Âmbito de abrangência da penalidade prevista no art. 87, III, da Lei de licitações (suspensão temporária): exposição sucinta do panorama atual


Porrayanesantos- Postado em 21 junho 2013

Autores: 
CAPISTRANO, Marcio Anderson Silveira

É bastante polêmica a discussão a respeito da abrangência da penalidade de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração (art. 87, III, da Lei 8.666/93). O presente artigo objetiva descrever de forma sucinta e didática o panorama atual do debate, expondo os posicionamentos da doutrina consagrada, do Superior Tribunal de Justiça, da Advocacia-Geral da União e do Tribunal de Contas da União.

 

            Para parte da doutrina, a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar abrange apenas o órgão ou entidade pública que houver aplicado a sanção. Essa tese fundamenta-se no argumento de que o art. 87, III, da Lei 8.666/93 refere-se à “Administração”, sendo que a própria lei, em seu art. 6º, XI e XII, estabeleceu definições precisas para os termos “Administração Pública” e “Administração”. Senão vejamos:

 

Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

 

[...]

 

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com aAdministração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

 

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Públicaenquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. [grifos nossos]

 

Art. 6º.  Para os fins desta Lei, considera-se:

 

[...]

 

XI - Administração Pública - a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;

 

XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente; [grifos nossos]

 

            Na defesa dessa posição, sustenta-se que: (i) ao longo do texto da Lei 8.666/93, foram utilizados várias vezes os termos “Administração Pública” e “Administração”, razão pela qual o legislador teria tido a cautela de definir de modo técnico e preciso o alcance dessas expressões; (ii) se a intenção fosse a de estender a suspensão a toda a Administração Pública,  a escolha haveria de ter sido feita expressamente, como ocorreu no caso da sanção de inidoneidade prevista no art. 87, IV, da Lei 8.666/93; (iii) a gradação entre as sanções definidas nos incisos III e IV art. 87 lastreia-se não apenas na extensão do prazo, mas também na sua abrangência; (iv) a vinculação de um órgão de um ente federativo a uma aplicação de penalidade feita por órgão de outro ente federativo configuraria ofensa ao federalismo e à autonomia das unidades federadas.

 

Nesse sentir, a pena de inidoneidade seria aplicada por tempo indeterminado e com alcance estendido para toda a Administração Pública. A suspensão, por sua vez, teria tempo determinado e abrangência limitada ao órgão ou ente prolator da sanção.

 

Posiciona-se a favor dessa primeira corrente Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1], ao fundamento de que o conceito de “Administração Pública” é mais amplo que o conceito de “Administração”.

 

O posicionamento contrário, no sentido de que a suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar abrange toda a Administração Publica, sustenta-se nos seguintes argumentos: i) a “Administração” é a expressão concreta da “Administração Pública”, inexistindo conceitos de diferente amplitude; (ii)  a Administração Pública é una, sendo apenas descentralizado o exercício de suas funções, para  melhor atender ao interesse público; (iii) à luz dos princípios constitucionais da moralidade e da eficiência,  a sanção prevista no inciso III do art. 87 tem o  propósito de evitar fraudes e prejuízos ao erário proibindo acesso ao certame licitatório de particulares cujas condutas se tenham mostrado atentatórias ao erário e à coisa pública, sendo inconveniente e temerária uma interpretação que permita o acesso desses particulares às contratações públicas.

 

Essa segunda corrente é defendida por José dos Santos Carvalho Filho[2], ressaltando-se o intuito de evitar que órgãos públicos contratem com sociedades empresárias inadimplentes.

 

O Superior Tribunal de Justiça possui precedentes que adotam a segunda corrente, como o RMS 32628, cuja ementa se transcreve:

 

ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. HABILITAÇÃO SOMENTE DA MATRIZ. REALIZAÇÃO DO CONTRATO POR FILIAL. IMPOSSIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO CONTRATO. SANÇÕES. PROPORCIONALIDADE. ADMINISTRAÇÃO X ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DISTINÇÃO. AUSÊNCIA.

 

[...]

 

10. Por fim, não é demais destacar que neste Tribunal já se pontuou a ausência de distinção entre os termos Administração e Administração Pública, razão pela qual a sanção de impedimento de contratar estende-se a qualquer órgão ou entidade daquela. Precedentes.

 

11. Recurso ordinário não provido.

 

(RMS 32.628/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 14/09/2011, grifo nosso).

 

Sobre a matéria, o Consultor-Geral da União aprovou o Parecer nº 87/2011-DECOR/CGU/AGU, o qual considera que a sanção do inciso III do art. 87 da Lei 8.666/93, pena mais branda que a do inciso IV, afasta o sancionado das licitações e contratações promovidas por toda a Administração Pública brasileira, tal como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (segunda corrente):

 

11. Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça em algumas oportunidades já atestou o despropósito da distincão entre Administracão Pública e Administracão constante dos incisos XI e XII do art. 6º da Lei nº 8.666/93. Desse modo, entendeu o referido Tribunal, que é o guardião maior da legislação infraconstitucional no sistema jurídico pátrio, pelo alcance amplo da suspensão temporária de licitar e contratar, irradiando os seus efeitos a todos os órgãos da Administracão Pública.

 

[...]

 

16. Ademais, compreende-se que a citada tese encontra apoio na unicidade da Administração Pública, que pode ser comprovada pela leitura atenta do art. 1º caput, da Constituição Republicana de 1988, e faz todo o sentido.

 

17. Também sustenta o entendimento o fato de que a Lei nº 8.666/93 é uma norma nacional. sendo de cumprimento obrigatório para todo o Estado brasileiro (art. 1º  da mencionada lei).

 

18. Sem dúvida alguma, as penalidades previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei nº 8.666/93 são distintas. Porém, isso não significa dizer que todas as suas consequências devam ser diversas.

 

[...]

 

20. A questão da dosimetria das penalidades administrativas levantada por muitos como um argumento contrário à interpretação aqui defendida não faz sentido, posto que a sanção prevista no inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666/93 é imposta ‘por prazo não superior a 2(dois) anos’, o que permite uma gradação absolutamente diversa da declaração de inidoneidade constante do inciso IV do art. 87 do referido diploma. O administrador, a depender da gravidade da conduta da empresa infratora, pode impor curtas e médias punições, por exemplo.

 

21. Outro argumento manejado diz respeito ao art. 97 da Lei nº 8.666/93, que só classifica como crime a prática de ‘admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo’, nada dizendo sobre a suspensão temporária. Ora, tal previsão legal só comprova que, de fato, a declaração de inidoneidade é punição mais grave que a suspensão temporária do direito de licitar e contratar. [...].

 

O aludido parecer referido não chegou a ser aprovado pela Presidência da República ou pelo Exmo. Advogado-Geral da União, razão pela qual sua conclusão não vincula os órgãos da Administração Pública federal.

 

Por sua vez, o Tribunal de Contas da União chegou a manifestar-se no sentido de que a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93 abrange toda a Administração Pública brasileira (segunda corrente). Contudo, em decisão bastante recente, foi adotada a primeira corrente.

 

De fato, o Plenário do TCU, há cerca de dois meses, proferiu o Acórdão 1017/2013-Plenário, TC 046.782/2012-5, tendo o relator afirmado que “o Tribunal pacificou a sua jurisprudência em considerar que a sanção prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, que impõe a ‘suspensão temporária para participar em licitação e impedimento para contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos’, tem aplicação restrita ao órgão ou entidade que a aplicou”, de modo a restabelecer “o entendimento já consolidado na sua jurisprudência, no sentido de fazer a distinção nítida entre as sanções previstas nos aludidos incisos III e IV do art. 87 da Lei 8.666/1993, conforme Acórdão 3.243/2012–TCU–Plenário”.

 

Em suma, observa-se que a discussão referente ao âmbito de abrangência da penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93 ainda está em aberto, existindo correntes juridicamente sustentáveis em mais de um sentido, sem que a doutrina e os tribunais tenham consolidado um único entendimento.

 

Desse modo, resta aguardar o desenrolar dos próximos capítulos da controvérsia, a fim de descobrir qual das posições prevalecerá no cenário jurídico pátrio.

 

Referências

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança n. 32.628/SP. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Segunda Turma. Brasília, julgado em 06 de setembro de 2011.

 

______. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1017/2013-Plenário. Processo TC 046.782/2012-5 (Agravo). Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Plenário. Brasília, julgado em 24 de abril de 2013.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011. 

 

 

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 276. 

[2] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 213. 

 

 

 

LEIA MAIS EM: http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,ambito-de-abrangencia-da-penalidade-prevista-no-art-87-iii-da-lei-de-licitacoes-suspensao-temporaria-exposicao,44018.html