sustainable biddings. This is what this article proposes to investigate. The analytical and interpretative method is adopted, as well as a descriptive and bibliographical survey. It is concluded that it is possible to promote environmental action for the implementation of sustainability in the bids.

Keywords: Environmental sustainability. Sustainable public contracting. Environmental popular action. Control of the administrative act. Possibility.

1. INTRODUÇÃO

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado necessário à sadia qualidade de vida é direito fundamental de terceira dimensão, inalienável, imprescritível e de caráter universal, inclusive das futuras gerações. A dicotomia entre crescimento econômico e preservação ambiental é tema de recentíssima discussão em cenário internacional, e que se coloca a reflexão para a necessária compreensão de que as diretrizes econômicas do capitalismo carecem de mudanças. 1 Trabalho financiado pelo Projeto FAPEMIG nº 5236-15, resultante dos Grupos de Pesquisas (CNPQ): Regulação Ambiental da Atividade Econômica Sustentável (REGA), NEGESP e CEDIS (FCT-PT). 2 Escola Superior Dom Helder Câmara – USDHC – Belo Horizonte – Minas Gerais - Brasil Revista do Direito Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 18 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Portanto, o Direito tem um papel protagonista enquanto forma de controle social nessa seara. As diversas normativas internacionais sobre o tema, desde a Conferência de Estocolmo de 1972, corroboraram a regulamentação interna dos diversos Estados nacionais. No Brasil, o desenvolvimento nacional sustentável é fundamento da República, isto, pois todo o arcabouço jurídico nacional tem como fonte a Constituição de República de 1988 (CR/1988) que, em seu art. 225, regulou as questões ambientais. Deste modo, as ações estatais rumo ao desenvolvimento sustentável necessitam ser cada vez mais conscientizadas e compreendidas por todos, especialmente pelo Poder Público. O princípio da sustentabilidade ambiental é norma vinculante, especialmente nas contratações públicas, nas quais o Poder Público detém as rédeas para conduzir no sentido de que o mercado crie novos nichos rumo ao equilíbrio ambiental. As licitações sustentáveis surgem com a incumbência de se criar medidas que cooperem com o meio ambiente por intermédio das ações administrativas. As atividades administrativas na condução das contratações públicas devem prever ações ambientais sustentáveis, sob pena de se violar o sistema principiológico de proteção ambiental, ocasionando atos lesivos ao meio ambiente. Nesse cenário, surge a ação popular ambiental enquanto instrumento de controle dos atos administrativos que causem lesividade ambiental. O presente artigo pretende trabalhar a hipótese de que é possível manejar ação popular ambiental para controle dos atos administrativos lesivos ao meio ambiente na instauração de licitações insustentáveis, o que ora se problematiza. O tema é de soberana estima para a atividade administrativa. Dessa forma, o objetivo é demonstrar que a ação popular ambiental é instrumento hábil ao controle dos atos administrativos no âmbito das licitações e que causem ou potencialmente possam causar danos ambientais. Adotar-se-á o método analítico e interpretativo, bem como pesquisa descritiva e de levantamento bibliográfico. O presente trabalho possui como marco teórico a obra de Freitas (2012). O trabalho desenvolve-se em três capítulos. No primeiro, aborda-se suscintamente sobre o desenvolvimento nacional sustentável. O segundo traz um estudo sobre as contratações públicas sustentáveis. O terceiro faz um breve estudo sobre a ação popular ambiental. E, por fim, o quarto trata sobre aplicação da ação popular ambiental para se garantir a implementação das licitações sustentáveis.

2. DESENVOLVIMENTO NACIONAL SUSTENTÁVEL

O elevado apreço na tratativa das questões ambientais é preocupação inerente em âmbito planetário. De fato, na história da humanidade nunca se cuidou do meio ambiente como hodiernamente. 19 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Existia um campo inócuo sobre o tema e as preocupações surgem após a maturidade da humanidade no reconhecimento dos direitos humanos ou direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensão, nesta última inserido o direito ao meio ambiente equilibrado ecologicamente. Após a segunda guerra mundial e o desenrolar das fases da Revolução Industrial, a inquietação se alarga. As degradações ambientais de grande magnitude começaram a surgir, e, nesse sentido, a Organização das Nações Unidas (ONU) sentiu-se responsável em protagonizar o tema na esfera mundial. A partir daí, nasceu a primeira Cúpula mundial para tratar sobre o meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, na Suécia, convocada pela ONU em 1972. Novas perspectivas germinam no que diz respeito a aspectos ambientais. Costa (2016) assim elucida: A principal Conferência Internacional ocorreu em Estocolmo, na Suécia, em 1972, designada como Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente Humano. A Conferência de Estocolmo foi motivada por vários aspectos. Em nível mundial, pode-se citar as bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. O pós-guerra também trouxe em seu arcabouço inúmeras consequências negativas. Uma delas foi o desenvolvimento acelerado de vários países, que inclusive mudou a base produtiva primária para um processo de industrialização, sem planejamento adequado, trazendo implicações internas e internacionais, pois a natureza não reconhece os limites traçados pelo homem (COSTA, 2016, p. 46). Nesse diapasão, a partir da década de 1970 o crescimento econômico exacerbado e a qualquer custo começou a ser questionado. A necessidade de se criar parâmetros baseados na racionalidade econômica é evidente tendo em vista a gravidade que se coloca a crise ecológica. Sobre a Declaração de Estocolmo, Bizawu e Gomes (2016) ilustram: In fact, the preamble of the Declaration of Stockholm on the Human Environment (1972) highlights “the need for a common outlook and for common principles to inspire and guide the peoples of the world in the preservation and enhancement of the human environment.” The progress of Science and Technology with the power to transform the environment is recognized as being “essential to well-being and to the enjoyment of basic human rights and the right to life itself” [STOCKHOLM, 1972] (BIZAWU; GOMES, 2016, p. 19-20)3 . Nesse sentido, a ideia de sustentabilidade proclamada na Conferência de Estocolmo de 1972 começa a tomar contornos na conhecida Comissão Brundtland, criada pela ONU em 1983. Tal 3De fato, o preâmbulo da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Humano (1972) destaca "a necessidade de uma visão comum e de princípios comuns para inspirar e orientar as pessoas do mundo na preservação e na melhoria do ambiente humano". O progresso da ciência e da tecnologia com o poder de transformar o meio ambiente é reconhecido como "essencial para o bem-estar e para o gozo dos direitos humanos básicos e do direito à vida" [STOCKHOLM, 1972] (BIZAWU; GOMES, 2016, p. 19-20, tradução própria). Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 20 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Comissão tinha por escopo estabelecer um relatório sobre as questões ambientais e relacionadas ao desenvolvimento. Por sua vez, outra importante reunião internacional apregoada pela ONU é a Rio-92. Segundo Padilha (2010, p. 18) “a Rio92 ou Cúpula da terra, convocada para elaborar estratégias e medidas, com a finalidade de deter os efeitos da degradação do meio ambiente e, sobretudo, para alcançar um desenvolvimento sustentável e racional em todos os países”. Tal Conferência resultou na “Declaração do Rio sobre Meio ambiente e Desenvolvimento” que em seu Princípio 4 diz que a proteção ambiental integra o desenvolvimento. Todavia, muitas outras ações da ONU difundiram a noção de desenvolvimento sustentável, pode-se citar: a Agenda 21, a Declaração de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável das Florestas, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção sobre Mudança do Clima (CSMC). A sustentabilidade ambiental passa a ser a diretriz, o equilíbrio entre o crescimento econômico versus a preservação ambiental para as gerações presentes e as futuras. Freitas (2012) conceitua sustentabilidade: [...] trata-se de princípio constitucional que determina, com eficácia direita e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar (FREITAS, 2012, p. 41). Para Freitas (2012) a noção de sustentabilidade do relatório Brundtland deve ser ampliada. Segundo o autor (2012) “[...] o conceito do Relatório não se mostra suficiente, nem adianta acrescentar, como fez Robert Solow, que a sustentabilidade determinaria que a nova geração mantivesse o mesmo padrão de vida da geração atual, assegurando esta condição para a geração subsequente” (FREITAS, 2012, p. 47). Para ele (2012) é preciso “deixar nítido que as necessidades atendidas não podem ser aquelas artificiais, fabricadas ou hiperinflacionadas pelo consumismo em cascata” (FREITAS, 2012, p. 47). A ONU, em 2012, convocou a Rio+20. O pano de fundo da Cúpula era uma avaliação do desenvolvimento sustentável no mundo nos últimos anos. Resultou nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), criados em 2015, consubstanciando-se na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, instituindo um plano de ações planetário para os anos seguintes. No Brasil, a agenda ambiental é medida que se impõe diante da vasta normatização do tema tanto em âmbito constitucional quanto infraconstitucional. A lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938̸1981) inaugurou no País a política de proteção ambiental. Posteriormente, a CR/1988 inovou no cenário jurídico ao trazer as questões ambientais em capítulo próprio. 21 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index O art. 225 da CR̸1988 garante o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo dever de todos a preservação. Por sua vez, a dignidade da pessoa humana enquanto fundamento da República brasileira só será alcançada com o equilíbrio ambiental necessário à sadia qualidade de vida. Dentre as várias ações que consideram as questões ambientais no âmbito das atividades administrativas, destaca-se a Agenda Ambiental da Administração Pública, comumente conhecida como A3P. Trata-se de um projeto criado pelo Ministério do Meio Ambiente que sensibiliza toda a gestão pública em todos os níveis de governos, estimulando a incorporação de princípios e critérios de gestão ambiental em suas atividades. Nesse contexto, entre as ações e etapas de implantação da A3P, destaca-se as licitações sustentáveis. Segundo Abreu e outros (2012): Licitações sustentáveis – a Administração Pública deve promover a responsabilidade socioambiental nas suas compras. Licitações que levem à aquisição de produtos e serviços sustentáveis são importantes não só para a conservação do meio ambiente, mas também apresentam uma melhor relação custo-benefício a médio ou longo prazo quando comparadas às que se valem do critério de menor preço (ABREU et al, 2012, p. 161). Portanto, as contratações públicas enquanto uma das atividades administrativas mais utilizadas no dia-a-dia da gestão pública torna-se responsável ao prestígio da sustentabilidade ambiental, na medida em que tais contratações proporcionam externalidades positivas na tutela ambiental.

3. CONTRATAÇÕES PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS

A Administração Pública tem por escopo o interesse público. O interesse público, por sua vez, é realizado por intermédio das diversas atividades administrativas. Por conseguinte, a licitação é a atividade administrativa destinada às contratações públicas. De forma cogente, a licitação destina-se a selecionar a proposta mais vantajosa ao interesse público. O art. 37, inciso XXI, da CR/1988 torna obrigatória a licitação, nesses termos: Art. 37 da CR/1988. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (BRASIL, 1988). Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 22 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index A licitação, portanto, é o procedimento administrativo que visa a contratação com o Poder Público, selecionando-se a melhor proposta, em observância às regras e princípios. Justen Filho (2016) assim conceitua licitação: A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos visando a seleção da proposta de contratação mais vantajosa e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica (JUSTEN FILHO, 2016, p. 335-336). A perspectiva da sustentabilidade ambiental trouxe consigo uma infinidade de mudanças de paradigmas. Dentre eles, as licitações sustentáveis, haja vista as inovações trazidas pela Lei nº 12.349/2010, que abarcou entre as diretrizes aplicáveis às licitações públicas o princípio do desenvolvimento nacional sustentável. Assim sendo, a lei de licitações (Lei nº 8.666/1993), com essa nova diretriz, conceitua licitação: Art. 3o da Lei nº 8.666/1993. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (BRASIL, 1993). Justen Filho (2016) afirma que a Lei nº 12.349/2010 introduziu expressivas alterações nas licitações visando-se, assim, o desenvolvimento econômico sustentável. As licitações são importantes ações na dinâmica e no fomento da economia do País, já que a Administração despende cerca de 600 bilhões de reais em contratações públicas, isto é, aproximadamente 15% do PIB. Assevera Freitas (2012, p. 236-237) que “sem dúvida, existem atividades que provocam mais danos do que valor agregado. Não são tais atividades que o Estado Constitucional colima incentivar nas contratações da Administração Pública”. Segundo Ferreira (2012): Ocorre que, para além do consumidor individual, o Estado assume viés diretor, norteador do mercado em direção a este ou aquele produto. Não apenas sob o aspecto de vitrina, visualização e marketing realizado pelo Estado em razão da maior exposição do produto, mas também em razão do valores envolvidos, da dimensão tomada pelas compras públicas, haja vista que hoje se estima em torno de 16% do Produto Interno Bruto (PIB) como valor das compras públicas no Brasil (FERREIRA, 2012, p. 85). Bliacheris (2011, p. 138) articula que “a introdução de critérios de sustentabilidade nas contratações públicas representa um novo modelo de agir do Estado que responde a um anseio social de viver com menor impacto no meio ambiente”. 23 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index A tratativa do princípio da sustentabilidade ambiental nas licitações públicas ocorre com o advento de algumas normas. Cita-se a lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC (Lei nº 12.187/2010), a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (Lei nº 12.305/2010) e a lei nº 12.349/2010, esta última, insere a promoção do desenvolvimento nacional sustentável enquanto diretriz das licitações. Pois bem. A lei da PNMC e a lei da PNRS, respectivamente, nos art. 6°, inciso XII e art. 7°, inciso XI, fazem alusão a critérios de preferência ou prioridade nas licitações públicas. Tais leis dão exemplos do que poderia servir de modelo para se alcançar a sustentabilidade nas contratações públicas. Segundo Ferreira (2012): A nova Lei de Resíduos Sólidos tem por objetivo estimular a produção e o consumo sustentável, através da redução na geração de resíduos, especialmente a partir de medidas relacionadas à reciclagem e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, bem como por meio de um controleresponsabilização exercido desde a produção de bens até o seu descarte. A Lei de Mudança do Clima, ao estabelecer a preferência nas licitações para produtos que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais, bem como a favor da redução de resíduos, vem a ser fortalecida pela nova lei de resíduos sólidos [...] (FERREIRA, D., 2012, p. 126). Todavia, a Lei nº 12.349/2010 inovou no cenário jurídico ao inserir no art. 3° da Lei nº 8.666/1993 a promoção do desenvolvimento nacional sustentável entre as diretrizes a serem alcançadas nas licitações, portanto, traçou parâmetros para as licitações em todo o País, vinculando todo o Estado no exercício da atividade administrativa. Entrementes, o novo Direito administrativo, conforme apregoado por Freitas (2012, p. 233- 234), deve ser direcionado ao direito fundamental à boa administração que, em última análise, deve considerar a sustentabilidade. Portanto, segundo o autor (2012, p. 234) as licitações necessitam “incorporar, ao escrutínio das propostas, os incontornáveis critérios paramétricos de sustentabilidade para ponderar, de maneira motivada, os custos e os benefícios sociais, ambientais e econômicos” (FREITAS, 2012, p. 234). Contudo, a inserção de critérios de sustentabilidade nas licitações “não se trata de simples faculdade, tampouco de modismo passageiro, como teima em objetar o conservadorismo redutor” (FREITAS, 2012, p. 234). Trata-se de premissa cogente, pois a aplicação do princípio da sustentabilidade ambiental é norma imperativa. Portanto, a contratação pública que não considerar a sustentabilidade ambiental enquanto norte a ser seguido estará inquinado de ilegalidade, causando prejuízo ambiental. O ato lesivo ao meio ambiente estará sujeito a controle jurisdicional. Tal controle é aferido por intermédio da ação popular que visa a anulação do ato lesivo ao meio ambiente, premissas centrais dos capítulos a seguir. Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 24 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index

4. AÇÃO POPULAR AMBIENTAL – NOÇÕES GERAIS

A ação popular está regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 4.717̸1965. É tida como um dos remédios jurisdicionais mais antigos na tutela dos direitos coletivos. Segundo Fiorillo (2012), “a ação popular é característica nos regimes democráticos, e tem-se notícia de sua existência no direito romano [...]” (FIORILLO, 2012, p. 249). Rodrigues (2011) corrobora com a tese dizendo que “a ação popular nasceu no direito romano antes mesmo de ter a noção de Estado [...]” (RODRIGUES, 2011, p. 94). Sobre a ação popular ambiental, Fiorillo (2012) diz o seguinte: Nesse compasso, observou-se a sua utilização, no direito romano, como instrumento para a defesa de interesses difusos, constituindo ações de natureza privada. O direito defendido pela ação popular era aquele que não correspondia ao indivíduo enquanto particular, mas sim como membro da comunidade. Com isso, nota-se que a ação popular em sua gênese já se adaptava à proteção do meio ambiente, não sendo propriamente novidade a sua introdução em nosso ordenamento jurídico, a saber, no art. 5°, LXXIII, da Constituição Federal, com essa finalidade (FIORILLO, 2012, p. 249-250). O objeto da ação popular está previsto no art. 5°, inciso LXXIII, da CR̸1988, que dispõe que qualquer cidadão será parte legítima para ingressar em juízo visando a anulação de ato lesivo “ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência” (BRASIL, 1988). Nota-se que a ação popular se presta a tutela de bens difusos como o meio ambiente (FIORILLO, 2012, p. 252). Portanto, todo e qualquer ato administrativo lesivo ao meio ambiente será objeto de controle judicial, pois esta ação é, segundo Rodrigues (2011, p. 95), “ontológica e teleologicamente voltada ao controle dos atos da administração pública [...]”. Nessa perspectiva, segundo a doutrina, a ação popular possui dois requisitos fundamentais. Conforme Rodrigues (2011, p. 95): “a regra extraída do art. 5°, LXXIII, da CR̸88 é a de que se faz necessária a existência de dois requisitos fundamentais para a utilização da ação popular: invalidade do ato e sua lesividade”. Segundo a doutrina, os requisitos ensejadores da ação popular ambiental serão o ato inválido e a lesividade ao meio ambiente. Não obstante, essa discussão doutrinária encontra-se ultrapassada, pois segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) a lesividade do ato já é objeto da ilegalidade̸ lesividade. Sobre o tema, assim elucida Wedy (2015): Existe discussão doutrinária sobre a necessidade da presença do binômio lesividade- ilegalidade do ato para que uma ação popular possa ser julgada procedente. Em sede de jurisprudência o entendimento histórico do egrégio STF era de que a lesividade e ilegalidade deveriam ser provadas uma e outra, de forma independente, para que a ação popular pudesse ser julgada procedente. Neste sentido leading case que teve o voto condutor do Ministro Djaci Falcão. Todavia, nos dias atuais, em sede de jurisprudência, 25 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index o egrégio STF evoluiu e tem entendido que a lesividade do ato está implícita no próprio conceito de ilegalidade (WEDY, 2015, internet). A ação popular é cabível em face tanto de atos comissivos quanto atos omissivos, pois segundo Fiorillo (2012, p. 255) “a palavra ato deve, pois, ter um conteúdo mais elástico, [...], porquanto é imposto ao Poder Público o dever constitucional de prevenção e proteção do meio ambiente”. A legitimidade ativa para a propositura da ação popular é de qualquer cidadão. É o que consta no art. 1°, § 3°, da Lei nº 4.717̸1965. Sabe-se que cidadão é o indivíduo que detém a inscrição eleitoral (título de eleitor) e está quite com essas obrigações. No entanto, para Fiorillo (2012, p. 252) o conceito de cidadão deve ser ampliado na ação popular ambiental, pois “em sendo de todos os bens ambientais, nada mais lógico que não só o eleitor quite com a Justiça Eleitoral, mas todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País possam ser rotulados cidadãos para fins da propositura da ação popular ambiental” (FIORILLO, 2012, p. 252). Porém, tal posicionamento é minoritário e não possui bases jurisprudenciais. Segundo Wedy (2015): Referido entendimento não encontra respaldo na jurisprudência e na doutrina nacional dominante que exigem o título de eleitor para o ajuizamento da ação. Este posicionamento – exigência do título eleitoral para o ajuizamento da ação popular ambiental – é o que melhor se coaduna com o texto constitucional. A pessoa jurídica, obviamente, não tem legitimidade para ajuizar a ação popular como já sumulado pelo STF [Enunciado 365] (WEDY, 2015, internet). A legitimidade passiva, na ação popular ambiental, é de toda pessoa responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente de acordo com o conceito de poluidor, constante da lei da PNMA. O art. 3°, inciso IV, da referida lei diz que poluidor é toda “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (BRASIL, 1981). Portanto, todos aqueles que causarem dano ambiental, direta ou indiretamente, serão legitimados passivos na ação popular ambiental. O juízo competente para julgar a ação popular ambiental será o lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano ambiental, independentemente de onde o ato teve sua origem (FIORILLO, 2012, p. 255). Os pedidos na ação popular ambiental são condenatórios eventuais, ou seja, somente ocorrerá a correção da lesão caso seja acolhida a pretensão de decretação de invalidade do ato administrativo. Sobre o tema, Wedy (2015) assim elucida: A sentença de procedência na ação popular é marcada por sua eficácia desconstitutiva e condenatória. O juiz ao sentenciar decreta a invalidade do ato impugnado e condena os responsáveis pela ação ou omissão lesiva ao ambiente, ou beneficiários diretos, ao pagamento por perdas e danos [art. 11] e reparação/recomposição do bem ambiental agredido. É bem verdade que a sentença também possui eficácia declaratória, todavia, valendo-se aqui da classificação quinária das ações de Pontes de Miranda, frisa-se, que a eficácia preponderante da sentença efetivamente é desconstitutiva e condenatória (WEDY, 2015, internet). Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 26 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Contudo, interessante salientar sobre o instituto da coisa julgada secundum eventum robationis. Trata-se de uma medida positivada no art. 18 da lei de ação popular que diz que em caso de improcedência do pedido por falta de provas, não recaia coisa julgada material, podendo-se propor a ação novamente, com o surgimento de novas provas.

5. CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR AMBIENTAL PARA EFETIVAÇÃO DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS SUSTENTÁVEIS

A ação popular ambiental consubstancia-se no exercício da democracia. Com isso, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito e dever de todos, portanto, a efetivação das contratações públicas sustentáveis pode e deve ser exercida pelo cidadão. De acordo com Freitas (2012, p. 31) “o princípio do desenvolvimento sustentável (ou da sustentabilidade, como se prefere), levado bom termo, introduz gradativa e plasticamente, na sociedade e na cultura, um novo paradigma [...]”. Com isso, ainda segundo o autor (2012), existe uma nova responsabilidade do Estado na implementação desse novo paradigma da sustentabilidade, lado outro o “Estado prosseguirá parasitário, com a crônica incapacidade de pensar a longo prazo e, pior, comportando-se como se fosse uma espécie exótica invasora nas relações com a sociedade” (FREITAS, 2012, p. 264). Destarte, o Estado é um ser inanimado e faz as suas vontades por intermédio de seus agentes. É a consagrada teoria do órgão, a qual determina que os atos dos agentes públicos são imputados ao órgão de que fazem parte. Nessa perspectiva, surgem mecanismos judiciais para se controlar os atos dos agentes públicos e em última análise do próprio Estado, quando se trata da promoção do desenvolvimento nacional sustentável enquanto políticas públicas. A judicialização de políticas públicas é tema recorrente na prática forense hodierna, notadamente na seara da saúde e meio ambiente. Entrementes, já entendeu o STF que a inércia do Poder Executivo em cumprir uma determinação constitucional não serve de subterfúgio à alegação de violação ao princípio da separação dos Poderes. Nesse sentido, as políticas públicas em matéria ambiental podem também sofrer o controle judicial, quando a ação ou omissão do administrador público representa concepções antiquadas na preservação ambiental. Dentre as várias medidas jurídicas de tutela do bem ambiental pode-se citar o mandado de segurança ambiental, mandado de injunção ambiental, ação civil pública ambiental e a ação popular ambiental. Destaca-se esta última em razão de seu objeto e legitimidade ativa proporcionar, ao cidadão, o adequado meio de controle do ato administrativo lesivo ao meio ambiente. Conforme já explanado, as licitações sustentáveis são diretrizes cogentes para toda a administração pública licitante. O argumento de carência regulatória não impede a aplicabilidade da 27 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index sustentabilidade ambiental, pois tal princípio está positivado no art. 3° da lei de licitações e tem base no art. 225 da CR̸1988. Para Freitas (2012, p. 237) “o Estado-Administração tem o dever de aplicar a Lei Fundamental de ofício, construindo e reconstruindo as regras instrumentalmente voltadas e vivificar o princípio constitucional da sustentabilidade, entendido em consórcio necessário com os demais princípios”. Entrementes, sobre o regramento das contratações sustentáveis, Freitas (2012, p. 243) pronuncia que é “equivocada qualquer espera excessiva por adicionais regras expressas, uma vez que a demora, nesse caso, pode ser corrosiva da eficácia nuclear do princípio constitucional”. Conclui o autor (2012, p. 243) que “enfatize-se a vinculatividade direta do sistema, a qual não pode ser ofuscada ou obliterada pela morosidade ou pela inércia administrativa inconstitucional” (FREITAS, 2013, p. 243). Deste modo, a ação popular ambiental pode ser devidamente ajuizada para anular o ato administrativo de instauração de determinada licitação que cause ou venha causar lesividade ao meio ambiente. Conforme entendimento jurisprudencial, a lesividade do ato já está contida no conceito de ilegalidade. Nesse sentido, Wedy (2015): É de se entender que a lesão ao meio ambiente por si só é inconstitucional, pois fere o art. 225 da Constituição Federal. Não há necessidade de comprovação deste binômio para a procedência da demanda, porque a lesividade ao meio ambiente, para além de ato ilegal em sentido lato, é ato inconstitucional que viola o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado (WEDY, 2015, internet). Em sede ambiental, quando presente a incerteza da magnitude do impacto ambiental causado por determinada atividade, aplica-se o princípio da precaução. Entretanto, já decidiu o STF que a lesividade já está contida na ilegalidade do ato administrativo, é o que consta do Recurso Extraordinário (RE) nº 160381- SP: AÇÃO POPULAR - PROCEDENCIA - PRESSUPOSTOS. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado. Assim o e quando dá-se a contratação, por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa (BRASIL, 1994, 20052). Portanto, comporta afirmar que a lesividade na ação popular ambiental estará, de fato, comprovada tão somente pelo fato de o administrador publicar certames licitatórios desconexos com o princípio da sustentabilidade ambiental. O princípio da sustentabilidade ambiental é de observância cogente pela Administração Pública a par dos demais, tais como: a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A propósito, sobre o princípio da eficiência administrativa, Gomes e Soares (2017), fazendo releitura sob a perspectiva da sustentabilidade ambiental: Ação popular ambiental enquanto instrumento de promoção da sustentabilidade nas contratações públicas 28 Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Não obstante, salutar haver uma mudança de paradigma. A sustentabilidade ambiental propõe uma nova perspectiva na interpretação dos institutos jurídicos. [...] Dito isto, entende-se que o princípio da eficiência há que se enveredar para os caminhos de uma releitura à luz do princípio constitucional da sustentabilidade ambiental, ou seja, toda atividade administrativa, para ser eficiente, segundo parâmetros constitucionais, deve observar as diretrizes que a sustentabilidade ambiental estabelece, já que o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, nos termos do art. 225 da CR/88 (GOMES; SOARES, 2017, p. 167). Os autores (2017) concluem que “a eficiência sustentável ensejará, de fato, decisões administrativas que preservarão o meio ambiente ou fomentarão a sua preservação. A atividade administrativa sairá da esfera de decisão ético-individual para uma visão ético-coletivo sustentável” (GOMES; SOARES, 2017, p. 168). Freitas (2012) pronuncia que “nessa ótica, nas licitações e contratações administrativas, imperioso assumir que a proposta mais vantajosa será sempre aquela que se apresentar a mais apta a gerar, direta ou indiretamente, o menor impacto negativo e, simultaneamente, os maiores benefício econômicos, sociais e ambientais” (FREITAS, 2012, p. 238). Contudo, para Freitas (2012, p. 238-239), “trata-se de mudança de gestão que ostenta o condão de redefinir na íntegra, o perfil das contratações públicas”. Entrementes, o administrador público que deixar de aplicar a sustentabilidade ambiental nos certames cometerá ato sujeito a anulação por ação popular, visto que a lesividade ao meio ambiente é iminente, pois “não se trata de matéria de maior ou menor predileção do administrador, todavia, de incontornável obrigação legal e constitucional” (FREITAS, 2012, p. 238-239). Freitas (2012, p. 239) elenca algumas medidas inseridas nas contratações públicas capazes de privilegiar a sustentabilidade ambiental “o reuso de águas, a aquisição de veículos que utilizem combustíveis renováveis, a exigência de plano de gerenciamento de resíduos sólidos e a adoção de medidas de poupança de energia [...]” (FREITAS, 2012, p. 239). Portanto, conforme exemplificado, quaisquer procedimentos licitatórios que não abarcarem as diretrizes da sustentabilidade ambiental, estarão sujeitos anulação via ação popular. O autor (2012, p. 239) conclui que “no limite, o desperdício pode configurar, se doloso, uma vulneração da probidade administrativa. A obra errada e inútil, o serviço nefasto e o produto nocivo compõem um quadro inadmissível de violações ao princípio” (FREITAS, 2012, p. 239). Por conseguinte, salutar dizer que a sustentabilidade ambiental não é mera discricionariedade administrativa, mas sim princípio que vincula permanentemente o gestor público que tem o dever de solidariedade com as futuras gerações. 29 Gomes, M. F.; Soares, I. J. Revista do Direito [ISSN 1982-9957]. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, p. 17-32, set/dez. 2018. https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index Contudo, o controle dos atos administrativos pelo cidadão é condição inexorável do exercício da democracia que em última análise, nas licitações, poderá anular atos lesivos ao meio ambiente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tutela jurídica do meio ambiente é premissa ética que deve ser seguida por toda a coletividade, tanto o Estado quanto os particulares, já que o art. 225 da CR/1988 assim preceitua. No entanto, o objeto do Direito ambiental, em última análise, é a vida. Vida plena, em todas suas formas. Se o Direito civil tutela a vida desde a concepção, o Direito ambiental tutela o direito à vida daqueles que ainda não foram concebidos. É o direito ao futuro das gerações vindouras. Assim, ao Poder Público incumbe implementar ações que visem a sustentabilidade ambiental e as contratações públicas sustentáveis ingressam nessa perspectiva. As atividades administrativas necessitam ser controladas pelo Poder Judiciário, em especial os atos administrativos lesivos ao meio ambiente. A possibilidade de se instaurar ação popular ambiental para anular licitações insustentáveis é premissa que se comporta nos pressupostos de cabimento do remédio jurídico popular. Contudo, ao cidadão é conferido constitucionalmente o controle judicial das políticas ambientais, garantia do Estado Democrático de Direito, e deve ser exercida plenamente por intermédio da ação popular ambiental, cujos requisitos para a propositura da medida estarão plenamente demonstrados no caso de instauração de procedimento licitatório insustentável ambientalmente.

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