“Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política


Pormarianajones- Postado em 23 maio 2019

Autores: 
João Ricardo W. Dornelles

Sistema Penal & Violência Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS Porto Alegre • Volume 8 – Número 2 – p. 141-151 – julho-dezembro 2016 Criminalização da Política “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política “State of exception”, penal populism and criminalization of politics João Ricardo W. Dornelles Editor-Chefe José Carlos Moreira da Silva Filho Organização de Rogerio Dultra dos Santos Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a publicação original seja corretamente citada. http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR ISSN 2177-6784 http://dx.doi.org/10.15448/2177-6784.2016.2.25694 Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 142 Criminalização da Política Criminalization of Politics

“Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política

“State of exception”, penal populism and criminalization of politics

João Ricardo W. Dornellesa

Resumo

No contexto contemporâneo verifica-se a ampliação das práticas penais como meio de regulação dos conflitos na sociedade. Isso tem levado à utilização do aparato do Judiciário nas práticas políticas, com o campo penal ocupando centralidade neste processo. O protagonismo do Poder Judiciário nos processos de criminalização ampliada é um dos pontos mais importantes no enfraquecimento da ordem constitucional democrática e o crescimento significativo dos espaços de exceção. No Brasil tais características têm sido aprofundadas como forma de intervenção na luta política, em especial nas ações da chamada “Operação Lava Jato”, tendo como consequência imediata a criminalização da política e retrocessos no campo do reconhecimento de direitos.

Palavras-chave: “Estado de exceção”; direito penal do inimigo; criminalização da política; populismo penal.

Abstract In the contemporary context, penal practices have enhanced as a means to regulate social conflicts, which has led to the Judiciary apparatus being used in political practices with the penal field taking the core of the process. The role of the Judiciary in the processes of enhanced criminalization is crucial to the weakening of the constitutional order and the significant increase in the spaces of exception. In Brazil, such characteristics have been deepened as a way to intervene in political fight, particularly in the actions of the so-called “Operação Lava Jato”, and have as immediate consequence criminalization of politics and regression concerning the acknowledgement of rights.

Keywords: “State of exception”; enemy criminal law; criminalization of politics; penal populism. a Professor do Programa de Pós-Graduação da PUC-Rio; Coordenador-Geral do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-Rio. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 143

1 Contexto

“O sistema penal trata o acusado como objeto, não como sujeito de uma relação, trata como alguém que trará informações ao juízo, especialmente através da prova absoluta, a confissão.” “O delito é entendido como algo antinatural, já que a tendência dos homens de bem é seguir o caminho certo e quem comete delitos escolheu o mal.” “O infrator é apresentado como inimigo, constrói-se uma figura que representa o mal e que deve ser rechaçada pela sociedade.” “O processo penal começava com a prisão preventiva do acusado de heresia, seus bens eram então sequestrados e em seguida era interrogado para se obter a confissão” (ANITUA, 2008. p. 54). “Trata-se do método de busca da ‘verdade’.” “A construção da figura do ‘inimigo’ necessita do ‘estigma’ que deve marcar aqueles que serão acusados por serem a expressão do mal. E o ‘inimigo é ‘outro, que se diferencia do ‘homens de bem’.” “Estereotipar qualquer grupo fortalece o desenho do poder estatal” (ANITUA, 2008. p. 57). “Todo esse processo penal passa a justificar a ‘emergência punitiva’.” “O Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas), escrito em 1485-86, foi um dos principais manuais dos inquisidores. Nele aparece a metodologia a ser aplicada no exercício do sistema penal inquisitorial. A lógica é da prevalência de um direito penal de autor, onde existe uma flexibilidade absoluta em relação aos comportamentos considerados criminosos, onde descrevem-se inúmeras condutas não criminosas como indícios contra o acusado. São sinais que formam a convicção do acusador, mesmo sem provas efetivas, já que a prova máxima seria a própria confissão, conseguida através das pressões e ameaças, além de ser objeto de uma relação de troca, de uma delação que envolva outros suspeitos. Com base nisso é que é enunciado o método de inquirir e de busca da ‘verdade’. Tal método destaca “o sistema inquisitivo, sem acusador nem defesa, baseado na atuação de ofício ou com denúncias anônimas e na qual a tortura aparece minuciosamente indicada para obter a confissão ou para conseguir a delação de supostos cúmplices” (ANITUA, 2008, p. 60). “O manual também indica que se deve usar um complexo sistema de interrogatórios, mediante falsas promessas e utilização de provas inexistentes com o objetivo de alcançar a confissão do acusado e a delação de outros também hereges.” Os trechos acima referem-se ao período dos tribunais do Santo Ofício, dos grandes inquisidores como Tomás Torquemada (1420-1498). A semelhança com as práticas processuais penais nos tempos atuais não é mera coincidência. A seletividade e a estigmatização através da construção da figura do “inimigo” são as principais características dos sistemas penais, pelo menos desde o Século XIII europeu. Eugenio Raul Zaffaroni, em O Inimigo no Direito Penal (ZAFFARONI. 2007) e Gabriel Ignacio Anitua, no seu livro Histórias dos Pensamentos Criminológicos (ANITUA. 2008), explicam bem esse processo. Ao tratarmos da construção da figura do “inimigo” partimos da análise realizada por autores localizados no campo das ciências penais, em especial da criminologia crítica. Para Zaffaroni, significa abordar a relação existente entre o Estado de Direito e o Estado policial e a admissibilidade da punição de pessoas às quais são negadas ou limitadas a sua condição humana. Aponta, assim, uma contradição entre a doutrina penal e a teoria política do Estado de Direito constitucional, pois para esta não é admissível o tratamento diferenciado aplicado nas práticas penais (ZAFFARONI, 2007). A hipótese levantada por Zaffaroni entende que os sistemas penais sempre trataram os seres humanos considerados transgressores de forma discriminatória e desigual, caracterizando-os como “entes perigosos”, Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 144 portanto inimigos da sociedade, o que justificaria a negação das garantias do direito penal liberal que hoje também estão expressas na doutrina e regulamentação do direito internacional dos direitos humanos. Este tratamento diferenciado é legitimado pela doutrina e pelas leis penais, como também pela produção de saberes pretensamente científicos que se expressam no campo da criminologia conservadora ou etiológica (ZAFFARONI. 2007). O tratamento diferenciado, que nega aos seres humanos a sua condição de sujeitos de direito econstrói a figura do “inimigo” (o “outro”, o “estranho”), aparece como prática política no Estado absoluto. Tal situação é contraditória com a teoria política do Estado democrático de direito. A realidade que legitima o conceito do “inimigo” provém da contradição entre a doutrina jurídico-penal e os princípios no campo constitucional e internacional do Estado de Direito. Essa realidade aparece com os avanços do direito penal de emergência ou direito penal do inimigo contra a tradição do direito penal liberal ou direito penal de garantias. Portanto, prevalecendo o eficientismo penal em relação ao garantismo constitucional. (DORNELLES. 2002). Assim, a invocação de emergências justifica a existência do “estado de exceção” e a sua perpetuação.1 A prática política da definição dos inimigos da sociedade ou estranhos é a que determina aqueles seres humanos que merecem um tratamento desigual, sem consideração sobre a sua condição humana. No período inquisitorial eram os hereges, as bruxas, os judeus, os leprosos, os que desafiassem o poder do Rei ou do Papa. Adotava-se a prática inquisitorial de construir socialmente a figura do “outro”, do ente perigoso que será identificado como diferente e inimigo de toda a sociedade. Trata-se de uma característica dos sistemas penais que era utilizada na prática política nos Estados absolutistas. A permanência de tal prática nas sociedades contemporâneas debilita o Estado democrático de direito e faz aparecer o Estado de polícia. Se no passado absolutista o inimigo era o infiel, pecador, a partir do final do Século XX tal pecha recai sobre terroristas, mulçumanos, árabes, narcotraficantes, favelados, moradores de periferia, esquerdistas, políticos, corruptos etc. A figura do mal está encarnada nos excluídos, nos pobres, nos rebeldes, nas culturas e povos considerados atrasados. O mal também está presente no Estado, no setor público e nos seus agentes (funcionários públicos, políticos etc). Enquanto isso, a figura do bem aparece no indivíduo empreendedor, no mercado, no espaço privado, nos indivíduos integrados à economia capitalista, nos adaptados à sociedade de consumo.2 O bem é considerado a partir das referências ocidentais. Ao se construir a figura que identifica o inimigo desenha-se o perfil social, físico, nacional, religioso, político dos que representam o mal. População árabe ou islâmicos, no seu conjunto, são previamente suspeitos de terrorismo ou, pelo menos, cúmplices do terror; população de periferias, favelas, áreas pobres e degradadas das cidades latino-americanas são previamente identificadas como narcotraficantes, ou seus cúmplices; manifestantes contra a ordem capitalista, pelas liberdades democráticas, esquerdistas, rebeldes são identificados como terroristas, mascarados, “black-blocs”, vândalos, baderneiros. E todos aqueles que, porventura, se 1 Trabalhamos a categoria “estado de exceção” a partir da referencia apresentada na tese VIII da obra final de Walter Benjamin, Sobre o conceito da História, quando afirma que “A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, percebemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século XX ‘ainda’ sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é insustentável”. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras Escolhidas; v. 1). 2 O sociólogo Zygmunt Bauman chegou a definir os segmentos sociais excluídos no capitalismo neoliberal como “consumidores falhos”, por não terem acesso aos bens e serviços da sociedade de consumo apesar de também terem como referencia os valores desta sociedade. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998; BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As consequência humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 145 contrapõem ao arbítrio repressivo dos órgãos estatais são tachados de cúmplices com as práticas dos que são identificados como inimigos (terroristas; narcotraficantes; corruptos; vândalos, baderneiros etc). Se durante todo um longo período histórico, cujo marco inicial seria o Século XIII3 , foram organizados no Ocidente o que chamamos sistemas penais, ou o controle social penal como uma das expressões do domínio político, presenciamos um contexto histórico de ampliação do punitivismo. O que entendemos como ampliação do punitivismo, ou ampliação do penal, é uma série de ações, atividades, saberes e práticas que colocam o sistema penal no centro das relações de poder e tem no aparato policial-judiciário o seu espaço prioritário de atuação. O fenômeno da ampliação do penal se espalhou de forma planetária no contexto da ofensiva do modelo neoliberal, principalmente a partir da década de oitenta do século XX. O cenário das políticas neoliberais, da fragilização das políticas sociais, das garantias e proteções públicas foi acompanhado pelo recrudescimento do discurso punitivo na sociedade civil e dos aparatos de segurança – públicos e privados – com o objetivo de contenção das enormes multidões de excluídos ou tornados vulneráveis pelo modelo excludente neoliberal de austeridade que expressa uma nova etapa do capitalismo global, que podemos chamar de ultra-neoliberalismo ou “capitalismo de barbárie” (WAQCANT, 2007).4 O processo descrito acima é global e criou o aumento das penas, o encarceramento em massa, a flexibilização das garantias do clássico direito penal de corte liberal possibilitando a expansão do Populismo Punitivo e o advento do chamado Direito Penal do Inimigo, onde a referencia das garantias constitucionais de direitos é deixada de lado, sendo substituída pela concepção eficientista da “lei e ordem”, do direito penal de emergência e de guerra contra os inimigos da boa sociedade. Em contraposição à redefinição do conceito de democracia surgido dos Estados Constitucionais posteriores à Segunda Guerra Mundial, pôs-se de moda, sobretudo com a chamada luta contra as drogas e contra o terrorismo, governar manipulando o medo da população diante do delito. Por isso, as campanhas eleitorais se centram na busca de consenso entre os governados para oferecer segurança e erradicação do delito, que é a encarnação da maldade, substituindo, assim, os debates sobre os problemas sociais: nele se sustenta o novo modelo de controle social denominado populismo punitivo contemporâneo ou Governing Trough Crimen (...) e assim se constrói o novo Direito Penal do Inimigo, que parece uma espécie de Direito Penal mágico, manipulado por bruxos para exorcizar fantasmas (MARTINEZ, 2010). A característica seletiva dos sistemas penais e da contemporânea ampliação da retórica e das práticas punitivas ganha contornos dramáticos no cenário latino-americano – em especial do Brasil – a partir de meados da primeira década do Século XXI. Os processos de criminalização, estigmatização, construção de figuras de “inimigos” e a seletividade da atuação do aparato judiciário penal, que sempre foram práticas políticas comuns para a contenção e repressão das camadas mais pobres e vulneráveis da população, se estenderam como instrumentos de luta política no contexto atual da realidade brasileira, com a ruptura da ordem constitucional democrática e de expansão das práticas e espaços de exceção. 3 Sobre os processos de formação e desenvolvimento dos sistemas penais como mecanismos de controle social ver FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987; ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos Pensamentos Criminológicos. Rio de Janeiro: Revan. 2008. 4 Além da contribuição de Loïc Wacquant, vale a pena contar com a reflexão de Sergio Graziano, onde ele transita por todo o campo das estratégias contemporâneas de poder, tratando de conceitos centrais como biopoder, biopolítica, direitos humanos, produção de subjetividade, entre outros, mostrando como tais mecanismos de controle social penal são funcionais às necessidades da acumulação do capital. GRAZIANO SOBRINHO, Sergio Francisco Carlos. Globalização e Sociedade de Controle: a cultura do medo e o mercado da violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 146 O aparato penal e os processos de criminalização passam a ter um papel fundamental na luta política, desviando a centralidade da política na institucionalidade representativa para as instâncias policiais e jurídicopenais.

2 A política submetida ao aparato judicial penal

A partir dos primeiros anos do Século XXI, alguns países da América do Sul passaram a viver experiências de governos reformistas de centro-esquerda que implementaram políticas públicas sociais mais distributivas. O Brasil é uma dessas sociedades onde, a partir de 2003, iniciou-se um modelo político de desenvolvimento que reforçou o seu papel econômico e político no cenário internacional – através do multilateralismo e do fortalecimento das relações Sul-Sul – e implementaram-se políticas públicas que levaram à incorporação de milhões de brasileiros no campo da cidadania social. Em menos de treze anos o país saiu, pela primeira vez na sua história, do Mapa da Fome da FAO, retirou mais de 36 milhões de pessoas da miséria absoluta, incorporou ao mercado de consumo de massas mais de 50 milhões de indivíduos, ampliou o acesso aos bens e serviços da sociedade contemporânea, inaugurou inúmeras universidades públicas abrindo os seus espaços para população pobre, negra e indígena, investiu intensamente na saúde pública e em programas de inclusão social e ampliação de direitos. A experiência desses anos não foi bem vista pelos detentores do poder econômico, pelo capital financeiro internacional, pelas classes rentistas e pelas classes médias tradicionais nostálgicas de um país organizado para pouco mais de 20% (vinte por cento) de sua população. A partir de 2008, com a descoberta de uma grande reserva de petróleo na camada do pré-sal, despertando o interesse do capital financeiro internacional, das grandes corporações petroleiras globais e do governo estadunidense, a luta política contra tal modelo socialreformista se acirrou e construiu um criativo instrumento através da narrativa de “luta contra a corrupção”, altamente sedutora para as classes médias tradicionais e para o conjunto da sociedade. Para dar seguimento a tal luta contra a corrupção era necessário mobilizar uma série de meios e a opinião pública neste sentido. Entraram em cena os grandes meios de comunicação, em especial as poucas famílias que dominam os meios de informação no país (Organizações Globo; Grupo Bandeirantes; Abril; Estado de São Paulo; Folha de São Paulo etc).5 Para ter sucesso, a mobilização contra a corrupção deve ganhar a imagem de uma “cruzada” contra o mal e os maus. Assim, os segmentos mais conservadores e retrógrados da sociedade acionaram uma das características centrais dos sistemas penais, a construção da figura do “inimigo” (figura que encarna o mal). A novidade na prática política contemporânea é mobilizar a opinião pública numa “cruzada”, identificando o mal na figura dos políticos em geral e na própria ação política. Na verdade, o foco da “cruzada” mira os políticos progressistas, em especial os de esquerda. Como o sistema é seletivo, a “cruzada” contra o mal e os maus – no caso a luta contra a corrupção e os corruptos – não atinge a todos. A lógica penal da seletividade, onde apenas alguns são criminalizados, penalizados e estigmatizados como os perigosos sociais passa para o terreno da luta política. 5 “(...) a comunicação de massa, de formidável poder técnico, está empenhada numa propaganda völkisch e vingativa sem precedentes; a capacidade técnica de destruição pode arrasar a vida (...) e, para culminar, o poder planetário fabrica inimigos e emergências – com os consequentes Estados de exceção – em série e em alta velocidade.” ZAFFARONI. Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p. 15 e 16. Zaffaroni informa que a palavra völkisch normalmente é traduzida por populista. Alerta, no entanto, que a sua melhor tradução seria de popularesco, uma retórica demagógica que naturaliza determinadas definições com base no senso comum preconceituoso arraigado na sociedade. Em uma sociedade historicamente racista, por exemplo, as populações não-brancas seriam previamente identificadas como perigosas, por exemplo. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 147 Portanto, vivencia-se um amplo processo de criminalização em expansão: criminalização da pobreza; criminalização dos movimentos sociais; criminalização do protesto social; criminalização da política; criminalização da própria vida. O Brasil se policizou intensamente a partir da ‘transição democrática’. É como se uma cultura punitiva de longa duração se metamorfoseasse indefinidamente. Mudam os medos, mas ele, o medo permanece ali, dirigido aos de sempre, os do ‘lugar do negro’. A tradução da conflitividade social em crime produziu, por um lado, o intragável policamente correto, os ‘de bem, e, por outro lado, o acirramento do estado de polícia. CPIs, vigilância, UPPs, controle territorial, a apologia da polícia de combate, o bom matador puro. Assim, a judicialização da vida privada caminha com a gestão policial da vida (MALAGUTI BATISTA, 2011). Para ter efetividade, tal prática deve criminalizar a política como um todo e os movimentos sociais com um discurso de despolitização do espaço público. Essa despolitização do público se dá tanto através da sua privatização, quanto da identificação do público (leia-se Estado) como espaço corruptor e do espaço privado (leia-se mercado) como espaço de práticas sociais neutras, não políticas e baseadas no mérito individual. O processo de criminalização da política, portanto, caracteriza-se pela despolitização da política e por um discurso moralizador e policial (com aspectos de “cruzada do bem contra o mal”), onde o aparato do sistema penal (Justiça e Polícia) passa a ter centralidade no espaço público. Para levar adiante a tarefa de despolitizar e criminalizar o público é necessário a formação de quadros, de agentes, de um corpo burocrático a ser adestrado e preparado para a “cruzada do bem contra o mal”. No caso brasileiro, sob os holofotes de grandes corporações midiáticas, tal corpo burocrático está consolidado na Polícia Federal, no Ministério Público Federal, em setores importantes do sistema de Justiça, chegando ao Supremo Tribunal Federal. A partir deste corpo burocrático central se estende, com ajuda dos meios de comunicação, para outros corpos burocráticos localizados (juízes de primeira instância; operadores de direito; as cátedras jurídicas, corporações policiais etc) alcançando o conjunto da sociedade. A chamada “Operação Lava Jato”, iniciada em 2014, como investigação de corrupção na Petrobrás é a expressão maior da “cruzada contra o mal”. Uma operação que se estende indefinidamente, que tem atingido quase exclusivamente membros do Partido dos Trabalhadores, que usa métodos não convencionais e estranhos à doutrina jurídica do Estado democrático de direito e visivelmente confrontadores dos princípios constitucionais e direitos fundamentais. Um processo que afastou o princípio da presunção de inocência, a transparência processual, as garantias processuais, a competência jurisdicional centralizandoo poder jurisdicional num único juiz, que passa a ser o depositário de todas as acusações, produzidas em grande parte sem provas - mas como muita convicção – por parte dos agentes da Polícia Federal e dos membros da força tarefa do Ministério Público Federal.6 Quando olhamos para a Operação Lava Jato percebe-se que muitos procedimentos adotados acabam por afrontar o devido processo legal e os princípios do Estado Democrático de Direito, consagrados na Constituição Federal. A título de exemplo: a) as delações premiadas são obtidas através da ameaça ou prisão do suspeito. Desvirtua o objetivo do instituto, pois o que o caracteriza é o pedido espontâneo do acusado para prestar a informações. Quando a delação é obtida através da prisão sem justificativa do acusado e de seus familiares é uma forma nítida de coação, configurando-se a produção de prova ilícita, proibida pela Constituição; 6 Os membros do Ministério Público Federal da chamada força-tarefa da Operação Lava-Jato (expressão policial-militar) chegaram a acusar os advogados defensores dos acusados de “abuso do direito de defesa”, um estranho conceito para os princípios do Estado democrático de direito. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 148 b) os advogados dos réus da Operação Lava Jato não tem acesso com tempo hábil ao conteúdo das delações contra os seus clientes. O acesso é feito, em geral, na véspera das audiências, limitando o direito de defesa e prejudicando o acusado. A Constituição, ao contrário, assegura aos réus a ampla defesa, o que é limitado quando os autos não são disponibilizados à tempo para os advogados; c) constantemente existem “vazamentos” para órgãos da imprensa do teor das delações premiadas ou de procedimentos judiciais que pela lei deveriam estar preservados; d) o juiz da Lava Jato mandou “grampear” o telefone dos advogados de réus, inclusive do defensor do ex-Presidente da República. Fere o direito de defesa, o direito ao livre exercício da profissão de advogado e a inviolabilidade dos escritórios de advocacia; e) afrontando o que determinam os dispositivos constitucionais, o juiz da Operação Lava Jato constantemente expede mandado de condução coercitiva contra acusados e até mesmo em relação à testemunhas. Alguns casos são exemplares das arbitrariedades e absurdos que ferem a Constituição: condução coercitiva do ex-Presidente Lula sem prévia intimação para que o mesmo comparecesse perante a autoridade policial. É absolutamente ilegal a condução coercitiva sem uma intimação prévia e o seu descumprimento por parte do intimado. Mais uma violação da Constituição por parte do juiz da Operação Lava Jato; f) o juiz da Operação Lava Jato, de forma ilegal, determinou a gravação de uma conversa telefônica entre o ex-Presidente Lula e a então mandatária Dilma Rousseff, revelando para os meios de comunicação o teor da conversa. Aqui temos duas ilegalidades praticadas pelo juiz federal do Paraná, a gravação ilegal e a publicidade da conversa com intuito de influenciar a opinião pública no sentido da criminalização tanto de Lula, quanto de Dilma. São crimes passíveis de processo no âmbito penal, o primeiro pela gravação sem respaldo legal e o segundo pela quebra do sigilo das comunicações telefônicas previsto na Constituição Federal. Curiosamente, o juiz federal reconheceu publicamente que errou e pediu desculpas ao Supremo Tribunal Federal, sendo perdoado, mesmo com o reconhecimento formal por parte da corte suprema de que tal ato comprometia direitos fundamentais dos ex-presidentes (Dilma no exercício do mandato), previstos na Constituição. É um absurdo se imaginarmos que alguém que cometeu um crime, um roubo, por exemplo, venha a público pedir desculpas e a vida segue sem nenhum problema; g) o juiz da Operação Lava Jato expediu mandado de prisão do ex-ministro da Fazenda do Governo Dilma e, poucas horas depois, revogou tal pedido pelo fato de a sua mulher estar internada com doença grave. A justificativa para a revogação da prisão foi por “considerá-la desnecessária”. Se era desnecessária, por que foi expedido o mandado de prisão ? A prática em curso demonstra que buscava-se, mais uma vez uma ação de impacto junto à opinião pública, no sentido da criminalização de membros do Partido dos Trabalhadores e de dos governos Lula e Dilma; h) é estranho que um juiz, no exercício das suas funções públicas e atuando em caso de relevância política, receba e aceite prêmios da maior corporação privada de comunicação – a Globo -, sabendo que a mesma se colocava no campo de oposição aos governos Lula e Dilma, além de ter apoiado a ditadura civil-militar (fato reconhecido publicamente pela própria Globo no ano de 2014 – quando se completava 50 anos do golpe de 1964). Tal fato é um afronta ao princípio republicano da independência do Poder Judiciário, também previsto na Constituição; i) a prática constante de vazar informações processuais sigilosas para a grande imprensa, com óbvio objetivo de formar opinião pública desfavorável aos acusados; Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 149 j) a confusão funcional entre as figuras do investigador, acusador e julgador. Através das práticas da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do Juiz Federal encarregado da Operação Lava Jato, observa-se uma atuação articulada em forma de força-tarefa. A prática também fere os dispositivos constitucionais. Por fim, a decisão do 4º Tribunal Regional Federal (4ª Região Sul) declarando que as práticas do juiz da Lava Jato “escapam ao regramento do direito” (portanto, são ilegais), mas tratam-se de “soluções inéditas” que devem ser admitidas, pois a Lava Jato é um “processo inédito” afirma a lógica do direito penal do inimigo ou direito penal de emergência, onde as regras consagradas na Constituição, no Direito Penal e no Processo Penal garantista aplicam-se aos “casos comuns”. (...) o direito penal sempre justificou e legitimou – com maior ou menor amplitude e prudência (ou imprudência) – o tratamento de algumas pessoas como inimigos, salvo os amigos, que eram tratados como ocasionais (...). A criminologia tradicional ou etiológica, por sua parte, legitimou amplamente o tratamento diferencial do inimigo ou estranho (condenados ao patíbulo, indesejáveis e dissidentes) em todos os momentos (ZAFFARONI. 2008)7 . Assim, a Operação Lava Jato estaria sob uma jurisdição especial, excepcional, fora dos parâmetros constitucionais, cabendo o uso de práticas inéditas, fora da lei existente, mas com base na convicção dos acusadores. É a admissão de que existe um juízo de exceção. Sendo considerada um juízo especial, a Lava Jato concede ao juiz encarregado de julgar a liberdade de inovar, de não seguir ritos, práticas, princípios estabelecidos na lei maior da sociedade. O “estado de exceção” se torna a regra.8 Algo semelhante foi vivido na Alemanhaa partir de 1930 – em especial a partir de 1933, com a ascensão de Hitler ao poder – com a fundamentação jurídica e o apoio de destacados juristas ao projeto nazista. Foi o caso de Edmund Mezger, Catedrático de Direito Penal na Universidade de Munique, autor do Tratado de Direito Penal (1930) como uma das obras mais importantes da dogmática jurídicopenal da época. A partir de 1933, contribuiu intensamente com o regime nazista, colaborando com a sua reforma penal, dando fundamento científico às leis penais com base na suposta superioridade racial ariana. A contribuição com o regime nazista de respeitados juristas da República de Weimar – altos funcionários do Judiciário, juízes, promotores, professores 9 – foi acompanhada por magistrados de primeira instância, com a criminalização e a penalização ampla daqueles que passaram a ser definidos como “estranhos” à comunidade do povo alemão – judeus, ciganos, homossexuais, mendigos, prostitutas, etc. (MUÑOZ CONDE, 2005).10 Ainda sobre o papel dos juristas no regime nazista é significativo lembrar o caso do moderado magistrado Erwin Bumke, Presidente da Corte Suprema alemã (Reichsgericht) no período de Weimar. Sob o poder hitlerista, Bumke continuou à frente do Reichsgericht, presidindo também a câmara penal do Tribunal, 7 ZAFFARONI. Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. p.. 189. 8 Voltamos a lembrar que partimos da concepção apontada por Benjamin. Por esse motivo utilizamos as aspas na expressão “estado de exceção”. 9 Os chamados “juristas terríveis”. “Esta expressão (“furchtbare Juristen”) é utilizada como título do livro de Ingo MÜLLER, Furchtbare Juristen, 1987, no qual ele analisa sobretudo a contribuição ao regime nazista de juristas que ocuparam postos destacados na política, na Administração da Justiça ou no ensino do Direito daquela época”. MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo. Estudos sobre o Direito Penal no Nacional-Socialismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2005. p. 32. 10 Importante notar o papel desempenhado por Edmund Mezger, durante a ditadura nazista, na elaboração do Projeto de Lei sobre “Gemeinschaftsfremde” (Projeto Nacional-Socialista sobre o Tratamento dos “Estranhos à Comunidade”), no Programa de Esterilização dos Associais e na Lei para prevenção de Enfermidades Hereditárias. MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o Direito Penal de seu Tempo. Estudos sobre o Direito Penal no Nacional-Socialismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2005. Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 150 onde foram prolatadas uma grande quantidade de sentenças aplicando a pena de morte para casos de pouca importância. Outra consideração importante para a nossa reflexão é que no período da ditadura civil-militar brasileira foi outorgada uma Constituição autoritária (1967-69) e foi editado o Ato Institucional número 5 (AI-5). No entanto, os dispositivos constitucionais autoritários e as regras ditatoriais valiam para todos. Se considerava que a lei era igual para todos os brasileiros, mesmo sendo leis autoritárias. Com claro objetivo político, o 4º Tribunal Federal do Sul do país declarou que o direito e a Constituição não vigoram para os réus da Operação Lava Jato. Como dito antes, passamos do império da lei para o império da exceção, ou seja, do direito penal garantista para o direito penal do inimigo. Na esteira da ruptura da ordem democrática através de um golpe de Estado midiático-judicial, que levou ao afastamento da Presidenta Dilma Rousseff, veio a ampliação das intenções repressivas com a liberação para que o aparato judicial e policial atue de forma intensa contra todas as formas de manifestação e protestos contra o governo ilegítimo. Com o aumento da repressão policial se estrutura o monitoramento dos protestos por parte do setor de inteligência das Forças Armadas. As políticas de austeridade e ajuste ultra-neoliberal propostas pelo governo Temer buscam atingir de forma profunda não apenas as conquistas iniciadas a partir de 2003 com o primeiro mandato do Presidente Lula, como também os direitos sociais previstos na Constituição de 1988 e até mesmo os direitos trabalhistas introduzidos na década de 1940 pelo Presidente Getúlio Vargas. Com tais iniciativas do governo ilegítimo espera-se a mobilização social no sentido da defesa dos direitos ameaçados. Também espera-se um aumento da repressão e a ampliação da criminalização ao protesto social. Também vale lembrar que ações de arbítrio contra segmentos críticos ao governo, típicas de uma ditadura, passaram a ser praticadas. No dia 04 de novembro de 2016 a polícia do Estado de São Paulo, sem mandado judicial e com uma grande quantidade de agentes invadiu a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), ferindo uma mulher e prendendo dois homens. A ENFF é uma unidade escolar de um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), uma organização legal, que atua no campo visando a Reforma Agrária e práticas de agricultura familiar. Um flagrante, entre inúmeros outros nestes tempos de exceção, da criminalização dos movimentos sociais. No mesmo dia, o Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi ameaçado pelo Ministério Público de ser conduzido coercitivamente para prestar esclarecimentos pelo fato de que alguns dias antes a Universidade ter sido palco de um ato em favor da democracia, com a presença da Presidenta Dilma Rousseff, de juristas, acadêmicos e estudantes. Um capítulo especial nos golpes de Estado aparece com o processo de “limpeza ideológica” das instituições públicas e do conjunto da sociedade. Como se trata de uma “cruzada do bem contra o mal”, deve-se desmontar projetos e afastar pessoas ou segmentos que são a encarnação desse mal a ser combatido no Estado e na sociedade. Os processos de “limpeza ideológica” se dão através de medidas administrativas e da ampliação dos processos de criminalização de funcionários públicos e de segmentos sociais progressistas. Fazendo parte do que chamamos de “limpeza ideológica” (que complementa os ampliados processos de criminalização da política) aparecem os retrógrados projetos de “escola sem partido”, a proposta de mudança do currículo do ensino médio com a eliminação das disciplinas de filosofia, sociologia, artes e educação física (proposta semelhante à realizada pela ditadura civil-militar de 1964), a adoção da disciplina de moral e cívica, o desmonte (ou redefinição) de projetos sociais por parte do Estado (“Minha Casa, Minha Vida”, “Bolsa Família”, “FIES”, “Ciência Sem Fronteiras” etc), a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 55) que congela por vinte anos investimentos nas áreas sociais, em especial na educação e saúde, a proposta de reforma da previdência aumentando o número de anos de trabalho para se alcançar a aposentadoria, o corte de financiamentos de organizações não-governamentais consideradas cúmplices com os “inimigos sociais”, a Dornelles, J.R.W. “Estado de exceção”, populismo penal e a criminalização da política Sistema Penal & Violência, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 141-151, jul.-dez. 2016 151 “caça” aos corruptos e aos agentes do chamado “lulopetismo”, o afastamento administrativo de funcionários públicos identificados com o governo derrubado (portanto, com o mal), perseguições institucionais mais ou menos explícitas, tanto no espaço público, quanto no privado. A “Operação Lava Jato” e os processos de criminalização da política e despolitização do espaço público repete, em parte, o que se passou na Itália, com a “Operação Mãos Limpas”, destruindo o sistema político, não acabando com corrupção e dando origem aos fenômenos da política midiática com Berlusconi.11 No Brasil, um dos primeiros que aparecem com este perfil “berlusconiano” é o próprio juiz da “Operação Lava Jato”, Sérgio Moro. Outro, saiu vitorioso das urnas nas eleições municipais de São Paulo, João Dória, com o discurso antipolítica, identificando-se para o eleitor não como político, mas como gestor privado, detentor da técnica “neutra” da administração. Por fim, o que verificamos é que a ampliação do sistema penal com a sua lógica seletiva e punitiva aparece, ao lado do mercado, como a outra face da regulação social em tempos de trevas e da hegemonia do capitalismo ultra-neoliberal.

Referências

ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Rio de Janeiro: Revan, 2008. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. BAUMAN, Zygmunt. Globalização. As consequência humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Obras Escolhidas, v. 1). DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e segurança. Entre pombos e falcões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. GRAZIANO SOBRINHO, Sergio Francisco Carlos. Globalização e sociedade de controle: a cultura do medo e o mercado da violência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. MALAGUTI BATISTA, Vera. Introdução crítica à criminologia brasileira. Rio de Janeiro: Revan, 2011. MUÑOZ CONDE, Francisco. Edmund Mezger e o direito penal de seu tempo. Estudos sobre o Direito Penal no Nacional-Socialismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. MARTINEZ, Mauricio. Populismo punitivo, maiorias e vítimas. In: ABRAMOVAY, Pedro Vieira; BATISTA, Vera Malaguti. Depois do grande encarceramento. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia; Revan, 2010. WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos EUA (A onda punitiva). Rio de Janeiro: Revan, 2007. (Coleção Pensamento Criminológico, 6). ZAFFARONI. Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007. Data de submissão: 06/11/2016 Data do aceite: 22/12/2016 11 É importante notar uma diferença entre o caso italiano e o brasileiro, já que no Brasil impera a seletividade na prática política através da lógica penal (atinge principalmente um partido e seus aliados), enquanto na Itália o processo atingiu a todos os partidos políticos. No entanto, o resultado foi a destruição do sistema político e a manutenção das práticas de corrupção nas relações entre as esferas do Estado e as grandes corporações econômicofinanceiras. 

 

Retirado de: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/25694/15393